CRIME, QUEREM ELES!

Conhecedor mediano que sou da ciência jurídica, é com algum horror que oiço, com perigosa sistematicidade, que os defensores do “Não” ao aborto o que querem mesmo, lá no fundo, é perseguir criminalmente as mulheres que não encontram outra solução para os graves problemas em que se encontram… Como se ganhassem eles uma comissãozinha por cada mulher que desse entrada nos calabouços! Pura demagogia, premeditada falácia!

Um crime, para os menos entendidos, pressupõe simultaneamente a existência de um facto ilícito – o acto abortivo propriamente dito – e de culpa. Ou seja, não comete um crime aquele que pratica um facto ilícito sem que para isso tenha contribuído, censuravelmente, a sua vontade. O mesmo é dizer: exige-se uma censura típica, a qual não pode ser apreciada pelos precipitados critérios próprios de uma conversa de café.

Se pode aparentemente repugnar a ideia de ver cumprir pena uma mulher que, asfixiada por pressões várias e vítima de violências muitas, aceita que o filho que carrega deixe de viver, já não suscita a mesma reacção de bonomia aquela que, reclamando a propriedade do seu corpo, não acha oportuno que nasça quem cresce dentro da sua barriga… São, como se pode intuir, situações diferentes que deverão reclamar eventualmente tratamento diferenciado. E não me parece que seja sério sustentar que, para se evitar a injustiça (meramente teórica, insisto) da condenação da primeira mulher, se ofereça a liberalização de todo e qualquer acto que vise acabar com a vida intra-uterina de uma pessoa. O processo penal, mesmo antes da fase do julgamento, tem expedientes que, assentando na apreciação casuística de um determinado comportamento, permitem evitar as consequências que, por unanimidade, recusamos. Contudo, mesmo nesses casos, não haverá nunca a concessão de que o facto é, em si, lícito. Será sempre ilícito, mas não criminoso. Essa justiça do caso concreto, a que também se chama equidade, não se compadece com generalizações abstractas e, por isso, perigosas…

Acresce que propositadamente esquecem (ou não querem fazer lembrar) os agitadores desta bandeira da liberalização que, na apreciação criminal de um aborto, não só a mulher grávida é agente…

Comentários:
olá,

eu espero, mas espero sinceramente, que vocês nunca tenham 20 anos e se rompa um preservativo. numa altura em que têm sonhos, faculdade, uma vida de adolescente, pais "caretas" para aturar, e outras coisas más.

espero que isto nunca vos aconteça, nem aos vossos filhos.

espero q nunca tenham d ir a espanha, gastar alguns euros e fazer " a coisa" anonimamente.

espero sinceramente que não.

mas como, infelizmente, isto pode acontecer a mim, e aos vossos filhos, então eu voto sim pela interrupção. pq nem as pessoas mais precavidas podem dizer q nenhum mal alguma vez lhes acontecerá. pq nem as mais precavidas terão sempre oportunidade de ter um filho.

espero q nc se vejam numa situação destas.

andré
 
Plagiando-o deixe-me dizer-lhe o seguinte (muito sinceramente e sem ironia):

Conhecedora mediana que sou dos emoções humanas, é com algum horror que oiço, com perigosa sistematicidade, que os defensores do “sim” ao aborto o que querem mesmo, lá no fundo, é ter uma vida sexual mais que activa e mais que inconsciente e depois matar crianças como se fosse um método contraceptivo… Como se ganhassem eles uma comissãozinha por cada mulher que desse entrada numa clínica pró-IVG! Pura demagogia, premeditada falácia!
 
Se é jurista, é fraquito, porque não percebeu que, não havendo prova absolutamente indiscutível sobre o momento em que a vida começa, a penalização de qualquer muçher que aborta voluntariamente representa apenas e só a imposição de uma visão da moral sobre outra.

Leia no dicionário o significado de proselitismo e perceberá o que digo.
 
O primeiro comentário é espantoso e espelha bem o pensamento e motivação de grande parte do "sim" que vai votar. É o aborto como corolário e consequência lógica da absoluta irresponsabilidade e desrespeito pelo Outro.

