Ditadura da maioria

Nos últimos 2 dias o João Miranda dedicou-se a fazer uma série de exercícios acerca do aborto e da liberdade individual. Longe do brilhantismo que assiste tão popular personagem da nossa blogosfera, não posso deixar de comentar o seu mais recente raciocínio. E faço-o com uma série de perguntas (bem sei que o João Miranda raramente responde à plebe, mas aqui ficam):
- E se a maioria da populaça pretender instituir a pena de morte?
- E se a maioria da populaça pretender instituir uma ditadura (provavelmente desconhece mas essa deveria ser a vontade da maioria em 1928, o que aliás ficou reflectido numa famosa frase de Fernando Pessoa)?
- E se a maioria da populaça entender que o blogue do João Miranda deveria ser encerrado?
- E se a maioria da populaça entender que os velhos com mais de 70 anos devem morrer, de forma a salvaguardar as reformas dos mais novos?
- E se a maioria da populaça entender que o liberalismo puro é uma patetice pegada e que os seus defensores devem ser todos presos?
Parece-me que estas perguntas já encontram resposta no post do João Miranda, quando ele diz "Se a lei for entendida pela esmagadora maioria da população como necessária (...) então é uma boa ideia.", mas ainda assim gostaria que ele me respondesse.
Bem sei que este post pouco ou nada parece estar relacionado com o aborto, mas quando pessoas, supostamente inteligentes, pretendem levar o debate acerca do mesmo para o plano das liberdades individuais, como se a liberdade individual da mãe fosse o único interesse ou direito em jogo, parece-me evidente que estão a tentar viciar os dados da discussão.

A ler os outros

O Sérgio Almeida Correia escreve sobre um estudo do Instituto de Política Familiar acerca da evolução do aborto em Espanha, desde 1985 até 2005. Os resultados são claros quanto ao aumento do número de abortos e, fundamentalmente, quanto aos riscos que os mesmos têm na saúde das mulheres (mesmo efectuados dentro da lei).

Correio dos leitores

"Por motivos profissionais, vivi em Paris durante uns meses, em 2005. Assisti, por isso, à celebração dos 30 anos da aprovação da lei Veil. As portas dos supermercados e os escaparates públicos foram, então, inundados por uns cartazes amarelos, cheios de balões, fitas coloridas e velas, com umas frases, a negro, a dizerem "Joyeux anniversaire!". Em caracteres menores, indicava-se o aniversariante (a aprovação da lei que legalizava a IVG), e convocava-se uma manifestação pública na praça do município para comemorar o evento. Fiquei chocada com o cartaz, que invocava, na minha opinião, um registo de inocência, com as cores e os motivos que normalmente se usam nos convites de aniversário das crianças, o que é profundamente irónico, tendo em conta a substância do que se pretendia celebrar. Tive curiosidade em seguir as reacções na comunicação social e o destino datal mobilização pública na Mairie. Na rádio e nos jornais, as figuras públicas e políticas relevantes debatiam a promoção da saúde pública, a liberdade e o reconhecimento dos direitos das mulheres, defendidos desde então por essa lei. Ocasionalmente, alguns políticos pronunciavam-se pelas limitações da mesma lei, nomeadamente porque o prazo para interromper agravidez, sendo mais curto em França do que em muitos países vizinhos, de fácil acesso, obrigava as pobres mulheres, algumas sem recursos, a viajar até à Holanda e Inglaterra, países com regimes ainda mais tolerantes do que a França. Importava, pois, rever a lei Veil no sentido de alargar o limitedas 12 semanas para o aborto legal, ou pelo menos, que o Estado fornecesse às mulheres ajuda económica que lhes permitisse custear as deslocações e a intervenção no estrangeiro. Achei interessante, contudo, no meu papel de observadora de uma realidade humana, cultural diferente da minha, constatar que os canais oficiais, comunicação social, partidos políticos e associações estavam mobilizadas para o assunto, comentando-o e celebrando-o até à náusea, o que contrastava com a relativa indiferença e mesmo apatia da população comum. No dia da tal manifestação, amplamente propagandeada pelas televisões e rádios, foi com desilusão que os mesmos media lamentaram a escassa mobilização popular para a mesma... tendo passado por lá (foi num domingo), observei um ajuntamento modesto, sobretudo de figuras típicas tipo as do nosso Bloco de Esquerda, com as suas barrigas escritas com slogans e cabelo em crista. Na altura, transmiti ao meu marido, que ficara em Portugal, a minha apreciação sobre os episódios a que assistira: um discurso oficial, formalmente democrático, e pró-humanista, em completo desacerto, na sua excitação de celebrar a lei, com a apatia e indiferença da população. Não estou a dizer que as pessoas que faltaram à manifestação sejam contrárias à aplicação da lei do aborto. Pelo contrário, estou convencida, a avaliar pelas estatísticas, que a encaram como um ganho, um benefício, um privilégiopróprio das nações desenvolvidas, al nível do direito às férias pagas, osubsídio de Natal, de desemprego ou mesmo o SMIC...a indiferença e aausência de espírito crítico instalam-se quando as leis, neste caso a lei que liberalizava a interrupção da gravidez, deixam de corresponder a uma real e efectiva promoção do homem e do seu desempenho na sociedade. Perdida este fito de "caminhada ascendente", educativa porque as leis e as sociedades se devem reger, (ou seja, tornar os homens melhores hoje do que foram ontem), está aberto o caminho para toda a brutalidade, anomia, relativismo, para o encarar como natural exigir a um Estado que, já que reconheceu a IVG como legal até às doze semanas, vá, lá, mais um esforço, mais uma vela no bolo, porque não mais duas semanas....E, por isso, um cartaz festivo de festa de aniversário não choca, nem desperta qualquer reacção diante da gritante ironia que esconde, tal como, no Ocidente rico e anafado que testemunhei em Paris, não choca que um casal em divórcio se enfrente no tribunal pela tutela do petit chien, ou que a madame vá ao supermercado, e coloque o caniche no carrinho, levando agarrado por uma trela peitoral o petit gamin... Tenho seguido o vosso blog. Sou mulher, sou doutorada, sou casada, tenho dois filhos, e não aceito o maniqueísmo dos partidários do sim quando dizem que estão a defender os direitos das mulheres, ou que a sua posição está fundamentada pelo avanço da civilização, da informação, ou da cultura."
Paula Dias

Nova entrada II

Num esforço de última hora conseguimos finalizar a contratação de mais uma galáctica para este blogue. Isabel Teixeira da Mota é jornalista do Jornal de Notícias e escreve também no corta-fitas. Bem-vinda.

Má vontade

Não sei se isto é para mim - o João Miranda não dá aos leitores a gentileza de um link. De qualquer modo, confesso que, quanto a Peter Singer, não consigo teorizar com grande fôlego. Podia tentar uma daquelas reduções ao absurdo matematicamente irrepreensíveis em que o João é, de facto - e sem ironia-, brilhante. Mas, a meu ver, dizer que o recém-nascido não tem consciência da sua própria existência e que, por isso, não pode ser considerado uma pessoa e a sua vida é de valor inferior à de um porco, um cão ou um chimpanzé, já é absurdo suficiente. Se calhar o João tem razão e isto é só má-vontade minha.

Nova entrada

Contamos a partir de hoje com a colaboração permanente de Assunção Cristas, Professora Universitária (em Direito) e mãe de 3 filhos (com 5, 3 e 1 ano de idade). A mais valia da Assunção é indiscutível e muito nos honra com a sua participação.

A NÃO CONSCIÊNCIA DOS LIMITES

"E não se pense que a morte se tornou tabu, de tal modo que se não permite que se fale dela, porque ela já não é problema. O que se passa é exactamente o contrário: de tal modo é problema, o único problema para o qual uma sociedade poderosíssima nos meios não tem solução que a solução tem de ser essa: disso não se fala. É uma sociedade poderosíssima nos meios, mas paupérrima nos fins: uma sociedade dominada pela racionalidade instrumental - Max Weber chamou-lhe Zweckrationalität, a racionalidade dos meios para outros meios, sem fim. Mas uma sociedade que precisa de ocultar a morte o que tem ainda a dizer sobre a vida? Não arrasta consigo um dos riscos maiores: a não consciência dos limites?"
Anselmo Borges
in "1 e 2 de Novembro: a visita dos mortos"
DN 29.10.2006

No fundo, é tudo uma questão de prioridades

Confesso que não percebo o alcance das recentes deambulações do João Miranda sobre o aborto e a liberadade individual, ainda que não o ache próximo (sequer moderadamente) das teorias que tem divulgado. Em todo o caso, já que falou de Peter Singer e do radicalismo das suas posições em defesa dos "direitos" dos animais, seria bom que se divulgassem também as opiniões que o Professor tem acerca do aborto e do infanticídio, por exemplo:

«Human babies are not born self-aware, or capable of grasping that they exist over time. They are not persons»; therefore, «the life of a newborn is of less value than the life of a pig, a dog, or a chimpanzee.»

