O meu irmão Martim - Afonso Reis Cabral


Mais um texto de Afonso Reis Cabral (ver post anterior) que me fez pensar em muita coisa, quando pensei que tudo já estava dito sobre aborto.
O meu irmão Martim nasceu no dia 22 de Julho de 1991, pouco mais de um ano depois de mim. As poucas lembranças que tenho dele mais novo são como uma fotografia monocromática gravada directamente na minha consciência. Por exemplo, quando ele ainda gatinhava eu punha-me ao seu lado e gatinhava com ele e formavamos os dois uma manada, na verdadeira acessão da palavra (manada, junção de dois ou mais irmãos). Depois, mais tarde, quando eu ia com a minha mãe buscá-lo ao infantário do Carvalhido e ele a descer umas escadas arrastando a mochila. E muitas mais lembranças ou memórias possíveis mas não passíveis de serem descritas…O meu irmão tem gestos simples de puro amor que faz com a maior das naturalidades, gestos que não precisam de palavras. Ou então, depois de uma birra, aproxima-se furtivamente e com um gesto terno diz «Culpa…!». É a dupla aceitação do erro, culpa culpa… desculpa. (Eu já conheço todas as palavras com que ele vive o mundo.)Ou então quando se ri, de uma maneira ao mesmo tempo pura e brincalhona, ou então quando acorda de manhã e é todo mole e segue a minha mãe para todo o lado depois de comer o seu iogurte. O Martim adora pão e iogurte e perde-se noutros mundos e noutras vidas vendo televisão e desenhos animados (quase colado à televisão). Vibra com futebol e acompanha a minha irmã nos gostos musicais, muito diversos dos meus.Insiste, por teimosia, em subir as escadas por etapas: pé direito, depois o esquerdo no mesmo degrau. Pausa. Pé direito, depois o esquerdo… Anda mais rápido, Martim! Pé direito, um degrau, pé esquerdo outro degrau. Quando desce as escadas em direcção à carrinha para ir para o colégio, como não tem ninguém que o incomode: pé direito, depois o esquerdo no mesmo degrau. Pausa. Pé direito, depois o esquerdo…Por vezes é muito teimoso e embora perceba perfeitamente o que se está a dizer, divaga propositadamente para os seus assuntos favoritos e então uma ladainha desenfreada sobre tudo e sobre nada é proferida com o maior encanto do mundo.Umas vezes quando volta do colégio vem todo irritado, outras falador, outras macambúzio, outras indiferente, outras gracejando, outras saltitando. Vem sempre feliz.Tem uma rotina muito certa, o meu irmão Martim. Colégio, pão, televisão, banho, jantar, cama. No meio disto tudo decide chatear-me um pouco, mas enfim…E, depois, quando se deita, antes mesmo de fechar os olhos e de cair nos braços de Morfeu, diz, abafado pelos lençóis: «Bo noite, mano!» Boa noite Martim. (Irrita-se imenso quando eu oiço música ao mesmo tempo que leio.)E então, já a dormir, irremediavelmente destapa os pés.
No entanto, eu já tive mais direitos que o meu irmão Martim. Há apenas quinze anos atrás as nossas vidas poderiam nunca se ter encontrado e o meu irmão poderia estar morto.Com que direito teve o meu irmão menos direitos que eu? Com que direito o Estado definiu que o meu irmão poderia ter sido morto mesmo antes de nascer e eu não? Porque é que eu tinha o direito à vida e o Martim não?Com que direito é que o meu irmão Martim, por ter o Sindroma de Down, poderia ter sido morto? Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes ainda não nascidos até aos 6 meses de gestação?E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?

Comentários:
Não tem a referencia do blog. Podiam dizer-me?
 
"Não tem a referencia do blog. Podiam dizer-me?"
Tem o link na última frase.
 
www.janelar.blogspot.com

Um abraço
 
Lembro, em todo o caso, que não é o problema deste tocante post aquilo que vai estar em causa no referendo... não está em causa evitar que a lei, a esse respeito diga o que diz. O que está em causa é, apenas, a liberalização do aborto até às 10 semanas! Não mais. Não menos!
 
tem toda a razão, mas de vez em quando, ajuda subir acima do barulho das luzes e ver as coisas duma forma mais global...
 
É verdade, Jorge. Mas há quem insista em encurralar os defensores do "não" em aspectos que, sendo mais polémicos, se prestam a menor consenso. E uma mesma resposta à pergunta do referendo ("não") pode bem esconder uma completamente diferente visão "global" como lhe chama sobre este assunto...
 
O post será comovente mas não tem nada que ver com a pergunta que vai a referendo (e as perguntas que são feitas no post, valha-as Deus, de tão tolinhas que são).

Será que o autor do post reparou que a decisão de abortar é, sempre, da mãe ? E que, por isso, o seu irmão podia e poderá, mesmo com a lei que vai ser referendada, viver ?

Não puxem ao sentimento, que nada ganham...
 
Caro Anonymous:

Como a mãe do Martim optou por não lhe tirar a vida depois de lhe dar a vida, para si, tudo bem. E os Martim's cujas mães não tomaram essa decisão?

Só prova que vcs não querem ir à questão essencial: todo o ser humano tem direito à vida, e o feto é um ser humano. Ponto.
 
Caro ANÓNIMO (A):
O autor do post é meu filho. Aliás o meu quinto filho. E a questão central do post é a de que o Estado entende que há pessoas ainda não nascidas com menos direitos do que outras. Esta era e continua a ser a questão. Nem mais nem menos.
 
