25 anos depois

Estava a ver que nunca mais se lembravam. Finalmente, lá foram recuperar o labor hemerotéquico do Daniel Oliveira. Foi o Nuno Ramos de Almeida, no que rapidamente se viu seguido pela Gisela Nunes e pelo Carlos Abreu Amorim. Esta malta delira com Paulo Portas. Vivem e respiram o senhor. Então quanto ao CAA, receio mesmo que não tenha vida própria.

Seja como for, que resultado útil esperam ter com esta tropelia argumentativa? Um debate "sério", "esclarecido"e "moderado" não será certamente. O texto em questão foi escrito na vigência da lei anterior, na qual as cláusulas de não punibilidade actualmente previstas não existiam. Depois, para além das considerações acerca da falta de autonomia "laica" do discurso da direita (que hoje seriam largamente ausentes de fundamento concreto e cujo substracto político-ideológico muita gente do "Não" - eu incluído - subscreveria na íntegra), nada há nele que verdadeiramente sustente a alegada incoerência entre o pensamento de Paulo Portas de então e a sua posição quanto à pergunta deste referendo.

Porém, ainda que essa incoerência fosse visível, o que provaria ela? E que tipo de debate pretende quem recorre a este escrito de há 25 anos atrás - quando Portas, segundo sei, tinha 20 anos de idade? O que pensavam, esreviam e, já agora, em que partidos militavam e que grandes líderes defendiam o Daniel e o Nuno quando tinham 20 anos. Seria bonito que soubéssemos, quanto mais não fosse para que déssemos todos uma boa gargalhada.

Sim, porque só os moralistas mais rasteiros levantam o dedo perante estas "incoerências". A decência exige, antes de mais, compreensão e riso perante a via sinuosa que é a vida. Por exemplo, eu tenho andado estes últimos dias fascinado com a deliciosa ironia que se abateu sobre o Carlos Abreu Amorim - esse grande liberal. Não foi há 25 anos, mas há muito menos, que o vimos escrever e jurar que não tinha "desejo em conviver com pessoas que constante e compulsivamente pretendem exibir a sua predilecção sexual, buscando qualquer pretexto, por mais frágil que seja, para se vitimizarem até à exaustão". Foi uma frase irreflectidamente estúpida, até porque agora, no seu novo blog pelo "Sim", convive com o intelectual predilecto do ovimento LGBT português, o qual, de acordo com o que se conhece dos escritos do CAA, caberá no seu conceito de "homossexual fanfarrão". Se o Carlos tivesse sentido de humor, rir-se-ia deste caracol que o destino traçou na sua vida. Mas a verdade é que não tem, conforme um dia explicou genialmente outro dos seus novos companheiros de blog. E, de facto, mais vale nem tentar.

O oráculo de Gominni


Os partidários da não despenalização do aborto que continuam a falar da IVG como "morte de criança", "eliminação de um ser humano", etc... sugerem que têm como valor máximo o direito à vida. Em coerência deviam ser igualmente vocais contra a guerra. Qualquer guerra. Mas onde estava a militância "pró-vida" da maior parte deles quando foi invadido o Iraque, por exemplo?
[Publicado por AG]

Ana Gomes sabe de ciência exacta (ou desconfia com grande convicção) que todos os que se manifestaram contra a invasão do Iraque são a favor do Sim à liberalização do aborto, que todos os que a apoiaram são a favor do Não assim como todos os que nada fizeram ou disseram sobre o assunto. Nada mau. Gostava de saber a que centro de sondagens (ou a que bola de cristal) recorreu.

João Vacas

DESCONHECIMENTO

O engenheiro Sócrates imagina que acaba com o aborto clandestino se o "sim" ganhar. Como chefe do governo, tinha a estrita obrigação de conhecer o país e, sobretudo, as instituições de saúde pública em que manda. Não é, pelos vistos, o caso.

UM "SIM RESPEITÁVEL"

Desenvolveu-se ultimamente a fantástica ideia de um "sim responsável" o que, no limite, pressupõe que existe um "sim irresponsável". Eu, que não faço parte nem de um, nem do outro, preferia um "sim respeitável". Para isso, era preciso que a pergunta do referendo fosse outra, que o SNS funcionasse em condições e que não se confundisse despenalização com liberalização. Todavia, já não há tempo para grandes "filosofias". As coisas são o que são.

De aqui para o lado de lá,

agradeço a Vasco M. Barreto (para além de apelido, há quem tenha proenomen e goste de ser devidamente interpelado) a correcção e a resposta.

Revista de imprensa

“Inquietante, por outro lado, é a ligeireza ética e argumentativa de Edite Estrela, ao alegar, em campanha pelo sim que “se há vida às 10 semanas, há mais vida às 12, às 16 e às 24”. Ora, a questão não é de haver mais ou menos vida. Mas a de haver vida. Simplesmente. Torna-se, aliás, patético ouvir alguns fundamentalistas do sim a tentarem negar a evidência de existir uma vida no embrião. Ou o primarismo de, até às 10 semanas, haver pouca vida. Poupem-nos a tal demagogia”
José António Lima, Sol

A ler

Razões de um Não responsável, por Afonso Patrão

Consequências

A rapariguinha de 13 anos e o corpo da mulher

Parece que a Rititi não sabe, mas a idade da imputabilidade penal coincide com os 16 anos, pelo que uma rapariguinha de 13 anos que aborte não é punida. Falece o seu argumentozinho. Mas não se inquiete com a falha que há deputados da nossa praça que, na tentativa de apelar ao sentimento, já cometeram o mesmo erro.
Aliás, a Rititi, que se acha tão diferente, mostra-se muito repetitiva nos argumentos que mobiliza. Repisa na ideia de moralidade e na liberdade de decisão da mulher sobre o seu próprio corpo. No seu feminismo passadista (para quem se acha na vanguarda, devo dizer-lhe que a época em que se queimavam soutiens ficou lá atrás), a Rititi ignora que, não só o poder de disposição que cada um tem sobre o seu corpo está limitado pelo conceito de ordem pública, como, no caso do aborto, a mulher não decide o que quer que seja sobre si mesma mas dispõe da vida de outro ser. Que não é meramente potencial. Mas actual.

O espaço livre do direito

Aos defensores do sim que acham que o Estado não tem legitimidade para legislar sobre a matéria do aborto, dado ser a incriminação um mero reflexo de uma ordem moral e religiosa opressoramente instituída pela Igreja Católica, pergunto:

Onde e como adquire o Estado legitimidade para legislar sobre a matéria a partir das 10 semanas e um dia de gestação?

Os Sins do Sim

Concordo com a ideia báisca do André Belo que a mão amiga do Daniel Oliveira fez o favor de partilhar connosco aqui. Os Nãos têm implícitos Sins e os Sins implicam Nãos. Mas alerto o André e o Daniel para um problema que, se calhar, a sua (deles) ponderada reflexão não conseguiu detectar. É que o Não a uma pergunta pode também ser Não a outras ... e o mesmo se passa com o Sim...

Às perguntinhas marotas que ali se lêem, era suposto que o meu Não se convolasse automaticamente em Sim? Lamento... mas a essas perguntar que fazem respondo, e pela ordem por que são feitas: Talvez, Não, Não. Lamento desanimar o vosso automatismo intelectual.

Mas devolvo o desafio. Posso?

Quem votar Sim no próximo dia 11 de Fevereiro estará na realidade a votar Sim às seguintes perguntas?

1ª Concorda que uma mulher possa, sem necessidade de alegar qualquer motivo que o justifique, interromper voluntariamente a gravidez até às 10 semanas?

2ª Concorda que o Estado olhe da mesma maneira para o aborto feito a pedido de uma mulher que o marido espanca por estar grávida, que o patrão ameaça de despedimento por estar grávida e para o aborto que foi feito a pedido de uma mulher que não quer perder o recortado da sua silhueta?

3ª Concorda que o Estado (apesar do esforço de alguns grupos de cidadãos) desista de procurar criar condições efectivas para que as mães possam ter os filhos que geram?

4ª Concorda com a prisão da mulher, até três anos, se praticar o aborto fora de estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

O mundo não é só branco ou preto, André. E custa-me ver desperdiçar a energia de tantos e o dinheiro de todos numa resposta estupidamente imediata e desresponsabilizante. Se há casos que merecem ser tratados como excepções. Venham eles... até admito que haja. Mas então o debate que deve ser travado não é o da liberalização (desculpe, Daniel, mas é isto mesmo) do aborto até às 10 semanas... é o alargamento das excepções actualmente em vigor. Esse debate seria mais sério. Mas menos fracturante... E há quem queira a fractura por ela própria, não é?

Um ovo não é um pinto


Ontem, ficámos a conhecer o último argumento do "sim" para liberalizar o aborto: "Um ovo não é igual a um pinto. Um ovo não tem os mesmos direitos de um frango". Esta comparação de fino recorte literário veio de José António Pinto Ribeiro, presidente do Fórum Justiça e Liberdade, que queria talvez sublinhar, suponho, não serem um feto ou um embrião titulares dos mesmos direitos que uma criança já nascida.
Houve quem não gostasse, mas eu só posso dizer que o ilustre causídico está carregado de razão. Terá um feto o direito à habitação, por exemplo? Não! Ele já vive dentro da barriga da mãe sem pagar renda, o que é que quer mais? E o mirabolante direito ao ensino universal e gratuito de um embrião, hã? Que raio poderá um embrião querer aprender antes das dez semanas, digam-me lá?
Não, o dr. Pinto Ribeiro tocou no ponto: um ovo é um ovo, um pinto é um pinto, um frango é um frango, um grande galo é um grande galo. Nem mesmo a malícia dos defensores do "não", como um tal de João Gonçalves, poderá negar a evidência.
Vejam o ovo. Pode ser cozido, estrelado ou escalfado. Conseguem os do "não", apesar de todas as suas santas intenções, escalfar um pinto? Ou estrelar um frango?
Não! Nunca!
Pois ai têm. Nada de misturas.
E os direitos dos pintos e frangos, que encontram no dr. Pinto Ribeiro um tão ardente defensor quanto esse João Vacas os contradita? Questões de família, dirão. Não se iludam! Estamos perante a mais fracturante das questões - a do aprofundamento dos direitos dos galináceos em democracia. O seu direito às liberdades de reunião e imprensa, de expressão e associação, de culto e iniciativa económica - o seu direito à vida, senhores, à vida... Para quando o fim do bárbaro arroz de cabidela? Poderá um mero ovo, cujo destino, no melhor dos casos, é acabar em gemada, merecer tão fundamentais direitos?
A resposta impõe-se por si só.
Obrigado, dr. Pinto Ribeiro.
A causa do "sim" nunca mais será a mesma.

Agradecendo a Mafaldinha...

