Perguntas suscitadas pelo "sim" do Pedro Lomba

Os pais do Pedro Lomba já decidiram o seu sentido de voto no Referendo. Votam "Não". Ele, pelo que me apercebi, votaria "Nim", se fosse possível. Não sendo, em vez da trabalheira de mudar as duas letras do fim, prefere mudar só uma, a primeira. Ele vai votar "Sim". Não me surpreende o sentido de voto, mas os fundamentos que o suportam.

"Não tenho argumentos nos quais confie em absoluto. Sou por um "sim" relativista e compromissório. Voto "sim" por um motivo legível: numa controvérsia tão difícil e irresolúvel como a do aborto, o "sim" alarga as nossas possibilidades de resposta aos problemas que o aborto coloca, o "não" fecha essas possibilidades. O "sim" permite-nos evitar as consequências nocivas da aplicação desta lei, conservando o princípio de que o aborto é crime para além das dez semanas. O "sim" permite-nos defender que, sem punição penal para as mulheres que abortem até às dez semanas, o Estado não pode deixar de desmotivar o recurso ao aborto através de centros de aconselhamento e de outros mecanismos de informação e defesa da vida."
Isto que leram suscita-me algumas perguntas:
1. Um "sim" será relativista e compromissório? O relativismo e o compromisso do "sim" são apenas um desejo genuíno do eleitor ou podemos encontrá-los no legislador?
2. O "sim" alarga as nossas possibilidades de resposta aos problemas que o aborto coloca? Alarga, como? Que problemas são esses que podem ser mais bem resolvidos com o "sim"?
3. O "sim" permite evitar as consequências nocivas da lei em vigor? Quais são essas consequências?
4. O principio de que o aborto é crime para além das dez semanas deve ser conservado? Porquê?
5. Só o "sim" nos permite defender que, sem punição penal para as mulheres que abortem até às dez semanas, o Estado desmotive o recurso ao aborto? Em que se baseia para pensar que o "sim" levará o Estado a desmotivar o aborto? Acha mesmo que o Estado tem de desmotivar o aborto? Porquê?
(publicado também nos Incontinentes Verbais)

Se o sim ganhar, futura lei violará a Constituição

É este o parecer de Jorge Miranda, professor de Direito Constitucional

A IDADE DA INOCÊNCIA

O dr. Pedro Lomba decidiu-se pelo "sim" e explica a coisa num artigo no Diário de Notícias. Parece que em 1998 era demasiado novo e, motivado pela campanha cega e intelectualmente desonesta da esquerda extrema de então e da do "no meu corpo mando eu", votou "não". Agora, que já se sente mais crescidinho, olhou para um lado e para o outro, ouviu uns respeitáveis amigos e amigas, e comoveu-se - é o seu único argumento plausível já que tudo o resto podia ter sido escrito por um apoiante do "não" com as devidas adaptações - com as promessas do dr. Correia de Campos e do governo. Para além de embarcar na demagogia "bloquista" das "mulheres criminosas", vê-se mesmo que o dr. Lomba, para sua felicidade, não frequenta o serviço nacional de saúde. Todavia, e pior do que isso, é acreditar que o "o Estado não pode deixar de desmotivar o recurso ao aborto através de centros de aconselhamento e de outros mecanismos de informação e defesa da vida." Too much Harry Potter, dr. Lomba?

Não me Câncio de repetir isto…


“Voto SIM porque quero salvar vidas. Porque quero que haja menos abortos – legalizar o aborto até às dez semanas permitirá saber quantos abortos se fazem, quem os faz e porquê, e identificar formas de combater as gravidezes indesejadas.”

Fernanda Câncio, no Sim no Referendo

Em baixo temos números oficiais do Eurostat, referentes ao período 1995-2000, relativos a jovens entre os 15 e os 19 anos, para com quem a Fernanda Câncio demonstra tanta preocupação. Em nenhum país houve uma diminuição do número de abortos. Pelo contrário, tivemos crescimentos médios de 5,7% ao ano no Reino Unido, 4,6% na Suécia, 10,4% na Finlândia (este não era o novo país-exemplo para o nosso governo?), 4,8% em Espanha e 28% (!) na Alemanha – é impressão minha ou é precisamente neste último que temos umas consultas prévias de apoio, para garantir que a decisão é mesmo a mais correcta?…


Estes números não fazem, obviamente, com que pessoas tão obcecadas com a liberalização do aborto mudem de ideias. Se para mim o direito do feto à vida é intransponível, salvo em situações excepcionais que já foquei anteriormente, para outros o dogma está na liberdade da pseudo-mãe em abortar. Fazem, porém, com que muitos outros, indecisos no seu sentido de voto e mais pragmáticos na análise, não se deixem manipular pela demagogia e, neste caso, pela mentira. E fazem-nos, sem dúvida, questionar para onde caminharíamos com a liberalização do aborto. Os números parecem dar razão aos defensores do Não, que temem que a dita liberalização transforme o aborto no contraceptivo dos menos responsáveis e, pior do quer isso, aumente o número dos mesmos ao não censurar o acto. A democracia e a ignorância são uma dupla muito perigosa. Façamos, por isso, um esforço para que as pessoas escolham com conhecimento de causa...


Postas pescadas

Pela sua relevância, publico um texto que me chegou, da autoria de Estevão Nascimento da Cunha


O ABORTO E A LIBERDADE DA MULHER

A Constituição garante a vida humana em qualquer fase do seu desenvolvimento

O Tribunal Constitucional, no seu recente acórdão sobre o referendo ao aborto decidiu não julgar inconstitucional ou ilegal a pergunta que foi submetida à sua apreciação: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” Tratava-se, pois, de decidir sobre a constitucionalidade de uma pergunta que pode levar a que o aborto até às dez semanas deixe de ser crime, e que portanto possa ser livremente praticado pela mulher, à qual seria assim reconhecido o correspondente direito de abortar. ---
Segundo decidiu o Tribunal, a possibilidade de uma mulher livremente abortar em estabelecimento de saúde legalmente autorizado até às dez semanas, independentemente de qualquer justificação, não implicaria a violação do art. 24º, nº 1 da Constituição, que prescreve que “a vida humana é inviolável”. O Tribunal Constitucional não nega que a Constituição proteja a vida humana em gestação até às dez semanas. Afirma mesmo que vida humana intra-uterina é um bem constitucionalmente protegido, “independentemente do momento em que se entenda que esta tem início”, como não poderia deixar de ser, face ao teor do preceito constitucional. E reconhece que o feto é tutelado em nome da dignidade da vida humana, embora não lhe reconhecendo um próprio “direito” à vida pois, segundo afirma, o feto não é pessoa, pelo que a sua vida humana é protegida como um valor constitucional objectivo, não subjectivado (ainda) numa pessoa.Reconhecendo o Tribunal que a Constituição protege a vida intra-uterina, incluindo nas primeiras dez semanas de existência, como é possível que chegue, a final, à conclusão de que a lei pode permitir a supressão livre dessa mesma vida, até à dez semanas, sem desrespeito pela Constituição?Conflito entre a vida humana intra-uterina e a liberdade da mulher: qual deve prevalecer?O Tribunal resolve esta questão encarando o problema como uma situação de conflito de direitos. Considera o Tribunal que estão em causa dois tipos direitos ou valores constitucionais em conflito: a vida humana intra-uterina, por um lado, e por outro vários direitos da mulher, invocando-se especificamente o direito “ao livre desenvolvimento da personalidade, englobando a autonomia individual e a autodeterminação e assegurando a cada um traçar o seu próprio plano de vida”, e o direito a uma “maternidade consciente”. Invoca, ainda, genericamente, outros direitos da mulher, como o seu direito à vida e à integridade física. Não são, no entanto, estes os direitos que a questão levada a referendo especificamente põe em causa, dado que a pergunta se refere a uma permissão genérica de abortar desde que essa seja a “opção” da mulher, isto é, sem que ela tenha que invocar quaisquer justificações, nomeadamente de perigo de vida ou para a saúde, as quais já se encontram contempladas na legislação penal actualmente em vigor. Para o Tribunal a principal questão a resolver é a da resolução desse conflito, solução que diz ter que passar por “uma harmonização, concordância prática, coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros”. Acaba, no entanto, por resolver o conflito mediante uma prevalência absoluta até às dez semanas dos invocados direitos da mulher sobre a vida humana em desenvolvimento, renunciando, afinal, à solução de ponderação e de harmonização que ao princípio dizia adoptar, contradição que é veementemente apontada em quase todas as declarações de voto dos Conselheiros vencidos: se até às dez semanas a liberdade da mulher prevalece em geral, abstractamente, em todos os casos, então onde está a ponderação entre os valores em causa? Onde estará a busca da harmonização entre eles? O que há é uma pura e simples anulação de um – a vida humana intra-uterina - que deixa de ter qualquer protecção jurídica face ao valor que aqui é considerado supremo: a liberdade da mulher. O impensável começa a tornar-se realidade: não é a vida que prevalece sobre a liberdade, mas a liberdade que prevalece sobre a vida… Existirá verdadeiro conflito?A existência de um conflito é apresentada como um pressuposto evidente pelo Tribunal, pelo que no Acórdão nem sequer se chega a questionar a real existência de tal conflito. Tem sido, aliás, com base neste pressuposto que têm sido feitas as mais diversas análises, jurídicas, sociais, antropológicas, sobre problema do aborto.Mas será que o conflito existe verdadeiramente?Será que se pode dizer que a liberdade da mulher ter um filho está em conflito com a vida em desenvolvimento? Será que estamos perante um verdadeiro caso de conflito de direitos numa situação em que se pretende salvaguardar a liberdade de traçar um plano de vida próprio frente à realidade de uma gravidez? Será que os dois bens jurídicos referidos – ambos de indesmentível existência e óbvia importância – se encontram aqui numa relação de oposição ou de incompatibilidade entre si?A resposta já foi indiciada pela pergunta: não existe verdadeiro conflito. Entre a vida e a liberdade de procriação, ou o direito à maternidade consciente, ou à autonomia individual da mulher e a consequente liberdade de traçar o seu plano de vida, não pode haver verdadeiro conflito.Com efeito, a garantia da subsistência e do desenvolvimento da vida intra-uterina não entra em recta de colisão com nenhum direito de liberdade da mãe, porque não estão ambos no mesmo plano. A liberdade da mulher simplesmente não está – não pode estar – já em causa, porque essa liberdade abrange apenas e só à própria mulher, não a outros. Se a liberdade não é exercida apenas sobre si própria, mas sobre outros, então deixa de ser liberdade, passando a ser imposição e violência. A salvaguarda da liberdade de planear uma vida sem filhos, ou, mais rigorosamente, sem aquele filho em especial, coloca-se a montante da verificação da gravidez, portanto, da existência da vida humana intra-uterina. A liberdade de determinação do próprio modo de vida, a liberdade de procriação e o direito a uma maternidade consciente jogam-se no momento do acto de procriação que despoleta todo o processo de desenvolvimento da nova vida humana. O mesmo é dizer que o exercício daquela liberdade de procriação ocorreu nessa ocasião determinante. E não pode repetir-se ou ser retomado vezes sem conta como se esse direito fundamental, essa liberdade, não tivesse sido efectivamente exercido. A possibilidade abstracta de exercer determinado direito sobre determinado objecto concreto só subsiste até ao seu concreto exercício. Dizer o contrário seria negar a própria existência dessa liberdade, e a autonomia do seu titular, uma vez que a manutenção ad aeternum da possibilidade de se retomar uma mesma escolha concreta retiraria quaisquer consequências à decisão tomada em primeiro lugar. Tal decisão não teria, assim, nenhum efeito, nem perante o próprio nem perante os outros. Nem sequer se poderia falar de escolha livre. Não haveria qualquer liberdade.Repare-se que o que está em causa é a prática totalmente livre do aborto. Nem sequer se exige, como condição, que a concepção tenha sido forçada ou, de qualquer forma não pretendida: basta somente que a mulher queira abortar. Não há, portanto, que indagar a questão da existência de conflito no caso de o acto de procriação não ter sido livre ou inteiramente esclarecido, pois a permissão pedida pela pergunta submetida a referendo abrange qualquer caso, qualquer situação, incluindo as de concepção totalmente esclarecida ou livre. Contracepção depois da concepção?A mulher não pode invocar o direito a não procriar quando efectivamente já procriou. A existência de uma vida, a existência de uma gravidez, não contende com qualquer direito a evitar a gravidez: num plano seriam duas rectas paralelas que nunca se encontram e, portanto, nunca chocam entre si. Uma vez existente a vida, já não existe direito a evitar que ela surja. Existirão outros direitos: a cuidados de saúde, a auxílio financeiro, a protecção no trabalho: mas não existe o direito de voltar atrás no tempo.A lógica contrária, mantendo depois de iniciada a gravidez as mesmas opções que existiam antes desse início, escancara inadmissivelmente a porta para se considerar o aborto como sendo ainda um método de planeamento familiar, apenas mais um método contraceptivo, dado que se estaria ainda a exercer um direito a “evitar” ter o filho, uma liberdade de (não) procriação.Cair-se-ia no total absurdo de praticar a contracepção após a concepção.

