Deve haver algo na nossa Santa Constituição que proíba esta desproporcionalidade (agora com adenda)

«O que está em debate não é, por isso, o "aborto a pedido". É o alargamento das razões em que não se condena a mulher em tribunal»

Não é verdade o que diz hoje o Daniel Oliveira no Expresso. Como muito bem se explica nas declarações de voto de vencido dos juízes do TC - que o João Gonçalves publicou lá em baixo -, o que está verdadeiramente em causa na pergunta referendada não é a introdução de uma outra situação de não punibildade de uma conduta ilícita (como acontece com as excepções já consagradas). Ao acrescentar à questão o pormenor do "estabelecimento de saúde legalmente autorizado", o aborto passa a ser automaticamente um "direito a uma prestação social" e, portanto, uma conduta lícita (e não meramente, como nas situações já excepcionadas, uma conduta ilícita mas não punível).

Deste modo, se o "sim" ganhasse, chegaríamos à seguinte solução juridicamente incongruente:

De um lado, teríamos - como temos hoje - a lei a considerar não puníveis mas ainda ilícitas situações de diminuição da protecção do bem jurídico vida intra-uterina em virtude da ocorrência e avaliação de uma série de razões ponderosas;

Do outro, a lei passaria a considerar, mais do que não puníveis, verdadeiramente lícitas condutas pelas quais aquele bem jurídico é violado sem qualquer ponderação de valores conflituantes.

(Adenda: Se a lei fosse alterada, qual seria a inserção sistemática da alteração? Se, como diz o Daniel Oliveira, estamos apenas perante a possibilidade do "alargamento das razões em que não se condena a mulher em tribunal", presumo que a ideia é a coisa passar a figurar no texto do artigo 142ª do Código Penal. Ora, este artigo trata - esclarece a sua epígrafe - da "interrupção da gravidez não punível". A conduta não é punida, mas é ilícita.

Logo, a aprovar-se uma nova alínea segundo a qual constitui ilícito não punível a prática de aborto nas primeiras dez semanas de gestação em "estabelecimento de saúde legalmente autorizado", teríamos o Estado a legislar no sentido de se permitir a si próprio a prática de condutas que também ele próprio considera ilícitas. Seguramente que o Tribunal Constitucional voltaria a ter uma palavra a dizer sobre o assunto).

Comentários:
O TC enquanto órgão pronunciou-se claramente. Muito mais claramente do que os senhores querem fazer crer. Não é o JG nem o FMS que têm a incumbência de zelar pela constitucionalidade das leis mas sim os juízes do TC cuja maioria se pronunciou pela costitucionalidade. Não vejo que vexas tenham a qualidade necessária para assumir tal cargo. Quanto à declaração de voto ela é apenas isso: a declaração de voto de alguém que perdeu largamente a votação. Se não querem que o sistema continue a funcionar assim façam uma revolução! Até lá está salvaguardada a legalidade pelo pronunciamento daquele órgão. Passemos adiante que temos um problema para resolver. O exercício onanista com a caneta ou com o teclado do computador a pretexto da jurisprudência podem guardá-la para outra tertúlia.
 
Mas afinal onde é que eu ou o João comentámos a decisão do TC e nos mostrámos descontentes com o "sistema"? Esta gente lê as coisas como lhe apetece. Vá mas é passear.
(e eu que tenho por princípio não responder à canalha dos anónimos)
 
Caro Francisco mendes da silva não sei nem quero saber quem é a sua pessoa, assinar ou deixar anonimo vai da escolha de cada um, contando a opinião e a ideia transmitida.
Mas ainda mais lhe digo é triste qd na falta de argumentos desanca na pessoa de opinião contraria.
Tenha juizo e deixe v. exa de ser "canalha".
 
O que poderia ter alguma importância era os senhores assumirem de uma vez por todas ao que vêm. Por exemplo declararem inequívocamente que a vossa argumentação tem por base uma opção religiosa. E a propósito já reparou como um a um vêm deixando caír a máscara os postadores deste blog? Basta provocá-los um bocadinho (ver os comentários).