Nunca é demais avisar que ideias deste tipo não são tão marginais quanto possam parecer. Depois de décadas a aperfeiçoá-las, Peter Singer foi nomeado professor responsável pela cadeira de Bioética em Princeton, uma das mais reputadas universidades do mundo, e tem hoje uma grande número de seguidores, muitos em posições influentes da academia e não só. Isto lembra-nos que determinadas inovações, pese embora a aparência actual de pequenos passos, se podem revelar, no futuro, uma porta aberta para os mais ferozes utilitarismos.

Adenda: O mais destrutivo e eficaz crítico das teorias de Singer tem sido Roger Scruton. Conferir aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

MEDIA - INCONSCIENTE (?) SERVIÇO PELO SIM

Nos últimos dias, não há telejornal que não passe uma reportagem sobre as clínicas de aborto espanholas. Até já todos as conhecemos pelos nomes: Os Arcos, Los Bosques, etc. Quem não sabia onde abortar em segurança, agora já sabe. Eis um bom serviço de informação prestado aos abortistas.
Ficamos a saber que fazem uns milhares de abortos por ano, a espanholas e portuguesas, quanto cobram, que têm óptimas condições de higiene e conforto, que acompanham as parturientes, e por aí fora. Se é verdade ou publicidade a custo zero, não sabemos. Sabemos, isso sim, que são instituições legais. E, acrescento eu, com fins lucrativos.

Por agora, deixo só esta pergunta: será que nos próximos dias vamos ver igual tempo de antena reservado a instituições sem fins lucrativos, que dependem do voluntariado, donativos e eventuais ajudas do Estado, como a Ajuda de Berço, Ajuda de Mãe, Movimento de Defesa da Vida, etc? Seria um bom serviço de informação prestado a quem não quer ter os filhos por falta de apoios, e a quem quer verdadeiramente ajudar a reduzir o número de abortos.

Expliquem-me como se eu fosse muito burro II

O que é que o João Villalobos quis dizer aqui e o João Miranda nestes I, II, III posts? A minha primeira reacção foi a de considerar aqueles escritos de um extremo mau gosto, mas depois de ler alguns dos comentários fico sem perceber se terei compreendido a mensagem que se pretendeu fazer passar.

Crime sem Pena


Crime sem pena, para mim, é como uma porta sem puxador. Está lá, indica o caminho, mas ficamos do lado de cá. Da porta, e da lei.

PROPAGANDA II

Na sic notícias vai passar dentro de momentos uma reportagem com o nome Partos Humanizados. Da apresentação fiquei com as maiores dúvidas acerca da sua bondade em pleno período de pré-campanha para o referendo do aborto. Desde logo, porque o médico escolhido como principal depoente é Miguel Oliveira e Silva (sim sim, esse que esteve na defesa do SIM nos últimos Prós & Contras). Imagine-se a coincidência...

Crime Scene


Helena

"Helena" é nome de Santa e de Imperadora de Constantinopla, e é o título de um dos livros de Evelyn Waugh, esse católico excêntrico e irascível que devia ser tão contrário ao aborto quanto, valha a verdade, à presença da sua própria prole no perímetro mais próximo. Em termos mais prosaicos, "Helena" é também o nome de uma das melhores bloggers portuguesas - a Helena Ayala Botto, dona de um irrepreensível bom gosto cultural e do magnífico Tristes Tópicos, onde espraia a sua escrita elegante, inteligente e irónica.

Como se vê pelo último post, a Helena gosta tanto de consensos e falinhas mansas como o velho Evelyn gostava da companhia da descendência:

(...)

«O problema de se usar expressões "neutras" não é o barroco das expressões em si, mas o facto de essa neutralidade ser sinónima de uma necessidade absurda de não ofender ninguém, isto é, de se ser políticamente correcto em todas as frentes. Ora, quando se emite uma opinião - sobretudo em questões determinantes - é bom sinal que alguém se ofenda, pois essa é a maior evidência de que a nossa opinião, além de claramente expressa, foi entendida como uma posição clara, uma manifestação de valores e ideologias que nos definem. E é isso, afinal, que fazem os opositores quando se deparam com alguém que não soube defender o seu lado da barricada com lucidez e determinação: arrasam vorazmente os delicados adverbiozinhos e as boas intenções do adversário.

Assim, a abolição do politicamente correcto como analgésico contra futuras controvérsias é absolutamente vital. Ao dizer de forma honesta e vincada que "sou contra", "acho bem" ou "está errado", espero reacções, contraditórios, discussões pertinentes e inflamações epidérmicas. Sem relativismos, sem escudos, sem anestesias.»

A partir de hoje, na pessoa da Helena, há mais alguém que resiste, há mais alguém que diz não. Bem-vinda.

AS PERGUNTAS DO REFERENDO


Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”

Para regular a vida em sociedade, o Estado toma opções, decidindo quais as situações que exigem a sua intervenção e em que sentido, ou seja, escolhe aquelas que deve:

1 desincentivar, utilizando mecanismos que as impeçam ou dificultem (p.ex: sanções);
2 tolerar, não as regulando, ou
3 incentivar, criando condições que as facilitem ou favoreçam.

No estado actual da legislação, salvo em caso de perigo para a vida ou saúde da mulher, malformações do feto, ou de violação, constitui crime abortar, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez.

Despenalizar esta conduta consiste em fazer com que ela deixe de constar do rol dos crimes. O Estado, em vez de punir, decide não interferir.

No entanto, se ganhar o “sim”, o Estado não se vai limitar a não interferir, não punindo.

Vai fazer mais do que isso: como o aborto só deixa de ser crime se for realizado em estabelecimento legalmente autorizado, vai criar nos hospitais públicos os meios necessários para que se possam efectuar estes abortos, vai legalizar clínicas privadas para o fazer, com as quais vai estabelecer protocolos, vai dar prioridade à realização de abortos, com o consequente atraso no tratamento de doenças efectivas (veja-se o artigo 6.º do projecto de lei do partido socialista, que entrará em vigor se ganhar o sim).

Ou seja, para além de despenalizar, o Estado vai participar activamente no aborto.

Daqui resulta que a pergunta que nos vai ser colocada no referendo encerra, pelo menos, duas questões:

1. Queremos abolir do rol dos crimes o aborto realizado até às dez semanas a pedido da mulher?

2. Queremos que o Estado, muito provavelmente com o dinheiro dos nossos impostos, crie as condições necessárias para que estes abortos sejam realizados, legalizando estabelecimentos para o efeito?

A resposta afirmativa à primeira das perguntas não implica um sim à segunda.

Por conseguinte, julgo que o Tribunal Constitucional deveria recusar a pergunta do referendo nos termos em que se encontra formulada.

LIBERALISMO

Foram já vários os blasfemos que defenderam a liberalização do aborto, dando a entender que iriam votar sim no referendo.
Ora, não sei se a pergunta será pertinente, mas tendo o Estado assumido que iria suportar os custos dos abortos, em hospitais públicos ou em clínicas privadas licenciadas para o efeito, tenho alguma curiosidade em saber se o seu sentido de voto se mantém.

EU RESPONDO

Invocar essa notícia e esses números na campanha pelo SIM, sem sequer se saber se os referidos abortos foram efectuados dentro das 10 primeiras semanas, é pura falácia.
Ainda assim, e mantendo na resposta o registo que decidiu atribuir à sua pergunta, deixe-me que lhe diga que sou pela vida dos 20 milhões de fetos.
Actualização: acresce que, em lado algum na notícia se diz que os abortos em causa são ilegais realizados clandestinamente, o que a torna inepta de prosseguir os objectivos de quem a alega.