Estêvão Nascimento da Cunha

Outra denúncia

Fernanda Câncio não é verdadeiramente pelo SIM e faz dissimuladamente campanha em sentido diametralmente oposto, todas as sextas-feiras, no DN. Não obstante dois lapsos graves (foram duas, e não apenas uma, as vidas que se perderam, por um lado; e, por outro, foi a criança de 20 semanas quem sofreu a pena de morte sem julgamento - a mãe limitou-se a arriscar um suicídio e teve êxito), o texto ganha sempre outra qualidade graças aos eufemismos já muito conhecidos da jornalista.

Um médico que faz abortos é um "médico compassivo", fazer um aborto é resolver um problema, "problema" é uma criança (feto ou embrião, se quiserem), e nascimento é "levar a termo" uma gravidez. Este último eufemismo é particularmente delicioso, não fossem as pessoas pensar que o nascimento é a consequência normal de uma gravidez. "Levar a termo" não lembra ao careca! Deve ser por causa destes preciosismos de linguagem que Fernanda Câncio designa o aborto por "interrupção voluntária da gravidez" e não por "acto voluntário de pôr termo definitivo à gravidez".

Ps: apenas não percebi bem o conceito de gravidez "normal" (com aspas, no original).

Erro Manifesto

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas emitiu um manifesto sobre o aborto. Eis um excerto interessante e revelador:

Deste modo entende a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que, nos casos que a interrupção da gravidez se apresenta como uma situação de colisão de direitos, entre uma vida humana em formação e os direitos fundamentais da pessoa humana, a imposição da gravidez mediante cominação penal obsta à realização daqueles direitos, e como tal está ferida de inconstitucionalidade.

Deste modo, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas considera que, nos casos em que a interrupção da gravidez se apresenta como uma situação de colisão de direitos, entre uma vida humana em formação e os direitos fundamentais da pessoa humana, a imposição da gravidez mediante cominação penal obstará à realização daqueles direitos.

(texto integral)

João Vacas

DENÚNCIA

Acabo de ler no Público as declarações dos tolos sobre nós e isso obriga-me a corrigir a minha posição anterior: os tolos merecem alguma atenção. Eu não vou comentar as suas acusações, uma vez que elas já foram tratadas com excelente humor no 31 da Armada e porque estou impedido pela sociedade organizada de me socorrer das merecidíssimas bengaladas que o caso exigiria (e com todo o respeito pela igualdade entre os sexos). Além disso, não a vale a pena perder tempo aqui a explicar o fenómeno dos links e de como ele pode dar a volta ao mundo.

Limito-me a constatar que o debate sereno, calmo e honesto desenvolvido pelo nosso blogue os está a incomodar tanto que se viram obrigados, ainda antes de começar a campanha, a jogar a cartada batoteira e falsa que costumam tirar da manga quando estremecem e lhes faltam argumentos. Esta jogada é já habitual neles (também utilizam, por vezes, "sorrisos de criança") e não devia ser levada a sério; mas como demonstra tão cristalinamente a falta de seriedade com que discutem e tratam os seus adversários, particularmente neste debate, não se podia deixar passar o assunto completamente em branco.

De todo o modo, aproveito ainda o lamentável episódio para fazer a seguinte denúncia ao partido em causa: um dos vossos elementos - julgo até que da direcção -, que assina Daniel Oliveira e escreve num blogue, passa muito por cá. É verdade. Frequenta muito este blogue horroroso, já há vários meses e quase todos os dias, muito provavelmente sem o vosso conhecimento e consentimento. Não quero com isto dizer que ele seja uma ovelha negra no vosso rebanho, mas pode ser uma ovelha a tresmalhar-se e deviam talvez discutir o assunto na próxima reunião em que tratassem das depurações internas.

O Estado rosa e os seus acríticos

Na sua luta para acabar com a injustiça e a hipocrisia, convinha que o Governo não passasse alguns limites da decência. É oficial: a Coordenadora da Sub-região da Saúde de Faro enviou mesmo um email aos Centros de Saúde que lhe estão subordinados a pedir assinaturas pelo "sim". A Comissão Nacional de Eleições remeteu a queixa do CDS para o Ministério Público "por se admitir que estão preenchidos os requisitos da prática de crime de violação do dever de isenção por parte de funcionário público" (Lusa, 24/1/07).
Se os nossos jornalistas e colunistas "de causas", incluindo os do blogue do sim, fossem realmente livres - livres da tribo, dos preconceitos e até de certos interesses -, chamariam um figo a este caso algarvio. Trata-se do mais obsceno uso dos meios do Estado em campanha desde a última tropelia de Alberto João Jardim, seja lá qual for.
Mas não: calam-se...
Os mesmos que vêem fascismos imaginários em toda a parte não vêem (ou não querem ver) a estatização da campanha. O que eles não diriam se isto se passase nos tempos do Durão e do Santana...