Começo por um agradecimento. Sincero. Porque adoro a Mafaldinha.
Continuo com um pedido de desculpas. A minha resposta tarda, porque só agora tomei conhecimento da dedicatória. Confesso a minha ignorância: não fazia ideia da existência de um blog chamado Câmara Corporativa. Para alguma coisa já serviu o acantonamento dos galácticos do sim.
Sigo em frente para lhe responder, directamente, e no mesmo registo tópico.
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1. Tem a certeza que percebeu o que eu lhe disse? A ordem jurídica distingue-se claramente da ordem religiosa. O que não quer dizer que não haja pontos de contacto entre elas. Que, aliás, são naturais. Porque, e recusando um positivismo legalista que fez escola noutros tempos mas se encontra hoje superado, o direito tem um fundamento material que, entroncando no entendimento hodierno do ser humano como pessoa, não deixa de receber a influência da civilização judaico-cristã. Donde resulta, claramente, que um comportamento pode ser, em simultâneo, jurídica e teologicamente relevante. Caso paradigmático é o homicídio. Pelo que eu pergunto, por que razão é ilegítimo perspectivar-se o aborto como um assunto que reclama uma resposta juridicamente cunhada? Para lhe responder que não é. Basta ter em conta as condições de emergência do direito – desde a condição mundanal à condição antropológica, sem esquecer a condição ética, que lhe comunica a sua intencionalidade específica – para perceber isso. Pelo que recuso que utilizem a condição de católicos (entre os quais eu me incluo) como um anátema que nos retire capacidade argumentativa.

2. E se o aborto tem relevo jurídico, é juridicamente que eu o discuto. Pelo que, e dado situarmo-nos no âmbito do direito penal, se devem ter em conta as duas categorias de legitimação da sua intervenção: a dignidade penal do bem jurídico e a eficácia. Esperando que não restem dúvidas quanto à primeira (até porque o ordenamento jurídico globalmente considerado reconhece direitos aos nascituros, inclusivamente direitos de personalidade, entendendo a melhor doutrina que o artigo 66º, nº2 do Código Civil tem o seu âmbito de “aplicação” restringido aos direitos de natureza patrimonial), centrar-me-ei na segunda. A eficácia. Relembro que o teste que lhe é dispensado, na sua enunciação teórica, passa pela indagação da existência ou não de algum meio que permita tutelar aquele bem jurídico de uma forma menos gravosa para o agente perpetrador do facto. E não consigo discernir nenhum. Para mais num país em que, segundo a racionalidade económica erigida pelo decisor público, inexiste uma política social de apoio à maternidade, para sobrarem medidas que garantam o financiamento do aborto. Acresce que o seu discurso acerca das precárias condições do aborto clandestino e a salvaguarda da integridade física das mães, sendo meritório (e digo-o sem qualquer laivo de ironia), não me convence. Por um motivo muito simples. Ele faria sentido se a mulher fosse forçada ao aborto. Não o é. Nem o pode ser. Porque joga aí a sua responsabilidade. A gravidez é o resultado do exercício livre do seu direito à autodeterminação sexual. Há formas de, responsavelmente, evitar uma gravidez. E mesmo que o negue (e já lá vamos), mesmo que não concorde ou entenda ser uma incoerência do sistema (por falar em incoerência, podia-me responder ao que todos omitem: o que fazer se uma mulher quiser abortar e só o descobrir depois das 10 semanas?), existem pílulas do dia seguinte. Querer avocar para a discussão argumentos válidos nas décadas de 50 ou 60 pode não ser logrado.

3. A criminalização do aborto é civilizacionalmente a única resposta possível. Porque é a única que não transforma a mulher num objecto, fazendo dela pessoa – porque a chama à responsabilidade de assumir uma gravidez que resulta da sua actuação livre –; porque é a única forma de proteger a vida do embrião (o número de abortos aumenta com a liberalização, como pode constatar pelos dados que foram já divulgados. Não os tenho comigo, pelo que pedia que fizesse uma consulta aos textos anteriores colocados no blogue do não); porque é a única que força a sociedade a – fazendo apelo à ideia de solidariedade – dar uma resposta, a montante, procurando uma forma de contornas as causas que estão na base do aborto.

4. As pílulas do dia seguinte vendem-se livremente e são distribuídas gratuitamente nos centros de saúde. Ninguém coloca a hipótese da sua criminalização. Donde, meu caro Miguel, não faz qualquer sentido estar a analisar o problema do ponto de vista da tentativa impossível. Questionar teoricamente a construção do artigo 23º Código Penal é tão pertinente a este ensejo como a propósito da compra de bolos. Porque, para que aquela possa ser equacionada, tem que existir a tipificação de um comportamento como penalmente relevante. Por isso lhe pedi que não se ativesse ao direito positivo e se situasse previamente. E, nesse diálogo apriorístico, pergunta-me se estarei a ser coerente quando afirmo que o aborto deve ser crime e a utilização de pílulas do dia seguinte não. Ao que lhe respondo que, e deixando de lado as minhas convicções pessoais (vê como os defensores do não conseguem traçar a linha de fronteira entre a sua crença e a mobilização do sistema normativo já constituído e a constituir), não há qualquer incongruência sistemática insanável. Em termos dogmáticos essa compatibilidade explica-se pela delimitação temporal da tutela do bem jurídico vida intra-uterina, a coincidir com a nidação (para que não me acuse de sonegar informações bibliográficas, é verdade que Figueiredo Dias afirma claramente ser a nidação o momento do início da vida intra-uterina. Mas o mesmo autor refere “em geral, a literatura portuguesa afirma o momento inicial da tutela penal a partir da fecundação”). Num pensamento de segundo grau, que nos remeta para as razões da exclusão daquele comportamento do âmbito de tutela predisposta pela legislação criminal, não se fala da inexistência do objecto ou da possibilidade de, e passe a aparente contradição, punibilidade de uma tentativa impossível, mas, outrossim, da consideração da verificação em concreto daquelas duas categorias de legitimação da intervenção criminal. Para se chegar à conclusão que elas não estão presentes. Mas vai-se mais longe e confere-se um direito, comprovado pela distribuição gratuita dos ditos medicamentos, pelo que, e de acordo com uma possível interpretação do sistema de normas na sua remissão para os princípios, há que ter em conta a inexistência do próprio bem jurídico (o que só se compreenderá pelo mecanismo de actuação das ditas pílulas).

5. Finalmente, não enterro o direito. Longe de mim fazê-lo, até porque vivo diariamente e em perfeita comunhão com ele. Vivo-o e respiro-o, ao ponto de dele não me conseguir ver livre na blogosfera, maçando tudo e todos. Simplesmente, há um dado que acho que o Miguel não percebeu. Independentemente do direito que existe, é legítimo aos autores criarem quadros dogmáticos de densificação do estrato das normas, ao mesmo tempo que é possível proporem, no plano do direito a constituir, mudanças. Nunca ninguém lhe disse que havia autores a proporem que, de acordo com a legislação existente, as pílulas do dia seguinte ou os dispositivos intra-uterinos fossem tidos como objectos de perpetração de um crime. Podem é criar diferentes teorias para as explicitar. São as maravilhas operadas pelos juristas.

6. E agora, choque, terror e horror. E se eu lhe disser que há autores (Castanheira Neves, Pinto Bronze, entre outros) que sustentam que metodologicamente é impossível afastar a analogia da concreta realização do direito penal, por ser ela conatural à concreta racionalidade que perpassa todo o discurso do decidente, apenas sendo possível dar cumprimento ao princípio da legalidade criminal em termos dogmáticos? Acalme-se. Recuperado do choque, devo dizer-lhe, para bem da sua tranquilidade, que não se nega a importância vital do referido princípio, visto como um bastião do estado de direito, e se tem em conta a dicotomia entre analogias mediatas e imediatas, não se permitindo uma punição que não encontre num tipo legal incriminador o seu imediato critério.

Foi um prazer dialogar com o Miguel. Para qualquer desenvolvimento metodológico acerca de interpretação, analogia, bem como explicitação filosófica de alguns pressupostos jurídicos, é só avisar.

O grau abaixo de zero da coisa

Tenho do Miguel Vale de Almeida (MVA) a ideia de um homem sério. Contudo, a seriedade não o impede de ser injusto. E neste caso a inustiça é uma das muitas formas que assume a miopia com que algumas pessoas vêem os defensores do Não.
O MVA está convencido de que o problema do aborto se resume aos valores de uns e à liberdade de todos. Está enganado! Não está em causa a minha (para não dizer "nossa") visão íntima sobre o fenómeno. Aquilo que eu seria ou não capaz de fazer. Isso é comigo e, tem razão o MVA quando diz que, qualquer que seja o resultado do referendo, continuarei a poder viver de acordo com os meus valores. Isto não invalida porém que eu ache razoável que o Estado procure impedir que possa ser posto termo à vida intra-uterina por dá-cá-aquela-palha! E é disso que se trata!
A lei que impede o abate de árvores protegidas ou a destruição de ninhos da cegonha branca cerceia a liberdade de todos quantos gostariam de abatê-las ou destruí-los. E o furto, a difamação e outros crimes que tais, permite que se reaja contra aqueles que querem fazer uso da sua irreprimível liberdade de furtar, difamar, etc.
Meu caro MVA, eu só quero defender a Vida... e não apenas a dos meus filhos. Não quero que, sem motivo sério, se ponha em causa o direito de alguém nascer. E acho que o Estado não se deve limitar a defender a vida dos meus filhos. Deve proteger, também, a dos seus.

RAZÃO DE ESTADO?

O Paulo Portas tem razão e Luís Marques Guedes também. Maria José Morgado e Maria Fernanda Palma, respectivamente procuradora-geral adjunta e juíza do Tribunal Constitucional - esta, ainda por cima, a relatora do acordão sobre a brilhante pergunta do referendo - apareceram num colóquio do PS que se realizou em plena Assembleia da República. São, naturalmente, cidadãs com direito à sua opinião. Veicular essa opinião numa sessão partidária devidamente identificada, não se coaduna com as respectivas funções as quais exigem isenção, pelo menos, pública. Ou será que o "sim" puramente partidário tem estatuto de razão de Estado?