Ler os outros

No novíssimo Cachimbo de Magritte, onde prontificam os também nossos Pedro Picoito e Paulo Marcelo, Bruno de Castro Maçães escreve o seguinte:
"A principal crítica que pode ser feita à liberalização do aborto é o modo como esta reforça uma tendência já muito poderosa para tratar as crianças como veículos para as ambições dos pais. O desejo de que os nossos filhos correspondam exactamente aos nossos planos para eles encontra hoje poucos limites. O aborto comunga do mesmo espírito. A ideia central é a de que apenas devemos ter filhos quando eles encaixam nos nossos planos. Claro que na realidade as coisas são mais complexas. Estes planos são planos profissionais e pessoais definidos pela sociedade onde vivemos. Assim, a mulher que decide abortar porque uma gravidez interferiria com a sua carreira não está verdadeiramente a fazer uma escolha mas a optar pela solução recomendada pelo seu lugar na disciplina social e no esquema de divisão do trabalho. A vida humana assumiria um ponto de vista social desde o início e, portanto, na sua totalidade."

PROPAGANDA

Dizem-me que passou hoje uma suposta reportagem sobre o aborto na rtp1. Ao que parece não passou de mera propaganda política, assumindo sem pudor ou vergonha a defesa do SIM. Sem querer alongar-me em grandes considerações acerca dos jornalistas que (ab)usam da sua suposta imparcialidade e independência para influenciar os destinatários dos seus trabalhos jornalísticos, fica a minha expectativa relativamente ao que vão dizer pessoas como o Pacheco Pereira, sempre muito atentos à governamentalização dos órgãos de comunicação social detidos pelo Estado.

IVG: uma frase de Karl Barth


Se se acreditar que o fim da vida humana não é a morte, mas a ressurreição, viver ganha um valor imperativo que transcende todo o instinto de sobrevivência e de procura da felicidade – as duas coisas que nos fazem andar para a frente no dia-a-dia. A vida torna-se a experiência possível de consciencialização do ser humano individual sobre o fim para o qual foi criado. Que essa experiência tem de ser vivida por cada um, na sua autenticidade única, para poder orientar-se para o transcendente fim da criação, é o que quase a torna para nós um dever, mais do que um direito. Chegar a compreender-se para lá do instinto de sobrevivência e aprender a relatividade da felicidade é o caminho que nenhum acto deliberado, nosso ou de outrem, pode interromper. Nascer para viver para morrer para ressuscitar. É assim que o mistério da ressurreição diz tudo sobre o que podemos nem chegar a imaginar que está hoje em jogo.

Homem não entra

No Blogue do Não, garanto que não há adversidades electivas. Se temos dedicado tantos posts ao Luís M. Jorge é apenas porque a inversa também é verdadeira. Ontem, o Luís usou uma velha arma de arremesso contra os defensores do "não": a de que escrevem aqui poucas mulheres porque, no fundo, elas estão sobretudo do outro lado. Convido o Luís a dar uma voltinha pela blogosfera para confirmar se a proporção de mulheres em todos os outros blogues, incluindo os que são declaradamente pelo "sim", é ou não superior à nossa. Quanto ao país, parece que há umas sondagens que contrariam o axioma, sondagens que o Luís desvaloriza invocando o amor das viúvas da Beira e de Trás-os-Montes pelo Senhor D. Miguel. Ficamos, pois, a saber que há mulheres de primeira e de segunda. As de primeira votam "sim", são pelo Senhor D. Pedro e não têm o mau gosto de frequentar esta caverna falocrática.
O que eu gostaria mesmo, porém, era de ver o Luís levar este argumento até ao fim. Terão os homens menos direito a falar do aborto do que as mulheres? Se sim, então porque fala tanto o Luís do aborto? E se eu, devido a um cromossoma errado, estou democraticamente inibido de opinar sobre o tema, porque não o estão os outros de fazer campanha pelo "sim"? Ou os muitos deputados do sexo masculino de votar qualquer alteração à lei? Ou qualquer homem de votar em Janeiro no referendo, com o argumento de que tão íntima questão só às mulheres diz respeito? Quer o Luís mandar calar o Primeiro-Ministro ou o Ministro da Saúde, que se têm mostrado tão activos na matéria? Ou os camaradas Louçã e Jerónimo?
Aguardo a resposta - com os mais femininos supiros que alcanço arrancar do meu peito másculo.

A PALAVRA DOS OUTROS

"É com indisfarçável alegria que vejo o aparecimento de blogues a favor do NÃO à capciosa pergunta que este clube de rapaziada da corda, a que a ilitracia pátria deu a maioria absoluta nas últimas legislativas, se prepara para lavrar em letra gorda num bocado de papel a que se convencionou chamar expressão da vontade popular.

E digo alegria, porque é com apreensão que vejo o triunfalismo dos que já se preparam para vitoriar o SIM, confiantes que andam no lento mas eficaz adormecimento de vontades, entretanto agravado de 1998 a esta parte. O desemprego galopa por aí à rédea solta, o medo vai paulatinamente conquistando as mentes, a miséria (material e humana) oferece o triste espectáculo que se vê nas ruas, os negócios prosperam como nunca, ataca-se ferozmente a honra dos outros, desacredita-se e demoniza-se quem recalcitra, ofende-se com a fisga da culpa (como aconteceu recentemente) o pobre consumidor que, embrutecido num T-0 onde não cabe com a família, diante do plasma que vai dolorosamente pagando a prestações, ainda leva com um flibusteiro em cima, a acusá-lo de ser o maior responsável pelo aumento da factura de electricidade.

Tudo isto e muito mais, a que os manhosos chamam modernidade, mas que afinal se trata de uma verdadeira guerra social, tem vindo crescentemente a desmoralizar a sociedade portuguesa, tornando-a permeável a tudo o que entendem impingir-lhe em nome de uma suposta liberdade, que, de acordo com as conveniências do momento, umas vezes – aqui d'el-rei! – anda a ser ameaçada por fascistas que recrutam jovens nas escolas, e outras é porque se não pode aceitar que as pobres mulheres violadas (como se se andasse por aí a violar mulheres todos os dias) possam vir a ser presas por IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez).

Essa liberdade, que mais não é do que uma triste sequela das taras ideológicas dos que em Sessenta andavam pelos vinte e tantos anos, admiravam as proezas dos camaradas Mao, Pohl-Pot e outros que tais, e gritavam nas ruas «abaixo o capital», mas para lhe chegar melhor, essa liberdade, dizia eu, constitui hoje a gazua que tem servido para abrir todas as portas do relativismo mais boçal, a começar pela do direito à vida, seja ele entendido no sentido lato, seja ele entendido no sentido mais estrito, que é o da própria gestação. E o que é mais abominável em todo este verdadeiro processo de destruição e de culto da morte a que se assiste, é que não são assassinos de cara patibular que o professam, mas sim gente que a custo lá foi aprendendo a comer com faca e garfo, que hoje se apresenta com ideias reformadoras e sensatas, mas que ontem era pelo «make love not war», e que jura a pés juntos tirar-nos do charco para onde todos os dias nos atira. Que me perdoe o Vicente Jorge Silva, feliz criador do termo, mas acho que a geração rasca tem origens muito mais remotas, sendo a sua descendência, hoje com ela a partilhar o mando, um mero ersatz, nado e criado à imagem e semelhança de quem lhes insuflou vida. Quem sai aos seus não degenera.

O general De Gaulle, que conhecia bem os intelectuais do baixo-ventre no seu país, sempre que instado a pronunciar-se sobre a liberalização do uso da pílula respondia, invariavelmente, nestes termos: «ça c'est comme les voitures de sport». Que queria ele dizer com tal metáfora? Enigma! Inclino-me todavia a conjecturar que apenas (e não é pouco) queria dizer isto: «o que a malta quer é divertir-se com corridas».

Divirta-se pois a malta enquanto é tempo, mas que se não esqueça também da retribuição de que os Antigos Gregos já falavam na Tragédia e que Kipling tão bem soube sintetizar nestas palavras: «cometerás os pecados um a um, mas pagá-los-ás aos pares».

Mail de João Borges de Azevedo



Palavras amigas

Ainda que correndo o risco de secar todo o argumentário possível em defesa do "Não", publico aqui um texto de autoria dos meus grandes amigos e correlegionários Mafalda Miranda Barbosa e João Vacas, o qual me foi enviado para o efeito pelos próprios. Antes de se ter importunado em ser minha amiga, a Mafalda foi minha professora em Coimbra, onde ainda hoje atura os filhos dos outros, falando-lhes da Escola Histórica e do positivismo jurídico. O João, com quem me iniciei nesta coisa da blogosfera (ainda em tempos pré-históricos), atura outras infantilidades no Parlamento Europeu e é uma espécie de Roger Scruton da lezíria. O que se segue é de leitura absolutamente obrigatória.