Já o jurista que me antecede também é fraquinho. Porque não havendo - para ele - prova absolutamente indiscutível do momento do início da Vida, parece desconhecer aquilo a que aqui poderíamos chamar de "in dubio pro vitae", que é exactamente o que manda o bom senso e a prudência - já para não mencionar a Justiça, que é suposto defender a parte mais "fraca".
 
Diz o rapazito que falou em primeiro lugar que é favor do aborto "pq nem as pessoas mais precavidas podem dizer q nenhum mal alguma vez lhes acontecerá". Nenhum mal !!! Ó meu menino uma criança não é nenhum mal, é uma dádiva a que um dia ainda podes dar valor, quando cresceres e fores um homenzinho, se lá chegares.
 
olá,

nenhum mal era ali encarado no sentido lato e n, necessariamente, qnd falava da gravidez. parece-me óbvio, agora que releio o primeiro post.

"O primeiro comentário é espantoso e espelha bem o pensamento e motivação de grande parte do "sim" que vai votar. É o aborto como corolário e consequência lógica da absoluta irresponsabilidade e desrespeito pelo Outro."

"o primeiro comentário" espelha unicamente uma opinião sincera e o mais imparcial possível. sobretudo, não tenta impor a ninguém o sim ou o não. tb n conta a minha história verdadeira, conta a minha estória, ou a sua, ou a d qq pessoa.

espero q o aborto venha a ser livre. e eu cá estarei para não o fazer, porque posso e porque quero ter um filho. mas estarei cá para votar sim, pq n vendo doutrina nem imponho a minha realidade, e todo o meu conjunto de "verdades" a ninguém.

andré
 
Anonymous das 20:47,
Sou jurista, e muito provavelmente fraquito, mas, com todo o respeito próprio de quem está a ser avaliado, sei bem que qualquer definição de crime, do homicídio à fraude fiscal, representa a imposição de uma visão moral sobre a outra que aceita o seu contrário. Sempre.

Leia quaisquer lições de direito penal e perceberá o que quero dizer.
 
Alice,
Não sou dos que pensam como esses que sugere... acredite. O único propósito da minha intervenção é defender a vida dos que ainda não nasceram... Não faço juízos de valor sobre quem aborta, mas não me coíbo de defender intransigentemente o direito ao próprio nascimento. Esse direito para mim é sagrado. Indisponível.

Em todo o caso, obrigado pela ironia, sempre um sinal de inteligência.
 
O Pombo é o maior. Onde é q este gajo andava até agora? Ainda nos vamos rir c a ironia deste cromo. Parabéns meu!
 
O André não que que lhe imponham moral.
Mas quer que a SUA falta de moral prevaleça sobre tudo o resto.
O direito à vida é um direito de valor absoluto.
A sua responsabilidade não pode estar dependente de um pedaço de latex que, a qualquer instante e sem aviso, pode romper.
Por isso, tenha as relações que quiser, mas pense nas consequências e seja homem para assumi-las.

Peço desculpas pelo espaço que tomei, mas é esta a minha posição.
 
"O direito à vida é um valor absoluto"

Explique-me então, num caso em que a gravidez apresente um risco para a vida da mãe, como escolher entre o "direito absoluto" do feto e o "direito absoluto" da mãe.

E já agora, não sei se está familiarizada com aqueles casos, felizmente raríssimos, de foetus in feti, em que um feto não-nascido cresce como parasita dentro do corpo do seu gémeo nascido. Alamjan Nematilaev, um rapazinho do Cazaquistão a quem essa condição foi diagnosticada em 2003, teve de ser operado, tendo sido retirado do seu sistema um saco com cabelos e alguns dentes, com parte de um sistema circulatório e um sistema de reflexos nervosos rudimentar. Diga-me: o direito absoluto à vida também deveria ter sido aqui aplicado?

Caso ache que não, então terá de rever a posição do direito absoluto, e de pensar melhor porque é que a teima em aplicar a um feto com menos de 10 semanas (os únicos casos a que a lei se aplica) que não tem sequer um sistema nervoso central nem uma ligação entre o tálamo e o córtex.

Papagueie os lugares-comuns que quiser, mas leve os raciocínios até ao seu termo. Senão arrisca-se a que as suas ideias se assemelhem a abortos.
 
Já ouviu o coração de um feto de 10 semanas?
 