Ana e os 64 comprimidos

A Fernanda Câncio é mestre no apelo ao sentimento. E portadora de uma infindável panóplia de histórias que a todos suscitam misericórdia.
Hoje, porém, na incansável luta pela inscrição, no nosso ordenamento jurídico, de um direito fundamental ao aborto, a conhecida jornalista de causas deu um tiro imenso no pé.
Vamos aos factos.
Ana, grávida de 20 semanas, acaba por morrer na sequência de complicações resultantes de um aborto quimicamente induzido.
Terá Fernanda Câncio noção que, independentemente da alteração legislativa, provocar a morte de um embrião depois das 10 semanas de gestação continuará a ser crime?
Adianta-se a colunista, antecipando a exortação dos defensores do “não” e denunciando as verdadeiras intenções dos que se situam do lado de lá – não se quedam as suas preocupações na abolição da pena de prisão para as mulheres que abortam, mas, outrossim, e numa clara incompreensão do momento relevante do exercício da autodeterminação sexual, de, desresponsabilizantemente, achar que este só é salvaguardado com a legitimação da morte de outro ser humano.
De outro modo, não se perceberia a sua referência ao facto de a dramática situação se poder ter evitado caso Ana tivesse, de pleno direito, recorrido a um hospital até às 10 semanas de gravidez.
Acontece que Fernanda Câncio ainda não percebeu o essencial. Quando Ana toma 64 comprimidos para provocar o aborto, assume um risco em relação a ela própria e, simultaneamente, age no sentido de tirar a vida a outro ser humano diferente dela, único e irrepetível.
É a vida deste ser humano que queremos preservar.
Sem que isso nos conduza à frieza de raciocínio de quem abdica de pensar na mãe.
Simplesmente, temos em conta alguns dados imprescindíveis para quem queira sobre estas matérias olhar do ponto de vista de um jurista comprometido com a verdadeira juridicidade.
Nada legitima a supressão de uma vida humana. E é de uma vida humana que se fala quando se pensa em quem está no ventre materno.
Nenhum problema se resolve pela criação de outro problema. Para as situações em que a vida da mãe esteja em perigo, o direito penal retrai-se, não exigindo algo que ultrapassa as normais capacidades humanas. Mas se sobre essa vida não pende, inexoravelmente, o perigo de grave lesão por que motivo se há-de permitir que, sem invocação de qualquer razão, se aniquile uma outra.
Dir-me-ão que, mesmo que exista a proibição, a mulher continua a recorrer ao aborto clandestino, condenando-se, assim, à sua morte eventual.
Volto a sublinhar que se trata aqui de uma auto-colocação em risco que só a ela pode ser imputada.
E uma auto-colocação em risco que pode e deve ser evitada.
Pessoalmente, pela mulher que, contra o que insistentemente sustentam, tem todas as condições para se autodeterminar sexualmente, pelo uso de contracepção adequada no momento da relação sexual, segundo uma lógica inerente ao agir humano que passa pela ponderação de riscos e benefícios.
Colectivamente, pela imperiosa necessidade – solidaristicamente cunhada – de suporte e apoio da maternidade de todas aquelas mulheres que, querendo, não dispõem de meios para prover ao sustento dos seus filhos.
É isto que o sim quer subverter. Esta límpida ideia de responsabilidade que a todos deve animar. A responsabilidade de todos perante cada um, não condenando ninguém à solidão de um aborto. A responsabilidade de cada um diante dos seus próprios actos.
Acresce que a Ana da nossa história tinha 14 anos. Era, como salienta a nossa jornalista de causas, inimputável penalmente. Não é a punição, a prisão, tão invocada, que entra em cena. É a própria possibilidade de, na praxis do dia a dia, aquela criança ter acesso ao SNS para abortar. E aí o discurso padece de vícios graves. Pois, autistamente, olvida a realidade. Sendo menor, nunca a intervenção seria feita sem autorização dos pais. Que, se não na hipótese concreta, na maioria dos casos, seriam aqueles a quem mais ardentemente Ana pretendia esconder a situação. Havendo a cumplicidade dos pais, talvez não tivesse a criança tomado 64 comprimidos, e tivesse abortado com uma menor dosagem de medicação.
O que me suscita algumas questões: será esta história verdadeira? Como conseguiu a criança adquirir o composto químico? Haverá algum cúmplice na trama? Terá havido negligência de algum farmacêutico? Terá Ana conseguido adquirir o medicamento com a conivência silenciosa de alguém que, a pretexto da ajuda, se esconde numa rede informática, fornecendo meios para a prática abortiva?
Tudo isto, martelando o espírito de quem seja mais atento, mostra inequivocamente o que nos separa do “sim”. A par de princípios diversos, há todo um mundo anímico que nos distingue. Não é a lei actual que cria um problema como o que é relatado. É a realidade que o suscita. E perante esta não baixamos os braços, procurando, antes, novos caminhos, que não ponham em causa o ser humano que vive no interior do corpo materno.
Do lado de lá, impera o desânimo, erige-se a desistência em palavra de ordem. E, ao melhor jeito das avestruzes, esconde-se a cabeça, pensando que a abdicação dos princípios resolve os males.
Não é a lei actual que gera uma situação como esta. Até porque, como a Fernanda Câncio admite, se fosse caso disso havia sempre a possibilidade de se invocar a saúde psíquica da menor. É a realidade que a suscita. E essa não se muda por determinação legislativa.

O Estado e o Aborto

Se o “sim” ganhar o referendo passará a existir em Portugal um verdadeiro “direito” legal da mulher a abortar até às 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Deixarão de ser necessárias indicações (como até agora) e nada indica que haja um sistema de aconselhamento obrigatório (como existe na Alemanha). Se assim for, cumpre saber como se vai organizar o Estado para garantir, na prática, esse novo “direito” legal ao aborto?
Conhecendo as limitações do SNS e a recusa prática de muitos médicos em praticar o aborto por objecção de consciência, é natural que surjam clínicas privadas especializadas em IVG (duas clínicas espanholas já anunciaram que iriam abrir portas em Lisboa) onde serão praticados a grande maioria dos abortos.
Torna-se assim inevitável (o Ministro da Saúde já fez declarações nesse sentido) que o Estado venha a financiar a prática de aborto mesmo fora do SNS, de modo a garantir às mulheres o seu novo “direito”.
Este ponto é importante, contrariando a tese de que o aborto é só uma questão de “consciência”. Ou seja, para além de outras coisas, está também em causa neste Referendo o financiamento público da IVG. Será que uma opção individual - não estão em causa razões de saúde da mulher ou do feto - deve ser financiada através do Orçamento de Estado?
Não vale a pena fugir da questão, ou dizer que é uma mais uma cedência “economicista”. Nada disso. É um problema politico com profundas implicações na relação do Estado com os cidadãos. Será legítimo usar os recursos públicos para financiar uma prática considerada por metade da população como uma eliminação de uma vida humana?
E surge um outro problema, agora de ordem ética. Se o aborto for financiado pelos impostos, podemos considerar legítima a evasão fiscal daqueles que consideram o aborto um crime?
Ler mais no blog Cachimbo de Magritte.

Pergunto-me se...

não estaremos a dar atenção demais a tolos demais?

COMUNICADO DO BdN

Transcrevo comunicado que foi hoje enviado à imprensa, no seguimento das acusações de que fomos alvo por parte da deputada do Bloco de Esquerda Helena Pinto e que o bloquista Daniel Oliveira já havia referido no seu blogue. Reservamos para mais tarde nova posição quanto a este assunto:
Foi ontem divulgada pelo BE, em conferência de imprensa de que vários jornais fizeram eco, uma carta aberta ao Dr. Sarsfield Cabral, acusando o Blogue do Não de ligações à extrema direita, a qual nos merece o seguinte comunicado:

Estranhamos e lamentamos as ofensas com que o BE decidiu dirigir-se ao Blogue do Não, tanto mais quanto é público e notório que não estamos ao serviço de qualquer partido, credo ou instituição. Não nos condicionamos por agendas político-partidárias, sejam elas quais forem. Fazemos apenas uso do direito à nossa opinião, ainda que diferente da do BE.

As agressões verbais e as insinuações de que fomos alvo não nos metem medo nem nos desviam do nosso caminho. Pelo contrário. Reforçam o compromisso de seguirmos em frente no esclarecimento e no limpo debate de ideias que o BE quer transformar em extremismo, ruído e intolerância.

O que está em causa no Referendo de 11 de Fevereiro é muito sério e há quem queira, de ambos os lados, debater seriamente. É nesse debate que continuamos empenhados e todos, mesmo o BE, para ele, podem contar connosco. Contudo, não admitimos que a reboque da liberalização do aborto se queira igualmente liberalizar a difamação. Também a isso, respondemos, com a serenidade de sempre, Não!

Os Outdoors do BdN - V


BdN à escuta

Os médicos e o referendo
Adelino Marques
Professor catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra

Este dilema põe em confronto duas pessoas: a mãe e o nascituro; se este não fosse pessoa, onde haveria conflito?

Analisei, com justificadíssimo interesse, o artigo deAna Matos Pires, médica ("Uma resposta a Gentil Martins", PÚBLICO, 10/1), e não posso deixar de denunciar ofensas e atentados à dignidade profissional de "inúmeros médicos". Entendo, por agora, sublinhar apenas o que me parece constituir grave equívoco na análise feita das disposições da Associação Médica Mundial (AMM) e das normas do Código Deontológico da Ordem dos Médicos.
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Cita-se, em tradução confessadamente rápida, a Declaração de Oslo sobre o Aborto Terapêutico. É bem evidente, como anota a colega, que nunca essa declaração repudiou a prática do aborto - nem era esse o seu objectivo, como bem se infere de todo o texto -, mas só através de esforçadas e ilegítimas distorções do seu teor se poderá atribuir-lhe qualquer forma de aprovação do mesmo. Tendo citado a Declaração da AMM no seu Juramento Hipocrático, de que o médico deve manter total respeito pela vida humana (omitindo todavia o inciso desde o seu início, que também lá está), a autora soube transcrever que "não é à classe médica que compete determinar as atitudes e regras de qualquer Estado ou comunidade nesta matéria, mas é seu dever esforçar-se por assegurar a protecção dos pacientes e salvaguardar os direitos dos médicos para com a sociedade".

Isto é clarinho como água da fonte. É neste contexto que a declaração considera "as circunstâncias que causem um conflito de interesses entre a mãe e o seu filho por nascer", só que esse conflito de interesses é conflito de valores e conflito de deveres, acrescento eu. Tal dilema põe em confronto duas pessoas: a mãe e o nascituro; se este não fosse pessoa, onde haveria conflito? A solução de tal dilema sempre constituiu para os médicos ocasião de penoso debate no íntimo da sua consciência profissional, como reconhece a Declaração. É neste campo das opções possíveis que se situa o chamado "aborto terapêutico", a que se refere, logo em título, a Declaração, qualificando-o assim como acto médico (qualificação esta que não deixa de suscitar fortes reservas). Ora é aqui que reside o grave equívoco que comecei por enunciar. É que, independentemente do que "as convicções individuais e a consciência de cada um" possam inspirar a cada médico, as situações dilemáticas, de conflito de valores e/ou de deveres foram já contempladas na alínea a) do n.º 1 do art. 142.º do Código Penal em vigor, assim se apresentando tipificado o chamado aborto terapêutico; esta noção vem a ser alargada nas restantes alíneas do mesmo n.º1.

Mas o que o próximo referendo vem solicitar aos cidadãos diz respeito a algo muito diferente. A pergunta não tem nada a ver com o dito aborto terapêutico. O "sim", a vencer, consagraria uma decisão soberana e exclusiva de cada mulher, que não terá de dar contas dos fundamentos dessa decisão seja a quem for e procurará obter de certos profissionais a execução segura de uma manobra técnica cuja adequação ao que legitimamente se entende como acto médico é extremamente problemática.