Era Pena

Pois é. Há quem vá votar “Não” no referendo só porque a Igreja diz que se deve votar “Não” no referendo. Sem entender sequer porquê.
É pena.
É pena porque não há nada mais contrário à mensagem cristã do que seguir cegamente regras que não se compreendem.
É pena, porque é importante que todos os cristãos percebam que nem tudo o que é pecado deve ser crime.
É pena, porque o máximo ético proposto pelo cristianismo como meta não pode, nem deve, coincidir rigorosamente com o mínimo ético imposto pelo Estado aos cidadãos como base necessária para uma convivência pacífica.
É pena, porque propicia o ruído.
---
O princípio de que o aborto deve ser crime justifica-se independentemente de a Igreja ser contra o aborto.
Justifica-se, não por uma qualquer vontade divina despoticamente imposta que tantos temem (incluindo eu que, como diria alguém que conheço, desse deus também sou ateia), mas porque, num Estado que se quer laico, a base sobre a qual se constrói a vida em comunidade deve ser o próprio Homem.
Ora, o aborto livre, lícito e comparticipado, independentemente de poder ferir Deus (circunstância que só aos crentes interessa), fere directamente esse Homem que se quer na base da civilização.
Um país é tanto mais civilizado quanto nele menos aplicação tiver a lei do mais forte. O que nos torna mais humanos é a capacidade de aceitar e defender os mais fracos, os mais desprotegidos, ainda que nos incomodem (e eu acredito que uma gravidez indesejada seja incómoda, e muito).
É esta base que o aborto a pedido, sem necessidade de qualquer justificação, vem deitar por terra.
Isto, porque implica a negação da humanidade ao embrião, acompanhada de uma recusa sistemática de definição do critério de humanidade. Ensaiam-se teorias como as da autonomia, da autodeterminação, ou da actividade cerebral, que não são nunca levadas até às últimas consequências. Nem poderiam ser, porque são teorias que apenas visam justificar certas “necessidades da vida moderna e progressista” como o aborto.
Com isto, invertem-se os dados do problema: em vez de se procurar definir o estatuto do embrião para daí retirar as respectivas consequências, procura “resolver-se o problema do aborto de uma vez por todas”, decidindo-se que o embrião não é pessoa e que, por isso, não há problema.
Nada mais falso. Se um embrião não é nada, porque é que uma mulher que tem um aborto espontâneo sofre tanto? Será que o que ela perdeu não foi nada?
Será que o embrião muda de natureza consoante as nossas necessidades?
Não me parece. E é por isso que no dia 11 vou votar “Não”.
Espero sinceramente que os católicos votem “Não” por acreditarem ser este o melhor caminho e não por medo de arder eternamente no fogo do inferno.
Do mesmo modo, espero sinceramente que os não católicos não deixem de votar “Não” só porque não acreditam no inferno.
Era pena.

Blogue recomendado

Por Uma Discussão Séria, de Carlos Garcez Osório.

Quando uma procuradora-geral adjunta

defende que o voto «sim» no referendo será também um voto na luta contra a corrupção, tendo em conta que «o aborto ilegal é um negócio que produz dinheiro sujo», não tributado e «que circula em canais clandestino», não está a tomar posição enquanto cidadã, mas enquanto procuradora-geral adjunta.

Ninguém, em Portugal, pensa que a dr.ª Maria José Morgado é suficientemente esquizofrénica para separar o conhecimento e experiência que a mesma alega ter por força das funções que ocupa, das respectivas opiniões pessoais.

Quem disser o contrário, mesmo que procurador-geral da República, mente.

A propósito da coerência

Se num aborto não é um ser humano que é eliminado , então o que é?

João Vacas

Obrigado! Fazemos tudo para agradar à clientela

"A força do não passa por uma fantástica organização e por uma capacidade exponencial de militância - viu-se na capacidade mobilizadora que permitiu a multiplicação de movimentos."

Ana Sá Lopes, Diário de Notícias, 19/1/07

BdN à escuta

"Os partidários do "sim" concederam já essa importante vitória simbólica de tornar condenatória a palavra da coisa: abortar é abortar, não é interromper voluntariamente a gravidez."

José Pacheco Pereira, Sábado, 18/1/07

Coerências

Vital Moreira, na sua Causa, pede-nos coerência e interroga-se por que razão não exigimos que o aborto seja "punido como infanticídio ou homicídio".
É uma boa pergunta, que eu retribuo: se o aborto, para Vital Moreira, não merece qualquer tipo de sanção, por que espera para exigir a respectiva despenalização até ao fim da gravidez?

Liberdade e responsabilidade

Liberdade de Escolha. Por RAF.
O Miguel Vale de Almeida e o Carlos Abreu Amorim defendem que a despenalização do aborto é a única que salvaguarda os valores específicos de quem subscreve o Não e o Sim.

Julgo, porém, que não é isso que está em causa no próximo referendo.

Todos temos a possibilidade de gerir a nossa sexualidade livremente, não havendo, nos nossos dias, restrições legais à autodeterminação e ao uso do corpo. Uma relação heterossexual tem, contudo, associada a possibilidade de gravidez. O que se deveria discutir é se uma vida em estado de formação deve ou não merecer a tutela jurídica, se deve ser protegida; ou se, pelo contrário, poderá ser objecto de disposição de uma decisão pessoal da mãe.

O sim acrescenta mortes!

Não sei se não entendem, se não querem entender.
Não se trata, na questão submetida a referendo, de salvaguardar ideologias. O bem jurídico protegido pelo crime de aborto não é a liberdade de consciência ou de militância.
O sim pode permitir que quem não aceita o aborto viva de acordo com a sua mundividência.
Mas não permite que o embrião (vida humana, pessoa humana) sobreviva.
A posição expendida por Miguel Vale Almeida peca por ser simplista.
Se não vejamos. Vamos legalizar o homicídio. Assim, permitimos que quem acha que a vida de uma pessoa pode ser subtraída actue de acordo com os seus valores, sem que isso contenda com o modus vivendi de quem sustenta posição diversa. Ridículo, não é? E porque? Porque a liberdade que se invocaria seria tão só a liberdade de matar um ser humano. Donde resulta, lógico dedutivamente, que o grau zero se traduz afinal no não reconhecimento da dignidade do embrião. Pelo que pergunto: porque não admite o aborto livre até aos nove meses de gestação? Medo de afastar eleitorado?

AVES RARAS

Sabia que espécies como a cegonha branca estão protegidas por lei? E que foi condenada a 80 dias de prisão, substituídos por uma multa, uma pessoa que destruiu uns ninhos destas aves, onde se encontravam 23 ovos?
E que, sendo aprovada a nova lei sobre o aborto, os fetos até 10 semanas terão menos direitos que os “fetos” das cegonhas brancas em qualquer fase da sua gestação?
Para quem defende o Sim no referendo e acusa os defensores do Não de incoerência, acho que ficamos por aqui.

"em nome do equilíbrio dos tempos de antena"

CNE cria grelha de antena (via Pela Vida)
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) criou, em nome do equilíbrio dos tempos de antena, uma grelha, que permite uma presença mais assídua nas rádios e na televisão dos movimentos pelo “Sim”.

A lei obriga a uma divisão aritmética dos tempos, mas o facto de existirem 6 movimentos pelo “Sim” e apenas 15 pelo “Não” iria levar a um desequilibro.

Yeh, that's right, I'm the Egg Man*



Talvez fosse bom alguém explicar ao Dr. José António "Egg Man" Pinto Ribeiro que a tirada do ovo e do frango, para além de patética, não funciona porque estes têm exactamente os mesmos direitos. No caso, nenhum. E, com um elevado grau de probabilidade, o mesmo destino.

João Vacas


(*) com a devida vénia aos Beastie Boys.

DA CAPOEIRA

O dr. José António Pinto Ribeiro, eminente jurista que provoca honestos delíquios e vastos suspiros junto de algumas "intelectuais" da nossa pequenina praça (deve ser da melena blasé) , homem da "esquerda caviar" degustada com champanhe, saiu-se com esta pérola de refinado bom gosto: "um ovo não é igual a um pinto, um ovo não tem os mesmos direitos do que um frango." A eminência preside ao Fórum Justiça e Liberdade e proferiu a sentença numa sessão organizada pelo Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim. A Marta Rebelo, que estava ao lado dele, terá achado esta sublime imagem dignificante para os seres humanos - mulheres, homens e crianças - que o Movimento que integra alegadamente defende? Não haverá ninguém no Movimento que lhe esmague um ovo na melena para ele perceber a diferença?

Existe? Muda-se a lei

O Comité Central do PCP lançou esta frase magnífica:

O aborto clandestino existe - é urgente mudar a lei.

Seguindo a mesma lógica, atrevemo-nos a sugerir mais umas quantas:

O excesso de velocidade existe - é urgente mudar a lei.
A contrafacção existe - é urgente mudar a lei.
O tráfico de droga existe - é urgente mudar a lei.
A violência doméstica existe - é urgente mudar a lei.
O roubo por esticão existe - é urgente mudar a lei.
A fuga ao fisco existe - é urgente mudar a lei.
O abuso sexual existe - é urgente mudar a lei.
A caça furtiva existe - é urgente mudar a lei.
O proxenetismo existe - é urgente mudar a lei.
A pesca ilegal existe - é urgente mudar a lei.
O terrorismo existe - é urgente mudar a lei.
A corrupção existe - é urgente mudar a lei.
O Código Penal existe - é urgente mudar a lei.

João Vacas

Lost in translation

Caro João,
Não foi em Lisboa. Foi em Paris. Os nacionais que apareceram foram os poucos emigrantes que aceitaram ser arregimentados para fazer a parte gaga. Um verdadeiro fiasco.
Ainda mais esclarecedores foram as declarações da senhora Laguiller.
Feliz por alguém lhe ligar alguma, resolveu usar o referendo português para marcar pontos em casa. E, para isso, declarou que tinha votado Não ao Tratado Constitucional porque nele não tinha ficado consagrado o "direito à interrupção voluntária de gravidez, à contracepção" (sic).
A sôfrega Arlette confessou em prime-time aquilo que muitos defensores do Sim juram a pés juntos não ser verdade: que o aborto é entendido como um meio contraceptivo. Como um direito.
Para emendar a mão, a tradução da RTP legendou estas declarações omitindo diligentemente a associação de ideias e fingindo que Laguiller apenas se referira ao aborto.
Verdadeiro serviço público.

João Vacas

OS OUTDOORS DO BdN






A praticamente 3 semanas do dia do voto, começa uma nova fase aqui no BdN. Ao longo do tempo, temos vindo a expor sistemática e exaustivamente os nossos pontos de vista sobre o que acreditamos estar em jogo. Temo-lo feito sob diversos prismas - médico, antes de mais, mas também jurídico, sociológico, político, moral, ético, religioso, económico - sempre com honestidade, sempre também com vivacidade e frontalidade que alguns quiseram confundir com falta de moderação.
A partir de hoje, a par de tudo isso, o BdN ganha uma nova faceta. Tentaremos, em outdoors virtuais, sintetizar o essencial da nossa mensagem e transformá-lo num voto pela vida dia 11.
Não converteremos, naturalmente, os indefectíveis, que nos têm visitado em grande número, e com quem temos discutido urbanamente e com proveito, julgamos, para ambas as partes. Mas tentaremos lembrar à grande massa dos indecisos as grandes questões em jogo, do nosso prisma. Aguardamos o vosso retorno, sabendo desde já, pela natureza desta mensagem, que o debate sobre estes cartazes será mais vivo, e com picardias mais frequentes ainda, se tal é possível, do que até aqui. Mas estamos cá para isso. Este debate tem de ser sereno e moderado, mas não pode ser morno. É que estão vidas em jogo.

CREPUSCULARES

Umas quantas caquéticas "soixante-huitardes", lideradas pela inefável Arlette Laguiller - o equivalente francês de Francisco Louçã - manifestaram-se em Paris a favor do "sim" em Lisboa, com mais meia-dúzia de activistas nacionais devidamente arregimentados. A coisa passou-se ao cair da noite pelo que - felizmente para elas - ninguém deu por isso.

Adenda: Agradeço ao João Vacas a correcção.