Quanto à discussnao perdoe-se-me o desabafo mas qual questão civilizacional, qual ciência, qual psicologia, qual jurisprudência?
Aliás é sintomático a forma como a malta se mobiliza para esta questão e não mexe palha para resolver uns 20 problemas muito mais graves de que enferma a sociedade. Depois do Bush vir com a conversa de que a Qaueda era a fonte dos males do mundo só faltava agora vir esta gente pretender que o aborto é a fonte da violência, da ilegalidade e inconstitucionalidade, da infelicidade conjugal e não sei mais quê.
 
A sua hipótese é gira. Vou propôr aos assistentes que a usem como material de trabalho nas aulas. Como exercício de delírio.

F. Migueis
 
Francisco Mendes da Silva,
Uma questão: nas excepções previstas na Lei actual, a mulher pode abortar no SNS ou não pode recorrer ao SNS mas não será punida se abortar clandestinamente?

Anonymous (14/1/07 00:08),
O TC enquanto órgão pronunciou-se claramente.
8 pronunciaram-se pela não-inconstitucionalidade e 7 pronunciaram-se pela inconstitucionalidade, (quase?) todos com votos de vencido. O termo "claramente" parece-me excessivo.
 
Parece-me necessário explicar-lhe que a legalização da IVG não vai obrigar ninguém a abortar porque ai sim estariamos perante uma inconstitucionalidade, o que se pretende é que quem decida abortar o possa fazer em condições de fisicas e psicológicas humanamente aceitaveis. Quem não quizer abortar vai continuar a poder não fazer-lo, NINGUÉM TEM QUE ABORTAR SÓ PORQUE A LEI JÁ NÃO REPRIME A LIBERDADE INDIVIDUAL, ao contrário do que acontece actualmente em que a sociedade impõe a vontade de alguns contra o direito à liberdade individual.
 
red,

O problema da despenalização do aborto a pedido não reside em as mulheres passarem a ser obrigadas a abortar. E, como ninguém afirmou que seria assim, o seu esclarecimento não adianta nada à discussão além de ruído.

O problema do aborto a pedido é que passa a ser permitido que se mate um feto humano (por enquanto até às 10 semanas) apenas porque sim, como se este não fosse nada, não tivesse nenhum valor ou direito.
Se se reconhece que o feto humano, mesmo antes das 10 semanas, é um ser vivo então não se pode concordar com o aborto a pedido. As dificuldades que fazem com que uma mulher/família não possa ter uma criança são justificação para evitar uma gravidez, não para acabar com uma vida.

Se se permitir o aborto a pedido até às 10 semanas, qual é o passo seguinte? Até às 12? E depois? Até às 16 ou 24? A termo?
Se se admite o aborto a pedido até às 10 semanas mas não a termo, isso quer dizer que haverá um momento entre a 10ª semana e o termo da gravidez em que o feto passa a ter direito à vida. Quando é esse momento? Que critério foi utilizado para o definir?

São estas as questões fundamentais que devem ser respondidas no início da discussão sobre o aborto a pedido. E estas questões não são científicas, porque a Ciência diz que há vida humana desde a concepção e o direito à vida não deriva da Ciência. Estas questões são éticas (para alguns serão morais mas sou agnóstico pelo que a moral não me diz nada) e as respostas variarão de pessoa para pessoa. Mas têem que ser respondidas, não ignoradas porque a alguns não convéem as respostas.

Quanto ao exercício da liberdade individual, a nossa liberdade só vai até onde começa a dos outros. Se, num aborto, apenas estiver envolvida a mulher, então abortar a pedido é uma questão de liberdade individual. Mas, se se considerar que no aborto estão envolvidos outros agentes, nomeadamente o nascituro e o outro progenitor, então a questão vai muito além da mera liberdade individual.
 
Quem são os membros do tribunal constitucional? Que sabem eles para além das leis que empinaram no curso de "direito". Têm alguma noção da vida em geral ou das Ciências que se desenvolvem aceleradamente a cada instante? Têm alguma percepção do que é o Humanismo? Sabem o que é o ser humano?
Até hoje, ainda não conheci nenhum, e conheci muitos, que não tenha recorrido - sempre com a possível discrição - a amigos para resolver e trabalhar sobre as muitas matérias que desconhecem em absoluto.
É impensável aceitar que a Sociedade Portuguesa se deixe conduzir por gente que, podendo ser competente no conhecimento das leis - e do tal "direito" - é profundamente ignorante, já não digo das mais elevadas preocupações do Homem mas da vida comum do dia a dia.
É uma lástima...
 





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