«Se há coisa que os defensores do Sim gostam de deixar clara é que aquilo sobre que incide o aborto não é uma pessoa ou que, pelo menos, essa qualificação assenta mais em pressupostos éticos ou religiosos do que científicos. Os que procuram enunciar opiniões contrárias ou recordar o funcionamento cerebral, os batimentos cardíacos, a forma humana do ser alvo de aborto são imediatamente rotulados de terroristas por aqueles que procuram inscrever a letras de fogo no nosso ordenamento jurídico um novo “direito fundamental” da mulher.

Admitindo, apenas para benefício do debate, que o objecto do aborto não é uma pessoa, ninguém negará que, às dez semanas e muito antes, estamos perante um ser que não é mera excrescência do corpo materno. Este ente autónomo tem origem humana e, se não morrer ou for morto entretanto, completará a sua formação intra-uterina até à data do seu nascimento. Há, portanto, poucas dúvidas de que, para além de ser, este ser é humano.

E se essas dúvidas são poucas ou nenhumas, há que assumi-lo coerentemente, recusando a tão propalada catalogação do problema do aborto como matéria da consciência. Relegada a essa relação intransmissível e insindicável do eu consigo mesmo, a questão do aborto não extravasaria o patamar da moral e deveria, então, ser solucionada pelos mecanismos próprios do remorso ou da confissão, no plano religioso em que aquela tantas vezes se verte.

Porém, como ficou sublinhado, dificilmente – pela diferenciação genética cientificamente comprovada – se poderá negar a presença de um novo ser, dotado das características humanas, na forma e na essência.

Abandonado o plano moral, que tem funcionado, a um tempo, como arma de arremesso, contra aqueles que querem descredibilizar, e justificação para um lavar de mãos, à boa maneira de Pilatos, não fica, contudo, obnubilada a dimensão ética.

Pelo contrário, é esta que entra pujantemente em jogo. Porque o modo de ser pessoa é e não pode deixar de ser um modo comunicacional, que se abre ao outro no diálogo intersubjectivo, inexistente sem a observância de regras éticas elementares e sem o reconhecimento daquele outro como eu mesmo, portador da mesma dignidade e da mesma pretensão de respeito.

O dramatismo que a prática do aborto encerra reside exactamente aqui: na existência de uma relação ética fundamentalíssima entre dois seres unidos por vínculos fortíssimos.

Não é a mulher solitária com o seu corpo. É a mulher diante de um outro ser humano.

Nenhuma dúvida deve existir acerca do papel que o direito é aqui, concretamente, chamado a cumprir. Porque essa é exactamente a sua função – resolver problemas práticos, com uma pretensão de validade e normatividade, no reconhecimento da ineliminável dignidade ética do ser humano.

Justificada a sua convocação, percebido que o aborto não se situa no “espaço livre do direito”, porque coloca em conflito dois seres humanos ligados da forma mais íntima possível, há que resolvê-lo, com apelo a valores, a princípios e a critérios de um sistema já constituído ou a constituir.

Não compete ao legislador – desnudado de um poder absoluto e positivista – decidir se o aborto é ou não juridicamente relevante. É-o, a partir do momento em que se torna inegável que o embrião é um ser humano.

E a questão que resta é a de saber se, dentro do direito, o direito penal é o meio adequado para resolver a questão e, se a resposta pender para o sim, como fazer funcionar as suas categorias próprias, designadamente em matéria de punibilidade, centrando-nos, então e novamente, no núcleo conflitual que, em primeira instância, o convocou.

Como qualquer especialista rapidamente explicará, o objectivo da lei penal não é punir mas dar nota do desvalor social de que se reveste uma acção tipificada e reafirmar a validade dos bens jurídicos que são inegavelmente fundamentais, pelo que define a pena que a ordem jurídica respectiva aplicará a quem pratique tal acto de forma culposa.

Iniciar uma discussão sobre a lei penal que visa proteger a vida intra-uterina a partir da pena é inverter o raciocínio que preside à sua criação. Assim como ninguém diz que a previsão legal da punição de ofensas corporais visa colocar pessoas na prisão também não tem qualquer sentido dizê-lo quando se trata do aborto.

Nesta fase do debate, os adeptos da alteração legislativa esquecem o facto de, também eles, defenderem uma lei que comina pena de prisão para mulheres que abortam. A diferença reside apenas no facto de estabelecerem um período de 10 semanas em que o aborto se realiza a pedido da mulher. Duvidamos que os casos julgados e amplamente divulgados pela comunicação social respeitassem todos a abortos realizados nesse período.

Não se trata de uma despenalização mas uma liberalização dessa prática que desconsidera, durante o período de 10 semanas, quaisquer direitos do outro ser humano.

A colisão de direitos fundamentais é evidente. Perante esta, os representantes máximos das profissões mais implicadas neste verdadeiro problema, médicos e advogados, consideram que a lei actual é mais justa e equilibrada que a proposta que agora se discute e repudiam a arbitrariedade que o limite temporal das 10 semanas introduz.

A justiça e equilíbrio advogadas assentam em algumas ideias fundamentais.

O embrião é, e ninguém consegue desmenti-lo, um ser humano e como tal deve ser entendido como um bem jurídico merecedor de protecção por parte do Estado.

E não existe outra via para a alcançar que não seja a previsão normativo-penal, nisto se traduzindo a eficácia da norma, legitimadora da intervenção do direito criminal. Na verdade, quando aquela é invocada não o pode ser no sentido de se pretender reduzir a zero a prática de abortos. Fosse esse o entendimento sobre o alcance da eficácia e seríamos condenados a concluir que nenhuma norma do Código Penal é eficaz, sendo, então, e continuando o raciocínio ad absurdum, defensável a sua desaparição global.

Reconhecemos que a natureza e intencionalidade do direito penal lhe comunicam um carácter agressivo, na dupla dimensão em que baliza os contornos da conduta humana e impõe sanções pesadas àqueles que se desviam dos padrões mínimos por ele erigidos.

Importa, contudo, não só não esquecer que a imposição de limites éticos à conduta humana não é cerceadora da liberdade, na exacta medida em que esta só o é, verdadeiramente, no reconhecimento da dignidade de nós mesmo e do outro com quem nos cruzamos, como explicitar adequadamente que, em caso de colisão entre direitos conflituantes, a resolução prudencial do mesmo há-de passar pela concordância prática dos valores e interesses em jogo. Ora, permitir que a mulher aborte, sem necessidade de indicar qualquer fundamento, até às 10 semanas, longe de garantir a adequada composição prática de interesses dicotómicos, faz resvalar o sistema para o absurdo de tudo dar à mãe e nada garantir ao filho. O que só será aceitável se se admitir o inadmissível – que o embrião não é um ser humano – levando-nos, preocupados com coerência interna do pensamento dos nossos antagonistas, a questioná-los: por que não, então, admitir o aborto até aos nove meses?

Não se pode pretender ver, qualquer que seja a construção da norma penal – actual ou futura -, nela a consagração de um direito da mulher. O que actual lei faz é considerar que, porque há perigo para a vida da mãe, a morte do embrião não é ilícita, de modo análogo àquele que nos diz que, perante uma ameaça, podemos agir em legítima defesa. Ou considerar que, em caso de malformação do feto, a culpa da mulher que aborta estava de tal modo excluída que uma das categorias da construção do crime se tornou ausente. O mesmo acontecendo naqueloutra situação em que essa mesma mulher foi violada.

E tomando, para as nossas derradeiras palavras, esta hipótese excludente da punibilidade, há que seriamente assumir ser ela a única em que o direito à autodeterminação sexual e da maternidade está em causa, já que em todas as outras ele foi exercido e esse exercício se esgotou num momento prévio.»

Mafalda Miranda Barbosa
João Vacas

Não esquecer o essencial.

Ouvi o debate de ontem à noite. Se a maioria dos argumentos me pareceram bons para defender a causa do NÃO, devemos evitar que os enredos politiqueiros nos façam esquecer o essencial.
E o essencial até não é díficil de mostrar. É uma ecografia de um feto às 10 semanas. Um olhar sem preconceitos leva a uma certeza existencial: "aquilo" é-me familiar, não é uma "coisa", mas "alguém" parecido comigo... eu também já fui assim.
Se mesmo assim não houver certezas, fica a dúvida. E para essa dúvida só há uma resposta honesta: na dúvida, vamos proteger a vida.
Não devemos cansar-nos de repetir isto. Mesmo que pareça óbvio.

