E por último...
PERÍODO DE REFLEXÃO
Etiquetas: aborto, Artur ou a Felicidade de Viver, Françoise Giroud, Johann Strauss
To a child dancing in the wind
What need have you to care
For wind or water`s roar?
And tumble out your hair
That the salt drops have wet;
Being young you have not known
The fool`s triumph, nor yet
Love lost as soon as won,
Nor the best labourer dead
And all the sheaves to bind.
What need have you to dread
The monstruous crying of wind?
W. B. Yeats, Responsabilities (1914)
(Como os mais atentos terão notado, o meu modesto esforço de campanha termina com as palavras de um poeta morto. De modo tão proclamadamente "manhoso", espero fugir à ameaça policial que os inquisidores-queixinhas do "sim", ou as suas completíssimas agendas, têm vertido sobre nós de cada vez que citamos um verso. É possível, no entanto, que os súbitos zelotas da propriedade privada - das metáforas, pelo menos - descubram nos arquivos da teosofia que Yeats seria a favor do aborto livre. É possível. Em minha defesa, recordo apenas que o homem lutou de armas na mão pela independência da Irlanda, esse objecto de escárnio do mundo civilizado, esse ancoradouro medieval da Europa, essa verde jangada de talibãs do Norte. E pior do que um irlandês furioso, só o fantasma de um irlandês furioso. Ou um poema em maltês ou polaco. Não querem, pois não? Então até Domingo.)
Antes que seja tarde, NÃO!
Finalmente preocupo-me que os valores cristãos da sacralidade do indivíduo, único e irrepetível, sejam paulatinamente relativizados por uma crescente e voraz cultura do hedonismo e cego materialismo. E por isso, seja qual for o resultado, segunda-feira cedo prometo que continuarei a fazer, se possível intensificar, a minha minúscula mas esforçada contribuição para um mundo melhor. Mais do que com as palavras, acredito que deixamos alguma coisa neste mundo pelos nossos actos e comportamentos no quotidiano. E aí, reconheço, abre-se-nos sempre um interminável campo de acção.
Chegámos então ao fim da campanha, chega assim ao fim a minha participação neste projecto. Seja qual for o resultado, na segunda-feira estarei orgulhoso de ter participado nesta ideia, de ter embarcado no Blogue do Não. Fico orgulhoso de ter pertencido a este grupo de homens e mulheres que, superando as suas diferenças, durante mais de quatro meses assumiram com coragem e abnegação uma intervenção pública a favor de uma causa: o NÃO ao aborto livre.
Obrigado então a todos os companheiros com quem partilhei estes tempos de luta, de tanta emoção, mails, nervos e esperança! E fico também obrigado para com os amigos que descobri -ou reencontrei - na poeira desta batalha. A nossa luta continua para a semana, faça sol ou faça chuva.
Dia 11 vota NÃO
porque tremeu o «sim» com os cartazes do «não»
O «não», desde cedo, insistiu em mostrar imagens de fetos com dez semanas.
O «sim» desde logo acusou o «não» de explorar sentimentalismos toscos, e de não ter pejo ou vergonha na selecção das armas.
O «não», naturalmente, prosseguiu com a exibição de imagens uma vez que não há que ter vergonha de mostrar algo que existe: um feto de dez semanas.
O «sim», naturalmente, prosseguiu na condenação das imagens, sobretudo porque não tinha imagens de mulheres presas por terem praticado um aborto.
No entanto, e para além desta perspectiva algo limitada e relativa à habilidade das respectivas campanhas, a perturbação do «sim» com as imagens de fetos com dez semanas, deve-se ao facto de, através das mesmas, todos podermos compreender, embora nem sempre explicar, aquilo que está em causa no referendo.
Parte dos argumentos desta campanha centraram-se em dois conceitos chave: o feto, nome atribuído a um determinado estádio do desenvolvimento intra-uterino do ser humano, e a liberdade (da mulher, claro está) na prossecução, ou não, de uma gravidez.
Neste âmbito, muito para além dos argumentos possíveis esgrimidos ao longo destes últimos meses, o que as imagens do feto permitem a todos os eleitores ver, é o seguinte: o feto é bem mais que um feto, e a liberdade da mulher, movida a humores e possivelmente condicionada por episódios semânticos, não basta, em si, para o definir.
É um facto: o feto tem um rosto, tem face, uma cara que nos permite reconhecê-lo naquilo que todos temos em comum, mas também na sua singularidade. Nesse momento, o feto surge-nos como um semelhante. Transforma-se, subitamente, em alguém, e não no quid, no algo, que o «sim» ostensivamente ignorou. Não há, desde modo, nada de mais concreto para a discussão neste referendo que a imagem de um feto de dez semanas: nada há de mais verdadeiro, real e profundo, do que a constatação de que estamos perante uma pessoa, uma verdadeira pessoa, em desenvolvimento, é certo, dependente, com certeza, mas pessoa, que, no sentido clássico, representa já um certo papel perante nós. É, pois, no momento particular em que encamos o rosto daquilo a que queremos negar tutela, que compreendemos muito mais, e muito para além dos conceitos abstractos em debate. Nomeadamente que ele ou ela, o feto, é já sujeito numa relação - com a mãe -, da qual nasce uma responsabilidade para esta.
É curioso: numa campanha em que o «sim» apregoou que a dignidade do feto se liga e desliga em função da existência, ou não, do afecto materno, e do valor que a mulher grávida, entende, em cada momento, atribuir ao filho, foi, portanto, a divulgação de um rosto que mais irritou o «sim».
Existem inúmeros argumentos técnicos para justificar o «sim». Mas afinal, como definiu Buber, uma pessoa é o entre que está face a face. Uma pessoa não é algo de técnico, matemático, abstracto, biológico. Não é um conceito que depende do ligar e desligar de afectos de terceiros. A vida não explicamos, não condicionamos: compreendemos. Posto isto, domingo não referendamos somente o destino das vidas que as mães carregam consigo, mas a própria ousadia de virarmos a cara ao rosto que compreendemos, em nome de argumentos que apenas explicamos.
Via: 31 da Armada.
Pela Matilde, pelo Zé Pedro...
Dia 11 vota NÃO
Não
Porque conheço quem o praticou e os efeitos que causou.
Porque sei qual a dimensão do negócio do aborto.
Porque não esqueço as notícias sobre “prémios de produtividade” em clínicas de aborto.
Porque a liberalização do aborto aumenta a sua prática e não acaba com o aborto clandestino.
Porque o aborto já é a maior causa de mortalidade em vários países.
Porque quero mais e melhor para as mulheres do meu país.
Porque rejeito as tentativas de desumanização da vida humana em progressão.
Porque me indignam os eufemismos de quem não tem coragem de mostrar aquilo que propõe.
Porque recuso que defendamos para os outros o que não toleraríamos para nós.
Porque todos os sistemas jurídicos civilizados tendem a proteger os mais fracos.
Porque a lei actual tenta um equilíbrio entre bens jurídicos enquanto a proposta do Sim desprotege desrazoavelmente um dos lados.
Porque já tive 10 semanas.
Voto Não
João Vacas
Pela liberdade, pelo «não»
É precisamente por acreditar que a liberdade da mulher deve compreender tudo o que diz respeito à auto-determinação sexual, a escolha do quem, do quando e do como, e a opção não ou nunca, que voto «não». Temos liberdade para planear; temos obrigação de ter critério. Não existe sexualidade sem responsabilidade; assim dignificamos e valorizamos a nossa sexualidade.
É precisamente por acreditar que a concepção é o resultado de uma actuação livre, e que a gravidez ocorre porque a mulher, livremente, dispôs do seu corpo de forma a possibilitar a verificação de um efeito provável, que voto «não». Não somos seres imateriais, embora dominemos as causas de muitos efeitos; assim dignificamos e valorizamos as nossas decisões.
