Assobiar para o lado III

"Dizes que não estás a defender um valor absoluto. OK. Então para quê defender a criminalização? Quando se defende uma lei que criminaliza é porque se acredita em qualquer coisa de absoluto, ou não?"

Não.

"Corrigi-me se estiver enganado."

Pois bem, caro Henrique, cá estou eu.

Apenas dois exemplos simples e "de escola":

1. Se uma pessoa matar outra em legítima defesa, funciona uma cláusula de exclusão da ilicitude. O direito à vida é comprimido (logo, não é absoluto) mas isso não impede que o homicídio seja um crime.

2. Existe no direito português o direito de expropriação por utilidade pública. O direito de propriedade recua perante aquele (logo, não é absoluto) mas tal não impede que o furto seja crime.

Podia continuar até à náusea. Como bem compreenderás, se só criminalizássemos condutas em que considerássemos estarem envolvidos bens absolutos, nenhum crime existiria no sistema jurídico. Não há nenhum bem absoluto. A discussão, repito, deve assentar na forma como conjugamos os valores em conflito e não em profissões de fé sobre apenas um dos lados do problema - a "inviolabilidade" da vida humana ou o direito à livre disposição do corpo ou a liberdade de conformação do destino de cada um ou a saúde pública, etc.

Para mim, como já te disse, a lei actual, com o esteio fundamental no direito à vida e as suas cláusulas de não punibilidade traduz o melhor equilíbrio de todos os dados em jogo, garantindo na medida possível a consagração da liberdade individual, a saúde psíquica e física da mulher e até - no que é um aspecto bastante polémico do lado no "Não" mas que eu em princípio não contesto - o direito a ter um filho saudável.

Da tua parte é que ainda não percebi minimamente qual o lugar do direito à vida. Por isso to pergunto de novo, ilustrando a interpelação com uma frase que me diz tanto como seguramente de diz a ti:

We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.

(Esqueçamos a natureza divina dos direitos e as diferenças ideológicas montanhosas que existem entre o direito à felicidade e o direito à busca da felicidade.)

Vida, Liberdade e Busca da Felicidade. São estes, e por esta ordem de importância, os valores centrais de uma democracia liberal. Sei que nisto não me contestas. Quase todas as questões fundamentais de uma sociedade moderna exigem a relativização mútua dos três, pelo que a sua discussão exige que os abordemos a todos, explicando as razões da sua posição na hierarquia dos valores em causa.

E a verdade é que ainda não te li seja o que for sobre qual é, afinal, nesta sensaboria do aborto, o lugar do direito à vida.

Comentários:
Carissimos, descobri algo interessante. Afinal o estudo encomendado pela APF em Novembro até é um forte argumento. Não lhe tinha dado o devido crédito. Acho mesmo que nele existem fortes argumentos, mas pelo NÃO.
Senão vejamos... o tal estudo considera que o aborto clandestino parece que é feito em "vãos de escada" com condições estranhamente miseráveis. É que as senhores que responderam ao estudo dizem que as condições de higiene e privacidade são (em média) cerca de 3.5 - numa escala de 0 a 4 em que 4 são condiçoes muito boas e 3 são condições boas.
Por outro lado, o mesmo estudo, bem coerente com a posição tomada pela associação que o divulga, por sinal, diz que 90,5% das mulheres nunca teve problemas após a prática abortiva. Está lá, podem consultar! Ups, lá se vai outro argumento das condições miseráveis e das gravissimas consequencias que o aborto traz para as mulheres que depois vão entupir os hospitais em conseuqencia desses abortos feitos em vãos de escada com condições de higiene muito boas...

NOTA: Sou claramente contra o aborto. Acho irónico, para nao dizer ridiculo é que numa conferencia de imprensa uma Associação Nacional apenas divulgue o que lhe interessa divulgar. Estranhamente, afinal eles têm provas que o que tanto apregoam pode até nem ser verdade. Quem julga a verdade do estudo em causa?!?! Eu não serei concerteza mas que achei engraçado ler este estudo, ai isso achei.

Cumprimentos
 
Sofisma puro. Aceitando que existe um direito à vida por parte do feto, as cláusulas de não punibilidade previstas na actual lei não podem ser aceitáveis. É certo que não existem valores absolutos à luz do direito penal, contudo não deixa de existir uma hierarquia entre os vários bens protegidos pelo direito penal, hierarquia essa que tem o direito à vida como valor supremo(ainda que, repita-se, não absoluto).
É fácil e conveniente usar o caracter não absoluto dos bens jurídicos para poder enxertar à força toda e qualquer cláusula de não punibilidade.

Aliás, tratando-se de direito à vida, continuo sem perceber a descriminação gritante que pessoas como o Francisco votam a essas pessoas que são os fetos e que, só por não terem nascido completos e com vida, não têm a protecção que o Francisco tem, por exemplo, com a tipificação do crime de homicídio. Pior. Os fetos podem até perder o seu direito à vida graças a clausulas de exclusão que o Francisco, vá se lá saber porquê, não admite no caso de se tratar de uma pessoa nascida. Porque não admitir que,"traduzindo o melhor equilíbrio de todos os dados em jogo", se possa, por exemplo, matar uma pessoa para lá da situação de legítima defesa?

Deixe lá a táctica política e o pragmatismo eleitoral e seja consequente naquilo que defende. Fazia melhor figura.

Cumprimentos
 
Será que os juristas dos diversos ramos não entendem que a questão que temos presente os transcende? Falta-lhes inteligência?
Têm, com certeza, direito a opinião sobre se o aborto é crime ou vai deixar de ser - e, por favor, deixem lá essa coisa das dez semanas. Ou é ou não é.
Terão imenso com que se entreter depois se, no final, a Lei tiver de ser alterada.
Para já, o que importa é esclarecer as pessoas, o Povo, que o feto é um Ser Humano desde a sua concepção e que não há IVG porque uma vida não se interrompe. Ou seja, o aborto - um desmancho - é matar um Ser Humano.
 





blogue do não