O DONO

Só agora reparei que o PS recorreu a um espaço na Assembleia da República, onde antes tinha assento a Câmara Corporativa, para produzir uma sessão político-partidária de apoio ao "sim", com direito a cartaz, a bardo - Alegre - e a uma magistrada do MP, Maria José Morgado, como "superstar". Como é que uma mulher cuja profissão é garantir a legalidade democrática, alinhou nesta pequena comédia perversa do partido maioritário que, pelos visto, se julga dono do Estado?

O feto não é um espermatozóide

O tema tabu do SIM. Por João Miranda.
Os adeptos do SIM não podem, porque joga contra eles, discutir de forma séria o estatuto do feto. É por isso que, quando a questão é colocada recorrem a este tipo de larachas a que recorre Daniel Oliveira. É por isso que o SIM começará a perder votos quando começarem a aparecer os cartazes com os fetos. Como os adeptos do SIM não querem teorizar sobre o que é que faz do feto uma "não pessoa" perderão votos em relação àqueles que dizem que o feto é uma pessoa. Comparar o feto com um espermatozóide não adiantará de nada porque, para além de não serem a mesma coisa, toda a gente vê que não são.

É JÁ AMANHÃ



Na Almedina.

AJUDAR A ABORTAR OU AJUDAR A NÃO ABORTAR?

Publico em seguida mais um contributo valioso para a discussão que nos tem aqui trazido, por se tratar de um testemunho de quem lidou diariamente com mulheres grávidas, em situações de carência, desespero, desnorte, sendo que algumas ponderavam o aborto como solução.
O referendo que se aproxima faz-nos lançar uma questão de base que tem sido levantada em quase todos os debates, tanto pelos defensores do SIM como pelos do NÃO, e que é a seguinte: Será o aborto uma coisa boa, positiva e desejável? Parece-me que, até agora, tanto “os SIM” como “os NÃO” concordam nesta matéria, respondendo claramente que NÃO! Aliás, se formos a analisar todos os debates já realizados, penso que esta é das poucas respostas consensuais.

Então, se o aborto não é uma coisa boa, positiva e desejável por ninguém, porquê insistir em torná-lo num acto legalizado? Onde estará o sentido desta legalização? Com a mesma está a proteger-se quem? As mães dos bebés a abortar?
Estas, que parecem ser questões simples e básicas, são as que deveriam partir de ponto de reflexão, mas que já foram tão embrulhadas e floreadas com outros pormenores, que se tornaram pouco pensadas…

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Porquê acreditar que o aborto será algo a aconselhar a alguém? O que nos leva, hoje em dia, a responder, perante uma mãe desesperada com a sua gravidez: “olha, deixa lá, o aborto é legal e por isso, não tenhas problemas de consciência…podes recorrer ao mesmo naquele hospital estatal perto de tua casa, que ninguém te recusará tal pedido…” Porque baixamos os braços?

Será que é esta a resposta que cada um de nós tem para dar a uma mãe que se encontre neste dilema? Se todos acreditamos que o aborto é um mal, ainda que por vezes alguém possa considerá-lo um mal menor, porquê defende-lo, promovê-lo, torná-lo legal na nossa sociedade???

Eu imagino porquê; é que é muito mais difícil prestar um apoio construtivo e que viabilize o prosseguimento duma gravidez com contornos delicados e, por vezes, dramáticos.

Por ter trabalhado, alguns anos, como Psicóloga, com mães que se confrontam com a hipótese de vir a abortar o filho que entretanto se desenvolve no seu seio, tenho uma percepção muito concreta, muito real e muito premente do que é que se pode fazer por elas, ou melhor, do que é que, no fundo, cada uma delas espera dos outros, perante o dilema do aborto do seu bebé.

Posso dizer, da experiência que foi alguma, que, sem excepção, todas as mães que, por terem sido ajudadas, decidiram não interromper a gravidez, chegaram ao final da mesma com um estado de espírito completamente diferente daquele que tinham no início. Talvez a palavra que melhor caracterize este sentimento seja satisfação. Estas mães, por muitos problemas pessoais, sociais ou económicos que tivessem, acolheram os seus filhos com grande satisfação. Por os terem tido, mas, acima de tudo, o sentimento lactente era o de, afinal, não ter sido necessário interromper o desenvolvimento da vida de cada um deles!

É esta a principal mensagem que gostaria de passar: É possível, quando confrontados com uma mãe que quer abortar, fazermos um caminho com ela. Um caminho que exige disponibilidade, entrega, confiança, eficácia na condução e resolução dos problemas e, acima de tudo, uma grande capacidade de gerir as prioridades, ou seja, garantir o bem-estar da mãe e do filho.

Compactuar com a opção, ainda que da mãe, da interrupção duma vida de um bebé ainda em tempo de gravidez, para resolver um ou mais problemas de variadíssima ordem, parece-me, no mínimo, uma falta de eficácia, de pró-actividade e de vontade em contribuir para uma sociedade mais justa, mais saudável e mais feliz!

As energias e as verbas gastas a tentar fundamentar a legalização do aborto até às 10 semanas de vida de um bebé, seriam uma contribuição fundamental para projectos de apoio efectivo e construtivo a todas as mães que se confrontam com esta opção. Tive o privilégio de trabalhar numa instituição que opera com muita seriedade neste campo – Ponto de Apoio à Vida / Casa de Santa Isabel - onde pude conhecer também o trabalho desenvolvido por muitas outras entidades, sobretudo particulares, que igualmente lutam no terreno pela causa da vida.

Fica o desafio: juntemo-nos a eles e aí a nossa convicção será sempre pela vida, seja ela às 10 semanas, ou aos 30 anos!
Maria Sérvulo Correia Brito de Goes

Contribuir com o meu voto para aumentar o número de abortos? Não, obrigada

O economista João César das Neves afirmou hoje que, se o aborto for despenalizado, passará a ser algo "tão normal como um telemóvel".
João César das Neves falava durante uma conferência de imprensa com o tema "a liberalização do aborto e aumento do número de abortos", a menos de um mês da realização do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas.No encontro com a comunicação social, o economista apresentou dados europeus (Eurostat) sobre o crescimento do número de abortos após a sua liberalização em países europeus, Estados Unidos e Canadá. De acordo com estes dados, citados pelo economista, a liberalização conduziu a "um aumento generalizado do número de abortos".As taxas de crescimento do aborto nos primeiros anos após a liberalização quase triplicaram, disse João César das Neves, acrescentando que "esse crescimento manteve-se até à actualidade, embora a um ritmo mais brando".Para o economista, este fenómeno "tem um paralelo económico": a chegada de um produto novo ao mercado.Tal como aconteceu com os telemóveis, João César das Neves prevê que exista um aumento exponencial do número de abortos, como com os telemóveis adquiridos pelos portugueses.A liberalização do aborto é seguida de "uma cultura abortista, em que este passa a ser uma coisa normal, como um telemóvel".O economista denunciou ainda que, caso o aborto venha a ser despenaliza até às dez semanas, "muitos médicos que aleguem objecção da consciência para não realizar a intervenção serão prejudicados". (Público)

Não, porque:

Veja-se o que nos diz o Henrique Burnay, no 31 da Armada.

SALDOS

"O ministro da Saúde revelou à SIC o que poderá mudar após o referendo ao aborto. Cada intervenção poderá custar ao Estado entre 350 e 700 euros" (Sic, 4-01-2007).
Ora, no dia 12 de Junho de 2006, foi publicado no Diário da República a Portaria n.º 567/2006, que aprova as tabelas de preços a praticar pelo Serviço Nacional de Saúde. A referida Portaria, que pode ser consultada no site do Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, estabelece na página 4195 os preços dos abortos no SNS, a saber:
- 829,91 euros, para o aborto sem dilatação e curetagem e
- 1074,45 euros, para o aborto com dilatação e curetagem, curetagem de aspiração ou histeroctomia.
Verifica-se, pois, que a média do preço por aborto que o Senhor Ministro disse que o mesmo iria custar corresponde a metade da média do preço por aborto estabelecido na lei que o Senhor Ministro aprovou em meados do ano passado.
Importa, pois, exigir ao Senhor Ministro da Saúde que nos diga se se tratou de um lapso, de uma mentira ou se vai mesmo instituir épocas de saldos na saúde.

OLHE QUE NÃO, OLHE QUE NÃO (2)

Um tal de Vítor Dias (continuo a achar que não se trata do próprio) comenta este meu post da seguinte forma:
"O Rui Castro percebe ainda menos de história do que o VLX. Não deixa de ter piada que pretenda dar-me lições sobre o comunismo. Tenham juízo."
Para não perder muito mais tempo com este assunto, limito-me a sugerir ao Vítor Dias que vá ler uma tese de licenciatura, de 1940, com o nome "O Aborto - causas e soluções", da autoria de Álvaro Cunhal - sabe quem é? - em que na página 90 se diz muito claramente que o aborto voltou a ser proibido na URSS em 1937 e não depois da II Grande Guerra, como o Vítor Dias afirmou com grande certeza. Sei de alguém que deve andar às voltas no túmulo.

Os Nossos Milionários São uns Somíticos

Dizia a TSF hoje de manhã que os movimentos e partidos do SIM vão gastar na campanha o dobro dos movimentos e partidos (perdão, partido) do NÃO. Pena é a reposição da verdade por um humilde blogger nunca ter a mesma repercussão que uma insinuação feita pelo Referendo Louçã.

PS: caro Daniel Oliveira, espero que não considere a minha utilização da palavra «insinuação» um ataque pessoal ao Francisco Louçã.

Professor Jorge Miranda

O Blogue do Não passa a contar com a participação especial do Professor Jorge Miranda, reputado constitucionalista, que facultou expressamente os seus textos publicados sobre o referendo do aborto. Apesar de se reportarem ao referendo anterior, são de uma imensa actualidade, pelo que se justifica totalmente a sua divulgação neste espaço. Agradecemos por isso toda o interesse e generosidade.
"Jorge Miranda
In Público, 15 de Fevereiro de 1996

ABORTO E REALIZAÇÃO DOS DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

1. A problemática da interrupção voluntária da gravidez é, simultaneamente, de uma extrema complexidade e de uma radical simplicidade.
De extrema complexidade, pelos múltiplos pressupostos e reflexos – jurídicos, sociais e económicos, políticos e culturais, morais e religiosos – que comporta, pela sua dependência de outros problemas, pela variedade das situações em que as pessoas se podem encontrar e pela complexidade dos factores de cada situação, pela complexidade que encerra em si cada vida humana.
De radical simplicidade, porque, exactamente em cada caso, envolve uma decisão sobre a existência de certa e determinada vida humana, sobre se ela deve continuar até ao nascimento ou ser interrompida.
A consciência da complexidade das situações e a solidariedade que deve unir todas as pessoas impõem aqui, como em relação a tantos outros problemas, um esforço redobrado de remoção das suas causas, das causas reais do aborto, a qual só será possível com uma modificação profunda das estruturas da sociedade e do estatuto jurídico do homem e da mulher.
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2. O carácter insubstituível de todo o ser humano, antes e depois do nascimento, o sentido ético e não apenas histórico que possui a vida humana, a sua inviolabilidade proclamada sem limites na Constituição, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (que proíbe a execução de mulheres grávidas), o abalo que representaria nos fundamentos da sociedade qualquer ruptura ao princípio da inviolabilidade, sobretudo quando a violação parte de quem é mais responsável por essa vida, a demissão de solidariedade que isso implicaria, tudo são motivos que me levam a rejeitar qualquer medida legislativa que envolva a legalização do aborto.
Contra o que acaba de se dizer invoca-se, por vezes, o direito da mulher a dispor do seu próprio corpo; outras vezes, a libertação social da mulher ligada à possibilidade de abortar. Julgo que sem razão.
A mulher não tem, não pode ter, um qualquer direito sobre o feto em nome de um qualquer direito sobre o seu corpo, pois o feto é um ser diferente da mulher, está no seu corpo, depende dele, não faz parte dele (embora o corpo da mulher não seja um seu mero receptáculo).
Nem o poderia ter em nome de um qualquer direito de legítima defesa, porque esse novo ente destinado a nascer não é agressor: agressor poderá ter sido o pai, nunca, o filho; e, se há que punir, o pai deverá ser punido tanto ou mais que a mãe quando tenha sido ele que criou a situação conducente ao aborto.