TENS DÚVIDAS? VOTA NÃO.
"Quase tudo foi dito e redito à exaustão.
A campanha do referendo sobre a liberalização total do aborto até às 10 semanas aproxima-se do seu termo.
Seguir-se-á o período de reflexão que antecede imediatamente o voto a 11 de Fevereiro.
No choque de argumentos e de contra-argumentos ficam naturalmente dúvidas naturais, dilemas morais, problemas de consciência.
Passo a explicar como os encaro.
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1º - Primeiro o bébé. Depois a mãe. Estando fundamentalmente em causa uma opção entre a vida ou a morte do primeiro, o único bem jurídico que se lhe poderia opor – em dignidade e importância – seria o da contingência de vida ou morte da mãe. Ora, esta situação-limite encontra-se já contemplada na lei actual da IVG. Por isso, qualquer outro argumento – conveniência, conforto, gravidez indesejada, disposição livre do corpo, simples desejo da mulher grávida, etc. – não pode senão submeter-se ao superior direito à vida, e ao direito a nascer, por parte do filho. Numa sociedade tem de haver prioridades claras. Nem tudo pode ser relativizado.
2º - A mãe não pode ser juiz, quando é parte interessada. Do mesmo modo que o bébé não pode ser réu, quando tem direitos inalienáveis. No tribunal da decisão última em que se joga a vida do bébé quem o defende? É concebível alguém ser condenado à morte sem defesa, sem que se cumpra o elementar direito ao contraditório? Dir-se-á que o bébé não tem voz, não pode fazer ouvir as suas razões. Neste caso - in dubio pro vita – terá forçosamente de se presumir que o bébé quer viver, quer nascer, quer ter a oportunidade de ser ele, único e irrepetível, de poder amar e ser amado. Quem se pode arvorar o poder absoluto de lhe negar esse direito, de dispor unilateralmente da sua vida?
3º - Não a mudar o Código Penal. Sim a aperfeiçoar o Código de Processo Penal. São duas prioridades distintas. O voto NÃO deixará como está o actual artigo 142º do Código Penal e manterá a protecção da vida do bébé excepto nas situações especiais já nele previstas: perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida; doença grave ou malformação congénita incuráveis do filho; gravidez resultante de crime sexual. Impõe-se, outrossim, em termos equilibrados, o ajustamento de disposições suspensivas já contempladas no Código de Processo Penal para proteger a dignidade da mulher que abortou e para lhe assegurar todos os meios indispensáveis a uma plena recuperação pessoal, social e cidadã. Se o NÃO ganhar e, por birra, uma maioria parlamentar impedir que, em sede de Processo Penal, se proteja a mulher ... ficará evidenciado quem quer efectivamente que “a mulher vá para a cadeia”.
4º - Pena sem crime, nunca. Crime sem pena, com certeza, desde que as circunstâncias concretas o determinem. É esse mesmo o princípio fundamental da administração da justiça num ordem jurídica evoluída. Os magistrados não se querem autómatos, meros tecnocratas da aplicação da moldura penal. Querem-se ponderados, justos e humanos, capazes de discernir, perante o drama humano em presença, a solução mais adequada à plena recuperação e integração da pessoa que foi levada a abortar em circunstâncias difíceis. Todos os dias, nos tribunais portugueses, há arguidos, acusados de crime mais ou menos graves, aos quais não se aplica pena porque a ponderação das circunstâncias concretas e contextuais assim o aconselham. Outra forma de entender a função jurisdicional seria aberrante e deploravelmente mecanizada.
5º - Ter um filho é um acto moral. Engravidar não pode ser um mero acidente. Isto é sobretudo evidente quando, nunca como hoje, se aperfeiçoaram métodos eficazes de contracepção. Ao Estado pede-se, exige-se, uma tomada de posição clara, um empenhamento efectivo na educação sexual dos seus cidadão; para que a concepção seja cada vez mais responsável e responsabilizante. Ao Estado pede-se, exige-se, que ultrapasse a sua confrangedora inoperância neste domínio e que não queira aligeirar a sua responsabilidade propondo o aborto livre aos que mais mereceriam a sua protecção: as mulheres fragilizadas, os segmentos populacionais mais vulneráveis, os casais menos esclarecidos. Caso contrário, em vez de termos mulheres a abortar em Espanha passaremos a ter clínicas privadas estrangeiras a instalar-se em Portugal, e a enriquecer-se à custa dos abortos que, obviamente, não encontrarão condições de realização nos depauperados estabelecimentos públicos de saúde do nosso país.
A maioria esmagadora dos portugueses anseia por uma solução equilibrada, sensata e eticamente aceitável.
Ela é, só pode ser uma.
Votar não no referendo para proteger a vida.
Exigir sim dos legisladores na construção de uma solução adequada à protecção e dignificação da mulher.
Tens dúvidas? Vota NÃO."
Roberto Carneiro
7 de Fevereiro de 2007
Dia 11 vota NÃO
VOTO NÃO
Porque o aborto a pedido retira toda e qualquer tutela ao embrião.
Porque aceitando a lei actual peço à mãe que suporte a compressão dos seus direitos durante nove meses, mas ao permitir o aborto a pedido elimino pura e simplesmente e para sempre os direitos do embrião.
Porque a actual lei é mais justa e equilibrada pois já permite a ponderação dos direitos da mãe, sobrepondo-os ao do filho em situações que concretamente o justifiquem. Se não tem sido correctamente aplicada, então pugne-se pela sua adequada aplicação.
Porque o direito ao aborto descriminaliza todos aqueles fazem dele um negócio à custa do sofrimento das mães e da vida dos embriões.
Porque a consagração do direito ao aborto a pedido é um presente envenenado. O aborto não é solução.
Dia 11 voto NÃO.
Declaração de voto NÃO
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Caras(os) amigas(os)
Mais uma vez, vou votar Não no próximo Domingo. Muitos de Vós já o sabíeis, outros certamente desconfiáveis, mas cá está a madrugada a irradiar sobre as suposições: vou votar Não no referendo!
Dia 11 vota NÃO
VOTO NÃO
Voto NÃO, porque defendo a liberdade das mulheres e esta só pode ser compreendida na sua correlação com a responsabilidade – a responsabilidade de assumirem o resultado de uma conduta livre, pela qual se autodeterminaram sexualmente.
Voto NÃO, porque é mentira que todas as mulheres abortem em estados de desespero atendíveis e recuso olhar para o aborto como um método contraceptivo.
Voto NÃO, porque acredito numa sociedade entretecida por laços de solidariedade que não pode oferecer, como solução para o problema da pobreza, numa óptica de eugenia social, o aborto.
Voto NÃO, porque recuso uma sociedade que se oriente para uma cultura de morte, em detrimento de uma cultura de vida; porque recuso um Estado que se anime por uma racionalidade tecnocrática desnudada de qualquer sentido axiológico.
Mário de Sousa, votante sim, esclarece como o limite das 10 semanas é artificial
O meu voto NÃO
No campo dos princípios, porque há um factor incontornável que NÃO pode ceder só porque "Sim": uma vida humana cada vez mais apoiada pela evidência científica.
No campo dos problemas práticos, porque votar "Sim" NÃO é solução para o que leva as mulheres a abortar e NÃO é solução para o aborto clandestino.
Os «Indoors» do BdN - XX
AS RAZÕES DO MEU NÃO
É o que acontece quando as mães/pais podem criar o seu filho mas não o querem naquela altura, não o planearam, não o desejaram profundamente. Mas aconteceu e está lá. Quem aborta com esta motivação, mais não faz que contracepção à posteriori.
Aborto como resposta às grávidas em condições económico-sociais extremas? NÃO!