Por muito que se diga o contrário, "aborto porque sim" configura a liberalização pura e simples, transformando-o em método contraceptivo. Neste quadro (e agora dirijo-me em especial aos meus colegas), onde irá parar o respeito pela vida humana desde o seu início propugnado pela AMM e pela Ordem no seu Código Deontológico?
Público
26.I.07

E eu ainda sou do tempo

Em que os rapazes que criticam movimentos que pregam "o ódio e o racismo" se reuniam com o Batasuna.

Ah, e nada disto constitui verdadeira novidade.

João Vacas

Existem contraceptivos!

O Tiago Barbosa Ribeiro não consegue perceber que, no caso de uma gravidez resultante de uma violação, o legislador considerou que a mulher não devia ser punida, não por não reconhecer a dignidade da vida intra-uterina ou por desmerecer o direito à vida do embrião, mas tão simplesmente por entender, por via da exclusão da culpa ou da ilicitude (os autores não são unânimes), que, diante daquele circunstancialismo concreto, o seu comportamento não merecia ser objecto de uma censura ético-jurídica.
Nada tem o direito à vida de variável.
Não estranho, porém, esta falta de percepção. Pois se, no século XXI, acha que uma mulher só pode decidir conscientemente sobre a sua maternidade se se inscrever um "direito ao aborto" no ordenamento jurídico, revela - nessa luta incansável pela transformação daquele num meio de controlo da natalidade - desconhecer, acima de tudo, a existência de métodos contraceptivos. E ignorar, num registo empobrecedor da dignidade do ser humano, uma noção fundamental de responsabilidade.

Caro Miguel Abrantes

se lhe começa a faltar paciência, como diz, para ler este blogue, talvez seja melhor não o ler. O que estava a espera? Que por obra e graça da sua extraordinária inteligência as pessoas deste blogue deixassem, subitamente, de defender aquilo em que acreditam? Se não tem paciência, resta-lhe uma alternativa, que certamente fará de si pessoa bem mais simpática e agradável: não nos leia.

Eu, concordando ou discordando, continuarei a lê-lo com a maior das paciências.

Dia de Finados

Claro que as afirmações vergonhosas da deputada Helena Pinto sobre as alegadas ligações do Blogue do Não à "extrema direita" e sua plantação na imprensa são um trabalhinho sujo do seu spin doctor Daniel Oliveira. Eu ainda me lembro do tempo em que o Daniel tinha por princípio não fazer "links a pornografia política". Mas, pelos vistos, os princípios do Daniel recuaram no preciso momento em que surgiu a ténue oportunidade de etiquetar os defensores do "Não" como uma reles cambada de fascistas. É uma velha lição da cartilha bloquista: quando nada mais há que dizer, viram-se para gente morta. Da minha parte, digo apenas que sou tão fascista como muitos dos colegas de blog do Daniel. E que, seguramente, tenho muito menos inclinações para a coisa do que o próprio.

(Não querendo alimentar polémicas laterais - e achando verdadeiramente natural e saudável o facto de alguns companheiros de outras lutas estarem neste particular aspecto do outro lado da barricada blogosférica -, ainda assim me entristece ver amigos meus (correlegionários ou não) ao lado destas tentativas torpes de enxovalho e insulto gratuito que nem eu nem os restantes elementos do Blogue do Não fizémos por merecer. Ao contrário do que pensa o Daniel, não vale tudo).

o que pensam os jovens ingleses

«Conforme informam as agências CWNews.com e Kath.net, a legislação actual, que permite abortar até à 24ª semana de gravidez, é muito liberal para muitos britânicos, especialmente os jovens.

Um inquérito realizada pelo “Communicate Research" entre mais de um milhar de britânicos, deu como resultado que são especialmente os jovens e as mulheres quem estão a favor de uma mudança na legislação que defenda mais o não nascido.

Mais de 80 por cento dos pesquisados opinou que os 200 mil abortos anuais que se registam na Grã-Bretanha são "demais", e devem existir meios para reduzir este número. Uma significativa maioria de 62 por cento opinou que a actual lei deve ser mais restrita. Por outro lado, 89 por cento dos pesquisados opinou que a legislação sobre o aborto deve ser continuamente revista e deve levar em conta os constantes avanços da medicina, que permitem uma ajuda e atenção cada vez mais precoce aos bebés não nascidos.

Os jovens britânicos entre 18 e 24 anos são o grupo que está na sua maioria a favor de uma mudança na lei.

Fonte: ACI em 31/10/2005»

Ver: aqui.

a situação em Espanha

«Ao comemorar o 20º aniversário da legalização do aborto na Espanha, o Instituto de Política Familiar (IPF) informou que esta prática se realiza a cada 6,6 minutos no país, o que a converte na ‘principal causa de mortalidade’ do país.

Na sua nota sobre a “Evolução do Aborto na Espanha: 1985-.2005”, o IPF assinala que actualmente na Espanha se produz um aborto cada 6,6 minutos (79 mil e 788 abortos ao ano), quer dizer, “um de cada seis gravidezes termina em aborto”.

Odiosas comparações

A análise do Instituto assinala que em “cada dia 220 meninos deixam de nascer na Espanha por abortos”, o que equivaleria a que “cada três/quatro dias desapareceria um colégio de tamanho médio na Espanha por falta de meninos”.

Do mesmo modo, diz que “o número de abortos que se produziram no ano 2003 equivale à população total de cidades como Soria e Teruel, ou na metade de populações como Ávila, Segovia, Palencia, etc.”.

Igualmente, o relatório detalha que “o número de abortos produzido até a data equivaleria à totalidade dos nascimentos que se produziram na Espanha durante os anos 2002 e 2003, quer dizer como se na Espanha não se deu nenhum nascimento durante dois anos e só se produziram falecimentos”.

Cresce o aborto entre adolescentes

Segundo o estudo do IPF, reduziu-se significativamente a idade Média das pessoas que abortam. Em apenas doze anos, diz o relatório, mudou radicalmente as idades nas quais se aborta, sendo agora maioritariamente entre pessoas menores de 24 anos, e “sendo cada vez mais importantes os abortos em adolescentes já que um de cada 7 abortos se produz em adolescentes menores de 19 anos”.

Para o IPF, o “aborto converteu-se na principal causa de mortalidade na Espanha”, muito a cima de outras fontes de falecimentos ‘externos’ (acidentes de tráfico, mortes por homicídio, suicídios, Sida ou drogas).

Do mesmo modo, “os falecimentos por aborto estão a cima de falecimentos por doença”, acrescenta.

Propostas

Diante desta realidade, o IPF deu a conhecer um elenco de propostas entre as que destaca a criação de uma Comissão Interministerial que aborde a problemática dos falecimentos por aborto e implemente “medidas encaminhadas à sua redução assim como a combater os seus efeitos negativos”.

Do mesmo modo, o Instituto familiar propôs a elaboração de um Plano Nacional sobre Natalidade, a criação de Centros de Ajuda, Atenção e Ajuda à mulher grávida que ajude a todas as mães a ter seus filhos, destinar 0,5 por cento do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Irpf), a aquelas ONG que se dediquem a apoiar às mulheres grávidas, entre outras medidas. »

Fonte: ACI em 05/07/2005 via este blogue.
Relatório Completo: aqui.

passando os olhos pelo sim no referendo

um blogue de consulta obrigatória para quem quiser conhecer as opiniões de quem defende o «sim», recheado de pessoas inteligentes e/ou conhecidas, constato hoje a existência de inúmeros postes insinuando, por vezes descaradamente, que os partidários do «não» são necessariamente uns beatos, por vezes burlescos, geralmente mentirosos e incoerentes, naturalmente irresponsáveis, e não raras as vezes estúpidos e imbecis.

É claro que eu podia devolver todos esses "mimos", ou limitar-me a constatar a falta de filigrana de pessoas que não conseguem responder a argumentos, por mais absurdos que sejam, sem qualificar os autores do lado de lá com os adjectivos do costume. Não o faço porque não quero entrar numa espiral de insultos, mas também porque, ao fazê-lo, teria que mentir e, porventura, ofender pessoas que admiro e respeito, e a quem reconheço méritos e inclusivamente razão em diversos argumentos apresentados (com excepção, talvez, das "emissões" oriundas de Daniel Oliveira e Fernanda Câncio).

Verifico, para além disto, que a generalidade dos portugueses, independentemente do sentido do voto, tem feito um esforço, genuíno, por evitar estes caminhos, de quase "bloguerra civil", entre vizinhos (mesmo que virtuais) e amigos. Se queremos, através dos blogues, influenciar e esclarecer opiniões, temos primeiro que nos disciplinar a nós próprios. Dia 12 de Fevereiro seremos precisamente os mesmos, em alinhamentos diferentes e em assuntos tão ou mais apaixonantes.

Por fim, penso que é importante que os partidários do «sim» percebam que existem muitos tipos de «sim» e muitos tipos de «não», dado que não está em causa um, dois ou três, mas muitos mais valores, e todos em aparente conflito. Acusar um partidário do «não» de ser um beato ou um imbecil por defender uma determinada posição perante uma pergunta muito concreta, é fácil; mas se esse partidário do «não» já não responde «não» a uma outra pergunta sobre o mesmo tema, o problema pode, afinal, residir na pergunta ou na resposta que tão esforçadamente se procura. Esclareça-se, também, que não se trata de discutir a virtude de quem vota, ou as intenções íntimas e imperativos categóricos que nos movem: um voto não se deduz, não é matemático, antes resulta de uma escolha, de uma decisão arriscada, envolvendo, sempre, condições, conjecturas, valores e juízos. Ninguém vota «não» de bom grado sabendo que a solução para o problema que hoje nos divide continua por encontrar. Tal como ninguém pode votar «sim» sem ponderar os múltiplos problemas que resultam da total liberalização do aborto até às 10 semanas.

