Ainda o Prós e Contras (3)

Vital Moreira não quer que o Código Penal esteja "ao serviço de uma moral particular" (esquecendo que há variadíssimas morais particulares no "não").
Lembrar-me-ei desta frase daqui a um ano, quando o PS tentar introduzir o casamento gay no Código Civil - sem referendo.

Comentários:
mas Vital Moreira não é do PS

Real
 
«daqui a um ano» e «contra a vontade da maioria dos portugueses»? O Sr. Picoito não só conhece o programa do PS melhor que o próprio PS como tem o dedo no pulso na nação. Ou fez um referendo nacional sobre o casamento gay sem dizer nada a ninguém? Ou é simplesmente um excelente astrólogo?
 
E de novo, quem impõe o quê? Quem quer casar e não pode, ou quem não deixa que outros casem?
 
Não costuma ser muito boa ideia misturar questões...
 
Maria C., vejo que não tem acompanhado as últimas movimentações nesta matéria. Não é preciso ser astrólogo: basta ter lido nos jornais as declarações do líder da JS sobre o assunto. A ideia, se bem me lembro, é avançar com uma causa fracturante de cada vez. Sendo realmente melhor não misturar as duas coisas, como diz o comentário anterior, e uma vez que isto vem a título de exemplo, resta-me propor-lhe que falemos daqui a um ano.
 
ó picoito
não fique já a espumar e em pânico a andar de costas para as paredes.
se essa coisa vier a acontecer é para permitir que os gays se casem lá ENTRE ELES. o meu amigo não vai ser obrigado a casar com nenhum.
haja calma!!!
 
Minha nossa Senhora!!!! Que cabeça baralhada, meu Deus...