O aborto não é a solução, é parte do problema. É um problema a erradicar. Com informação, planeamento familiar, fomentando a sexualidade responsável e o apoiando a maternidade. Nenhum destes vectores está esgotado. Estão, isso sim, muitíssimo pouco explorados.
Aborto como solução para a clandestinidade? NÃO!
A clandestinidade é um mal que se combate acabando com as clínicas e com as motivações que levam as mulheres a abortar. O verdadeiro problema é o aborto, seja ele legal ou ilegal.
Aborto pela liberdade de escolha da mulher? NÃO!
Com um Não à desresponsabilização, ao facilitismo e ao egoísmo encerrados no Sim. Porque rejeitar um filho, quer tenha sido desejado ou concebido por descuido, azar ou ignorância, mais não é do que fugir às consequências dos actos praticados livremente.
Votar NÃO
Só depois das dez semanas?
O MÍNIMO QUE SE EXIGE!
O MEU NÃO (JORGE FERREIRA)
Eu voto não.
A vida humana intra-uterina é digna de toda a protecção jurídica e a sua violação, como a da vida em geral, é crime. E continuará a sê-lo. Se ganhar o não, tal como sucede hoje. Se ganhar o sim, a partir das dez semanas. A injunção moral da norma incriminadora, tão abjurada pelos partidários do sim, subsistirá a partir das dez semanas. O que os partidários do sim não conseguem é explicar qual o misterioso facto que justifica a abolição dessa injunção moral até às dez semanas.
Diga-se, aliás, em abono da verdade, que todas as normas penais incriminadoras reflectem e exprimem uma moral, pelo que é absurdo o argumento que se deve votar sim porque supostamente o direito penal deve ser amoral, no sentido de que não deve projectar nenhuma consideração de natureza moral. Esta que está em discussão é de uma humanidade básica. Basta ouvir o que tem sido dito por vários partidários do sim acerca da vida humana intra-uterina. Melhor que eu eles fizeram uma feroz campanha pelo não. De pequeno rato a pinto, de coisa a um resto de período, de tudo se foi ouvindo acerca do feto. O problema é que a humanidade não vale só para quem aborta, deve também valer para um terceiro que, definitivamente, não pediu para existir.
Qual a diferença de um feto com nove semanas e seis dias e de outro com dez semanas e um dia? Ninguém explicou. Ninguém sabe. Como resolver com o sim o problema do aborto clandestino que subsistirá? Ninguém explicou. Ninguém sabe. E ninguém explicou porque a resposta à primeira pergunta é nenhuma e à segunda é não resolve. O que significa que as razões do sim subsistirão mesmo que o sim ganhe.
A opção que se coloca é a meu ver clara: ou se entende que a vida humana intra-uterina é digna de tutela penal e essa tutela terá de ter uma consequência penal ou então, desaparecendo essa tutela terá de desaparecer a consequência. O que não faz para mim sentido é a bizarria de querer criar um crime em teoria e um não crime na prática, por outras palavras um não na urna e um sim no Parlamento. O que retira conteúdo útil ao referendo é levar os cidadãos a votar numa solução, a qual depois não se aplica.
Duas palavras finais. O PS, o PSD e o CDS deviam ter vergonha de nada terem feito nos últimos anos para aplicar o que dizem ser necessário fazer para evitar o aborto. Todos estiveram no Governo, todos tiveram maiorias parlamentares e fizeram rigorosamente nada. Nem sequer foram capazes de estudar a realidade do aborto clandestino para se conhecer a verdadeira dimensão do problema. Por isso soam muito mal as lágrimas de crocodilo sobre a prevenção que esses três partidos agora choram.
Se o sim ganhar no domingo os partidários do não têm a estrita obrigação de continuar a lutar pela realização de novo referendo a realizar o mais tardar até 2016, que foi o tempo que durou o resultado do último referendo. Da mesma forma que os partidários do sim não descansaram enquanto não conseguiram realizar um novo referendo que desse a resposta que eles queriam que o outro tivesse dado.
Jorge Ferreira (publicado de hoje na edição do Semanário)
EU VOTO SIM
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Sim à protecção do ser humano indefeso.
Sim à aplicação da lei actual com equilíbrio e humanidade, não levando sequer a julgamento, como já acontece, mulheres que praticam o aborto em situações pessoais extremas e esmagadoras.
Sim ao aperfeiçoamento da lei actual para aumentar ainda mais o justo equilíbrio entre os direitos da mulher e os do feto.
Sim à punição de abortos realizados com irresponsabilidade e perfeita consciência da gravidade do acto praticado.
Sim ao agravamento de penas para os profissionais do aborto clandestino.
Sim a uma educação sexual digna do nome, que leve em conta os afectos, e não a mera enunciação de dados fisiológicos sem critério.
Sim ao acompanhamento e aconselhamento das grávidas, e ao apoio nos primeiros anos de maternidade.
Sim à continuação de formação de movimentos de voluntariado a favor da grávida e da criança, apoiados por comparticipações do Estado segundo a legislação das IPSS.
Sim ao desmantelar da propaganda libertária que se dedica afincadamente, persistentemente, planeadamente, ao ataque à família e aos valores a que chama pejorativamente «tradicionais», tentando impor uma ciltura de morte integrada numa agenda política mais alargada e inconfessável.
E por todos estes Sins, Domingo só posso votar NÃO.
Os «Indoors» do BdN - XIX
A SUSPEITA DO COSTUME
Dia 11 vota NÃO
Por que voto Não
Partindo deste princípio, entendo que o Estado não só tem o direito, como o dever de limitar a liberdade das pessoas. O seu papel é definir as circunferências ou esferas de liberdade que devem rodear cada indivíduo, de forma a impedir que esbarrarem umas nas outras ou se anulem mutuamente. E a política, mais do que tudo, é a arte de gerir esse poder público de limitar a liberdade sem simultaneamente dar cabo dela.---
Na questão do aborto há dois valores em confronto: a liberdade de escolher terminar uma gravidez e o direito de viver até nascer. Claro que, se se considerar que "aquilo" que está dentro do útero materno não é uma vida, ou não é uma vida humana, a questão do confronto não se põe. As "coisas" e os animais não têm que ter liberdades ou direitos. Mas, hoje, a vida do embrião é uma evidência científica. E sendo o embrião humano, humana tem que ser a sua vida. Não uma vida de valor igual à vida de uma pessoa nascida. Um embrião não é o mesmo que uma pessoa. Mas, ainda assim, uma vida humana. E Logo, um valor que importa proteger.
É aí que aparece o Estado, a Lei, a lei penal. Pode ou não a liberdade de escolha prevalecer sobre o direito do embrião a viver? Em que casos pode? Em que casos não pode? São estas as grandes questões que o aborto põe.
Se partirmos de um pressuposto rousseauniano, de que o homem é sempre bom, de que os seus instintos são sempre positivos, de que a sua vontade é sempre responsável, e admitirmos também que bondade, positividade e responsabilidade são conceitos inequívocos, podemos então concluir que a liberdade de escolha, em qualquer circunstância, é sempre uma liberdade inofensiva. O homem infalivelmente bom usará a sua liberdade apenas para fazer o bem.
Sucede que eu não parto desse pressuposto, mas sim de um outro: a natureza humana é híbrida. O homem é capaz do bem e do mal. O homem é capaz de acções positivas e acções negativas. O homem é capaz de ser responsável e irresponsável. O homem é, por natureza, um ser ambivalente. Daí a necessidade de, através de normas gerais e abstractas, condicionar os seus comportamentos de modo a conformá-los com os comportamentos alheios e permitir assim a vida em sociedade. Daí a necessidade de proibir e punir quem infringe. Daí o direito penal.