Pela cultura da vida

O aceso debate em curso a respeito das condições a que deve obedecer a interrupção da gravidez parece esconder outra dimensão, quiçá bem mais interessante, que teima em ser escamoteada por quem propõe o referendo.
Tenho para mim que a convocação constitui uma fuga em frente, uma demissão de responsabilidades e um abuso de confiança. Descentrada da agenda das grandes questões com que se debate o futuro imediato do país, soa mais a diversão que a um genuíno propósito rectificador de algo supostamente ferido de erro, imprecisão ou injustiça. Este referendo é político, pois coloca o debate a partir das forças políticas que o propuseram e não nasce de uma vontade expressa pela sociedade civil. Este debate é postiço, pois não parte do entendimento que a lei vigente não é a mais cordata, mas sim da inaplicação de tal lei. A responsabilidade de tal inaplicação é, consequentemente, reflexo da falta de vontade do Estado em aplicar em plenitude os instrumentos de que dispõe para evitar o flagelo do aborto.
Abstraindo argumentos de natureza filosófica, religiosa e biológica – se bem que todas tenham cabimento no esgrimir de posições – importa que o povo português compreenda que em todo este historial houve um grande culpado: o Estado. Ninguém quer o aborto – pelo menos é o que ouvimos dos partidários do sim e dos defensores do não – mas, perguntamos, onde está o planeamento familiar, onde estão as políticas de sensibilização, onde estão as campanhas de informação que evitem um mal que todos estimam uma ofensa às mulheres? Perderam-se 25 anos. Se a medicina pode responder fielmente ao mandamento de Hipócrates – “não praticarás o aborto” – graças à panóplia de recursos hoje disponíveis, o Estado não quis, não soube aplicar ou não foi fiel à lei em vigor. A cultura da morte é a mais cómoda. Isenta todos de responsabilidade, premeia quem dela quer extrair lucros e destitui o Estado, a lei, as ordens profissionais e os cidadãos do problema. Ninguém quer ver uma mulher julgada e presa pela prática do aborto, como ninguém minimamente sensível poderia julgar um doente terminal que pede morte misericordiosa. A cultura da morte é a mais cómoda. A defesa da vida é caminho bem mais áspero.
Miguel Castelo Branco
[problemas técnicos impedem que seja o Miguel a publicar o seu 1.º texto. Pediu-me que o fizesse por ele]

AINDA PRÓS E CONTRAS

- A Dra. Zita Seabra é contra o aborto porque não o aceita como método de contracepção, dado esta matéria ter evoluído muito nos últimos 20 anos e, como tal, não se justificar tal prática;

- O Dr. João Paulo Malta é contra o aborto e entende que o que se pretende com esta proposta de lei é liberalizá-lo;

- A Dra. Edite Estrela é contra o aborto e contra a penalização das (pobres) abortistas;

- O Dr. Miguel Oliveira e Silva, como médico que é, é obviamente contra o aborto, mas considera que o que está em discussão é o papel do Estado nesta matéria;

Muito resumida e simplificadamente, parece-me serem estas as posições dos oradores de ontem. Um ponto os une: são todos contra o aborto...

No dicionário de língua portuguesa, aborto é definido como a “expulsão do feto antes do fim da gestação”, e como o “acto ou efeito de abortar”. Já abortar é definido como “dar à luz um feto sem tempo de gestação normal que o torne apto para viver”. Ora, estando as 10 semanas de gestação longe do fim deste período, podemos concluir que quem faz uma IVG até às 10 semanas está a praticar o aborto. Podemos também concluir que quem se declara a favor da IVG até às 10 semanas, é implicitamente a favor do aborto.

Os defensores do SIM (à IVG ou ao aborto ou como lhe queiram chamar) centraram-se em dois pontos: o fim dos abortos clandestinos e o fim da penalização das mulheres que abortam, sendo que o segundo conduz automaticamente ao primeiro. Ou seja, se não forem penalizadas, as mulheres que quiserem abortar passarão a entrar nos hospitais públicos, eventualmente com um papelucho na mão obtido no centro de saúde, e anunciam no guichet: “eu vim fazer uma IVG, onde me devo dirigir?”, ou talvez “eu pretendo ver reposto quanto antes o meu direito a ser menstruada, onde me devo dirigir?”.

Até os defensores do SIM sabem que com a mulher viverá sempre o peso de ter praticado o aborto, ou tão somente de ter criado a situação que a levou a este acto. Este peso, a que podemos também chamar vergonha ou culpa, não se apaga com a despenalização legal. Ou será que as mulheres que abortaram e não foram penalizadas não continuam a carregar o peso de o ter feito? Acredito que continuem. Afinal, o peso não era o da condenação do acto, mas do acto em si. Não servindo nenhuma das leis (actual e proposta) para as aliviar, serve certamente a lei actual para penalizar quem das suas fraquezas se aproveita.

APRENDER COM QUEM SABE

"Creio que [Deus] tem um grande sentido de humor. Às vezes dá-nos um abanão e diz-nos "não te leves tão a sério". Na verdade, o humor é uma componente da alegria da criação. Em muitas questões da nossa vida, nota-se que Deus também nos quer impelir a ser mais leves, a perceber a alegria, a descer do nosso pedestal e a não esquecer o gosto pelo divertido."

Joseph Ratzinger, Deus e o Mundo - a fé cristã explicada por Bento XVI, uma entrevista com Peter Seewald, Tenacitas, Outubro de 2006

Incoerência

Não percebo o que move alguns indivíduos que por aí andam, os quais, à falta de melhor argumento, recorrem à demagogia para pôr em causa a credibilidade de quem defende o NÃO. E ainda que considere que a acusação de que por aqui andam poucas mulheres é desprovida de sentido e que em nada desqualifica quem aqui escreve, sugiro que analisem as sondagens que têm sido publicadas, em que a maioria refere que há mais mulheres do que homens a responder NÃO à pergunta que vai ser feita no referendo. A acusação é ainda mais curiosa quando parte de um blog em que não escreve uma única mulher.

Impressões do Debate (1)

Eu nunca pensei dizer isto, mas, enfim, cá vai.

Quem é que ontem à noite, na RTP1, trocou a Odete Santos por aquela senhora de Bruxelas que sabia tanto do aborto clandestino que até conhecia o nome do medicamento mais usado, o...
o...
ó Doutor, como é que se chama mesmo o medicamento?

Impressões do Debate (2)

Há qualquer coisa que me escapa.
Se o objectivo da liberalização é dar às pobres condições para abortar em segurança, já que as ricas vão a Londres e a Badajoz, por que carga de água vai o Governo comparticipar clínicas privadas estrangeiras que serão obviamente preferidas pelas ricas?
Para lhes poupar a viagem?

Impressões do Debate (3)

Outra que não atingi.
Edite Estrela disse que, às vezes, pode haver ruptura de stocks de contraceptivos nos centros de saúde, tal como pode haver falta de arroz de vez em quando num supermercado.

Não percebo.

Os chineses fartam-se de comer arroz e têm filhos comó caraças.

Impressões do debate (4)

Miguel Oliveira e Silva, médico pelo "sim", gabou-se por duas vezes de nunca ter mudado de cor política. A indirecta era para Zita Seabra, claro.

Suspeito que o dr. Oliveira e Silva é mais favorável à mudança de sexo do que de partido.

Impressões do debate (5)

O mesmo Oliveira e Silva notou inconsistências tanto de um lado como do outro, mas faz campanha pelo "sim".

Isto parece-me uma inconsistência, mas não estou aqui para julgar ninguém.

Impressões do debate (6)

Como se temia, esgotados os argumentos racionais, um dos lados passou a recorrer a certa altura à Santa Madre Igreja. O dr. Oliveira e Silva citou, não um, mas dois padres, enquanto Edite Estrela atirou para cima da mesa um grupo inteiro de católicos.

Esta gente quer impor-nos a sua religião à força.

Impressões do Debate (7)

Pode-se sempre contar com um comunista.
Perto do fim, Natacha Amaro, porta-voz de um dos movimentos pró-aborto, queixou-se de que o "sim" dispôs de menos tempo de antena.

Ah, as saudades que eu já tinha do dr. Cunhal...

Impressões do Debate (8)

Conclusão: Fátima Campos Ferreira, ao correr do pano, pergunta a Zita Seabra porque mudou de opinião sobre o aborto.
Zita Seabra explica que não mudou de opinião, mas que a situação do país mudou: hoje o aborto a pedido não se justifica. E é só isso o que está em causa no referendo.

The end.