3. Naturalmente, importa a coerência. Se se defende a vida humana antes do nascimento, também se há-de defendê-la, com redobrada razão, depois do nascimento.
Não se pode ser contra o aborto e, ao mesmo tempo, admitir a pena de morte, ou a tortura, ou a violência policial nas ruas ou nas esquadras. Não se pode ser contra o aborto e, ao mesmo tempo, ser indiferente e não protestar contra condições de vida de miséria, contra formas de exploração de crianças e mulheres, contra discriminações e perseguições a grupos humanos, contra segregações e racismos.

4. Por certo, importa reconhecer que a interrupção voluntária da gravidez provoca traumas, traduz e agrava desigualdades económicas e sociais, é um flagelo social. Só que daqui não resulta a necessidade de legalização. Não serão a droga e a prostituição não menos evidentes chagas sociais? E perante os flagelos sociais a atitude correcta não deve ser a de os combater e prevenir? E, designadamente, a atitude de esquerda e de progresso não deve ser de transformação da realidade, e não uma atitude de resignação e aceitação?
De resto, o aborto, é, na enorme maioria dos casos, a consequência das injustiças e das taras da sociedade. É consequência da falta de educação, de planeamento familiar, de emprego, de salário, de protecção da maternidade e da paternidade. Mas é igualmente fruto da civilização, ou da crise da civilização, hedonista, materialista e capitalista. É fruto da comercialização do sexo, da desresponsabilização em relação aos próprios actos, do consumismo a todo o custo que tal civilização tem engendrado.

5. O que é mais fácil, o que serve mais os interesses dominantes, criar postos de trabalho, construir casas, mudar as relações económicas e sociais, ou liberalizar o aborto? O que está mais de acordo com a Constituição é realizar os direitos fundamentais relativos à saúde, à segurança social, à habitação, à família, ou facilitar a interrupção voluntária da gravidez, adiando assim o cumprimento da Constituição?
Qual a oportunidade de reabertura desta questão na difícil conjuntura que o país atravessa? Não seria mais adequado propor e adoptar medidas legislativas e políticas tendentes à efectivação desses direitos? (em vez de, também por outro lado, o Parlamento e os partidos gastarem tanto tempo com a revisão constitucional?) Qual a oportunidade de medidas legislativas e administrativas de favorecimento do aborto num país como Portugal com uma gravíssima crise de natalidade? Não incumbria, bem pelo contrário, ao Estado e à sociedade aproveitar a figura da adopção e criarem novas instituições para receberem crianças não desejadas ou com problemas?

6. Vivemos numa sociedade livre, democrática e pluralista e num Estado laico, em que nenhuma crença pode impor-se e em que o diálogo entre todas as correntes pode desenrolar-se pacificamente.
A legislação penal é uma prerrogativa do Estado e este pode decidir sobre ela quer por via representativa, através dos deputados eleitos e reunidos em Parlamento, quer por via de referendo, através do próprio eleitorado (um referendo sobre o aborto é, pois, tão perfeitamente possível e legítimo quanto uma votação na Assembleia da República, como demonstrou Vital Moreira neste jornal).
Mas será a questão da interrupção voluntária da gravidez – ou seja, da interrupção voluntária de uma vida humana – uma verdadeira questão de crenças ou convicções, pelo menos fora dos casos de malformação ou de perigo para a vida da mãe? Será uma questão de liberdade de consciência ou não será, antes, uma questão que mexe com as estruturas duma república baseada na dignidade da pessoa humana?"

QUESTÕES DE "FORÇA"

A dra. Maria José Morgado, pessoa que considero, emitiu uma opinião sobre o aborto. Disse que a norma em vigor - do Código Penal - "perdeu a força" e que existem clínicas em Portugal onde se perpetram abortos que são um negócio chorudo e corrupto. Apenas duas observações. A norma não me parece que tenha perdido a força. Raramente a teve, o que é uma coisa completamente diferente. Ou seja, não se criaram as condições para a sua plena aplicação. O dr. Correia de Campos só agora "despertou" para isso e, tal como M. J. Morgado, defende a liberalização total do aborto realizado até às dez semanas de gestação para "lavar as mãos" de um "sistema" que não controla. Voltamos, pois, ao facilitismo abortivo como puro método contra a concepção e para "safar" o SNS das suas elementares obrigações. Quanto às clínicas, a questão coloca-se nos mesmíssimos termos para os negócios que se avizinham se o "sim" vencesse: chorudos, potencialmente corruptos e eticamente condenáveis. A dra. Maria José ainda se manifestou sobre o direito constitucionalmente consagrado que protege a vida intra-uterina. Segundo ela, com um argumentário muito baralhado, este não sobreleva o famoso direito da mulher a gerir a sua vida. Se fosse por aí, o corolário lógico seria retirar o aborto do Código Penal. Todavia não era isso que ia acontecer se a posição da dra. Maria José vencesse. O aborto é e será um crime, previsto e punido pelo direito penal da civilização de que fazemos parte, com excepções que, de maneira nenhuma, perderam "força". Melhor do que eu, a dra. Maria José sabe que a lei deve ser cumprida. Se ela "perdeu força", de quem é a culpa?

Com procuradores-gerais adjuntos destes, quem precisa de criminosos?

A Dr.ª Maria José Morgado não teve, infelizmente, pejo em defender o Sim no referendo ao aborto, justificando-se, por um lado, no facto de existirem "clínicas de aborto que são 'slot machines' de ganhar dinheiro", e por outro, na injustiça e desproporcionalidade de uma lei " que não corresponde à censurabilidade social".

I. Começando pelo primeiro argumento - já estafado, aliás, tamanha a repetição por parte da emitente... -, esclareça-se, desde já, que não é o lucro indevido dos agentes auxiliares que está em causa, mas que, sendo esse o caso, ninguém mais do que os partidários do Não o querem ver banido.

Com efeito, é precisamente com a liberalização do aborto até às 10 semanas em estabelecimento de saúde legalmente autorizado que se assegura, definitivamente, a legalização das clínicas de aborto privadas. Assim, e contrariamente ao que se sugere, as ‘slots machines’ que todos nós repugnamos, continuarão a existir, ora na forma actual, ora como "estabelecimentos legalmente autorizados", e certamente com lucros bem superiores aos esperados. Que ninguém duvide: o referendo servirá de impulso à legalização das clínicas ilegais, potenciando o respectivo negócio, e gerando maiores receitas. Chama-se a isto o efeito multiplicador do aborto.
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Vemos, por outro lado, que continua a dar-se por adquirida uma realidade que todos - incluindo o Ministério da Justiça (!) - parecem desconhecer, facto esse que passaria por caricato não fosse a demagógica e irresponsável intervenção da referida procuradora-geral adjunta. Nós, os partidários do Não, vamos conformando-nos: afinal, fala-se do fim das perseguições mas parece que ninguém foi preso; fala-se do fim da humilhação das mulheres que abortam mas parece que as acusadas excederam o limite das 10 semanas; fala-se de clínicas e 'slot machines', mas não se vislumbra nenhum partidário do Sim a denunciar clínicas ou os valores pelas mesmas praticados na esquadra mais próxima! Nem mesmo a senhora procuradora-geral adjunta...

Acresce, por fim, e seguindo o (incongruente) raciocínio da senhora procuradora-geral adjunta, que só faltava o desplante de acusar os partidários do Não de serem os responsáveis pela propagação das clínicas de aborto. Convenhamos, portanto: se há responsáveis, não serão esses precisamente os procuradores-gerais adjuntos que passam o seu tempo a dissertar sobre este e aquele fenómeno criminoso, em vez de se dedicarem, sob um silêncio probo, e de forma competente e profissional, a honrar o cargo que ocupam e o ordenado que lhes pagamos no combate no combate a essas mesmas realidades? Eu exijo mais; quem diz Sim que se contente com menos.

II. Resta-nos a análise da actual lei efectuada pela procuradora-geral adjunta perante a comunicação social, cujos contornos, para já, asseguram à mesma análise dois adjectivos: inédita e irresponsável.

Independentemente das convicções pessoais de cada um, não vejo como se pode admitir, num Estado de Direito, que um procurador-geral adjunto apregoe, publicamente, que determinada lei, legitimamente aprovada, em vigor e prestes a ser referendada, é “injusta” e “excessiva”! Afinal, quando o Não e o bom senso vencerem (andam a lado neste caso...), em que posição fica a Dr.ª Maria José Morgado e a procuradoria geral da República? E que podem esperar os cidadãos, sabendo que a procuradora-geral adjunta muito provavelmente se recusará a cumprir a lei e as respectivas funções no que ao crime do aborto diz respeito?

Esclareça-se, por outro lado, que se a lei não corresponde à «censurabilidade social», não é certamente por desuso, fenómeno geralmente associado à não aplicação social de algumas normas legais, e que os partidários do Sim têm vindo a rejeitar veementemente. Assim sendo, a ausência dessa censurabilidade apenas pode ter origem numa qualquer outra convicção ou prática, socialmente aceite, semelhante, por exemplo, à naturalidade com que os portugueses fogem aos impostos ou desculpam o tráfico de influências. Ninguém vê, porém, a distinta funcionária a propor a descriminalização destes crimes, pois não?

Certezas temos apenas uma: não há censurabilidade social que resista a tamanha leviandade de um agente da lei...

III. É precisamente em momentos como estes que procuramos orientação no puritanismo liberal de alguns oportunos moderados e sérios defensores do Sim, que não hesitam em invocar a Lei Orgânica do Referendo a propósito do conteúdo da homilia dominical. Seria interessante conhecer a posição desses teóricos (que, aliás, vemos «sempre [...] de volta da mesma tarefa»), relativamente à postura da Dr.ª Maria José Morgado, a qual, face ao mencionado diploma, sugere mesmo uma agravante - enquanto o ministro do culto está funcionalmente obrigado por Ele (o Patrão) a defender o Não, já a distinta procuradora estava, funcional e juridicamente, obrigada a estar calada...