Ora, do princípio de que parto, o aborto, por ser um acto humano, é também um acto susceptível de ser praticado pelas mais variadas razões. Umas boas, outras más; umas ponderadas, outras não; umas graves, outras leves; umas maiores; outras menores. Por isso recuso em absoluto a ideia de que um aborto é algo que só é feito em casos extremos; em casos em que é inevitável; em casos em que o motivo que a ele conduz é de tal modo determinante que elimina a responsabilidade de quem o faz. Por isso recuso a mera hipótese do aborto livre. Porque sei que, se for livre, tenderá a crescer. Poderá ser feito com naturalidade, como se de um comportamento normal se tratasse. Poderá ser usado como um acto meramente utilitário. É assim a natureza humana.
E por isso também, com base nos pressupostos ético-políticos de que parto - de que no aborto estão dois valores em confronto; de que a liberdade não é um valor absoluto; de que o embrião é já uma vida humana; e de que o aborto, por ser um acto humano, é algo susceptível de ser praticado por multiplas e insondáveis razões - entendo que o Estado, enquanto poder público que regula a liberdade de uns com o objectivo de proteger a liberdade de todos, deve, por princípio e por prudência, proibir o aborto e fazer prevalecer a vida em detrimento do livre arbítrio. Concedendo, porém, que em certos casos, dadas as circunstâncias em que os valores “liberdade de escolha” e "direito de viver” se confrontam, o aborto seja permitido.
Considero, pois, que a Lei em vigor é uma boa lei. Porque respeita o princípio hierárquico-valorativo de que a vida está primeiro que a liberdade, autorizando excepcionalmente que esta prepondere sobre aquela, apenas e só, na medida em que as circunstâncias que rodeiam o seu concreto confronto sejam deveras determinantes para o justificar. Por isso vou votar Não.
(publicado também aqui)
Não à ‘modernidade’ da eugenia social
“Como atesta a acta de uma reunião do governo do III Reich, de Maio de 1941, “a autorização oficial do aborto a pedido da mãe” é expressamente inserida entre as medidas a inserir em grande escala nos territórios ocupados. É tristemente célebre a carta que Martin Bormann escreveu em 23 de Julho de 1942 a Rosenberg: “sempre que mulheres e raparigas de Leste recorram ao aborto, nós devemos dar a nossa aprovação; os juristas alemães não se deverão opor em caso algum. […] A reprodução das populações não alemãs não se reveste de nenhum interesse para nós.”
Era esta a forma inicialmente suave e persuasiva com que os nazis encaminhavam as populações que menos lhes agradavam para a diminuição populacional. Na altura esta selecção fazia-se essencialmente por razões de ordem étnica. Esse era o móbil oculto do regime nacional-socialista. Com a liberalização do aborto (caso o ‘Sim’ consiga vencer) ela será levada a cabo por razões de ordem social e económica. Esse acaba por ser, mesmo inconscientemente, o móbil oculto de muitos defensores do ‘Sim’. Estaremos portanto perante uma espécie de eugenia social, definida pelas elites bem-pensantes da chamada esquerda caviar a qual, horrorizada com as condições de vida de fatias consideráveis da nossa população, decide prestar-lhes um “favor”. Mirrá-los até lhes acabar com o problema, acabando com eles.
Transmitindo a visão politicamente correcta da existência de condições mínimas para criar um filho – como se isso tivesse impedido os nossos pais e avós de nos porem cá – constroem um paradigma de maternidade redutor, à sua semelhança.
Não conseguindo combater verdadeiramente os problemas sociais, vão a montante do problema, diminuindo as problem children. Como analisou sem pudor Steven Levitt em Freakonomics, diminuem a delinquência de forma estatística e higiénica, promovendo o aborto entre as classes mas desfavorecidas.
Nada obrigando a quem quer que seja mas mobilizando os media e boa parte dos opinion-makers actuais, criam uma forte propaganda, ao estilo positivista dos modelos totalitários do século XX, a que nem falta o discurso do primeiro-ministro anunciando um combate entre a “modernidade” e o “conservadorismo”, os “bons” e os “maus”, ao melhor estilo populista. Transformam uma escolha numa obrigação em nome do “progresso”.
Cabe-nos a nós impedir esta “modernidade” filtrada e purificada, esta eugenia social, que olha para os cidadãos de um pedestal, arrepiando-se por ver os pais e 3 filhos no mesmo quarto e que tenderá a promover o aborto por razões económicas.
Os erros do passado não se costumam repetir, mas sim imitar. Mas este ainda estamos a tempo de evitar, votando ‘Não’.
Esclarecimento a comentário
Depreendo que acha aceitavel o homicidio de filhos de violadores e de deficientes. Voltamos sempre ao mesmo. As vossas comparações contrariam tudo o que os senhores dizem defender.
Caro Daniel,
Acho que existem algumas situações extremas que podem justificar o aborto, sendo a violação uma delas. Uma mulher violada está psicologicamente destruída e forçá-la a manter tal gravidez seria a perpetuação do próprio crime, com riscos óbvios para a sanidade mental e física da própria grávida.
Mas não pensemos que todas as gravidezes não desejadas criam nas grávidas emoções desse calibre. Esse é o discurso da demagogia.
A sociedade é composta de muitos gradientes incluindo alguns que preferíamos não ver. Patrões que escorraçam trabalhadores como se fossem objectos, políticos sem valores, empregados que recorrem a baixas fraudulentas durante anos a fio, pessoas dispostas a tudo pela fama e pelo poder. E estas pessoas também engravidam, cabendo-nos a nós, sociedade, proteger os mais fracos - mesmo dos seus próprios pais.
Claro que esta imagem é extremada, como o são as das adolescentes de 12 anos que fazem abortos em vãos de escada. Felizmente, nem uma nem a outra são a maioria. Cada caso é um caso. E é precisamente por isso que não podemos abandonar as nossas obrigações de supervisão enquanto sociedade. Esse é o próprio significado da Justiça.
Não é possível querer defender os direitos de um trabalhador face a um patrão sem escrúpulos e não defender os direitos do mais frágil de nós. Isso é deixar o trabalho pela metade, deixando por fazer a parte mais difícil. É criar condições para uma sociedade higienizada, um admirável mundo novo, onde quem não tiver reunido determinadas condições socio-económicas óptimas se verá orientada para uma "pequena interrupção". É desistir. Eu não desisto e por isso voto 'não'.
Como a resposta devia ter mudado a pergunta
«Sou liberal, sou jurista e sou de direita. Não acredito numa sociedade que confere ao Estado o poder de julgar os comportamentos privados de cada um, que se serve da força coerciva de uma ordem jurídica para impor morais particulares ou que interfere no exercício da liberdade de indivíduos capazes. A minha visão do mundo e da vida comunitária e as minhas opções políticas ou cívicas, apesar de raramente se conseguirem desligar da racionalidade e da lógica do Direito, sempre radicaram na liberdade individual, simplesmente entendida como esfera de direitos que só pode ser limitada em nome da liberdade dos outros. De resto, é essa – mas apenas essa – a tarefa dos ordenamentos jurídicos cuja eficácia e garantias permitem o funcionamento dos Estados: a de assegurar a liberdade, a propriedade e o pleno desenvolvimento físico, intelectual e espiritual de cada cidadão em condições de igualdade.
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Filipa Correia Pinto
Advogada»
Dia 11 vota NÃO
Vida indesejada?
"Alguém conhece um filho que, tendo passado por situações de vida dramáticas, por dificuldades socio-económicas dos pais, tenha olhado para trás e dito "quem me dera ter sido abortado"?"
Há vazios e vazios...