O caso que apresenta em primeiro lugar está contemplado na Lei. E aplica-se o direito à vida também. Neste caso, existe o confronto entre o direito à vida da mãe e à do filho por nascer. É muito diferente do confronto que actualmente causa tanta polémica que é o direito à liberdade da mulher (que está bem) e o direito à vida do bebé por nascer.
Por isso, não se confunda nem confunda.

No segundo caso que me falou, o direito à vida continua a aplicar-se, uma vez que o feto que se implantou no irmão gémeo parou de se desenvolver, ficando apenas vestígios de um feto que, naturalmente, veio a morrer - o que disse ser "um saco com cabelos (...)".
Há casos em que o gémeo "parasita" ameaça a vida do seu irmão, e aí sim, estamos novamente perante o caso de duas vidas estarem no mesmo plano. Não há outro valor que queira competir com o da vida, pelo que aceito que seja feita uma intervenção de forma a poder salvar a vida de um deles.
Quando digo que o valor da vida é absoluto, é porque o mesmo está acima de todos os outros, incluíndo o da liberdade.
O que aqui se discute é a vontade de alguns em que valores que não têm sentido sem haver uma vida que deles beneficie, queiram ser mais altos que o da própria vida em si.
Daí que me insurja contra o argumento de que a liberdade de uma mulher, cuja vida não corra risco absolutamente nenhum, seja mais importante do que a VIDA do filho que tem dentro de si.
 
"Sou jurista, e muito provavelmente fraquito, mas, com todo o respeito próprio de quem está a ser avaliado, sei bem que qualquer definição de crime, do homicídio à fraude fiscal, representa a imposição de uma visão moral sobre a outra que aceita o seu contrário. Sempre."

Hmm, será que queria dizer "ética"? Não é bem a mesma coisa. E chumbava na avaliação se dissesse "moral", ah isso chumbava.
 
Sim, já ouvi o coração de um feto de 10 semanas. Na minha profissão, é coisa que se ouve bastante. E também já vi um cadáver sem batida cardíaca ter espasmos musculares. Não percebo é o que é que isso tem a ver com a conversa.
Mas volto a insistir: levando o seu argumento até às últimas consequências, então chega-se a uma posição, na minha opinião, que é o extremo da intolerância. As suas duas premissas são, se não estou em erro - 1. um feto com menos de 10 semanas é uma "vida" igual a qualquer outra. 2. o direito à vida é absoluto e sobrepõe-se a todos os outros.
Nesse caso, nem a lei actual lhe deve agradar, pois abre excepções para casos de incesto e violação, casos onde claramente se está a sobrepor ao direito à "vida" do feto outros valores, como a dignidade da mãe. O que eu lhe queria fazer entender é que segundo o seu raciocínio não pode haver excepções.
É nisso que realmente acredita?
 
Sim, no meu raciocínio não há, de facto excepções. Entendeu-me bem. Nem mesmo no caso de incesto ou violação. Em ambos, quem acaba por pagar é a criança por nascer - que não tem culpa absolutamente nenhuma desses actos.
No entanto, embora discorde, compreendo que uma mulher que foi violada recorra ao aborto, dado que foi vítima de um acto CONTRA A SUA VONTADE. Discordo à luz dos meus valores morais, mas compreendo a posição da mulher. No entanto, o aborto não lhe tira o trauma de ter sido violada e pode muito bem trazer-lhe outro. É caso para a mulher ser devidamente acompanhada, social e afectivamente, coisa que rareia nos dias de hoje...
Repito: à luz dos meus valores morais, eu discordo em absoluto que outros valores se imponham ao único que vale por si mesmo e que, sem o qual, todos os outros não têm sentido. No entanto, mostro-me compreensiva com a Lei actual, pois contempla casos dramáticos.
Não é uma questão de me agradar, ou não. Já viu se as leis fossem feitas para agradar? Havia de ser bonito!!! Assim, a Lei não estaria acima de todos!
Tenha um bom dia! :)
 
Caro Nuno Pombo!

Apenas um post para agradecer a tua entrada no debate que, como se pode ver pelos comentários prós e contras, vai ser muito apreciada...