ARGUMENTOS DECISIVOS A FAVOR DO SIM

Aqui. No sítio da rititi.
P.S. Não se aconselha a leitura a espíritos mais sensíveis.

OLHE QUE NÃO, OLHE QUE NÃO

Um comentador que assina com o nome Vítor Dias (custa-me a aceitar que seja o próprio), em resposta a um texto do Vasco Lobo Xavier, escreve o seguinte:
"3. VLX deve ser muito novo e conhecer mal a história. Porque bem vistas as coisas quem deve ter saudades do «estalinismo» não sou eu mas ele próprio e outros defensores do não, na exacta medida em que, a seguir à 2ª Guerra Mundial, num contexto de vinte milhões de mortos recentes e de empenho na recuperação dos níveis de natalidade, foi Estaline quem proibiu o aborto na União Soviética."
Lamento informar que, apesar da arrogância demonstrada, o Vítor Dias está enganado. Com efeito, depois de em 1920 ter sido liberalizado o aborto na antiga URSS, foi em 1937 e não depois da II Grande Guerra, que essa prática foi novamente proibida, sendo falso o argumento utilizado de que o motivo para tal haviam sido os 20 milhões de mortos. Volte sempre.

SUGESTÃO PARA INDECISOS

Hoje à noite, no auditório do Colégio de S. João de Brito (junto ao metro do Lumiar), conferência sobre o tema "As Razões do Não - a conversar com quem está indeciso", abordando este tema sobre quatro perspectivas:
  • Aspecto Médico - Drª Margarida Neto
  • Aspecto Mediático - Drª Laurinda Alves
  • Aspecto Jurídico - Dr. Tiago Duarte
  • Aspecto Ético/Religioso - Pe. Miguel Gonçalves Ferreira


DEBATE CALMO E SERENO COM VITOR DIAS, DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, DEFENSOR DO SIM E COLUNISTA DO PÚBLICO

Aqui há dias escrevi que Vítor Dias tinha defendido num artigo o diálogo marcado pela compreensão e respeito mas, logo que nesse artigo se passou a referir ao NÃO, começou a utilizar epítetos dos mais ofensivos, tendo eu transcrito 18 (dezoito).
(terrorismo verbal, violenta agressão ideológica, chocante primarismo, baixeza política e moral, enormes falsidades e trafulhices, miserável e desprezível, indignas declarações, ignorantes e palermas, servil alinhamento, rasteiro e mesquinho, abastardar este debate, falácias e invenções.)

Vítor Dias incomodou-se e acha que o meu post é de uma "absoluta desonestidade". Porquê? Diz ele que a necessidade de um diálogo marcado pela compreensão e respeito não é referido em relação a todos os defensores do NÃO. Ok. Estamos de fora. Eu realmente tinha ficado com essa ideia.

Diz ainda Vítor Dias que os termos que utilizou não eram para ser aplicados a todas as forças, movimentos e cidadãos defensores do NÃO, mas sim apenas a "certas" personalidades (não identificadas), a "certas" forças e movimentos defensores do NÃO (não identificados), a "alguns" defensores do NÃO (não identificados), a certos argumentos e, finalmente, às comparações de António Borges e às declarações de Maria José Nogueira Pinto (únicas pessoas identificadas e identificáveis naquele artigo).

Diga o que disser Vítor Dias, para além dos utilizados com estas duas pessoas, todos os outros impropérios foram atirados para o ar, bem por cima dos defensores do NÃO, indistintamente, para caírem onde fosse preciso e necessário mas sempre sobre os do NÃO.
Os preciosismos da argumentação que desenvolve não podem nem devem ser levados a sério pois a verdade é que distribuiu ultrajes por todos os do NÃO, socorrendo-se de uma velha e conhecida técnica de não individualizar ninguém para vir agora dizer que foi só sobre algumas pessoas, argumentos ou movimentos do NÃO.
Confesso que esperava outro tipo de defesa. E para quem pretendia ter serenidade e sangue-frio…

Meu caro Vítor Dias, conheço muito bem a História e nem sequer precisei, como alguns, de andar a revê-la nos últimos dez anos. Estaline é conhecido da maioria das pessoas desde há muito e as suas motivações - para o que quer que seja - não se confundem com as nossas.

Meu caro Vítor Dias, eu não vi no seu artigo qualquer homenagem prestada a Simone Veil (nem isso me interessa, de resto), vi apenas que se colou a ela momentaneamente porque estrategicamente lhe interessava para o que discutia.

Meu caro Vítor Dias, eu não discuti os seus argumentos porque o único verdadeiro argumento que utilizou foi aquele clássico de que a liberalização do aborto não obriga ninguém a abortar. Acontece que isso é tão fraco que não merece discussão. Acabarmos com o Código Penal também não obriga ninguém a cometer crimes. Acabarmos com a penalização por violação dos limites de velocidade na auto-estrada não obriga ninguém a andar a mais de 120 kms/h. Acabarmos com a obrigatoriedade de usar capacete não obriga os motociclistas a andarem sem ele. Quer que continue?

Meu caro Vítor Dias, eu não manipulei textos alheios, limitei-me a mencionar os termos que utilizou. Por qualquer motivo julguei que era deputado mas não quis ofendê-lo. Foi essa a minha única falha no post em causa mas isso não lhe dá o direito de dizer que ele era de uma "absoluta desonestidade".
Ou estaria a referir-se apenas a algumas palavras do texto, não identificadas nem identificáveis?...

Com votos de revisão da forma como se nos dirige, receba também, apesar de tudo, os meus cumprimentos,

E NÃO SERIA MELHOR IR FAZER O SEU TRABALHO?

Numa conferência promovida pelo PS na Assembleia da República, a conhecida procuradora-geral adjunta, Maria José Morgado, disse que havia em Portugal clínicas a fazer abortos que até pareciam as slot machines dos casinos e que o aborto ilegal produzia dinheiro sujo e não tributado.
Se a senhora procuradora-geral adjunta tem conhecimento disso, eu pergunto-me por que estranha razão não pára de dar conferências e entrevistas à comunicação social e não vai antes fazer o seu trabalhinho, pelo qual é paga pelos contribuintes não faltosos.

CORREIO DOS LEITORES

Publico em seguida um texto recebido por mail, escrito por Paula Dias.
"Quem segue a imprensa regional não deixará de reparar que, desde há, sensivelmente, um ano, um certo tipo de notícias passou a ter destaque: o nascimento de bebés a caminho das poucas maternidades que subsistem no interior do país. Nascem nos Centros de Saúde, quando um pai atarantado, percorridas curvas e contracurvas de serranias, tem a lucidez de parar numa vila de passagem e buscar socorro; nascem sobretudo nas ambulâncias do Serviço Nacional de Saúde ou das Associações de Bombeiros; nascem nos comboios, como aconteceu, há pouco, no trajecto Intercidades Lisboa-Porto. Quem vê televisão confirma o que digo, na medida em que, volta e meia, lá surgem, como notícias de interesse, o nascimento de uma criança fora da maternidade ou do hospital de destino.Não devemos, é claro, cair na tentação de associar o número de crianças a nascer fora dos estabelecimentos autorizados para tal com a redução do número de serviços de obstetrícia autorizados no país, que aconteceu em 2006. Apressadinhos e apressadinhas sempre os houve, a novidade está em que passaram a ser notícia, fruto da discussão política que acompanhou a reorganização dos serviços de apoio à maternidade. Vivemos de modas, e noticiar os nascimentos fora da regular assistência passou a interessar à opinião pública.
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Neste âmbito, nos mesmos jornais regionais, e em alguns nacionais, veio anunciada a realização de cursos, promovidos pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ou pelos hospitais da área de realização, de assistência urgente a grávidas e nascimento de crianças, destinados aos bombeiros e pessoal tripulante de ambulâncias do interior do país. Tudo normal, como o Ministro da Saúde, Correia de Campos, aliás, prometera: fechava os serviços de obstetrícia mas reforçaria as redes de transporte de grávidas às instituições autorizadas. E, para prevenir nascimentos urgentes que sempre acontecem, os acompanhantes e condutores têm direito à formação para estarem à altura das novas urgências. O governo desinvestiu, e fechando maternidades, favoreceu a situação de recurso que é o de a assistência à maternidade poder ser feita numa rotunda, dentro de uma ambulância, passada uma curva perigosa, num estacionamento precário, numa estrada movimentada e impessoal, por um bombeiro solícito e atento, devidamente para tal instruído com um curso de Verão, ou em regime pós-laboral, heroicamente pago do seu bolso.Por outro lado o governo, argumentando que o aborto de vão de escada, feito em estabelecimentos ou consultórios ilegais por médicos, enfermeiras e curiosos mal preparados é um risco para a saúde, reclama que estes devem passar a ser realizados nos centros de Saúde, hospitais e maternidades, por médicos (ginecologistas) e pessoal de enfermagem credenciado, a que se juntam psicólogos e assistentes sociais que ajudem os envolvidos a recuperar do trauma. Tudo a custos controlados, com todas as garantias de que o nosso serviço nacional de Saúde está ao nosso lado, e ao lado da promoção da nossa saúde, física e mental.Fico, francamente perplexa, como mulher e utente dos serviços nacionais de saúde, com o sentido das prioridades deste governo, que com desvelo quase paternal se dispõe a promover a minha saúde, prometendo-me a possibilidade de interromper uma gravidez indesejada nas devidas condições de segurança, economia e higiene. Ao invés, se estiver grávida e tudo estiver a correr bem, pagam-me uma consulta por mês no médico de família do centro de saúde da minha área de Residência, e o direito a ocupar uma cama na maternidade por três a cinco dias, assim o bebé nasça de parto normal ou de cesariana. Não esquecendo, claro, que se a criança se lembrar de nascer de urgência a quilómetros da Maternidade, então sempre recebo a suprema gentileza do direito a ser assistida por um voluntário da Associação de Bombeiros ou de uma Associação de Solidariedade Social, preparado para tal por um curso, diria, de “vão de escada”. Neste caso, já não se põe o problema de um acto médico ser conduzido por pessoas não especializadas para tal.O Estado que se propõe amparar-me se eu me quiser livrar de uma gravidez indesejada, é o mesmo que me empurra para clínicas privadas, para obstetras particulares e laboratórios de análises privados, por carências várias do SNS. Caso more na fronteira, convida-me a fazer do meu filho um natural de Espanha, com a cereja no bolo que é poder ser assistida pelo bombeiro de serviço numa ambulância, caso tenha a ousadia de pedir um estabelecimento credenciado.Diremos às futuras gerações, às que permitirmos viver, claro, que, para o Estado Social que governa esta nação, abortar voluntariamente é sempre mais fácil, mais barato e mais higiénico do que dar à luz um filho. Estranhos e contraditórios tempos os nossos!"

