NÃO SE TRATA SÓ DE ACRESCENTAR UMA ALÍNEA AO ARTIGO 142.º

Que outras pessoas façam estas confusões, até se pode compreender, mas que venham da boca de José Miguel Júdice, versado em direito, é inesperado.
Defende José Miguel Júdice que é incompatível aceitar a lei actual, mas não aceitar o alargamento proposto pelo “sim” no referendo. Que os defensores do “não”, para serem coerentes, deveriam lutar pela “repenalização”.
É melhor esclarecer, novamente. O que vai a referendo é bastante mais do que acrescentar uma alínea ao artigo 142.º do Código Penal. Enquanto que nestes casos – único meio para evitar o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou a saúde física e psíquica da mulher (sem limite temporal), os mesmos casos, mas quando é apenas indicado e não o único meio existente (até às 12 semanas), malformação ou grave doença do nascituro (até às 24 semanas), gravidez na decorrência de crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual (16 semanas) – há sempre dois valores conflituantes que o direito procura hierarquizar, dando a prevalência ao direito da mulher a escolher terminar com a gravidez, na alínea que se pretende acrescentar não se exige este esforço de comparabilidade de proporcionalidade. Abre-se assim a porta para que em muitos casos não haja qualquer interesse ou valor relevante da mulher que deva prevalecer sobre o direito à vida do feto.
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O que está em causa neste referendo não é se concordamos com as excepções à penalização já previstas na lei. O que se pergunta é se até às 10 semanas deixa de ser necessário considerar as situações particulares de cada caso (como a prática judiciária tem feito entre nós), para passar a consagrar um direito da mulher a exigir o aborto em qualquer circunstância. Enquanto nos casos da lei actual, concorde-se ou não com a escolha da lei, é possível encontrar interesses conflituantes, de valor se não igual pelo menos aproximado, na liberalização do aborto até às 10 semanas esse aspecto é inexistente. A vida humana gerada por uma violação não é diferente daquela gerada por um acto consentido, mas o direito entende que seria um sacrifício excessivo obrigar aquela mulher a suportar aquela gravidez.
Concordando-se ou não com a lei actual (e por isso se diz com frequência que há muitos “nãos”) é inegável perceber que com uma resposta “sim” o paradigma da lei muda radicalmente. O que era excepção passará a ser regra, a ser direito subjectivo. É contra isto que estamos todos os que defendemos o NÃO.

Comentários:
Não se trata só de uma alínea. Há outra proposta nova no decreto lei aprovado - a alínea c - que propõe a despenalização ATÉ ÀS 16 SEMANAS "por razões de natureza económica ou social". Os cidadãos vão votar 10 semanas e , na prática, aprovar a despenalização até às 16, pelas sobreditas "razões".

É estranho e inquietante que não se denuncie esta situação.
 





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