Relativamente ao tema gostei sobretudo do debate intenso entre a vida do feto e o rompimento do preservativo, acho que é elucidativo... e promete...

Abraço!
 
olá,

eu não imponho a minha falta de valores (ou moral, ou lá o que foi q escreveu) a ng. o aborto será livre, quer queira quer n. vc n o fará pq terá essa hipótese, felizmente.
 
O Nuno Pombo é o maior! Viva à VIDA! VIva ao Rei!
 
maiquelnaite,
Apesar de me ter limitado a usar a palavra eleita pelo meu interlocutor, aceito o reparo que entendeu fazer... Pese a meu favor o facto de ter admitido que quem não sabe distinguir a vida da morte pudesse achar a distinção entre a ética e a moral demasiado sibilina.
 
Nuno Pombo:
Aceito a sua aceitação. Aceito também que se simplifique um discurso quando se fala com não-especialistas na matéria. Não aceito que essa simplificação se faça sacrificando o cerne da questão: a censura ética que existe em todas as manifestações criminalizadoras não é uma censura moral, ponto final. Não se fale de moral quando se fala de crimes, aceita isto também?
 
maiquelnaite,
Com o devido respeito, e sem prejuízo de achar que o problema que levanta tem inegável interesse filosófico e até jusfilosófico, não me parece sirva a discussão que aqui pretendemos travar. Moral ou ética, o que prevalece na incriminação do aborto é a mesma dimensão que pontifica nos demais crimes cujo bem jurídico é a defesa da dignidade da pessoa e da vida humana. Aceita isto?
 
Não, não aceito, por vários motivos:
1-Cito-o:"(...)sem prejuízo de achar que o problema que levanta tem inegável interesse filosófico e até jusfilosófico(...)".
O problema que levantei tem todo o interesse para a discussão que aqui pretendemos travar (pelo menos a que eu prentendo) porque a pergunta que vai ser feita aos portugueses é acerca da penalização do abortamento. Não se vai perguntar se se acha bem ou mal (moralmente reprovável), vai-se perguntar se se deve ir parar à prisão por isso. Daí que o que me parece completamente irrelevante é discutir a moralidade do abortamento, a discussão que o Nuno quer ter (acerca da moralidade do abortamento) é que é lateral á questão (puramente penal) levantada pelo referendo. Discutir moral é de uma esterelidade entediante, você tem a sua, eu tenho a minha, (e até acho que devem ser muito parecidas) e não se chega mais longe. É uma não-discussão.

2-O bem jurídico visado pelo crime de aborto não é a "dignidade da pessoa e da vida humana". O artigo 140º trata de um "crime contra as pessoas" e especificamente penaliza um "crime contra a vida intra-uterina", conferindo uma prtoecção menor a esse bem jurídico (a vida intra-uterina) do que aquela que confere ao bem jurídico "vida humana" (ou para ser rigoroso "vida humana de outra pessoa que não o agente"), previstos nos arts 131º e seguintes.

3-Além disto tudo, nem sequer é nunca o desvalor ético (muito menos moral) que justifica a criminalização de qualquer comportamento. Há muitos comportamentos ética (e moralmente) reprováveis que não são crime. Há por outro lado comportamentos que não são moralmente reprováveis e são crime. O que justifica a criminalização (e punição) de um comportamento não é o desvalor ético da acção, esse desvalor é apenas uma necessidade para que o comportamento possa ser punido. O que "prevalece na incriminação do aborto" é saber se há necessidade de tutela penal para o bem jurídico "vida intra-uterina" da forma como está, neste momento, na lei.
 
Ó Dr. Nuno Pombo, se V. ainda acredita que o Direito Penal é uma sábia ponderação da moral geralmente aceite pela sociedade, então não é jurista, acredita é no Pai Natal.

Mas sigamos por um momento a sua tese.

Se o Direito Penal é a vitória, na lei, de uma visão da moral sobre outra ou outras, porque razão é que não defende a revogação da lei actual, consagrando, sem peias, o crime de aborto, nomeadamente nos casos de violação ?

Ou acha que a moral, uma vez consagrada na Lei, já não se pode mudar ?

Segunda nota: V. acha mesmo, mas acha mesmo, que há uma visão moral, partilhada pela sociedade, sobre o momento do início da vida ?
 





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