Há mais pessoas como o Daniel. Pessoas que pensam que há um dia (um dia) a partir do qual tudo passa a ser diferente nas suas vidas. Um dia a partir do qual "tudo o resto se tornou irrelevante". Um dia que marca a nossa própria ultrapassagem em generosidade. Muito para lá do que imaginávamos. Um dia em que uma alegria, uma serenidade e um medo imenso de falhar toma conta de nós com a força da primeira paixão. Nós. Nós. Eu. Eu. Eu.
Sei o que é a maravilha de ser Pai. Também sei. Gosto muito de ser Pai. Mas os filhos não justificam a sua existência para deleite dos pais. Não pode ser.
"As mães são as mais altas coisas que os filhos criam" diz o Poeta (Herberto Helder, que bem conhece). A Mãe é que é gerada pelo filho. Só sou Pai porque tenho uma filha.
Não é por querer que o Estado entre na sua casa e revire as suas gavetas que voto Não. Não quero que o Estado entre no "seu momento". Quero apenas que saiba que o Daniel não é o centro do mundo. Quero apenas que entenda que esse momento que diz que é seu, não é seu. Não é só seu. O que quero, Daniel, é que o Estado faça todos os esforços para evitar que o Daniel entre em casa de outros para revirar as gavetas e o mais que quiser. O que me choca, Daniel, não é que o Estado entre em minha casa. É que alguém, um terceiro, entre em minha casa e revire as minhas gavetas. O que quero mesmo Daniel é que perceba que a minha casa... não é sua! E que não gosto que mexam nas minhas gavetas.
O Estado como exemplo moral
Esta frase não é minha, é de Bill Bryson, o famoso escritor de viagens americano , no seu livro "Notas sobre um país grande", justificando a razão da sua oposição à desumana pena de morte.
Não podia estar mais de acordo com ele. E você?
LOGO SE VÊ?
Este é o derradeiro artigo que escrevo para o Diário de Notícias sobre o referendo deste domingo. Devo esta colaboração casuística a um amável convite da Ana Sá Lopes a quem agradeço com muita amizade. Como “espectador comprometido”, considero que a campanha que termina amanhã não ajudou praticamente nenhum indeciso a decidir-se. Digo-o com pena já que, em 1979, juntamente com António Barreto e José Medeiros Ferreira, fui dos primeiros a defender o referendo como um instrumento de manifestação democrática da cidadania. Os poucos momentos de propaganda a que assisti na televisão não passaram disso mesmo. De propaganda e da pior. Os cartazes que andam para aí espalhados em outdoors para todos os gostos são, na generalidade, de um imenso mau gosto. Nem sequer faltou ao “debate” o “debate”, agora despropositado, sobre a pergunta que estará colocada nos boletins de voto de domingo e que, por igual, deputados adeptos do “sim” e do “não” aprovaram. É manhosa, é ambígua e, para muitas pessoas, seguramente incompreensível. Porém, é a que vai aparecer. Por isso, só uma de duas respostas é possível. Nestes pequenos textos procurei explicar tranquilamente por que se deve votar “não”. A vitória do “não” viabiliza as dúvidas e as incertezas de muitos “sim’s”. Pelo contrário, o sucesso do “sim” - não constituindo uma tragédia como referiu Mário Soares acerca da eventualidade contrária - abre definitivamente as portas a um vaguísssimo “logo se vê” que, num país de “faz de conta”, é, no mínimo, perigoso. E ao “logo se vê”, numa matéria desta natureza, eu digo, sem hesitações, não.
Publicado no Diário de Notícias
Não vou, não vou e não vou
Vazio.
E não nos quer lá.
É chato, mas o que é que nós íamos lá fazer? Arrumar as coisas?
Eu até ia, mas assim já não vou.
Não.
Não vou.
Não vou, não vou e não vou.
Nunca.
Nunca mais.
Jamais.
Never.
Vazio.
Gavetas.
Vazio.
Não.
Não vou.
Revista de imprensa (3)
Revista de imprensa (2)
Marcelo Rebelo de Sousa (DN, 8/2/07)
Revista de imprensa (1)
Maria do Rosário Carneiro (DN, 8/2/07)
Dá que pensar...
OBRIGADO, MARADONA (2)
CERTEZAS?
Dia 11 vota NÃO
Vamos Falar de Ciência?
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Sou médica, ginecologista obstetra e nos últimos dez anos tenho-me dedicado à nova especialidade emergente, a medicina fetal (www.fetalmedicine.com). Os meus dias são passados a ver fetos, como o pediatra vê crianças. Tenho por eles um profundo respeito, pois desde cedo percebi que a relação médico-doente que se impunha nesta especialidade, se envolve de contornos diversos da relação médico-doente corrente. O feto nunca nos pede para ser visto, ou tratado, limita-se a revelar-nos sinais ténues do seu bem-estar, que muitas vezes, só um escrutínio clínico muito atento permite identificar. Vejo-os desde os seus 4mm de tamanho, quando ainda são reduzidos, pelas imagens da tecnologia moderna do ultra-som, a pequenos pontos brancos em fundo escuro, mas onde já oiço o seu coração. Vou acompanhando a sua evolução e por último alguns meses depois (34 semanas depois da primeira vez que os vi) oiço o seu primeiro, desejável e estridente choro. Esta evidência da continuidade de vida intra-uterina, com a extra-uterina, é tão clara para mim, que quando os vejo pela primeira vez no ecrã do meu ecógrafo, já os imagino de chucha na boca, porque é isso que invariavelmente lhes sucede 7 meses depois.
Reconheço que amar e respeitar o ser humano no abstracto, é um exercício ético difícil, mas o embrião, ou o feto, assim o exigem. É mais fácil defendermos o que tocamos, o que grita como nós, o que se defende com códigos conhecidos, de igual para igual, e expressa a sua vontade – por esses lutamos com a certeza de que nos reconheceram.
Várias coisas se modificaram nos últimos anos:
1) Franca melhoria dos cuidados de saúde materno-fetais e infantis, que corresponderam a uma franca diminuição da mortalidade materna e infantil. Hoje as crianças concebidas têm franca possibilidade de chegar à idade adulta e o risco de uma gravidez para as mães, não é o mesmo do dos séculos passados. Criança concebida, criança nascida, é uma quase total certeza nos dias de hoje.
2) O acesso à anti-concepção e as técnicas disponíveis, está hoje longe da realidade dos anos 60 /70 /80 em Portugal. Desde o último referendo, houve um incremento substancial, com a introdução da pílula do dia seguinte, em que qualquer jovem ou mulher pode ter uma relação esporádica e por isso não protegida, e agir sobre ela à posteriori, recorrendo à venda livre nas farmácias da pílula do dia seguinte.
3) O aumento da taxa de desemprego, ou ainda o aumento do emprego precário entre os mais jovens, e o desinvestimento do estado na segurança social. Um patronato pouco sensibilizado para a maternidade, que condiciona as mulheres no mercado de trabalho, e que tem dificuldade em assumir a maternidade, como um direito, esse sim, inquestionável.
4) A crescente visibilidade do feto como outro igual, que nos é oferecida pelas novas tecnologias e que não nos permite, em consciência, ignorá-lo, mesmo para aqueles que precisam de ver para crer.
Sou uma acérrima defensora da autonomia, entendo que o fim último da nossa existência, o que verdadeiramente nos separa dos outros animais, é exactamente a capacidade para alcançarmos uma autonomia plena, fruto de uma consciência verdadeiramente livre. Mas esta autonomia consciente e racional diferencia-se da autonomia animal irracional, na medida em que nos permite aceder ao bem e ao mal, em consciência, e escolher livremente, porque conscientemente, entre o bem e o mal. A autonomia não é um direito do ser humano, é um dever que está inscrito no Genoma de toda a humanidade e é o resultado prático da acção da consciência, característica estritamente humana.