No meu caso, eu votaria «sim» à despenalização (ou seja, à eliminação da sanção de pena privativa de liberdade) do aborto, caso a pergunta do referendo fosse essa. Eu votaria «sim» à penalização dos auxiliares nos exactos termos em que defendo a penalização de quem pratica actos clínicos ilícitos. Eu votaria «sim» a um alargamento das causas de exclusão de ilicitude em caso de aborto, e à inclusão, entre as causas justificativas do mesmo, de motivos de ordem psicológica, a apreciar também por terceiros (solução hoje preconizada nos países ditos liberais e vanguardistas nesta matéria, como a Holanda), e sempre depois de observado um período de reflexão. Eu, muito provavelmente, votaria «sim», caso me fosse demonstrada a existência, de facto, de um fenómeno de aborto clandestino abundante, que desse fenómeno resulta um problema de saúde pública sério, e que o «sim» a esta pergunta é adequado, proporcional e útil, para combater esse fenómeno.

A muitas perguntas relacionadas com o aborto eu votaria «sim», lado a lado com os partidários do «sim». À pergunta de dia 11 de Fevereiro, no entanto, só posso responder Não. Pois a pergunta que me é feita não corresponde ao problema que, supostamente, lhe deu origem; não oferece solução satisfatória; implica aceitar algo que não estou disposto a aceitar e não tem, manifestamente, relação directa com a realidade do aborto clandestino, a saúde pública ou a exigência de supressão da pena de prisão.

Reformulem a pergunta e terão o meu «sim». Prosseguindo recebem um «não». Quanto a Deus, penso estar fora do âmbito do referendo.

Se não sabia aquela, saberá esta?

O Vasco Rato, também ele fascinado com a novidade cristã, partilha connosco a seguinte perplexidade:

Eu, que ando pelo lado direito político, fico muito satisfeito em saber que, com a aproximação do referendo, muitas pessoas dizem ser favoráveis à descriminalização da IVG. Não sabia. E, mais importante, não vi, durante os anos de governo PSD/CDS, tentativas de alterar a lei.

Pois é! Ele não sabia. Mas como, pelos vistos, fica impressionado com as coisas novas que vai aprendendo, passo-lhe esta "bomba": muitas das pessoas que, ao contrário dele, andam pelo lado esquerdo político, dizem-se favoráveis à despenalização do aborto (ou da IVG, se preferir). Não sabia? E, mais importante, viu durante os anos de governo PS, tentativas de alterar a lei?
(segredo)
(shiu: eu por acaso sei de tentativas de deputados do PS que procuraram fazer alguma coisa a propósito da despenalização ... para evitar as penas ... mas acho que o PS não quis... prefere liberalizar... para não aplicar penas...)

Onde se fala de sexo

Caro Vasco,
de bom grado seria o Morgado do Século XXI ou o Caniço da Chuva na Areia. O meu "outro mundo é possível" constitui-se da possibilidade de homens com testículos por esvaziar. Gostaria de sermonizar com algumas perdas de saliva sobre a ausência de debate no que aos comportamentos sexuais diz respeito quando razoáveis hipóteses de semi-alteridade se intrometem. Tás a ver? Tipo, por que é que se pode discutir tudo menos el bon sexo? Queimam-me na fogueira se duvidar desta nova rubra infalibilidade papal?
O meu "simples imperativo religioso" dificilmente "obedece a uma estratégia de expansão demográfica da fé" porque sou protestante e, como sabes, os protestantes têm mais orgulho nos métodos anticonceptivos que os católicos no ventre de Maria (nesse sentido, nós protestantes, como vós, abortistas, somos criaturas de feitio-para-a-morte, como diria Heiddeger). Mas ainda que assim fosse, não encontraria problema. Por que será pouco bonito ter filhos para aumentar uma religião? Não posso retribuir dizendo que a tua posição pode "ser interpretada como um simples imperativo ideológico que obedece a uma estratégia de repressão demográfica da fé, coisa pouco bonita"? Uma coisa sei, nós não somos contra o nascimento de ateus e mais vis pecadores. Venham eles.
Um abraço.

Still to come: o hino da mulher omnisciente, uma reciclagem abortista pós-moderna da Madonna vaticana (ou como se passa da inviolabilidade sagrada do ventre para a inviolabilidade sagrada da consciência sem que a paróquias dêem por nada).

Notre argumentaire malgré nous

VALÈRE: Pourquoi, Monsieur, nous obligez-vous à cette violence?
LUCAS: À quoi bon nous bailler la peine de vous battre?
VALÈRE: Je vous assure que j'en ai tous les regrets du monde.
LUCAS: Par ma figué! j'en sis fâché, franchement.
SGANARELLE : Que diable est-ce ci, Messieurs? De grâce, est-ce pour rire, ou si tous deux vous extravaguez, de vouloir que je sois médecin?
VALÈRE: Quoi? vous ne vous rendez pas encore, et vous vous défendez d'être médecin?
SGANARELLE: Diable emporte si je le suis!
LUCAS: Il n'est pas vrai qu'ous sayez médecin?
SGANARELLE: Non, la peste m'étouffe!
Là ils recommencent de le battre.
Ah! Ah! Eh bien, Messieurs, oui, puisque vous le voulez, je suis médecin, je suis médecin; apothicaire encore, si vous le trouvez bon. J'aime mieux consentir à tout que de me faire assommer.
VALÈRE: Ah! voilà qui va bien, Monsieur : je suis ravi de vous voir raisonnable.
LUCAS: Vous me boutez la joie au coeur, quand je vous vois parler comme ça.
VALÈRE : Je vous demande pardon de toute mon âme.
LUCAS : Je vous demandons excuse de la libarté que j'avons prise.
SGANARELLE: à part.
Ouais! seroit-ce bien moi qui me tromperois, et serois-je devenu médecin sans m'en être aperçu?
Acto I, Cena V

Da coerência
Para serem consequentes com o argumentário que trouxeram para esta campanha, os partidários do «Não» têm necessariamente de alargar a sua disputa ao actual quadro legal. Ouvindo-os e lendo-os, será uma questão de elementar congruência impedir a IVG mesmo em caso de violação da mulher e assim construir uma sociedade de irredutível coerência moral. No mínimo, isso servirá para clarificar que talibans há muitos e que vários são os seus profetas.
Tiago Barbosa Ribeiro

Como Sganarelle da peça de Moliére Le medecin malgré lui - que é espancado até "confessar" que é médico apesar de nunca o ter sido - o Tiago Barbosa Ribeiro acha que se disser em tom de reprimenda que dizemos o que não dissemos nos convence que o fizemos.
No que toca às comédias burlescas tendo a preferir os originais.

João Vacas

Os Outdoors do BdN - IV


LER OS OUTROS

REFERENDO: PARA UMA CLARIFICAÇÃO DO DEBATE

Na campanha para o próximo referendo são já conhecidos e têm sido novamente debatidos os argumentos principais a favor ou contra o aborto. Para uma ponderada avaliação deles parece imprescindível a clarificação de questões como as seguintes.

1ª. Se se trata ou não apenas de despenalizar. Já temos desde 1984 uma lei com várias indicações e prazos que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez. Trata-se agora de alargar a despenalização sem outra indicação que o simples "pedido" ou a mera "opção" da mulher. Portanto, claramente: não é apenas despenalizar, é sim liberalizar.

2ª. Se a despenalização da gravidez "por opção" é alargada apenas até às 10 semanas, ou irá de facto para além desse prazo. É que o projecto de lei 19/X/1 aprovado em Abril de 2005 na Assembleia da República, que está subjacente ao referendo e suspenso do seu resultado, prevê também a despenalização até às 16 semanas, "por razões de natureza económica ou social" (sic). Ora, como estas "razões" implicam também "pedidos" e "opções" por parte da mulher, como se fala na pergunta em referendo, convinha que os cidadãos soubessem até que prazo é que realmente se quer estender a liberalização do aborto.

3ª. Se a mulher que optou por abortar está ou não está obrigada a uma consulta nos "centros de aconselhamento familiar" a criar em cada distrito, no âmbito da rede pública se saúde, ainda de acordo com o supracitado projecto de lei; ou se isto será uma formalidade dispensável. É que, se para saber do tempo da gravidez basta atestar com exame ecográfico, por outro lado será de acautelar o mais possível que a "opção" é feita por vontade própria da mulher e não coagida por outros.

4ª. Sendo o aborto um "mal", como parece todos concordam em dizer, se a liberalização dele contribuiria para diminuir esse mal. Analogamente: a legalização do tráfico e consumo de drogas diminuiria a toxicodependência?... É uma questão de senso comum, antes de ser estatística.

5ª. Considerando que a "interrupção da gravidez" é a morte de uma vida humana que se está a desenvolver normalmente, importaria muito clarificar se o Estado se limita a defender certos "direitos" da mulher, sem deixar de garantir a defesa da vida humana, que é "inviolável", nos termos da nossa Constituição. Sete dos treze juízes do Tribunal Constitucional consideraram em Novembro de 2006 que o Estado não deixa de garantir tal defesa. Mas essa diferença mínima de votos torna patente que a resposta não é clara.Por seu lado, a alternativa fundamental sobre a qual os cidadãos se têm de pronunciar é muito clara: ou a prioridade à licença para que algumas mulheres em situação difícil façam o que desejam; ou a prioridade à defesa da vida de um novo ser humano que têm dentro de si e não é propriedade delas. Se a opção da mulher pelo alívio imediato de uma situação difícil da sua vida tem um preço imediato – a morte de uma outra vida – mais uma coisa ainda deveria ficar clara. Que a protecção da vida humana inocente por parte do Estado é do interesse de todos os cidadãos, sob pena de se abater o alicerce fundamental de um Estado de Direito: a garantia do direito à vida de quem está vivo e não fez nenhum mal. Por outras palavras, o que está também em questão neste referendo é a sobrevivência na nossa sociedade portuguesa do Estado de Direito como Estado de Justiça.