Sondagem TSF

Ouvi hoje de fugida na TSF: Sim, 63%; Não, 27%. Mas não deixamos de ter razão por estarmos em minoria. Nem sequer se perdermos o referendo. O Homo Sapiens sempre esteve em minoria, e vejam onde chegou. A vida não é referendável, mas, se são estas as regras do jogo, vamos à luta. Ontem, ao ouvir o Prof. Gentil Martins no Prós, senti que estamos bem acompanhados. Força, Vida.

Algumas notas sobre o Prós & Contras

1. Estive por duas vezes na Casa do Artista para o Prós & Contras: uma para assistir ao vivo ao programa; outra para participar da bancada. Nesta segunda vez, discutia-se o que significava, no presente, ser de direita e ser de esquerda. A produção quis apresentar três exemplos de jovens politicamente interessados e, assim, lá fui eu "representar" essa espécie exótica e levemente paradoxal que é o "jovem de direita". Ao meu lado, estavam um rapaz comunista e um outro, não tão jovem, que a produção queria apresentar como desenquadrado politicamente mas que me confessou ser próximo do Bloco de Esquerda (ou seja, mais um daqueles "independentes" que ligam para o "Dr. Manel Acácio"). Quando a apresentadora se me dirigiu e perguntou o porquê de eu ser "de direita", tentei responder de forma simples, clara, mas exigente. Pelos vistos, a Dra. Campos Ferreira não achou interessante a minha pequena deambulação sobre as razões individuais, antropológicas, sociológicas e até clubísticas do conservadorismo. Por isso me perguntou, logo de seguida, se eu era contra ou a favor do aborto. Respondi-lhe que, em rigor, nem uma coisa nem outra - que era a favor da actual lei. Não sendo a coisa exactamente do agrado maniqueísta da senhora, por ali se ficou a minha gloriosa aparição televisiva. A Dra. Campos Ferreira farta-se de açoitar as palmas que de vez em quando irrompem do público. Mas sabe que é dessa ética de claque que o programa vive. É por isso que incentiva o simplismo e o extremismo das análises.

2. Como seria de esperar, a posição estrambólica de Zita Seabra só trouxe desvantagem e embaraço ao lado do "Não". É jurídica e politicamente insustentável.

3. Uma das razões pelas quais o "Não" ganhou em 1998 e poderá ganhar em 2007 é o facto de os seus representantes se terem sempre mostrado muito mais tolerantes e moderados na argumentação, contrariamente à histeria radical do outro lado, que irremediavelmente afasta qualquer indeciso. Convém que o verniz não estale. Ao fazer o discurso dos verdadeiros médicos (os que alegadamente cumprem o juramento de Hipócrates e votam "Não") contra os meros "licenciados em Medicina" (os restantes), o Dr. Gentil Martins lançou um ataque descabido e um libelo desnecessário. Com todo o respeito que por ele temos, erupções moralistas desta safra não são o melhor serviço à causa.

4. O lado do "Sim" atacou, completamente a despropósito (porque não é nesse patamar que o referendo se coloca), com o argumento de que muitos dos presentes, perante uma situação de violação ou má formação do feto, não optariam pela solução do aborto. A estes não ocorreu a inteligência de responder - conforme, no mesmo palco, há alguns anos, respondeu Henrique Pinheiro Torres - que "sim, nesses casos nós não abortaríamos ou aconselharíamos que alguém o fizesse, mas a lei e o estado não devem obrigar ninguém a ser herói". Neste aspecto, o médico do lado do "Sim" tem toda a razão quando diz que a questão é, tão-só, a de saber o que cada um de nós acha que o estado deve dizer. A única (grande) diferença que me separa do Sr. Doutor é que eu considero que o feto merece a tutela penal de que goza hoje. No mesmo plano, querer mostrar, através de uma participante mais jovem, que o nosso lado é intrinsecamente melhor e que jamais abortaria um feto portador de deficiência é transportar para a discussão um zelo moralista que afasta um capital de tolerância importante. Até porque há muitas pessoas que são indiscutivelmente pelo "Não", mas que não hesitariam em fazer-se valer de uma cláusula de não punibilidade da actual lei. Eu, por exemplo, e em nome da transparência do debate, não hesitaria em aconselhar um aborto (sempre dentro dos limites temporais permitidos) em caso de perigo para a saúde da mãe de um filho meu; tenderia a propôr o mesmo sentido em caso de violação; e ponderaria bastante perante a malformação de um feto.

5. É importante que se sublinhe o perigo para a saúde física e psíquica da mãe que ocorre em qualquer aborto, seja em estabelecimento clandestino ou em estabelecimento autorizado, para assim desmistificar mais um lugar-comum do voluntarismo idealista do "Sim". No entanto, o perigo para a saúde da mãe não é, em rigor, um motivo para a criminalização. E o argumento de Isilda Pegado que a compara ao uso do capacete é uma pura falácia. Para além da natureza radicalmente distinta das ofensas (uma é considerada crime; outra meramente como contra-ordenação), não há nenhuma razão palpável que justifique que o estado seja paternalista ao ponto de me obrigar a utilizar capacete ou cinto de segurança. Em nenhum momento estas condutas se podem repercutir numa terceira pessoa ou entidade. Por isso é que utilizar o argumento da saúde da mulher para justificar a criminalização do aborto é, antes de mais, reduzir a importância da questão ao plano da relação binária estado-mulher, esquecendo o verdadeiro bem jurídico a que se pretende atribuír tutela: o feto.

6. Ficou provado que os mitos do "Sim" podem ser desmontados pela própria acção dos seus representantes. Os julgamentos são sempre alardeados como exemplos de atraso cultural. Mas, por exemplo, no recente caso de Setúbal, julgou-se uma mulher que se submeteu a um aborto aos seis meses de gestação. Muitos dos que hoje estiveram na Casa do Artista insurgiram-se, então, contra a desumanidade. Mas, como é óbvio, não seria esta lei a evitar esse julgamento e esse aborto clandestino.

Enfim, talvez este meu post não seja também o melhor contributo para a causa. Mas para o "Não" vencer é preciso equilibrar o debate nos temas e nos termos correctos.

Nova aquisição (repost)

Com a emoção do debate desviámo-nos das coisas verdadeiramente importantes. A notícia da noite reside na mais recente aquisição desta casa. Repito aqui o que já havia escrito ali mais em baixo:
Contamos a partir de hoje com mais uma presença feminina no blogue. Maria Figueiredo Almeida é advogada. Diz também que NÃO ao aborto. Temos a certeza de que será um valor acrescentado relativamente aos que por cá já andam. Mais novidades para muito breve.

Conversão ou blasfémia?

É a 3.ª vez em menos de 1 hora que oiço a expressão Graças a Deus sair da boca do Dr. Miguel Oliveira e Silva.

Hipocrisia? II

É impressionante a demagogia da Dra. Edite Estrela, apelando ao feminismo exarcebado e imbecil que grassa em parte do público feminino presente no debate.

Hipocrisia?

A Dra. Edite Estrela, depois de repetir pela 3 .ª vez que é contra o aborto, defende despudoradamente a sua liberalização.

Inquisição

O debate acabou de se transformar num julgamento de todos aqueles que se atrevem a defender o NÃO. Uma vergonha.

PONTO FINAL

O aborto não é um direito nem um meio anti-conceptivo.

3 contra 1

Será que a Dra. Zita Seabra não deveria estar do lado esquerdo do écran?

Importa-se de repetir?

A Dra. Edite Estrela acaba de comparar os drogados e alcoólicos às grávidas.

A convidar para futuros debates

O Dr. João Paulo Malta.

Mitos abortistas

Edite Estrela fala das muitas mortes a lamentar resultantes dos abortos clandestinos. Gostava de saber quantas são e em que fontes se baseia a senhora Deputada. Será que a alegada jornalista ali presente não é capaz de a questionar acerca do assunto?

DR. MIGUEL - O ESCLARECEDOR

O depoimento do Dr. Miguel Oliveira e Silva, filosofias à parte, tem sido esclarecedor e bastante informativo:
- a IVG faz terminar (e não apenas interromper) uma vida humana;
- os médicos devem ser, como é evidente, contra o aborto;
- 1% da população portuguesa é constituída por psicopatas ou parteiras despudoradas.

Pergunta da noite

Qual a diferença entre vida humana e pessoa humana?

Prós & Contras IV

João Paulo Malta põe o dedo na ferida e naquilo que constitui a essência deste debate. Afirma sem dúvida que ninguém hoje em dia pode pôr em causa que existe efectivamente um ser humano antes das 10 semanas. Miguel Oliveira e Silva, esquecendo, porventura, a sua condição de médico (ou por que não terá argumentos científicos a favor do seu ponto de vista) recorre à argumentação jurídica, diga-se que mal.