A ética é um conjunto de comportamentos biológica e evolutivamente seleccionados, que foram permitindo ao longo dos tempos, a sobrevivência da sociedade humana. O homem é eminentemente um ser social, e depressa percebeu que só em sociedade sobreviveria, e o nível elevado da sua capacidade de comunicação, fruto da consciência apurada do mundo que o rodeia, permitiu-lhe criar códigos de comunicação social, excepcionais e verdadeiramente superiores aos dos demais animais, conduzindo ao sucesso indiscutível das sociedades humanas sobre as outras sociedades animais. De uma forma simplista, é mau o que prejudica a sociedade, é bom o que beneficia a sociedade.
O desenvolvimento humano, da primeira célula ao adulto, à semelhança de todos os processos biológicos, é caracterizado pela continuidade, não se podendo estabelecer momentos definitivos e demarcados no desencadear de todo o processo, porque, uma vez iniciado, cada momento é imparável e consequente, dinâmico e teleológico, confluindo para um fim, o de estabelecer a vida para continuar a Vida. Não tenho a certeza, nesta fase do conhecimento, de que o ser humano tenha inicio na concepção ou fecundação, mas em contrapartida, até à data, é para mim certo que o aparecimento do indivíduo, no sentido da unidade e unicidade, coincide com o aparecimento da linha primitiva no final da nidação (14ºdia pós-fecundação). Para trás, da fecundação à nidação, não encontro dados que me possam garantir a sua existência, enquanto indivíduo, que não seja o seu único e irrepetível código genético, mas igualmente não tenho nenhuma prova da sua inexistência; por isso, e porque sempre assumo a minha humilde e limitada condição humana, no que respeita à omnisciência, prefiro dar lugar à duvida e assumir que, até prova em contrário, a vida humana começa com a fecundação.
Assim, os pressupostos de que parto são:
A autonomia é um dever, e tem como fim último a escolha livre entre o bem e o mal.
A vida humana tem carácter individual desde o início, e seguramente desde o 14º dia após a fecundação.
O embrião, o feto, a vida humana intra-uterina, não é um projecto de vida, não é uma potencialidade de vida, porque ela é, sim, uma vida em trajecto, trajecto para um fim ultimo, atingir a autonomia plena, e só é plena a autonomia embebida de uma consciência livre, ditada pelo dever de ser Homem.
Abordemos o dever da mulher, que não se encontra em trajecto para a autonomia como o feto, mas está já na posse dessa autonomia plena. Concordo que a mulher é dona do seu corpo. Hoje, a mulher dispõe de várias formas, de, no gozo pleno da sua autonomia, vigiar e controlar o seu corpo, para não o colocar à disposição de um terceiro, que o ocupe. Sermos donos de algo significa que tomamos conta desse bem e dispomos dele como entendemos, mas sempre com a responsabilidade de não prejudicar terceiros. Isto significa que ser dono confere o direito da posse, mas igualmente o dever responsável de gestão do que possuímos. Por exemplo, quando somos donos de uma empresa, temos direitos de propriedade sobre ela, mas temos o dever de a gerir bem, de forma não danosa, evitando colocar em risco todos os que dela dependem. A gestão danosa, portanto, é motivo para retirar a tutela da empresa ao seu dono. No século XXI, ser mulher em pleno gozo da sua autonomia é seguramente tudo fazer ao seu alcance, para evitar uma gravidez não desejada. A mulher do século XXI tem o privilégio de dispor de múltiplas e eficazes ferramentas de gestão do seu corpo, no que respeita ao pleno gozo da sua autonomia reprodutiva. Estudos demonstram que a maior parte das mulheres que abortam está no intervalo etário dos 17 aos 37 anos, e não se encontravam a fazer anti-concepção, na altura em que engravidaram. É a mulher que, ao não gerir convenientemente a sua propriedade, a deixa livre para ser ocupada por um terceiro, que não faz mais, do que cumprir o dever de se desenvolver, no sentido da sua própria autonomia. (Há excepções, mas não se fazem leis para excepções.)
A interrupção voluntária da gravidez, aborto, é uma interrupção consciente de um trajecto de um nosso semelhante, no sentido da sua autonomia, fim último da existência humana. Autonomia é o estádio do desenvolvimento humano que, uma vez atingido, permite ao Homem ser o único animal à face da terra capaz de decidir de forma consciente, e por isso verdadeiramente livre, entre o bem e o mal. Abortar é impedir que o nosso igual, sempre fruto do exercício da nossa autonomia sexual, conclua o seu trajecto para a sua própria autonomia, fim último da sua existência, na sua qualidade de humano.
Não pode uma sociedade justa aceitar, e espelhar nas suas leis, que à força do dever que o embrião ou feto contém em si mesmo de se desenvolver até atingir o fim último da sua própria existência, tornar-se adulto autónomo e conscientemente livre, se sobreponha a autonomia de uma mãe que não soube em tempo adequado salvaguardar os deveres de gestão do seu corpo.
A sociedade e o estado moderno (pós-revolução francesa), chamam a si a responsabilidade de zelar pelos direitos dos mais frágeis. É um direito inviolável do embrião o de cumprir o seu dever genético, construir-se como Homem.
A lei que criminaliza o aborto é uma lei de protecção à maternidade, e é porque ela tem sido lida desta forma pelos tribunais, que não tem havido mulheres presas, pela violação da lei, e isto não é uma hipocrisia, mas tão somente uma forma muito sensata de decisão dos nossos tribunais, baseada na mediação deste conflito entre mãe e filho, e que espelha aliás o querer dos portugueses.
Seria óptimo que a pergunta do referendo fosse sobre descriminalização, mas não é. Só nos foi dado a escolher a despenalização.
As indicações da ONU para o combate ao aborto clandestino, substituindo-o pelo aborto assistido em meio hospitalar, dirige-se aos países do Terceiro Mundo, porque para países com o grau de desenvolvimento como o de Portugal, o que está indicado é um forte investimento na prevenção da gravidez não desejada.
Só a resposta do não nos permite defender o filho e proteger as mães. Isto é, reunir mais esforços na prevenção das gravidezes não desejadas, e tornar desejadas, as que o não são por motivos socioeconómicos.
Ser desejado não é condição necessária para ser feliz, mas existir, é.
Os outros não existem para satisfazer o nosso desejo, mas porque têm uma agenda própria e única, como fins em si mesmos.
Portugal precisa de um incremento de solidariedade e de compromisso social.
Portugal tem a oportunidade de não de ser o último a dizer sim, à legalização do aborto livre, mas o primeiro no séc. XXI, a dizer não, porque estou convicta de que outros se lhe seguirão.
Pela salvaguarda da autonomia de todo o meu semelhante, na esperança de que a solidariedade entre as autonomias plenas e responsáveis defenda e proteja a autonomia dos mais frágeis, construindo um mundo melhor, voto NÃO.
Tenho um sonho! Que o século XXI, seja o século dos direitos do feto, e por esse sonho me baterei até ao fim. À semelhança dos descobrimentos onde abrimos pontes, da Europa para o desconhecido de outras civilizações, acredito que, mais uma vez, podemos abrir pontes ao encontro de nós próprios, na nossa alteridade máxima, que se constitui como o princípio de cada um.
Vitória do Não impede alterações à lei actual? Nâo!
A esse propósito, pela sua importância, permito-me realçar uma frase significativa, juridicamente falando, do texto por mim publicado do Prof. José Manuel Cardoso da Costa:
"Convém deixar claro que o referendo é sobre a alteração da lei, e não sobre a sua conservação – pelo que uma resposta de «não» mantém aberta a possibilidade de outras alterações à lei actual, diferentes da visada pela pergunta referendária".
Já que se fala em constitucionalidade, é só a opinião do ex-Presidente do Tribunal Constitucional. Vale o que vale...