(enviado ao Portugal dos Pequeninos por Pedro Isidoro)


Um manifesto ateu e liberal pela defesa da vida

Muitos dos militantes pelo ‘Sim’ à despenalização do aborto têm ao longo dos anos tentado transformar os defensores do ‘Não’ em ratos de sacristia, fantoches de uma organização pretensamente manipuladora e poderosa que, camuflando-se na sociedade civil, tentava evitar os grandes movimentos reformistas da Humanidade.

Para eles em especial, aqui vai o meu testemunho pessoal:

Sou ateu – nalgumas matérias até anti-clerical - e profundamente liberal, colocando o indivíduo e os seus direitos quase sempre à frente dos direitos de qualquer colectivo abstracto, seja ele o Estado, a Pátria ou o Povo.

Não considero aceitável que terceiros tenham o direito de interferir nas minhas escolhas e de proibir os meus hábitos assim como não julgo que tenha o direito de os culpar pelas mesmas, ocasionalmente erradas. Como ser humano considero-me responsável por todos os meus actos, mesmo os mais irresponsáveis, e responderei sempre por eles, sem por uma vez me escudar atrás dos meus pares.

Apesar de tudo o que acima disse, voto convictamente ‘Não’ à despenalização do aborto até às 10 semanas, em plena coerência com os meus ideais.

Voto ‘Não’ porque, como ateu, reconheço à vida um carácter único e incomparável e à consciência humana o limiar máximo dessa consciência. Afastar para sempre alguém dessa percepção sensorial e intelectual é um crime, esteja ou não escrito na lei. Se um crente ainda poderá ter a fé num destino mais alto, a minha visão é bem menos idílica e mais niilista.

Voto ‘Não’ porque reconheço ao feto, como aos restantes seres humanos, o direito inalienável à vida – a não ser por decisão própria, impossível de tomar conscientemente mas no qual enquadro os casos de malformação e morte intra-uterina, ou em situação de conflito de interesses de igual dimensão entre o feto e a mãe, como seja o risco de vida físico ou psicológico da mãe, onde se enquadram de um modo geral as restantes situações já salvaguardas pela lei.

Voto ‘Não’ porque, embora não me agrade ver mulheres julgadas pela prática do aborto, não me desagrada mais do que muitas outras situações que conduzem muitos outros cidadãos à prisão, a maioria das quais por crimes que não atentaram contra qualquer vida mas que a sociedade considerou suficientemente graves para serem criminalizados. Essa discussão poderá ser tida após o referendo, em sede parlamentar, mas sem desculpabilizar a prática do aborto.

Voto ‘Não’, em suma, porque acredito que a liberdade é directamente proporcional à responsabilidade individual e ao diminuirmos a segunda estaremos inexoravelmente a abdicar da primeira.

NOVO COLABORADOR

O Diogo Almeida passa a partir de hoje a colaborar com o BdN. O 1.º post está aqui (dado o adiantado da hora, suspeito que muitos não tenham dado conta!). Bem-vindo Diogo.

AS CONSEQUÊNCIAS DE UM GRANDE EQUÍVOCO

“(...) dizem os mais variados estudos de opinião, a maioria dos concidadãos aos quais choca (...) a penalização da mulher que voluntariamente aborte, mais chocados ficam com a possibilidade de liberalização total do aborto, ainda que verificado no mesmo período de tempo, que, expressamente, repudiam.
Ou seja, não será cometer qualquer falta de rigor se afirmarmos que uma larga maioria das pessoas que se dispõem a votar SIM, porque não querem a penalização da mulher, nunca o fariam se tivessem a noção exacta de que do seu voto resultava muito mais do que isso: a legitimação do direito ao aborto, despido de qualquer censura ética, tornando-o numa conduta lícita que, por exemplo, impede a condenação criminal de quem incentivar, obrigar ou favorecer a mulher à prática do mesmo.“
José Pedro Aguiar-Branco, advogado, deputado do PSD, ex-Ministro da Justiça (link indisponível)

DEBATE

Hoje, pelas 16:45, no Camões, o João Gonçalves e a Assunção Cristas vão debater o aborto com 2 representantes dos Jovens pelo Sim. Mais logo queremos resumo detalhado da contenda.

PORTUGUESAS MERECEM VOTO MAIORITÁRIO NO "NÃO"

A pré-campanha está cada dia mais intensa. Os argumentos de ambas as partes têm sido minuciosamente explicados e as dúvidas existentes têm sido exaustivamente esclarecidas. Com excepção de alguns grupos mais extremistas, os discursos têm-se aproximado: todos contra o aborto, todos contra a clandestinidade, todos contra a penalização. As soluções é que divergem.
Deixo-vos um excelente texto da nossa colaboradora especial Dra. Matilde Sousa Franco, que se juntou a nós prefaciando o livro que ontem foi apresentado e que inicia agora a sua contribuição online, com uma abordagem simultaneamente histórica e actual do papel que a mulher portuguesa tem desempenhado na nossa sociedade e a sua relação com o aborto.
As mulheres portuguesas são seculares heroínas, únicas na Europa, mas precisam de apoio urgente, porque têm vida duríssima: enquanto os homens embarcavam para os Descobrimentos e a Guerra Colonial, elas ficavam a tomar conta da casa e dos filhos. Recentemente, são das que mais trabalham em casa e fora de casa. A investigadora Lina Coelho, da Faculdade de Economia de Universidade de Coimbra, divulgou agora um estudo que confirma que, ao contrário do resto da Europa, onde as mulheres com filhos pequenos não trabalham, ou o fazem em part-time, as portuguesas continuam a participar no sustento da casa. Principalmente por isto, o jornalista Mário Crespo considerou-as o acontecimento do ano de 2006 em Portugal: “Face ao que (as mulheres portuguesas continuam a fazer) todos os dias, tudo o mais no País é realmente banal” (in Revista Notícias Sábado, do Jornal de Notícias, 30 de Dezembro de 2006). Contudo, tal implica óbvio imenso sacrifício pessoal, outra forma de escravatura feminina, porque faltam medidas sociais que facilitem a vida, sobretudo às financeiramente mais carenciadas.Por outro lado, as mulheres portuguesas vêem-se humilhadas com leis mal feitas no último quartel do séc. XX, sendo Portugal o único país da Europa onde ainda existem julgamentos por prática de aborto. Tal legislação tem também de ser rapidamente mudada.

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O planeamento familiar tem melhorado imenso nos últimos anos, estão consideradas na lei as causas desculpabilizantes de aborto, (violação, mal formação do feto, etc.). Quanto a aborto, o problema é evidentemente o clandestino, cuja dimensão, aquando do referendo de 1998 os defensores do “sim” diziam ser de 200 mil/ano, e agora de 18 mil/ano, mas cujos números reais serão muito inferiores, porque a contabilização é sempre difícil, sendo os internamentos hospitalares por esse motivo de menos de 1 500/ano, e felizmente sem mortes nos últimos tempos.
As principais vítimas do aborto clandestino são as mulheres com maiores dificuldades económicas. Não é aceitável que no séc. XXI elas só tenham como única alternativa ao aborto clandestino o aborto liberalizado, fragilizando a sua saúde física e psíquica, enriquecendo na mesma quem faz abortos, e matando filhos saudáveis até às 10 semanas, que é o que se vota no próximo referendo.
Numerosos defensores do “sim” dizem ser contra o aborto, não vendo a profunda contradição disto. Os votantes do “sim” concordam com o aborto a pedido sem qualquer justificação, o que é a passagem de uma fronteira civilizacional decisiva, de atentados à vida humana, de aceitação das desigualdades sociais que mantêm a subjugação das mulheres com menos recursos, pois estas continuarão a ir para tribunal se fizerem aborto às 10 semanas e 1 dia, prosseguirão o calvário do excesso de trabalho, escasso dinheiro, não tendo os filhos que desejam, nem a escolha de os tratarem dedicando-lhes mais ou menos tempo.
O aborto nunca é uma vantagem para a mulher. Estudos demonstram que 64% das que abortam sofrem pressões para tal, e que 83% teriam os seus filhos se fossem apoiadas. Assim, a liberdade das mulheres não é respeitada e afinal não lhes é dado, com o aborto liberalizado, o invocado “direito à escolha”. As mulheres são empurradas para essa decisão, estando ainda por cima em momentos em que se encontram mais vulneráveis. As mulheres portuguesas, tão sacrificadas, merecem mais e melhor.
Eu voto “Não” porque quero as mulheres em verdadeira paridade com os homens, sem sofrerem vexames de tribunais (seja em que semana de gravidez estiverem), tendo os filhos que quiserem e sem continuarem afinal escravizadas.
A liberalização do aborto iniciou-se em vários países há cerca de meio século, quando a contracepção era incipiente, a Ciência atrasada e os economistas receavam o aumento da população. Actualmente, a Ciência afirma que há vida humana desde o início, esta é uma continuidade, por volta do 20º dia bate o coração, este está formado e realiza as suas funções definitivas entre a 8ª e 9ª semanas, quando todos os órgãos estão também formados, e desde a 6ª semana o bebé tem os primeiros reflexos nervosos. Recentemente, os economistas dizem ser essencial o apoio às mulheres e à maternidade, para haver mais mão-de-obra e quem pague as reformas dos mais velhos. Assim, a natalidade tem sido implementada, por exemplo na Suécia, França, Austrália, China, Rússia.
A natalidade em Portugal está abaixo da média europeia, e desde o início dos anos de 1980 há falta de cerca de um milhão de crianças, apesar da ajuda de milhares de imigrantes.
Em Outubro passado, perante a alarmante falta de novas gerações europeias, a Comissão Europeia estabeleceu normas a favor da natalidade, que estipulam: “ajudar os cidadãos a equilibrar a vida profissional e privada para que possam ter os filhos que desejarem”, “agilizar a viabilidade das finanças públicas para contribuir para garantir uma produção social de longo termo”, etc.
A Alemanha foi o primeiro país a concretizar medidas pró-natalidade, desde o dia 1 de Janeiro deste ano. O Governo alemão oferece 25,1 mil euros por nascimento, o que dá uma média de mil euros/mês se a mãe tirar a licença completa de 2 anos; os contribuintes, por filho, até aos 18 anos, podem deduzir 30% das despesas da sua educação, recebem ainda 152€/mês, e também uma verba anual destinada a vestuário e móveis.
Moderno é votar “NÃO”, para que as mulheres em Portugal não vão para tribunal, trabalhem menos, tenham os filhos que quiserem, enfim sejam mais felizes. Procuro incentivar uma cultura de afectos, aliás na tradição multissecular portuguesa do Humanismo, que nos fez, por exemplo, no séc. XIX ser precursores das abolições da escravatura e da pena de morte. Será também agora um imenso orgulho Portugal ser pioneiro mundial do Humanismo do séc. XXI, defendendo e valorizando as mulheres, votando expressivamente “NÃO” à liberalização do aborto. Não queremos a I.V.G./aborto, que eu traduzo por Instituição Vulgarizada e Generalizada do Aborto. As mulheres portuguesas merecem ser tratadas melhor, com as recentes normas comunitárias. Moderno é votar “NÃO”!
Matilde Sousa Franco