Agora a sério, suscita-se aqui um ponto interessante, que convida à tão propalada necessidade de centrar o debate. Prende-se com a disponibilidade por parte do legislador penal de certos valores jurídicos transpositivos, dos quais se desentranham exigências normativo-jurídicas válidas e vinculantes. É que o debate é tão só esse. Qual a relação do direito com os bens axiológico culturais de uma colectividade? Deve incorporá-los e pura e simplesmente especulá-los? Se assim for, o direito converte-se numa tábua de valores ético-social,monolítica, autolegitimada apriori, e com uma índole sobretudo simbólica, senão apenas proclamatória, que prescinde aliás de toda e qualquer coonestação fáctica. No fundo, trata-se da lei cristã, na versão de S. Paulo, com todas as ambiguidades que a cercam. Uma lei que deve ser cumprida, mas cuja transgressão pode ser relevada por misericordia, uma vez que o agapé que nos irmana em Cristo, é muito superior a qualquer regra humana. Ou então é a negação por princípio do crime - kantiana ou hegelianamente considerada - e portanto, a ser executada e cumprida por necessidade dialéctica ou nos termos de uma Gesinnungsethik que independe do mundo, que o inconsidera. Parece que as coisas não podem ser assim, sob pena de ficarmos escravos de um horizonte cultural que sendo transsubjectivo e por conseguinte transcendente ao indivíduo solipsisticamente considerado, não deixa de ser uma criação cultural e histórica, que carece de imensas determinações empírico-sociais e mediações reais (argumentativas, desde logo) até se cristalizar em normas não só válidas como eficazes e, por conseguinte, vigentes; e de, por outro lado, querermos reduzir o direito que tem uma voz e um sentido autónomos ao apelo absoluto que o “rosto do Outro” nos lança inapelavelmente, deixando-nos cativos dele. Acontece que o direito respeita às relações que as pessoas entabulam no mundo, a propósito e por meio dele, num quadro de intersubjectividade e tensão entre individualidade e socialidade. Logo tem de estabelecer relações. E ao fazê-lo relativiza-nos. Tem de ponderar valores, de comparar exigências. Pretensões essas que eticamente são muitas vezes incomensuráveis, note-se. Mas que não podem afirmar-se como tal no direito. Querer manter um crime sem prescrever castigo, é fazer tomar o direito por uma moralität hegeliana (mas preenchida por uma sittlichkeit concreta - que é aliás a minha - judaico-cristã e católica). "Und so schlimmer für die Tatsachen..."
Salvo melhor aviso, entendo que o legislador não é inteiramente livre de intervir na tutela da vida intra-uterina. Não pode por exemplo deixar de a garantir. E é mister que o faça no ordenamento jurídico-penal, embora com as cautelas a que a violência deste aconselha. Mas mesmo aí, esse bem, jurídicamente encarado, é constrangido a conviver com outros, sendo necessário que uns e outros se conformem mutuamente. O mesmo sucede com o próprio bem vida. Sabem-no os senhores do CDS que apoiam o não e defenderam a invasão violenta de um país, sabendo bem que ela ia custar vidas...(mas não é altura de discutir a doutrina da guerra justa...). Ora essa concordância prática não está realizada à partida. É aí que intervém o legislador histórico, a comunidade concreta, enquadrada e fundada nos valores que constituem o "imaginário social", a episteme do seu tempo, mas também e sobretudo, democraticamente inteirada, considerando os interesses reais imediatos das pessoas, os dados sociológicos, as consequências das várias estratégias legislativas e técnicas legísticas. Mais precisamente, equacionando os fins que ao direito penal incumbe realizar neste caso - a saber, a tutela dos bens e a prevenção geral e especial - e o modo de os exprimir normativamente e implementar (perdoe-se a palavra horrível, mas é muito tarde e estou cansado demais para cuidados de estilo, ou até para a acribologia mais elementar...) regulativamente. Proibir o abortamento como princípio normativo, em nome da defesa da vida intra-uterina parece-me correcto. Mas é-o igualmente, admitir causas de exclusão da ilicitude que, conquanto ética ou moralmente inadmissíveis, porque desconformes com uma postura imperativamente categórica, são juridicamente incontornáveis por força da presença concorrente de outros valores. Tomadas em conta as intenções de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas, de socialização dos agentes, de protecção de bens jurídicos, tenho para mim como bondosa, perfeitamente razoável, jurídico-PENALMENTE falando a solução que vai a referendo. A autodeterminação da mulher que aqui avulta não é, em meu entender o livre alvedrio, antes uma manifestação profunda, ao nível ontológico, de uma opção pessoal, e portanto um bem radicado na dignidade humana. É quase uma autonomia qualificada, para a qual importa concorrer, fornecendo as condições materiais da sua concreção (informação, acompanhamento, sossego) aquela que surge no âmbito vertente, pois que não lobrigo decisão mais importante, mais conformadora das "opções de ser" de uma mulher, do que esta. Não se trata da mera liberdade da vontade, como causa sui, consumida na mera subjectividade infundamentada. Por outro lado, o marco das dez semanas tendo o seu quê de arbitrário (e mais uma vez irrepercutível no plano ético) - como todos os outros no direito (pense-se na maioridade...) é aceitável pelas razões que têm sido aduzidas. O bem vida, para mim que sou um cristão católico, existe desde que se forma um genoma, mas o direito não pode ignorar os matizes, que vai adquirindo com o tempo, as metamorfoses que sofre. Há marcos juridicamente relevantes, posto que eticamente indiferentes. De uma óptica ética não haverá porventura mudanças qualitativas muito significativas, soluções de continuidade nítidas, desde que surge o ovo até à morte. Para o direito tem de haver. Decidir o contrário seria sacrificar a autodeterminação da mulher - em relação à qual não é (etica e JURIDICAMENTE) legítimo que haja, por princípio, desconfianças ou reservas mentais - a um valor que apesar da sua dignidade espiritual tem uma consistência, um grau de encarnação insuficiente para justificar a prevalência COMPLETA. Bem vistas as coisas, a mulher não é visitada pelo anjo Gabriel, nem por uma prima, quando toma conhecimento do resultado do teste de gravidez. Não é, do ponto de vista jurídico, o mero veículo ou instrumento de uma apofania, a depositária de um dom intocável, de um bem que a transcende. Essa visão aflige-me pelas suas implicações, e pela degradação da gravidez, do fenómeno da gestação, da criação de um ser a partir de outro. Porque é um que gera o outro, do mesmo modo que desempenhamos muitas outras funções vitais que não deixam de ter para um crente a fulguração do milagre. Só em abstracto podemos apartar demasiado os bens. Em concreto eles fundem-se na realidade e devem sopesar-se na lei. Os nossos corpos para o direito não são templos contendo no altar, a alma eterna.