Modernices - Crónica
Chegados ao nosso destino no meio de uma chuvada, esperámos por uma aberta para entrarmos no Centro de Saúde, onde num ambiente deprimente umas dezenas de empenhados velhinhos e alguns sem abrigo esperavam a sua consulta regular. O Zé Maria e eu dirigimo-nos convictos à secção de pediatria, onde como primeiros fregueses do dia fomos recebidos em festa por três ansiosas enfermeiras, que após um impiedoso interrogatório ao pai incauto, iniciaram os seus obscuros rituais, com uma impressionante habilidade. Criança pelo ar, puxa perna, estica cabeça, corta o pé…Aquelas mulheres lá conhecerão o seu oficio, pensei eu retirando-me cobardemente daquele antro de tortura. Foi tudo rápido, por fim.
GRAVIDEZ INDESEJADA?
Sabia que
De facto, assim reza uma antiga edição do Avante:
«Por isso, o Governo Soviético resolveu propor ao povo trabalhador, a abolição da liberdade de praticar o aborto — liberdade essa concedida a título provisório, nos primeiros tempos da República Soviética quando esta gemia sob o peso da fome e da peste, ocasionadas pela guerra e pela contra revolução capitalista. Depois de discutirem amplamente a lei proposta pelo Governo Soviético, as mulheres e todo o povo trabalhador aprovaram essa lei que correspondia inteiramente às condições de existência livre e feliz que gozam os que trabalham na grande Pátria do Socialismo triunfante.».
Ora, dado que manifestamente não andamos por aí a gemer sob o peso da fome e da peste, estão reunidas as condições para se seguir o raciocínio comunista, e votar não.
A abrangência do Não
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Nasci mulher. O que, mais do que uma condição biológica é, acima de tudo, uma condição social e jurídica. E nunca consegui ser condescendente com aqueles que invocam os meus dois genes “x” como argumento para me impedir de desempenhar papéis que aos homens são admitidos.
Por isso não surpreende que os meus primeiros passos no mundo académico tenham sido dados no campo dos direitos das mulheres. Não foi fácil. Ser apelidada de “feminista” ainda hoje transporta consigo máculas mais ou menos óbvias. E apresentar uma tese de mestrado sobre direitos das mulheres também não é o caminho mais sensato quando se pretende singrar na vida académica.
Mas o princípio básico de que sou tão válida quanto qualquer homem – tão arguta nas discussões politicas, tão carniceira numa hipotética guerra e tão capaz para qualquer desafio da sociedade actual – constituía razão suficientemente importante para me fazer levar à minha avante. Foi assim que a Eva (O Poder de Eva: O Princípio da Igualdade no Âmbito dos Direitos Políticos; Problemas Suscitados pela Discriminação Positiva, Editora Almedina, Coimbra, 2004) me revelou publicamente como aberta defensora da igualdade entre géneros.
Mesmo quando os meus passos se encaminharam para outros campos de investigação, uma vez mais foi por mão dos direitos das mulheres que tal sucedeu. O primeiro estudo que efectuei na área do direito biomédico abordava uma questão mais próxima às mulheres do que aos homens: a maternidade de substituição (De Mãe para Mãe: Questões Éticas e Legais Suscitadas pela Maternidade de Substituição, Publicação do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n.º 5, Coimbra Editora, Coimbra, 2005). Este foi o ponto de partida para posteriores investigações sobre técnicas reprodutivas, dação de gâmetas, embriões in vitro e outros temas atinentes aos direitos reprodutivos.
Assim cheguei aos embriões e à interrupção voluntária da gravidez. Não que alguma vez tenha escrito exactamente sobre isso. Procurei sempre passar ao lado desta vexata quaestio porque tenho para mim que todos os argumentos já foram aduzidos e apenas se trata agora de tomar uma posição. Mas a verdade é que parece que chegou o momento de assumir publicamente essa posição e assim vejo-me na contingência de – e parece que para surpresa de muitos – manifestar a minha resposta ao referendo que se aproxima: Não.
Quero deixar bem claro que esta asserção não repousa em qualquer tipo de convicção religiosa. Existem obviamente considerações éticas – e porque não dizer morais e religiosas? – a fundamentar qualquer posição que se tome quanto ao aborto. Confesso até que durante muito tempo defendi que, sendo exactamente uma questão moral, deveria ser deixada à consciência de cada um. Conquanto a minha consciência me impedisse, em via de princípio, de pôr fim a uma gravidez desse modo (e estou consciente de que afirmo isto porque efectivamente nunca me encontrei perante tal dilema e, mesmo que tal sucedesse, a vida colocou-me numa posição bem mais confortável do que a maioria das minha congéneres), acreditava que não dispunha de legitimidade para impor esta opção às outras mulheres. Contudo, cheguei à conclusão que os meus argumentos são mais do que meras concepções morais, porque os entendo como raciocínios lógicos e racionais, fundados em ideias de justiça que escapam ao mero arbítrio pessoal. Por conseguinte, são suficientemente ponderosos para proibir esta prática a qualquer pessoa, do mesmo modo que lhe é proibido cometer qualquer outro crime.
Queria poupar-vos ao fraseado jurídico, mas não consigo evitar tecer algumas considerações, até porque, em ultima instância, são argumentos jurídicos que sustentam a minha posição.
Antes de mais, cabe esclarecer que não concebo o embrião como uma pessoa humana, titular de direitos fundamentais. Que sou incapaz de atribuir direitos ao embrião, e que considero que a morte de um embrião, ou mesmo de um feto, nunca poderá ter o mesmo desvalor que a morte de um ser humano já nascido. Que sou completamente apologista da investigação operada em embriões excedentários e da extracção de células estaminais. Que sou partidária da chamada “pílula do dia seguinte” e da sua venda livre.
Mas, não obstante o que ficou dito, penso que a interrupção da gravidez, bem como qualquer outra prática que tenha lugar sobre o embrião após a nidação, deve ser interdita. O processo de nidação completa-se cerda de 12/13 dias após a fecundação e consiste no alojamento do embrião nas paredes do útero. Nesse momento o embrião adquire consistência vivencial, pois passa a reunir em si duas características imprescindíveis para o reconhecermos como uma entidade autónoma: a unidade (ser insusceptível de divisão) e a unicidade (ser único e irrepetível). É também por volta desta altura que surge a linha primitiva e se desenha o sistema nervoso central, do futuro cérebro e da espinal-medula. Por outro lado, antes da nidação a sua existência é tremendamente precária. O destino de muitos dos produtos da fecundação (seguramente mais de metade) será um abortamento natural, acabando por ser expelidos pelo corpo materno com o fluxo menstrual, sem que a própria mulher se aperceba da sua gravidez. Em contrapartida, após a nidação a expectativa daquele ser humano potencial vir a tornar-se actual torna-se uma expectativa credível.
Não que a vida humana se inicie com a nidação. Tenho para mim que existe vida humana a partir do momento da fecundação. Simplesmente, uma vida humana em devir, em progressão, cuja protecção se tornará progressivamente mais forte à medida que nos aproximamos do nascimento e da formação da pessoa humana. Pois afirmar a existência da vida humana, e consequentemente de um ser humano, enquanto realidade eminentemente biológica, é distinto de afirmar a existência de uma pessoa humana, a qual representa antes uma realidade social, jurídica e moral.
Creio que a tutela concedida a essa vida humana em formação começa com a fertilização, concedendo-lhe aí um mínimo de protecção, inerente a todas as formas de vida humana, protecção essa que se vai adensado à medida que o embrião caminha em direcção à pessoalidade. Nos referidos 12/13 primeiros dias de vida a sua existência poderá ter de ceder face a outros interesses que se considerem superiormente relevantes, mormente o interesse da mãe (no caso dos embriões in uteru) ou o interesse da ciência no bem-estar da humanidade (se atendermos aos embriões in vitro, se bem que a investigação embrionária apenas poderá ter por objecto embriões supra-numerários, cujo único destino possível seria a destruição, ou seja, após esgotar qualquer possibilidade de gestação e nascimento).