Passatempo Livro do Blogue do Não



Sempre preocupados com o bem-estar dos nossos leitores, resolvemos criar um pequeno passatempo, mistura dos géneros jogos florais, Trivial Pursuit, pista de combate, Pictionary, rally paper e ritual SadoMasoc, que torne o momento da aquisição do nosso livro num momento mágico de entretenimento para toda a família. Como participar?
Fácil. O putativo adquirente-leitor entra na sua livraria habitual e dirige-se à menina da caixa:
«Bom dia, boa tarde, boa noite, queria o livro do Blogue do Não, aquele que apareceu ontem na televisão.» A menina, dependendo da livraria em questão, poderá responder:
«Que é qu'é isso?»
«Blogue do queem?»
«Que é isso um blogue?»
«De certeza que não é do Sim? Eu, na televisão, só tenho visto coisas do Sim!...»
«Acho que isso é na secção de Ciências Ocultas.»
«No meu corpo mando eu! Desampara a loja, porco chauvinista, antes que eu queime o soutien!»
«Mas qual, é um que tem um prefácio da Isabel do Carmo?»
«Ó Acácio, vem-me ajudar a tirar o livro dos gajos do NÂO de debaixo dos Saramagos!»
«Olhe, ainda não chegaram, mas estamos à espera a partir de 11 de Fevereiro...»
«QUER-CAMISAS-DE-QUÊ?!?»
O putativo adquirente-leitor não deve desanimar. Os funcionários que acabam de lhe prestar tais informações são animadores culturais contratados por nós para a função, e acabarão por lhe ceder um exemplar anotado, com as partes mais polémicas riscadas e anotadas por cima. Não revele estranheza pelo facto, nem caia no erro de pedir um exemplar virgem, pois nesse caso dar-lhe-ão um exemplar do «Livro em Branco». Pague os €190,00, não peça factura para não arranjar problemas, e saia discretamente, aparentando não se aperceber dos olhares fuzilantes que lançam sobre si os empregados. Não estranhe começar a receber correspondência do Bloco de Esquerda.
Gostou? Agora vá para casa por um caminho diferente do habitual e divirta-se! O livro vale a pena!
PVP: €10,00

BdN na Televisão

Reportagens na televisão a propósito do lançamento do livro do Blogue do Não.

Reportagem RTP1/RTPN:


Reportagem SIC:


Reportagem canal 2:

Descubram as diferenças!

Já imaginaram a miséria que é ter um filho porque não se teve dinheiro para pagar um aborto?” Fernanda Câncio (também conhecida por "a jornalista de causas")

“Já imaginaram a miséria que é abortar porque não se teve dinheiro para poder ter um filho?” Rui Castro (na apresentação do Livro do BdN)
(publicado também nos Incontinentes Verbais)

Os Outdoors do BdN - III


Paradoxos

Paradoxos de um estado socialista. Por João Miranda.

Após a vitória do SIM o aborto passará a ser, muito provavelmente, uma actividade menos regulamentada que:

* o consumo de tabaco (taxas elevadas, proibição da publicidade, consumo proibido a menores, campanhas públicas contra)
* a venda de medicamentos (limites à publicidade, limites à propriedade de farmácias)
* a advocacia (limites à publicidade)
* a condução automóvel (proibida a menores, campanhas públicas pela segurança)
* o consumo de alcool (proibido a menores e condutores; publicidade limitada; impostos elevados, campanhas públicas contra)
* espécies em vias de extinção (proibido caçar e traficar, proibido destruir habitat)
* caça (proibida fora de época)

A fina película dos direitos de um humano

Quando ouvimos notícias sobre alguma criança que morreu, ficamos, de um modo geral, chocados. “Tinha a vida toda pela frente!”, costuma-se dizer. Ficamos com um sabor de injustiça na boca. De que algo de incrivelmente errado aconteceu. Devemos muita desta sensação ao fantástico trabalho que todos nós, seres humanos, temos feito nos últimos séculos, para combater as complicações ao longo da gravidez e a mortalidade infantil. Assumimos, enquanto colectivo formado pela soma das vontades de cada um, a missão de criar os nossos filhos. A dada altura, considerámos – a meu ver até muitas vezes de forma abusiva – que tínhamos o direito de controlar o modo como os futuros adultos eram conduzidos ao patamar de iguais pelos seus pais. Hoje, os maus-tratos infantis são vistos como um acto repugnante e retrógrado, fruto de mentes doentes ou ignorantes e, independentemente da causa, punidos pela lei, que protege os direitos dos menores dos erros dos progenitores.

O que diferencia então, de sobremaneira, uma criança de 3 anos de um feto de 10 semanas, que não permita à segunda direitos semelhantes aos da primeira? Pessoalmente, a primeira memória de que me recordo data dos meus 4 anos. Antes disso, nada... É a memória que nos torna humanos? Se a grande fronteira em termos de direitos de cidadania está no momento do parto, pergunto: seremos assim tão diferentes nos momentos que antecedem e procedem o parto? Será que o direito à vida requer a capacidade de respiração pulmonar e de parar de nadar numa almofada de líquido? É aquela fina camada de pele que nos separa das cartilhas internacionais de direitos humanos, quando é hoje sabido que o processo de desenvolvimento cerebral e intelectual começa muito antes? Ou seremos capazes de assumir que, apesar de ainda não lhe vermos o rosto nem lhe ouvirmos as primeiras palavras, qualquer grávida transporta dentro de si um ser humano que, embora dependente dela, evoluirá lenta e continuamente para a autonomia total e que, um dia, muito anos depois, lhe estará destinado o papel de a proteger e apoiar – e mesmo tal não sucedendo, caberá à sociedade a obrigação de o fazer, não o abandonando como se pretende com a proposta de referendo que se avizinha.

Lançamento do Livro do Blogue do Não

Decorreu ontem ao final da tarde, com "casa cheia", a conferência de imprensa de lançamento do livro do Blogue do Não. As magníficas intervenções de Assunção Cristas, Maria do Rosário Carneiro e Francisco Sarsfield Cabral, bem como a apresentação do Rui Castro, recordaram-nos como o Blogue do Não tem dado um contributo importante para o debate de ideias à volta do tema do aborto, acolhendo entre os seus autores formas muito diferentes de abordar esta questão. Agradecemos a todos os que puderam estar presentes e também a todos os que nos continuam a visitar.

Ficam aqui algumas fotografias do evento.


Mr. X goes to town

Vasco Barreto considera que a primeira questão em que se desdobra a pergunta do referendo (despenalização) não tem qualquer sentido útil sem a segunda (liberalização). Daí retira a consequência lógica e necessária de que responder Sim à primeira é responder Sim à segunda. Eu, pelo meu lado, também tenho uma resposta homogénea: o Não à liberalização implica forçosamente um Não à despenalização.

Sucede porém que - queiramos ou não - o país vai para lá dos Vascos e Eduardos, não é só Sins Sins e Nãos Nãos, não é só oitenta ou oito. A tentar emergir por entre "abortistas" e "intolerantes", há gente boa e sensata que opta pela moderação. Diz-nos esta gente - que por mera facilidade de exposição simbolizei no Senhor X (mas se preferirem, numa versão politicamente correcta, passo a chamar Pessoa X) - que a penalização das mulheres, pelo menos com pena de prisão, é excessiva; mas o aborto a pedido, sem qualquer critério de ponderação, ainda é pior. Basta olhar as sondagens para constatar que o Senhor X representa uma importante parcela do eleitorado. O seu slogan é: Pena de prisão não, Aborto a pedido muito menos. E o seu número aumenta de dia para dia.

Posto isto, de nada serve considerarmos o Sr. X contraditório ou ilógico. Ele existe, está por todo o lado e vive bem na sua aparente incongruência. O Sr. X, por mais aulas de lógica que eu ou o Vasco lhe tentemos dar, não vai desarmar até dia 11: Pena de prisão não, Aborto a pedido muito menos. Por seu lado, a dupla questão posta a votos irá manter-se inalterada. Estes são, pois, os dados com que podemos contar.

Por isso é que eu digo: a única forma que o Sr. X tem de participar neste referendo é votando Não. Desde logo, porque evita o mal maior, que é a institucionalização do aborto a pedido. Depois, porque se esquiva à pergunta armadilhada que lhe querem impingir. Finalmente, porque, após consultar os números, percebe que, afinal, apesar da lei que temos, ainda nenhuma mulher ficou presa por abortar.