Prós & Contras III

Começa a fantochada. Edite Estrela diz que a lei vai permitir o aborto até às 10 semanas por razões ponderosas. Gostava de saber entre que vírgulas da pergunta aprovada pela AR é que se encontra a expressão "razões ponderosas".

Prós & Contras II

Queres ver que trocaram de lugares?! Então não é que a Zita Seabra diz que não quer julgamentos de mulheres que abortaram e a Edite Estrela afirma ser contra o aborto.

Prós & Contras

Já começou.

Luta de classes II

E por que não, Francisco, assim: já que não conseguiremos acabar com os roubos, uma vez que é impossível eliminar as desigualdades sociais (os pobres precisam de comer e de se vestir e os ricos - esses malandros - têm as contas bancárias a transbordar de massa, já não falando nas diversas contas na Suiça), mais vale descriminalizar o roubo.
É mais ou menos isto, não é?

Nova aquisição

Contamos a partir de hoje com mais uma presença feminina no blogue. Maria Figueiredo Almeida é advogada. Diz também que NÃO ao aborto. Temos a certeza de que será um valor acrescentado relativamente aos que por cá já andam. Mais novidades para muito breve.

Questões FAQturantes - 4

João Silva

n. 1.11.2006

m. 9.1.2007













Luta de classes

Uma das razões para o génio do maradona é aquela atitude, ao mesmo tempo auto-depreciativa e auto-celebratória, do direitista em terra de gente canhota, operária, explorada e ressentida. O maradona acha-se o único reaccionário suburbano e que toda a restante gente de direita vive confinada ao enclave da Quinta da Marinha, olimpicamente alheia às desgraças das pessoas comuns. Daí que a sua posição sobre o aborto traduza, numa parte substancial, o tique marxista da luta entre classes. As pobres abortam num qualquer "T2" insalubre da Trafaria e as ricas, as "senhoras doutoras", vão aos magníficos hotéis de Madrid e Badajoz.

Ora, eu, que tenho o maradona como um dos meus bloggers favoritos e não passo de um médio-burguês da Beira Alta, não me emociono com a ladaínha. Não é para a luta de classes que serve a lei e, segundo percebo, a teoria resume-se assim: já que não conseguiremos acabar com os impostos, já que os pobres não conseguem deixar de os pagar e os ricos - esses malandros - utilizam os offshores lá de longe para se furtarem ao seu pagamento, mais vale descriminalizar a fraude fiscal.

É mais ou menos isto, não é?

Porquê não?

Eu sou contra o aborto porque, como pai, bem sei que o filho existe desde a concepção.
Além disso, a minha mulher teve alguns abortos espontâneos e eu vi-os! Da primeira vez que abortou, estávamos debaixo de fogo em Angola, incapacitados de sair de casa, telefonámos ao médico assistente e ele pediu para recolhermos "tudo". A minha mulher estava grávida de dois meses, e fui eu que recolhi "tudo": um pequeníssimo bebé, mas que era muito mais parecido com o nosso filho mais velho, na altura com 6 meses de idade, do que ele comigo, que, na altura tinha 22 anos...
Neste debate sobre o referendo, muitas vezes é apresentada a questão sobre o que ou quem vale mais? O filho ou a mãe? Os adeptos do "sim" acham que é a mãe.
Na minha opinião, valem ambos o mesmo!
Ambos têm o mesmo direito a viverem, como têm os homens mais pobre e mais rico do mundo! Todos temos o mesmo direito à vida! Nisso, somos totalmente iguais!
Para quem reconhece isto, só pode votar "Não" no próximo referendo, uma vez que é a única resposta que salvaguarda este igual direito.
Votar "sim" é votar pelo financiamento do aborto (não apenas a sua liberalização)!
Votar "não" é votar para que as grávidas em dificuldade (e não só) sejam apoiadas no sentido de terem os seus filhos!
Não é votando "sim" que se acaba com o aborto clandestino, mas votando "não" e exigindo que o Estado apoie as famílias com filhos, de que até estamos tão carenciados para garantir a sustentabilidade, não só da Segurança Social, como da própria sociedade.
Fernando Ribeiro e Castro

MATERIAL GIRLS


Estas queridas, vá lá saber-se porquê, são favoráveis à despenalização do aborto. Até podiam ser contra. Todavia, como pergunta o João Villalobos, "alguém me explica, como se tivesse 10 semanas, qual a razão para o Clube Safo se pronunciar a favor (ou já agora mesmo que fosse contra) da despenalização do aborto? Ou faltou-me aprender algumas coisas na escola?".

Novo colaborador eventual II

Fernando Ribeiro e Castro, Presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), integra a partir de hoje a nossa lista de colaboradores eventuais. Aqui podem encontrar o comunicado da APFN acerca do referendo que aí vem e contamos ainda publicar a sua declaração de voto pessoal.

TURISMO DO ABORTO

Começo por agradecer a um dos nossos leitores a informação que nos fez chegar num comentário e que aqui edito para conhecimento dos demais.
Veja aqui o que se passa em Espanha, que para uns tem uma Lei mais "moderna" que Portugal no que toca ao aborto (já agora: o que é isto da Lei ser moderna...?).
Uma clínica privada que, escudando-se na Lei, pratica abortos sem limite de tempo de gestação, alegando caso de risco físico ou mental grave para a mulher.
Há quem não se importe de extorquir €4000 "contornando" a Lei e matando um ser humano (mesmo para os mais cépticos, aos 7 meses de gestação já há vida, ou não???).
E em Portugal, vamos tornar a Lei mais permissiva e facilitar a vida a estes assassinos? NÃO!

"ESCOLHAS" - UMA QUESTÃO DE AGENDA?


Assim como ao Jorge Lima aqui em baixo, também a mim a posição do professor Marcelo Rebelo de Sousa pareceu equivoca, ontem nas suas “escolhas”. Ficou bem sublinhado o facto de o aborto ser matéria de referendo graças à sua iniciativa em 1996. Tudo bem; fico-lhe grato. Mas quanto ao assunto, eu ontem esperava uma sua posição mais… afirmativa. Hoje ao reler o resumo das suas “escolhas” no DN confirmei pelo texto a sua clara abstenção.
Entendi que aceita a pergunta a referendar como boa. Mas o que ficou a zumbir no meu ouvido foi que o professor considera precário o prazo das 10 semanas de gestação na “humanitária tolerância” à mulher que aborta… E pareceu-me ouvir confirmada a minha tese de que o governo Sócrates consegue preencher a difícil agenda 2007 com mais ou menos legitimas manobras de diversão, a decorrer entre a campanha para o referendo e a presidência da UE.
Acho pouco. Não conheço a agenda do professor, mas acho pouco.

Despenalização, ou pena suspensa?

Ontem ouvi o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa defender a despenalização de toda e qualquer mulher que praticasse o aborto, não até às dez semanas, mas muito para além disso. Permaneceria portanto o elemento de censura social, desapareceria a penalização.
Este argumento tem bastante expressão do lado do Não. A mim, para dizer o mínimo, levanta-me dificuldades. Está fora de questão que muitas mulheres recorrem ao aborto em circunstâncias extremas, que o seu grau de conhecimento do que está em causa é por vezes diminuto, etc., etc. Mas isso justifica despenalizar? Como se pode dizer «Isto é crime, mas percebemos perfeitamente que o pratiquem e não vos acontecerá nada?» E se, por exemplo, se justifica não penalizar uma mulher que praticou um aborto aos 6 meses (suponho que se integra no leque estabelecido pelo Prof. MRS) por motivos de extrema carência económica, porque não aplicar a mesma (ausência de) pena a quem o fez sobre uma criança de 1 mês (clarifiquemos - nascida há um mês)? Porque já a vimos, já lhe pegámos ao colo, porque já nos parece um ser humano? E, por outro lado, porque não despenalizar o furto praticado por necessidade económica extrema? Dir-me-ão: isso já se faz - chama-se pena suspensa. Bingo. Porque é que, em lugar de despenalizar, não aplicamos pena suspensa à mulher que abortou esmagada pela sua circunstância socioeconómica e afectiva, não condenamos a que o fez por um capricho, e, sobretudo, não condenamos exemplarmente quem vive disso, sejam parteiras de vão de escada ou clínicas sofisticadas?
Deixem-me clarificar só mais uma coisa: acredito firmemente que a vida começa na fecundação. Basta atender à definição comummente aceite de vida: «o que é capaz de assimilar matéria para a incorporar em si mesmo». E, para mim, algo (um ser, direi eu...) que, se deixado entregue a si próprio (ou seja, no útero) se transforma num ser humano, não pode ser classificado senão como um ser humano.