Encontro no actual sistema jurídico português a base sustentável para esta concepção. Desde logo, no plano do direito civil, o art. 66.º/1 CC faz depender a aquisição da personalidade jurídica do nascimento completo e com vida, sem contudo se olvidar que outras normas atribuem ao nascituro uma posição jurídica em sede de sucessões e doações (arts. 952.º e 2033.º CC), conquanto depende do efectivo nascimento (art. 66.º/1 CC). Logo, o embrião não é uma pessoa jurídica, mas goza de certo estatuto jurídico, porventura aquilo que vários autores designam de personalidade jurídica parcial e incompleta.
Depois, também no campo do direito criminal é visível a distinção entre o embrião enquanto pessoa humana apenas potencial (por outras palavras, não-pessoa) e a pessoa humana actual. Essa distinção plasma-se na diferenciação dos tipos de crimes correspondentes à destruição de cada uma destas modalidades de vida humana, aos quais foram atribuídas distintas molduras penais, substancialmente mais gravosa no homicídio do que no aborto. Todavia, a circunstância de o Código Penal considerar a destruição do embrião uma conduta violadora de bens jurídicos de especial valor mostra-nos que a sua vida não é desprovida de significado. Este último ponto constituiu o principal foco de discussão do referendo.
Também o direito constitucional se preocupa em diferenciar a vida humana nascida da não nascida. Não é despicienda a afirmação do nosso Tribunal Constitucional segundo a qual a Constituição da República Portuguesa confere ao embrião uma protecção objectiva, mas não subjectiva (Tribunal Constitucional, Acórdão n.º 85/85, de 29 de Maio). Significa isto que o embrião não é titular de direitos fundamentais (mormente, não se poderá falar de um direito à vida do embrião), mas a sua vida – como vida humana que é – represente um valor digno de tutela constitucional.
Claro que a vida do embrião não é um absoluto. Nem sequer a vida da pessoa o é. Pode ceder em várias situação de conflito, e efectivamente o nosso direito criminal prevê vários circunstancialismos em que tal é possível suceder. Defendo que a vida e a saúde da mãe (note-se que aqui mesmo a saúde psíquica, o que sem dúvida abre a porta a possibilidades aparentemente insuspeitas para os defensores da liberalização) prevalecem sobre a vida do embrião (art. 142.º/1/a/b CP). Defendo igualmente que seria insustentável forçar uma mulher a levar a bom termo uma gravidez resultante de uma acto criminoso, pois neste caso o sacrifício se lhe se imporia seria demasiado pesado face ao valor que se pretende proteger (art. 142.º/1/d CP). Assim como também defendo que não tem sentido prolongar uma gravidez que certamente terminará em abortamento espontâneo dadas as anomalias do embrião, ou aquelas que embora culminando no nascimento darão origem a um nado-morto, uma criança com um horizonte de vida temporalmente limitado (dias, meses) ou uma pessoa portadores de gravíssimas deficiências (art. 142.º/1/c CP). Em qualquer destas hipótese se erguem valores de maior peso, face aos quais o valor vida “humana intra-uterina” deve ceder, sobretudo porque nos reportamos a estádios iniciais dessa vida.
Mas, alem destas hipóteses enumeradas na lei, e para além dos prazos legalmente estipulados (sendo que aqui admitiria um ligeiro alargamento da extensão desses prazos) o aniquilamento da uma vida humana, ainda que seja de a vida de uma ainda não-pessoa, deverá ser considerada criminosa. E nem sequer a vã invocação dos direitos das mulheres poderá justificar semelhante conduta, sob pena de, em congruência com tal arrazoado, termos também de ilibar as mulheres de outros crimes, como o homicídio ou a ofensa corporal, invocando para as eximir de responsabilidade unicamente o seu género, que reconhecidamente as coloca em situação de desvantagem social.
Sendo firme defensora dos direitos reprodutivos, custa-me a inserir aqui o direito a abortar, embora esteja ciente de que é esta a prática corrente na doutrina norte-americana, onde tais direitos nasceram. Penso que no que toca ao direito à não-reprodução, o que a lei deve consagrar é o direito de acesso livre a métodos anticoncepcionais, destinados a evitar a fecundação ou mesmo a nidação, mas não o direito a abortar. É que aquele amontoado de células é mais do que “amontoado de células”. É mais do que anexo do corpo da mulher. É um ser humano autónomo, e como ser humano que é não pertence a ninguém, nem sequer à mãe, conquanto dependa dela para sobreviver.
O referendo questiona-nos a propósito da despenalização do aborto nas primeiras dez semanas de gravidez, desde que realizado em centro médico credenciado. Ora, a própria pergunta enferma de vícios, pois despenalizar implica diminuir a pena de uma conduta que permanece criminosa aos olhos da lei, quando o que aqui se pretende é liberalizar por completo o aborto nas primeiras dez semanas. Logo, o que se trata é de uma descriminalização, a expressar que o período inicial da vida humana se degradou a bem de valor não fundamental, pois que lhe foi retirada a chancela jurídico-criminal, apanágio dos mais valiosos bens da nossa existência. O que me deixa incrédula, se pensarmos que um dos dogmas da nossa civilização é precisamente o estatuto da vida humana (qualquer uma, sempre o supus ate ao momento) enquanto o mais fundamental dos bens jurídicos. As especificidades da vida humana intra-uterina não são suficientes para a desclassificar a vida legada por um deus menor.
À parte as aporias terminológicas, resta-nos a questão: deverão ir para a prisão as mulheres que interromperam a sua gravidez fora das circunstâncias enumeradas na lei? Enfim, não acredito que no caso a prisão seja a mais adequada das penas. Insurjo-me desde logo que sejam apenas as mulheres e o pessoal médico envolvido a ser penalizado por esta conduta. Se queremos ser congruentes com a nossa opção, teremos antes de mais que responsabilizar criminalmente o pai daquela criança, que deixou uma mulher e um embrião sozinhos à sua sorte. Contudo, uma vez assente que todos devem ser chamados à responsabilidade, estou alerta para a enorme dificuldade com que em muitos casos nos defrontaríamos para detectar este “culpado”. Mas recordo a extrema complexidade que envolve a descoberta de agentes de outros crimes (desde logo, determinar se o participante num acto sexual se envolveu em sexo consensual ou praticou antes uma violação), sem que isso nos force a tornar tais condutas lícitas.
Permitir que nas primeiras dez semanas a mulher ponha e disponha sobre a vida do embrião representa um retrocesso ético-juridico. Seria a primeira vez – desde os tempos de abolição da escravidão – que se daria a um ser humano o poder de ditar a vida e a morte de outro. E ainda falam em avanço civilizacional…
O respeito devido à mulher não exige, e diria mesmo que não se compadece, com a atribuição do poder de destruir vidas. Mais do que isso, trata-se de uma medida paternalista que, condescendentemente, atribui às mulheres soluções de última instância para actos que – por mais errados que sejam e por mais pesadas que advenham as consequências – devemos avocar, como seres racionais, livres e responsáveis que somos.
Combato pelas mulheres, desde logo porque sou mulher. Mas combato essencialmente pela vida humana, porque acima de tudo sou um ser humano. Dizer NÂO no referendo significa combater por ambos.
Sérgio Godinho censura o Blogue do Não
http://sim-referendo.blogspot.com/2007/02/espalhem-notcia-ou-chamem-polcia.html (SG)
http://arrastao.weblog.com.pt/ (DO)
PS: Sérgio Godinho: sou seu admirador, artisticamente falando, desde que me conheço. Agora proíba-me, vá!