Individualismo anti-individualista

O António Costa Amaral, aka AA, escreveu há dias que:

No refendo que se debate, estão em confronto, entre outras, duas posições políticas:
- o progressismo de quem quer fazer do Aborto um "direito social". Trata-se, por outras palavras, do mesmo socialismo romântico e redentor que promete libertar o Homem de amarras biológicas e sociais, e construir um Mundo "mais justo". Porque identifica que a sociedade livre "produz" desigualdades, exige que todas as relações morais e éticas entre indivíduos sejam legalizadas: a liberdade individual deve ser condicionada pelo poder político;
- o progressismo de quem quer construir um Mundo sem Aborto, onde impere um modelo único ético-moral, e não existam relativismos que perturbem uma virtude social devidamente legalizada: a liberdade individual deve ser condicionada pelo poder político.
Ambos os sistemas de ideias são anti-individualistas. De nenhum dos lados se diz "sou livre de pensar e agir pelos meus valores". Diz-se "esta é a Verdade; a liberdade individual é desnecessária; nós temos de o garantir". Critérios infalsificáveis provam a Certeza. Um pensamento único esmaga a liberdade individual de consciência e acção, o próprio livre-arbítrio. São duas posições fundamentalmente colectivistas.

Desconfio que o AA nos enquadra na categoria de progressistas do tipo B. Seremos os tais que "querem construir um mundo sem aborto onde impere um único modelo ético-moral e onde não existam relativismos que perturbem uma virtude social devidamente legalizada". Mas o AA está enganado.

Enganado porque parte do pressuposto, a meu ver errado, de que a lei vigente (e que queremos manter) reflecte um modelo ético-moral único, absoluto, quando, manifestamente, não é o caso. Basta analisar essa mesma lei para verificar a sua natureza compromissória e relativa, bem expressa nas formas diferentes com que, em colisão com outros direitos ou circunstâncias, é protegido o bem jurídico que é a vida intra-uterina.
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De igual modo, o AA faz referência, com algum despeito, à circunstância de a liberdade individual ser condicionada pelo poder político. Julgo que o AA terá alguma dificuldade em encontrar um modelo alternativo ao condicionamento da liberdade individual pelo poder político livre e democrático. Parece-me antes mais útil discutir o âmbito e o grau desse condicionamento que a sua existência. E talvez noutra sede que não a de um blog sobre o aborto. Calculo que até concordaremos na grande maioria dos casos.

Mas mais preocupante é a desconsideração do outro, da vida intra-uterina, cuja existência e alteridade já é reconhecida pela lei, pela ciência e pela experiência. O AA estende a liberdade individual de agir "segundo os valores" próprios a um ponto em que esta colide inevitavelmente com os direitos desse outro que, não obstante gozar de menos direitos e de menor protecção da lei penal, não deixa de ser, de existir, por causa disso. Este pensamento, mais do que a consciência, esmaga esse ser, sem que, para o fazer, pondere sequer na existência de quaisquer razões ou direitos concorrentes.
Ao contrário da actual lei, que o não faz, este individualismo, este livre-arbítrio, é objectivamente anti-individualista porque colide sem mais com a própria existência dos indivíduos. É totalitário.

A propósito disto, lembraram-me, e bem, este excerto que transcrevo:

Recuso a omnipotência da vontade entendida como um poder absoluto e ilimitado, não necessitado de justificação e de impossível justificação. Encontramos as suas raízes próximas no iluminismo. Não no iluminismo das declarações de direitos do século XVIII mas no iluminismo pseudo-científico, matemático, mecanicista, alienante do ser humano. (...) Conducente à física social de Comte e à liberdade humana reduzida à observância das leis da natureza de Lenine. Enquanto que, no outro extremo, pensadores ingleses contemporâneos da revolução industrial isolavam o átomo humano num egocentrismo irredutível. (...)Rejeito o atomismo individualista ou colectivista que nada mais são do que justificações, particularmente eficazes, do desejo de omnipotência. Permitindo que um ser humano não veja limites à sua vontade de omnipotência sobre si mesmo e os outros (...).

Diogo Leite de Campos
A relação da pessoa consigo mesma

João Vacas

Queriam enganar o Sr. X

A pergunta que é feita no referendo - já toda a gente percebeu - é uma dupla pergunta:

1- Queremos ou não despenalizar o aborto feito até às 10 semanas (Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada nas primeiras dez semanas...);

2- Queremos ou não permitir o aborto a pedido até às 10 semanas em hospitais e clínicas (... se realizada, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado).

Imaginemos agora um hipotético referendo onde estas duas perguntas, em vez de feitas numa só, fossem feitas em separado; imaginemos também três pessoas diferentes - o Sr. A, o Sr. B e o Sr. X ...

O Sr. A (que sou eu) responderia Não a ambas - Não quer despenalizar o aborto até às 10 semanas, logo - e por maioria de razão - não quer permitir que seja feito mediante mero pedido da mulher.

O Sr. B, por seu lado, responderia Sim a ambas - não só quer despenalizar o aborto, como quer que este possa ser feito a pedido.

Já o Sr. X, que é pessoa de bom coração, responderia Sim à primeira pergunta e Não à segunda. Isto porque, se por um lado não gosta de ver as mulheres que abortam correr riscos de serem julgadas, por outro – e com maior intensidade até – não quer contribuir para que o aborto passe a poder ser feito mediante simples pedido, durante as 10 primeiras semanas de vida do feto.

Sucede que, no referendo de dia 11, o Sr. X não poderá responder às duas perguntas em separado, mas apenas a uma com as duas lá dentro. Se quiser votar Sim a uma, terá necessariamente que votar Sim à outra.

Em face disto, o Sr. X, que é generoso mas não é parvo, vai votar Não. Da maneira como a pergunta está redigida, votar Não é a única forma que encontra para evitar o mal maior. Se o Sr. X votasse Sim, estaria não só a contribuir para despenalizar a conduta “aborto”, como - não brinquemos - a validá-la e incentivá-la politicamente. O aborto, a partir do momento em que possa ser feito mediante simples pedido, tornar-se-á um acto médico como outro qualquer. Nessa medida, banalizar-se-á. Ainda para mais com o Estado a ter que garantir meios e apoios para a sua prática. O Sr. X - que é generoso mas não idiota de todo - percebe que um feto ou um embrião com menos de dez semanas não é exactamente o mesmo que uma pessoa. Mas também sabe - é isso que a inteligência lhe dita e a ciência lhe garante - que é vida humana. Logo, que se trata de um bem merecedor de tutela. Talvez não tutela penal. Mas seguramente uma tutela jurídica, que impeça que seja tratado como um apêndice passível de remoção por meras razões de conveniência. O Sr. X – pessoa de bons sentimentos - queria despenalizar as mulheres. Mas alguém se lembrou de fazer depender tal despenalização de algo que vai muito além: a liberalização completa do Aborto até às 10 semanas. E assim, perante a armadilha montada, não resta alternativa ao Sr. X senão votar Não.

BdN - APRESENTAÇÃO

É já hoje, com apresentação de Maria do Rosário Carneiro e Francisco Sarsfield Cabral
Quanto ao livro, houve alguns problemas com a distribuição do mesmo. Podem já comprar nas Almedina e, espera-se, a partir de amanhã fica também disponível nas outras livrarias.

COLUNISTAS DO SIM EM CAMPANHA

Tem sido engraçado ver o aproveitamento que diversos colunistas fazem nas colunas nos jornais que lhes pagam para escrever para se dedicarem repetidamente à campanha pelo SIM. Ainda há dias era Vítor Dias. Fernanda Câncio e Joana Amaral Dias não falam de outra coisa, no DN; Daniel Oliveira, no Expresso, não passa uma semana que não deite a sua opinião; e Vital Moreira, no Público, vem hoje com mais uma tirada sobre o assunto, expondo as suas razões.

Confesso que tive de me esforçar por ler o artigo, pois ele inicia-se com uma falácia inacreditável, fazendo antever o que seguiria. Mas esforcei-me e li. VM considera que o que está em causa no referendo é saber se o aborto, nas condições descritas na pergunta, deve deixar de ser crime. É falso. O aborto poderia deixar de ser crime e não ser livre, mas a resposta positiva à pergunta do referendo, tal como ela se encontra redigida, torna o aborto livre até às dez semanas e, portanto, é isso que está em causa.
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VM acha que o aborto não fica liberalizado porque é condição que ele seja feito em estabelecimento autorizado de saúde. Quando alguém da craveira de VM vem escudar-se neste argumento, ficam evidenciadas todas as fraquezas dos argumentos do SIM. Pois não seria certamente nos cafés ou nas esplanadas que os abortos iriam ser feitos os abortos, nem na loja do cidadão. Pretender-se que o aborto não fica liberalizado apenas porque será feito nos hospitais ou clínicas é um argumento que, seguramente, VM se esqueceu de apagar antes de mandar o artigo para o Público.

A falta de confiança que grassa por entre as hostes do SIM é ainda evidenciada pelos "remédios" propostos por VM para o SIM sair vitorioso. Ciente de que está realmente perante uma liberalização, VM propõe aos seus amigos do governo uma calçadeira para o SIM ganhar, uma operação de cosmética, uma ajudazinha que se traduziria numa promessazita, num anúncio, na propagação do propósito de se prever uma "consulta prévia", um "período de dilação da execução do aborto". Qualquer que seja o que isso queira dizer, deve ser, como existe nos outros países, uma tentativa séria de dissuadir a mulher de abortar e ajudá-la, antes, a ter o filho. Acontece que isso não consta do referendo (e, promessas socialistas, sabemos bem quem as leva...). Ora, este apelo desesperado por auxílio revela que até os do SIM perceberam que o aborto livre, tal como é proposto, foi ir longe demais e causa repulsa às pessoas.


Há preciosidades magníficas, neste artigo, é uma pena o estilo de um post não possibilitar tratar de todas. VM diz que no conflito entre a protecção da vida intra-uterina e a liberdade da mulher, aquela nem sempre deve prevalecer. "Nem sempre" é fabuloso porque o resultado (acaso ganhasse o SIM) é que a liberdade da mulher prevaleceria sempre, até às dez semanas, sobre a necessidade de proteger a vida intra-uterina. A protecção da vida intra-uterina (que, não obstante, VM entende dever existir, inclusivamente penal, sem especificar como) cede, desde logo, aos "princípios constitucionais" do "bem-estar" e "desenvolvimento da personalidade da mulher". É ou não é uma tirada de mestre? Pena é não sermos todos tolos.