Este post é um disparate pegado. A lei não vai obrigar mulher alguma a abortar um feto com deficiências. Essa decisão cabe à mãe, nada mais. Há quem tenha coragem e quem não tenha. E há quem tenha coragem e não tenha condições familiares ou financeiras. A vida não é a preto e branco, há muitos cinzentos.

Fico feliz por o Martim ser tão amado, mas dizer que há 15 anos atrás o Estado obrigaria a sua mãe a abortar é mentira.
 
Exma Mazinha:
Certamente, por distração não leu bem o post. Em sítio algum está escrito que o Estado obrigaria (ou obriga) a abortar. O que lá está escrito é que para o Estado um deficiente tem menos direito á vida.
De facto a Lei não é cinzenta. Está lá escrito preto no branco (alínea c do Artigo 142 do Decreto Lei 48/95)
 
Eu sei que não está escrito. Mas a parte final do texto insinua claramente que por vontade do estado, crianças como o Martim não nasceriam. E isso é mentira.
A decisão cabe aos pais. E nem todos têm estruturas familiares e financeiras para arcar com a responsabilidade de uma criança destas. Tenho na minha rua um rapaz como o Martim. (talvez mais grave)Tem 19 anos e os pais, na casa dos 50 e tal, estão aterrados com o futuro dele. Porquê? Porque não têm dinheiro para que mais tarde ele possa ser internado num bom lar e a irmã já fez saber que tem as filhas e marido dela, que não pode tomar conta dele. Quem tomará conta conta do Zé? o Estado? o mesmo Estado que o obrigou a frequentar uma escola normal e recusou ajuda financeira para que ele fosse para uma escola a 30 kms, especializada em crianças com este problema?

É muitro fácil fácil atirar pedras às decisões dos outros do alto das nossas casas confortáveis e famílias unidas...
 
Exma. Mazinha

O texto que escrevi não insinua que por vontade do Estado pessoas como o meu irmão não nasceriam, o texto esclarece peremptoriamente um facto que não é propriamente esse. O que eu digo no texto é que aos olhos do Estado e da lei, bebés até aos seis meses de gestação com deficiências congénitas têm menos direito à vida do que bebés sem deficiência até aos seis meses de gestação. Constato um facto que considero extremamente injusto e revoltante. Daí a dizer que o Estado quer ver pessoas como o meu irmão mortas, vai um passo bastante grande. Digo apenas que o Estado dá a possibilidade de escolha.
Ponto assente.
Pergunto: é o facto de uma pessoa ser mais ou menos deficiente que gere a felicidade? Quantas pessoas que não têm deficiências são infelizes, não têm meios de subsistência, etc? Quantas pessoas não deficientes geram infelicidade? (Posso continuar…)
O Estado, em vez de estar a financiar abortos com o dinheiro dos nossos impostos, deveria estar a criar estruturas para ajudar as famílias carenciadas, deveria aumentar o abono de família, etc… (Segundo o que diz, como tudo já está mal, vamos fazer com que isto fique ainda pior.)
Julga que o Zé gostaria de ter sido morto? Quantos Zés sem deficiências existem? Quem decide e com que autoridade qual deles tem mais direito à vida até aos seis meses de gestação?

É muito fácil atirar calhaus dizendo que os outros atiram pedras.
 
Certo Afonso,
A mazinha até nem é assim tão mázinha como isso. O que ela não sabe é gerir os seus sentimentos e de sentimental passou a sentimentaloide. E essa sentimentaloidisse dominou-lhe a razão e em consequència, perdeu-a.
 
Não sou sentimentaloide coisa nenhuma. Nem sequer escrevi que defendo o aborto de crianças deficientes. Defendo apenas que é uma decisão que cabe aos pais. Porque são os pais que vão arcar com a responsabilidade desse filho, mais ninguém. O Estado balda-se. Conheço bem o caso do Zé: o pai ganha cerca de 500 euros e a mãe teve de deixar de trabalhar porque não tem onde deixar o filho. Não há amas para miúdos de 19 anos que têm imensa força, saltam muros, partem loiça e têm ataques de violência, fogem de casa, etc.
Vocês limitam-se a falar no valor supremo da vida da criança. E o direito à felicidade dos pais? Melhor ainda: a uma vida normal.
Se aqueles pais hoje teriam optado por um aborto se não tivessem sido tão influenciados pela familia e o padre amigo? teriam sim, eles mesmo o dizem.
Familia essa que defende o "direito à vida" desde que não tenham que ajudar...

Aparentemente, sou sentimentaloide apenas porque falo num caso concreto. Por mim, tudo bem. Sei bem o que vejo...
 
OK Mazinha!
Tenha calma.
Continuo a achar que é uma sentimentaloide. E para além de sentimentaloide admite que os fins justificam os meios.
Sendo assim, estamos conversados!
See you later alighator!
 
Afonso eça de queiroz cabral e jorge lima

Se todo o feto é ser humano e, logo, tem direito à vida, porque é que abortar na sequência de uma violação não é crime ?

A Marta é uma idiota.
 
Anónimo das 15.13,

Leia os inúmeros posts que já foram escritos neste blog sobre o assunto. Não basta que um facto seja ilícito para que seja crime.
 
Marta:
Referiu-se á minha mãe?
É que se se referiu á minha mãe, para não se ficar a perder absolutamente nada, a minha mãe teria de ter feito 9 (nove) abortos!!!
 
Afonso:

Não percebi o seu comentário. Foi para mim?
 
Marta Rebelo:
Não Marta, foi para outra Marta (mas não Rebelo) que produziu um comentário inqualificável e que por isso não repito.
Cumprimentos
 





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