Prof. Mário Pinto lapidar no Público


In Público 15. 01. 2007

1.De facto e de direito, o que está em causa no próximo referendo é o aborto completamente livre até às dez semanas, a pedido da mãe sem ter de alegar quaisquer razões. O aborto já é lícito, em Portugal, quando tem o consentimento da mulher grávida e é justificado: por razões "de morte, ou de grave e duradoira ou irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida"; por razão de "grave doença ou malformação congénita" do feto; por inviabilidade de vida do feto; por razão de gravidez resultante de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher. Os prazos variam: conforme os casos, podem ser de 12 ou 24 semanas, ou até sem prazo. Mas são sempre prazos praticamente operativos - por exemplo, no caso de "constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida", não tem prazo. O consentimento da mulher grávida, se for menor ou psiquicamente incapaz, pode ser prestado (conforme os casos) por ascendente, ou descendente ou qualquer parente da linha colateral. A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez deve ser certificada em atestado médico. Este é o essencial do regime legal em vigor em Portugal.
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2. Em vários países, que a propaganda abortista nesta matéria entre nós tem eleito como países modelo, a lei é sensivelmente análoga à nossa. É o caso de Espanha, onde a liberalização se faz pela prática ultraliberal dos médicos que reconhecem, a torto e a direito, que a mulher grávida que quer abortar tem sempre uma doença psíquica cujo remédio passa pelo aborto.
3. Portanto, a lei portuguesa já contém um regime de equilíbrio entre os interesses e direitos da mãe e o direito à vida do filho. Considerando que o direito à vida é o mais importante e decisivo de todos os interesses e direitos, porque sem a vida não há direitos e tirando a vida tiram-se todos os demais direitos, não falta quem (e a meu ver com razão) considere que, no regime em vigor, já se foi longe de mais na desprotecção da vida intra-uterina, face à norma do art. 24.º da Constituição que diz: "A vida humana é inviolável" - esta norma, note-se bem, é aplicável à vida dos embriões humanos segundo uma doutrina consensual do Tribunal Constitucional. O que o referendo vem propor é ir mais longe naquela desprotecção da vida humana do embrião; a ponto de se perder completamente a ideia de um real equilíbrio. Vejamos.
4. Posto perante a pergunta do próximo referendo, em que o aborto se torna um direito absoluto e incontrolado da mulher grávida nas primeiras dez semanas, o Tribunal Constitucional foi obrigado a ir à questão fulcral da inviolabilidade da vida humana - e, por isso, a leitura do Acórdão n.º 617/2006 é indispensável. Porém (com o devido respeito, e em minha opinião) a tese vencedora no Tribunal Constitucional não esteve à altura do problema. E é isso mesmo o que, sem grande dificuldade, se pode tirar da leitura do corpo do acórdão relatado pela juíza-conselheira relatora, e das impressionantes declarações dos juízes-conselheiros vencidos (apenas por sete a seis). A leitura do acórdão está ao alcance do cidadão que se queira esclarecer; e permite concluir que a tese que venceu à tangente se exprime por uma argumentação manifestamente injusta e absurda: em que, por um lado, se não protege realmente o direito à vida do embrião (que é o direito fundamental entre os fundamentais); e, por outro lado, se absolutizam abstractamente interesses ou direitos da mulher, recorrendo a fórmulas abertas que dariam para justificar tudo e a ponderações comparativas absurdas. Exemplificarei com dois pontos.
5. Para justificar o "poder soberano" que se confere à mãe para matar o filho nas primeiras dez semanas da gravidez, o acórdão do Tribunal Constitucional não encontra melhor argumento do que o da invocação da "liberdade de [a mulher] desenvolver um projecto de vida (...) como expressão do desenvolvimento da [sua] personalidade". Nunca se ouviu falar de tamanho e totalitário direito de desenvolver a personalidade própria, através de um projecto de vida que, no caso, passa pelo projecto de uma morte. Se o direito de decidir um projecto de vida pessoal, alegadamente para desenvolver a personalidade própria ("o direito ao desenvolvimento da personalidade" que todos temos), pode ter este poder incontrolado e poderoso, ao ponto de afectar os direitos fundamentais dos outros e designadamente o direito à inviolabilidade da vida humana, isso é caso inédito na jurisprudência constitucional e na teoria dos direitos fundamentais. E não se diga que se trata de uma aplicação a um caso especial, porque neste caso do aborto aquele direito defronta o direito fundamental de inviolabilidade da vida humana do art. 24.º da Constituição, cuja aplicação se estende consensualmente à vida humana intra-uterina.
6. Mas há mais. A tese vencedora no Tribunal Constitucional afirma que com ela se constrói um equilíbrio entre: de uma parte, a protecção dos direitos e interesses da mãe (ao desenvolvimento da sua personalidade); e, de outra parte, a protecção do direito à inviolabilidade da vida do filho. E como se concretiza esse equilíbrio? Diz o tribunal que é pelo chamado "método dos prazos". Qual é esse método? É concedendo à mulher grávida o direito de decidir arbitrariamente da vida ou morte do filho nas primeiras dez semanas; e, para equilibrar, concedendo protecção à vida do filho... depois das dez semanas. É inacreditável! Se não fosse trágico, seria para rir.
7. Como é óbvio, a protecção que no acórdão se diz conceder à vida do filho depois das dez semanas só existe se a mãe decidir não abortar nas primeiras dez semanas. Ou seja: a protecção aos direitos e interesses de uma das partes no conflito, o filho, depende absoluta, arbitrária e definitivamente da decisão prejudicial da outra parte, a mãe. Portanto, a protecção à vida do filho é virtual; e assim não corresponde ao espírito constitucional, que garante no art. 24.º uma inviolabilidade real, e não apenas virtual, à vida humana.
Supondo que, em Portugal, todas as mulheres grávidas decidissem abortar nas primeiras dez semanas, nunca nenhuma vida humana intra-uterina viria a beneficiar da protecção jurídica do art. 24.º da Constituição, que diz: "A vida humana é inviolável". É este o equilíbrio do método dos prazos?!
8. Conclusão evidente: a alternativa aberta pelo próximo referendo de uma total liberalização do aborto até às dez semanas, por vontade discricionária e incontrolada da mulher grávida, é um excesso bárbaro, uma injustiça humana e uma mistificação constitucional. Com efeito, se as reais razões da mulher para abortar não precisam de ser invocadas, então poderão elas ser quaisquer: desde razões sérias, a razões perversas; desde reais dificuldades, até caprichos, negócios, feitiços, vinganças, crueldades, tudo. Desta maneira, note-se bem, deixa de haver limites, nem éticos, nem morais, nem sociais, juridicamente relevantes. Literalmente: "não há direito".
Mário Pinto
Professor universitário

Resposta de Francisco Louçã a VLX


Caro VLX:
Gostei muito da sua carta. Não o posso afirmar em público, mas aqui, apenas entre nós os dois, posso confessar-lhe o quanto aprecio dialogar com elementos da direita caceteira como o meu amigo. Sobretudo, não tenho paciência é para moderados bem intencionados como parecem ser os seus co-bloggers. Você sabe, eu sei, e Você sabe que eu sei que Você sabe que não é assim que se vai lá. O mainstream, manifestamente, não é caminho para mim nem para si.
Ora apreciei bastante os seus métodos. Não os subscrevo, é claro, mas tão só por envolverem dinheiro livremente concedido por indivíduos em troca de géneros. São os vossos métodos, que respeito. A nossa religião trotskista, como sabe, só nos permite utilizar dinheiros públicos. Foi assim que fizemos os cartazes do tribunal. Os polícias são dois militantes nossos do Bairro Alto, e a ré é a Draguinha (percebe-se, ou não? - é que ela não queria dar a cara, alegando ser dona do seu próprio corpo).
Agora uma confidenciazita (bom, não é totalmente novo, porque houve aí um dos vossos 700.000 contactos que falou nisso num comentário): tal como o meu amigo, eu não estou nada interessado em que o Sim ganhe. Se isso acontecesse, que seria da minha agenda política? Que causa a seguir, para o partido das causas? É que as causas fracturantes não são infindáveis, e a certa altura, lá tinha de meter a viola no saco e ir para Estrasburgo, como o Sousa Pinto. Mas estou tranquilo. Como estúpido não sou, vou lendo nas entrelinhas de sondagens como a do Público que o povão, que nunca será a favor de matar criancinhas, começa a perceber que é de facto disso que se trata, e quando isso acontecer em cheio, o que há-de ser antes de dia 11, há-de votar no Não. E o Não há-de ganhar, por uma unha negra, como convém. E eu gosto de unhas - para mim, são uma parte do corpo como outra qualquer. E esta, hein?

Muito bem, a conversa está óptima, mas tenho de ir, que tenho a Draguinha e a Ana Gomes à espera do briefing. Vá falando aí no BdN, que já sabe que eu não perco uma vossa, e um destes dias voltamos a falar.


Até uma próxima. Receba um grande até amanhã deste que o preza, e se assina,

Francisco Louçã


PSR: Gostei muito das meias - se fosse agora, enfiava uma na cabeça da Draguinha, em vez de a enfiar a ela no meu casaco de cabedal (se bem que ela não é muito de enfiar o carapuço).

PSR: No seu VLX, o V é de quê? Vladimir? V Internacional? Vasco? Neste último caso, posso chamar-lhe Camarada Vasco?

FINANCIAMENTOS

Caro Francisco Louçã,
eu não queria revelar isto mas você está tão perto da verdade que eu vou dizer tudo: não são os milionários que nos financiam, somos nós que roubamos. É verdade. Também me custou (a princípio, claro).
Andamos por aí com capuzes de lã a assaltar lojas de bairro, velhinhas, raptamos crianças e pedimos resgates. Sei que você até perdoaria se fosse num qualquer centro comercial mas são lojas de esquina as vítimas dos nossos roubos. Um grupo dos nossos (com o qual eu não concordo, lembre-se disto quando tomar o poder e começar as depurações), decidiu vender mais caras nas praias da linha umas colas imperialistas que comprava no botequim da esquina, valorizando o negócio do Sô Zé mas enganando os incautos, que diziam "sim", quando perguntávamos se queriam um refresco, e que respondiam "não" quando lhes perguntávamos se eram a favor do aborto livre.

Para que não fique com uma ideia completamente errada de nós, deixe-me dizer-lhe que o nosso plano final era fugir com uns cartões douradinhos de uma instituição bancária que você não gosta e voltarmos só quando o nosso negócio estivesse completamente realizado e o Campo Pequeno destruído.

O nosso negócio, já deve ter compreendido, é na base das fraldas e leite em pó. Os interesses escondidos deste pequeno grupo de capitalistas não são mais do que uma coisita que dá para borrar e bolsar mas estamos a tentar avançar para as chupetas e lavandarias que, dizem os estudos, dão mais lucro. Alguns de nós querem ainda investir numa maternidade em Elvas mas eu continuo a achar que a aposta na loja de crianças do Corte Inglês de Badajoz tem mais saída.

