Dando voz ao sim!

A criminalização do aborto é essencial para evitar a transformação do mesmo num método contraceptivo, para evitar a sua banalização.
Há mulheres que abortam porque sim, porque não dá jeito ter um filho. Há mulheres que abortam uma vez e voltariam a abortar vezes sem conta, sem a mínima noção da gravidade do acto atentatório da vida de outro ser humano.
Há mulheres que abortam tendo todas as condições para sustentar o filho que, livremente, geraram.
Quem o diz é uma defensora do sim. Dando-lhe a palavra:
"O aborto não é, nem nunca foi, um problema específico de "pobrezinhas". Penso, aliás, que a maioria das mulheres que já abortou deve pertencer aquilo que se chama classe-média. (...)
Por muito racionais que sejamos momentos há em que a desgraçada da razão, tadita, leva um senhor tareão e desaparece durante um bocado. Estou a fazer a apologia do sexo não protegido? Claro que não, estou a limitar-me a constatar que, por vezes, falhamos. Acontece... Quer seja por motivos fisiológicos, quer seja por "calores", todos nós , uma vez na vida, tivemos um deslize, um momento, que pode resultar numa gravidez.(...)
Posso parecer pedante mas parece-me que é por achar que um filho é algo demasiado valioso, demasiado importante, que defendo que casos há em que a IVG faz todo o sentido. Já abortei. Se me arrependo? Não, de todo. Naquele momento da minha vida foi a decisão que me pareceu certa e fi-lo. De ânimo leve? Não, claro que não. Ponderei muito bem todas as "variáveis" e, no fim desse processo, não hesitei.(...)
Recorri a uma parteira muito cuidadosa, profissional, com todas as condições necessárias para fazer uma interrupção medicamente segura... mas na clandestinidade, claro. E esse fardo é tremendamente pesado. Por muito que nos tentem fazer passar a mensagem de que ninguém em Portugal vai a tribunal por causa de um aborto (o que é falso, casos recentes isso demonstram) sente-se um enorme frio na barriga. Sabemos que a qualquer momento nos pode aparecer a polícia à frente. Se me perguntarem se tenho memórias negras desse dia muito objectivamente terei que responder que não. (...)
Sofro por causa da minha decisão? Não, não sofro, não tenho nenhum sentimento de culpa a pairar sobre a minha existência e não fiquei traumatizada com a situação. Não sou, felizmente, caso único. Milhares de mulheres já tiveram que, num momento ou outro, fazer uma interrupção e, não fosse a ilegalidade a que são obrigadas, não teriam, tal como eu, recordações especialmente negras da situação(...)
Se me visse de novo na mesma situação faria o mesmo? Muito provavelmente. Ter mais filhos não faz parte do meu projecto de vida para o futuro
Ter filhos pequenos fez sentido em certos momentos, agora, que começam a voar sozinhos, não faz. Até porque não reduzo a minha condição de mulher ao papel de mãe. E, sim, tomo as devidas precauções para não engravidar mas, ao contrário de muitos, não tenho fé absoluta nos métodos contraceptivos. Sou mulher pouco dada a fés, é o que é."
Maria João Pires, Sim no Referendo

Comentários:
Se a minha mãe, por hipótese, confessasse, com todo este à-vontade e falta de arrependimento, que tinha morto um irmão meu, não sei como a conseguiria encarar novamente.

Por muito que quisesse esquecer, a lembrança do irmão morto - que poderia ser eu próprio - estaria sempre presente.

Nasci com 2,1 kg. Na Esparta antiga, bebés com esse peso eram atirados do monte abaixo. Felizmente, na nossa sociedade, com os nossos valores éticos e meios técnicos, bebés com esse peso são considerados perfeitamente saudáveis, amados e têm as mesmas oportunidades que quaisquer outros. É isso a evolução, é isso que é "moderno". Não são as práticas medievais, agora apregoadas como "modernas".
 
Onde é que leu nesse texto que a autora do texto tinha feito um aborto "porque sim"?
 
Mas o que querem vocês? que as mulheres que abortaram tenho uma atitude de coitadinhas, arrependidas e a pedir o vosso perdão? Custa-vos assim tanto perceber que uma mulher que aborta pode ser uma boa mãe para os filhos que já tem?

Nuno: pretender ter superioridade moral sobre a própria mãe é coisa de menino mimado. Eu nunca julgaria a minha mãe por um aborto que ela tivesse feito. Mas lá está, o meu amor por ela não depende de ela acreditar ou não nos mesmos valores que eu.
 
Mafalda,

Sabe qual é o problema? Estas pessoas têm efectivamente uma racionalidade muito diferente da nossa. Na sua racionalidade não acreditam, tal como a Mafalda ou eu, que já existe ali uma vida. Ou melhor, ás tantas acreditam mas acham que o seu "direito de opção" (como lhe chamam) é superior e se impõe a essa vida.