Por isso, voto sim. Quero acreditar que no voto não - que é mais FÁCIL, mais cómodo, mais tranquilizante (tudo fica bem no plano da moralidade abstracta da razão pura prática, mais consentâneo com a intuição que temos do espírito colectivo) - o sentimento é tão forte, a convicção tão profunda, que as expressões públicas não podem deixar de ser sinceras. Mas posts como este entristecem-me. A vontade de poder e de domínio, a intolerância e a incompreensão do pluralismo (que não é de facto uma neutralidade, uma indiferença (por exemplo face às opções sexuais), antes um valor propositivo, o pessimismo antropológico, deixam-se vislumbrar avonde.
Tenho lido o vosso blog com muito respeito e genuinamente agradecido, pelo esforço de racionalização das vossas posições, de fundamentação das propostas que avançam. O que eu tenho por pouco aggiornata não é a vossa visão da vida, e sim a vossa ideia do direito e da sua relação com a ética. Muitos dos defensores do não acreditam piamente no que dizem. Mas muitos não se conhecem a si mesmos, tal como não conhecem, nem querem conhecer, os outros. E dizem coisas abomináveis. Chegam a cegar! Defender o Aguiar-Branco que teve uma prestação confrangedora de tão ignorante, irreflectida, superficial não me parece normal, muito sinceramente. Também acho por vezes deslocados argumentos que o sim esgrime. Nas hostes do sim há imensos preconceitos e estereótipos culturais. Por trás da campanha, há de facto mundivisões diferentes. É normal que elas se reflictam no debate, mas igualmente que todos curem de as suspender, quando perturbam a seriedade do diálogo. A campanha da Igreja a que pertenço é amiúde torpe, desesperada, chega a instrumentalizar os fetos para defender a punição. Se não acreditasse juraria que o desvelo se prende com a manutenção do dogma e a conservação da autoridade social da Igreja. Posição deveras estólida, diga-se de passagem. A Igreja não vai a votos e os seus ditames valem independentemente de os compreendermos ou acatarmos. Este é um tema aliás que nem sequer me inspira grande proselitismo, porque me tenho por pecador indisponível para julgamentos alheios, para censuras a quem quer que seja. De mim dificilmente voará a primeira pedra. Mas no não há muito quem censure nos outros os comportamentos que não ousou ter. Que queira imputar aos outros uma responsabilidade correlativa da liberdade... que não se concedeu a si mesmo. Só isso explica o medo, o terrível medo do que as mulheres possam fazer, da arbitrariedade da sua conduta, da banalização do mal. A suspeição face à vida real, que tanto prezam em abstracto, num plano puramente ideal.
Por outra parte, é tão bom continuarmos a ter uma lei que nos reconforta nas nossas convicções, que proclama os valores em que nos revemos, mesmo que sejam abomináveis para largas franjas da população e tenham efeitos que repudiamos. São os "efeitos secundários ou colaterais"...
Não estou à espera que o direito, tão imperfeito como nós, nos salve ou nos redima, ou que dê sentido pleno à nossa vida.
E agora vou dormir que é tarde. Boa noite e bom trabalho


Luís António Malheiro Meneses do Vale
 
Mas também vos incomoda que os gays casem entre si? Que tal se olhassem para as vossas próprias barrigas, para as vossas próprias gravidezes, para os vossos próprios partos, paras os vossos próprios parceiros sexuais, sentimentais ou afins, em vez de viverem obcecados em dominar o que fazem os outros?

Basta de quererem impôr a vossa fé e a vossa moral muito própria e conservadora a todos os que vos rodeiam. Sejam felizes nas vossas convicções, mas não as defendam como imposições!
 
amigo da onça dixit:
ó picoito
não fique já a espumar e em pânico a andar de costas para as paredes.
se essa coisa vier a acontecer é para permitir que os gays se casem lá ENTRE ELES. o meu amigo não vai ser obrigado a casar com nenhum.
haja calma!!!

este comentário é um pouco homofóbico, pá ... "lá entre eles"?
 
Cheira-me que o Picoito anda doido para a legalização do casamento gay para finalmente sair do armário. Há apelidos que não enganam.... hehehehe
 
É, de facto, melhor não misturar temas completamente não-relacionados. Mas já que o fez, tenho a dizer-lhe que:

1) enquanto cidadão português voto SIM porque não me cabe a mim nem a si decidir o que a mulher deve fazer quando confrontada com as situações em que uma IVG (nos limites temporais agora propostos) se justifica. E não me venha com o argumento da "defesa da vida", porque nessa óptica não existiria contracepção de emergência (vulgo pílula do dia seguinte), ou possibilidade de abortar em caso de violação ou malformações.

2) enquanto cidadão português homossexual não estaria a prejudicá-lo nem tão pouco lhe deveria explicações se um dia decidisse proferir os votos do casamento a um indivíduo do mesmo sexo que o meu (aos olhos do estado e não da igreja, entenda-se).

Que necessidade tão grande a sua (a vossa) de regulamentarizar a vida dos outros nos aspectos que não lhe(s) dizem respeito...
 





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