É claro que certamente também alguns milionários estão metidos nisto. Não há milionário que não se preocupe com a sua herança ou para quem a deixa e, para isso, são necessárias crianças. Confesso-lhe, no entanto, que são em número reduzido pois não pensaram no aborto antes e, na sua grande maioria, já têm herdeiros e o Estado a voltar a comer-lhes bocado substancial. Pela parte que me toca (nenhuma, já se vê), isso incomoda-me apenas porque não me vai tocar algum.

Penitenciando-me por tudo isto que denuncio, ponho-me ao seu dispor para qualquer denúncia pública que entenda prosseguir (a vizinha do terceiro esquerdo anda a fazer muito barulho. Eu não sou de falsos, mas...). Sábado, a malta rouba aì na 2ª circular; quer vir?

Continuando a desejar-lhe as melhoras possíveis,

vlx

BdN à escuta

-Sabe que metade dos seus colegas do PSD votam sim no referendo?
-Dá-me imensa vontade de rir quando vejo colegas meus virem com um ar muito revolucionário, como se estivessem a fazer uma transgressão enorme, ao defenderem agora o aborto que há vinte anos não defendiam. Confesso que tenho alergia aos "soixante-huitard retardés".


(Zita Seabra, entrevista ao Expresso, 13/1/07)

Nem que me metam no Campo Pequeno


Parece que o dr. Louçã descobriu que a campanha do "não" é financiada por "milionários anónimos".
Até que enfim.
O dr. Louçã, quando não tem mais nada para dizer, insinua sempre umas ligações perigosas - a ver se pinga alguma lama.
Para ser franco, desta vez nem percebo bem qual é o problema. Não terão os ditos milionários a liberdade, conquistada em Abril, de nos financiar? Eu talvez preferisse ser financiado por "tesos anónimos", mas os "tesos anónimos" costumam dar piores financiadores do que os "milionários anónimos", vá-se lá saber porquê.
O dr. Louçã está preocupado porque a campanha do "não" tem o dobro dos outdoors do PS. No lugar dele, eu também estaria preocupado. Primeiro, porque isso mostra que o PS está um bocadinho à nora. Segundo, porque mostra, ainda por cima, que os "milionários anónimos" não estão lá muito virados para financiar a campanha do charro gratuito, que o Bloco pensava lançar com o seu apoio.
Ou seja, o dr. Louçã terá que perguntar ao camarada Otelo, de quem foi testemunha abonatória no processo das FP 25, como é que eles faziam para sacar dinheiro aos bancos. O imposto revolucionário parece-me impraticável porque os porcos capitalistas que nos pagam tiveram a desfaçatez de escolher o anonimato.
Uma coisa é certa: não devolvo o Jaguar.
Nem que me metam no Campo Pequeno.

Mais uma razão

"Jerónimo diz que vitória do "não" é derrota do PCP" (DN, 16/1/07).

O mapa de Borges


Hoje, um membro do Governo entrou pela primeira vez na campanha: Pedro Silva Pereira foi a Leiria defender o "sim". E que disse o Ministro da Presidência?
Uma verdade e uma meia verdade.
A verdade: o aborto vai continuar a ser "criminalizado" (foi a palavara que usou), mesmo que o "sim" ganhe.
A meia verdade: o "sim" só quer abrir "mais uma excepção", além das três já previstas na lei, a essa criminalização genérica.
O que o dr. Silva Pereira não disse é que a "excepção" proposta consiste em tornar a vontade da mãe, sem qualquer outro fundamento, razão suficiente para abortar até às 10 semanas. Eis o que significa a expressão "a pedido da mulher", tal como está na pergunta do referendo. Se o "sim" vence, a excepção aprovada cobre todos os casos possíveis de aborto até às 10 semanas, uma vez que o arbítrio materno se torna o único soberano. O que não é abrir uma excepção, mas uma regra.
Na História Universal da Infâmia, Jorge Luís Borges descreve um mapa tão perfeito que representa certo império à escala real, cobrindo-o por completo. A "excepção" de Pedro Silva Pereira é o mapa de Borges do aborto no nosso país.

BdN à escuta

Recebemos este comentário hoje. Pela sua singularidade, publico-o em texto.
J.
É pena que não se identifique melhor, isto é, é pena que não diga se é homem ou mulher. Sabe porque faço este comentário? porque noto que nem tem a mais pequena ideia do que fala quando vem para aqui fazer comentários.Eu sou mulher e já passei por uma situação de ter um ser humano, uma pessoa, dentro de mim, com uma deficiencia muito rara, trissomia 9, e que é totalmente incompativel com a vida. Fui totalmente informada pelo meu médico e também, juntamente com o meu marido procurei mais informação. Após confirmar o que me tinham dito, resolvemos seguir a indicação médica que seria interromper a gravidez.Foi o pior dia da minha vida!Eu nunca fui recriminada pelo que fiz, tinha a lei do meu lado, no entanto posso dizer-lhe que vivo diáriamente com o remorso da arrogância que tive em terminar com uma vida que não era minha!Não venha para aqui acusar as pessoas de falsos moralismos.Quem defende a não liberalização do aborto fá-lo por acreditar que existe uma vida, única e irrepetível, que tem o mesmo direito que nós: o Direito á vida!
PS - Quanto ao resto do seu comentário, nem merece resposta tal é a ignorância do que escreve...

Direitos para todos (excepto para os fetos até às 10 semanas)

Aborto PS

INGERÊNCIAS

Dantes era só sobre o futebol e processos judiciais em curso que toda a gente achava que podia dar a sua opinião, soubesse ou não do assunto. Agora, a esses dois temas acresce o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, pois toda a gente parece ter uma ideia sobre as suas regras, pretende definir-lhe as alterações que entende e traçar-lhe um rumo a seu gosto.

Na minha actividade existem também regras deontológicas. São normas importantes, que regem a minha profissão e a dos meus pares, que a regulam, e eu não admitiria que quem quer que fosse e vindo de onde viesse pretendesse intrometer-se na elaboração dessas regras, não sendo profissional desta área. São normas procedimentais e de conduta desconhecidas da maioria das pessoas, que certamente nem as compreendem, que não vêm na legislação penal (ou outra que seja) mas que, não sendo observadas ou sendo violadas por aqueles a quem se destinam, implicam naturalmente uma punição disciplinar. São regras que têm a ver com determinadas pessoas e a actividade que exercem.

Por isso, ao contrário do que afirma hoje, no Público, Vital Moreira, pode-se perfeitamente considerar como deontologicamente ilícito aquilo que o Estado, ele mesmo, não considera punível.

No caso dos médicos, grupo de profissionais dos mais nobres que existem exactamente porque se põe do lado e a favor da vida, é naturalíssimo que são eles os únicos a poderem decidir sobre as suas regras deontológicas e que ao seu Bastonário compete explicá-las e defendê-las. Ora, muito recentemente, também no Público, o Senhor Dr. Pedro Nunes (que tem tido sempre o cuidado de se abster de dizer se é a favor do "sim" ou do "não") esclarecia a questão de forma cristalina e que não necessita de qualquer comentário adicional: "Não posso retirar do código a condenação de uma interrupção de uma vida existente."

Ainda a procissão vai no adro II



Até agora a palma da desinformação na campanha vai para os cartazes mentirosos do BE ("Fim da perseguição das mulheres") e do PS ("Abstenção para manter a prisão?") e para as intervenções do PCP, todos a tentar convencer-nos de que o referendo é sobre a prisão das mulheres e não sobre a liberalização do aborto.
Dá-me vontade de rir quando ouço a cassete de que são contra o aborto, quem não é contra o aborto, etc. e tal, mas só querem acabar com a humilhação das mulheres. A mesma humilhação que se encarregam de publicitar, convocando os jornais e as televisões para a porta dos tribunais. Afinal, quem é hipócrita?

Acontece que o referendo é mesmo sobre a liberalização total do aborto até às dez semanas. Não é sobre o fim da prisão das mulheres, porque, mesmo que o sim ganhe, estas continuarão em teoria a ser presas - se abortarem depois das 10 semanas...
Só há uma maneira de acabar com isto: liberalizar o aborto até às 11, 12, 16, 20, 24, 28 semanas, ou mais ainda.
Os defensores do "sim" não preferem fazer um referendo que avance já para aí?

Marta Rebelo

Há uns dias, tomei conhecimento deste post escrito por uma homónima (que por sinal é defensora do “sim” e que confessa a sua dificuldade em compreender as perspectivas distintas das suas), onde se pode ler o seguinte:

Nunca ninguém definirá com precisão quando se começa a viver. O subjectivo não é passível de objectivação.”

Depois de dar como assente a impossibilidade de definir a vida humana, a autora, defendendo que à mulher deve ser reconhecido o direito de opção, prossegue:

A intromissão do Estado deve terminar onde começa a beliscar, magoar e interromper o princípio da dignidade da pessoa humana: o être soi, right to be yourself, the right of the pursue of happiness.”

Será que nesta segunda frase a dita homónima se está a referir àquele princípio da dignidade da pessoa humana que se escusou de tomar em consideração a propósito do embrião, alegando que “o subjectivo não é passível de objectivação”?
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Pois é, Marta Rebelo, é que para defender com objectividade o “princípio da dignidade da pessoa humana” relativamente à mulher que aborta, convém saber a que é que se refere. Para isso, não se pode mesmo dar ao luxo de prescindir de definir o que é vida humana digna de tutela, nem quando é que ela começa.

Entende agora que é por este motivo, e não para impor uma qualquer moral, que os defensores do “Não” insistem tanto na noção de pessoa humana? E que é legítima a preocupação que têm de saber o que os faz, ou não, ser dignos de tutela?

Entende agora porque é que uma legislação que pressupõe a irrelevância do embrião até às dez semanas, ainda que não me obrigue a abortar, também me afecta a mim, Marta Rebelo?

AINDA MAIS UMA DÚVIDA

Coloco aqui mais uma dúvida, entre as muitas que já foram colocadas neste blogue e que ficam sempre por esclarecer:
Como é que se vai determinar as 10 semanas? As mulheres vão ser obrigadas a fazer uma ecografia antes de abortarem ou vamos confiar na sua contagem de semanas? Se for o segundo caso, claramente os abortos irão muito para além das 10 semanas.
E já agora: 10 semanas em relação a quê? Existem duas formas de medida: uma diz respeito à data do último período, mais fácil de determinar e por isso usada habitualmente em todas as referências à gravidez; outra diz respeito à concepção, que faz mais sentido mas é muito mais difícil de determinar. Se for a segunda, estamos realmente a falar do que habitualmente se designa por 12 semanas.

Dedicatórias...

Sensibilizam-me as dedicatórias. Para mais públicas. Vindas da Fernanda Câncio diria que são uma prova da nossa longa troca de argumentos. É salutar. Gosto de discutir direito com ela. Até agora confinámo-nos ao ordenamento jurídico português. Com esta dedicatória, fico na dúvida se quererá começar a esgrimir argumentos com base em direito canónico. Porque, caso não tenha percebido, na entrevista feita pela sua amiga e colega, as respostas surgem inspiradas nele e nas categorias normativas que o entretecem. Que apenas se dirigem aos fiéis. Que, por sinal, são aqueles que costumam frequentar as vias-sacras.