Nestes casos, percebo que estamos em estradas paralelas que nunca se cruzarão.

PS - Afinal a liberalização vinha mesmo a calhar a quem não quer ter muito em que pensar.
Estas pessoas defendem o facilitismo em vez de uma sexualidade consciente.

Sou mulher e só fiquei grávida quando quis!
 
Cara Ka,

tem toda a razão.
Contra o que tentam fazer crer, os acérrimos defensores do sim não param dois segundos para pensar no embrião. Não aceitam a ideia de responsabilidade inerente ao livre agir humano. E querem, acima de tudo, transformar o aborto num método contraceptivo.

Porque defender a vida de todos - incluindo os embriões - é um imperativo civilizacional, porque sem responsabilidade a pessoa humana deixa de ser pensável, eu voto não.

Este texto é fundamental. Claramente, uma defensora do sim mostra o que está subjacente a toda a retórica que usam: o aborto sempre, porque sim.
E, curiosamente, admite que estas situações (que queremos combater) não afectam só as mulheres de classes sociais baixas.
Mais do que isso... a leitura atenta do que ali é relatado na primeira pessoa permite perceber claramente o efeito dissuasor da lei actual.

Obrigada, Ka, pelos seus contributos neste blogue.

Mafalda
 
Não devem ter lido o texto todo. A autora diz que pratica a contracepção
 
Tenha andado a fazer sensibilização sobre o referendo em vários lugares da zona onde vivo. Tenho escolhido precisamente as zonas mais esquecidas, porque sei que outros farão essa sensibilização nos grandes centros.
Tenho procurado dizer às pessoas que o seu voto conta e que é importante dizermos NÃO à liberalização do aborto.

De entre as zonas onde tenho estado muitas delas são as mais pobres das redondezas. Fui num desses lugares que estive neste fim-de-semana. Para mim foi uma lição.

Muitas vezes me tinha perguntado se podia falar de condições e de falta delas, a partir da minha condição de vida.
Conheci pessoas com dificuldades claras e uma firmeza completa: onde comem dois comem três. Matar NÃO.

Tocou-me porque a sua voz não vem nos jornais, não vem nos blogs, não chega a ninguém. Mas pode ir de porta em porta, olhos nos olhos.

Fui eu que saí reforçado na minha convicção. Fui esclarecer e saí esclarecido: Matar NÃO.
 
CAro/a anónimo/a das 2:03,

Apesar de ter a certeza que é assim. é reconfortante ter essa realidade aqui descrita.

Motiva-me a empenhar-me ainda mais até ao dia 11 para que possa chamar a atenção do maior nº de pessoas para a pergunta enganadora e falaciosa que vai ser feita.
Quem tem a real noção do que está em causa, não aceita contribuir para se matarem seres humanos só porque sim.
 
Há um velho ditado que diz: quem vai à guerra dá e leva! Mesmo fazendo-se contracepção, se aparece uma gravidez e, particularmente, se se tem capacidades para ter a criança não deve ser permitido que se faça um aborto.
 
Toda esta gente que fala de barriga cheia dá-me pena...
Por mais voltas que lhe dêem, eu acho que se há um conflito de interesses entre um embrião e uma mulher, com responsabilidades na vida, talvez já com filhos, talvez já com encargos aos quais não se pode furtar; talvez com problemas físicos que, apesar de não serem de risco de vida, são muito penosos e incapacitantes; talvez com pessoas idosas a cargo, talvez com um ordenado mínimo ou sem ele, talvez com um companheiro que desapareceu perante a futura paternidade; talvez porque consideram que um filho não é um Nenuco ou uma Barbie, um filho é algo de muito sério que exige o nosso compromisso a 100% e para toda a vida, e nesse momento não podem corresponder a esse compromisso; seja pelo que for, se há um conflito de interesses entre os dois, a minha consciência diz-me para apoiar a mulher, qualquer que seja a sua decisão. Eu nem quero saber qual é o motivo - se ela o decidiu, é porque tem motivos para isso. E, quem acha que não, está a passar um grandessíssimo atestado de estupidez àquela mulher, às mulheres todas.
-- Atomina
 
Atomina,

essa do atestado de estupidez é verdadeiramente estúpida e só prova que há efectivamente actos estúpidos mesmo em pessoas inteligentes.

O facto de haver uma mulher que pratica um acto estúpido não faz dela uma mulher estúpida e muito menos faz das mulheres todas estúpidas.

Quem mata tem sempre razões para matar. Isso não significa que vamos legalizar todos os crimes de morte. Podemos, quanto muito, despenalizar aqueles casos em que as razões objectivas - não são as subjectivas, são os factos, comprováveis e comprovados - são suficientemente fortes para se desconsiderar a vida humana do feto em favor de um direito de escolha da mulher. Sem essas razões explícitas, não são as razões subjectivas que poderão justificar essa escolha. Não é por a mulher ser estúpida. É porque o mundo não acaba no seu umbigo.
 





blogue do não