Jorge madeira, O pragmático - soluções parciais para os grandes problemas da humanidade (1)

Não há dúvida que, se abolirmos a propriedade privada, os crimes contra o património deixarão de existir. Mas também não há dúvida que, se abolirmos a propriedade privada, a propriedade privada deixará de existir.

Questões FAQturantes - 3

O meu filme favorito?
«Nove semanas e meio».
- Apoiante do Sim

Novo colaborador eventual

Temos muito gosto em anunciar que o Deputado à Assembleia da República Pedro Quartin Graça, eleito pelo MPT - Partido da Terra nas listas do PSD, é a partir de hoje colaborador eventual do blogue do não.

A causa (da discórdia) foi descodificada

Num post com o título: "O debate civilizado custa-me, mas às vezes tem que ser.", diz o conhecido Maradona e menos conhecido Jorge Madeira:

1. "(...) com o intercambio cultural permitido por meia dúzia de idas ao café ou o reflexo de um bom espelho em nossas casas, qualquer pessoa vê que o ser humano não é uma grande máquina na prudência e no cálculo das consequências das suas acções. "

2. "Mas, lá por isso ser assim, não se vai deixar de aplicar as soluções que existem para as recorrentes burrices do ser humano."

3. "Estão fartinhos de avisar que não se deve beber alcool em excesso, mas não é lá por causa disso que se vai deixar de tratar a cirrose ou proibir os transplantes de fígado."

Tentando concretizar a tese do Jorge na questão do aborto, a coisa soará mais ou menos assim:

1. Com o intercâmbio cultural permitido por meia dúzia de idas ao café ou o reflexo de um bom espelho em nossas casas, qualquer pessoa vê que homens e mulheres, quando vão para a cama, não são muito prudentes nem calculam bem as consequências que daí podem resultar, como seja, por exemplo, a hipótese de a mulher engravidar.

2. Mas, lá por isso ser assim, não se vai deixar de aplicar aquilo que pode corrigir as recorrentes burrices de homens e mulheres que vão para a cama sem pensar nas consequências.

3. Estão fartinhos de avisar que não se deve ir para a cama sem usar o perservativo (ou a pílula), mas não é lá por causa disso que se vai deixar de tratar a gravidez indesejada que daí pode resultar ou proibir a remoção do feto.



Ou seja, para o Jorge madeira o aborto é uma solução para a burrice recorrente de homens e mulheres que engravidam sem querer. Sem ironia, temos aqui argumento. Para o Jorge, as gravidezes indesejadas - inevitáveis, tendo em conta a imprudência humana - são um problema de saúde, como a cirrose ou um tumor, e por isso devem ser tratadas.

Acontece que nem toda a gente está obrigada a qualificar uma gravidez não planeada ou indesejada como um problema de saúde. Nem toda a gente tem que partir do mesmo pressuposto de que parte o simpático Jorge. E, por isso, nem toda a gente tem que chegar à mesma conclusão a que ele chega: a de que o aborto é uma espécie de tratamento para gravidezes não planeadas ou indesejadas.

Os debates e as discussões são tão mais úteis quanto melhor forem indentificados os pontos de discórdia que dividem quem discute. O Jorge madeira, com o paralelismo que faz neste seu naco de post, teve o mérito de tornar claro o ponto que nos divide: para ele, uma gravidez indesejada é um problema de saúde da mulher; para mim, uma gravidez, ainda que indesejada, é algo que implica um embrião humano, e que, como tal, nunca poderá ser "tratada" como um mero problema de saúde da mulher, mas como um problema cuja resolução passa por harmonizar na medida do possível os valores em causa: vontade da mulher, por um lado, com a viabilidade do embrião, por outro.

POSIÇÕES

Zita Seabra, segundo depreendo do post anterior, vai estar amanhã no programa Prós&Contras sobre o aborto. Da mesma forma que estará, do outro lado, Edite Estrela. É bom que Zita Seabra apareça. Não morro de amores por ela, mas não me esqueço que foi graças a ela e a outros que, em 1983, no Parlamento, se consagrou a alteração à legislação penal que está em vigor e que permite o recurso ao aborto em situações específicas. Ou seja, a presença de Zita Seabra neste debate lembra-nos que o aborto é um crime que tem excepções previstas na lei, excepções essas que devem manter-se. Em 2007, ao perguntar-se eventualmente aos portugueses se concordam com a sua legalização, desde que praticado até às dez semanas de gestação, entra-se num registo jurídico e ético completamente diverso. Espero que Zita Seabra explique isto tão claramente como o fez num recente artigo no Público, descontando a parte das camaratas na ex-URSS. Nesta matéria, a minha posição coincide genericamente com a dela. Quanto à D. Edite - uma ex-autarca que dizia que "não deixava nada a meio" - , nem sequer sabia que tinha uma. Vamos então ver qual é.

Prós & Contras

Avisam-me por mail que o Prós & Contras de amanhã é sobre o aborto. Ao que parece, do lado do NÃO vai estar Zita Seabra e o médico-obstetra João Paulo Malta e do lado do SIM o médico Oliveira e Silva e Edite Estrela. Ou muito me engano ou na 3.ª feira não vai faltar material para nos pronunciarmos.

Objecto de estudo

Na sequência do meu último post, aproveito para informá-los de que esta nossa casa está a ser objecto de estudo de uma escola de Oeiras a propósito do tema aborto. Por muito vaidoso que possa soar, a verdade é que não posso deixar de ficar satisfeito com os efeitos colaterais que estamos a ter. O debate segue dentro de momentos.

Globalização

Ainda cá não andamos há 1 semana e já a wikipedia reconhece os nossos préstimos à causa do NÃO.

Corpos Celestes

O Luís M. Jorge, que costumo ler com agrado e proveito, queixa-se da nossa excessiva atenção (e cá vai mais um...), mas trata-se apenas do preço da fama: o Franco Atirador é o primeiro blogue a insultar-nos com graça. (Ahahah, o São Boaventura, que toleima, a dizer que os anjos trazem os corpos celestes ao portal dos nossos sentidos, ahahah...) Claro que já houve o maradona, mas o maradona não fala de anjos. Seja, pois, muito bem-vindo.
Aliás, e ao contrário dos meus camaradas aqui de baixo, parece-me que as farpas do Luís são um excelente prenúncio. A autoproclamada superioridade cultural tem dado magníficos resultados em consultas democráticas recentes - para o outro lado. Foi assim que Soares perdeu para Cavaco: chamando-lhe fascista e analfabeto. E não preciso de recordar o desfecho do referendo de 98, pois não?

Revista de imprensa (16)

"Agora que o referendo abortífero é cousa garantida, algumas pessoas bem intencionadas começam a mexer-se em favor do NÃO que não é do contra mas tão só um SIM pela vida. De entre as iniciativas, acaba de surgir este "Blogue do não" - http://bloguedonao.blogspot.com/ - que vos recomendo. Eis as suas palavras de abertura que são como que um manifesto (...)", de Walter Ventura, no jornal O Diabo, do passado dia 24 (terça-feira).

O VÁCUO ESPIRITUAL


Ontem houve por aqui referências a livros. Se não se importam, eu convoco alguém insuspeito para uma pequena reflexão. Poderá, à primeira vista, pensar-se que isto nada tem a ver com o tema deste blogue. Acontece que tem. Esta mulher, como se costuma dizer, "provou" de tudo. Tem autoridade intelectual para se pronunciar nos termos em que o faz. Não é santa nem demónio. É apenas uma mulher bem viva e bem vivida. Chama-se Camille Paglia e o livro Vampes & Vadias (Vamps & Tramps, no original), da Relógio D' Água. O seu livro mais recente "está lido" aqui.

"Deixámos às gerações que vieram depois de nós num vácuo espiritual. Os jovens estão a lutar pela sua identidade num mundo definido pela desigualdade e pelas incertezas materiais, justapostas bolsas surrealistas de fome e fausto. Daí a sua vulnerabilidade ao politicamente correcto, única religião que conhecem. Os jovens imploram por alimento espiritual, e a elite das escolas oferece-lhe as amargas cinzas do niilismo. Tudo o que há de inspirador ou enobrecedor foi conspurcado pelos seus docentes confusos e insensibilizados, que não merecem o nome de "professores".