"o tamanho de um pequeno rato"
Pelos jornais de hoje, graças aos serviços prestimosos do movimento Não Obrigada, soube que o coração de um bebé já bate por volta do vigésimo dia de gestação. Confesso que fiquei de olhos marejados. Em primeiro lugar, pela precocidade da criaturinha. Em segundo lugar por descobrir que o ginecologista-obstetra João Malta, presidente da Comissão Ética do Hospital das Descobertas, chama bebé a um feto de 14 gramas com o tamanho de um pequeno rato.
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CORREIO DOS LEITORES
Hipotéticas hipóteses
Mas a conversão que mais me surpreende é a de Joana Amaral Dias. Na passada 2ª feira (18/12/06), a sempre polémica Joana escreveu no DN um artigo tão moderado que parecia uma garrafa de vodka sem álcool. Começa por querer "debater a mensagem" do tal cartaz do "não" que invoca o coração do feto às dez semanas, "embora não seja esta a questão que vai a referendo". Não senhor, o que vai a referendo "é a liberdade de escolha" e por isso "voto sim, independentemente da minha convicção pessoal". Imaginem: uma bloquista que abdica das "convicções pessoais" - e logo sobre o aborto... Como se o "sim à liberdade de escolha" fosse um assunto de evidente e pacífico consenso. O Presidente Cavaco, que não deve ser santo do altar joanino, diria que duas pessoas de bem com a informação correcta chegam necessariamente às mesmas conclusões. Que Cavaco, um protofascista, diga isso, até se percebe - mas a democrática Joana...
É claro que o problema, como ela sabe muito bem, não está na "liberdade de escolha", mas no que se escolhe fazer com essa liberdade: acabar ou não com uma vida humana até às dez semanas. Por isso a Joana se dá ao trabalho de explicar muito bem explicadinho que "colocar no mesmo patamar a vida do feto e a vida da mulher é falacioso. Desde logo porque a vida da mulher é uma vida autónoma, enquanto a vida do feto é uma vida potencial. Se o leitor imaginar que há um fogo numa clínica de fertilidade e que ou salva cem balões de ensaio - cada um com um ovo humano acabado de fecundar - ou salva um bebé recém-nascido, certamente não hesitará."
Quer-me parecer que, no incêndio, um bebé recém-nascido é tão pouco autónomo (ou potencial, se preferirem) como cem ovos humanos, o que estraga um bocadinho tão brilhante raciocínio. Mas esqueçamos isso e concentremo-nos no essencial. E o essencial é que o dilema, de tão rocambolesco, se torna puramente hipotético: nunca nenhum de nós se viu ou verá, com toda a probabilidade, perante a decisão de salvar cem ovos ou um bebé. Ainda por cima em tais circunstâncias. Pelo contrário, no dia 11 de Fevereiro todos estaremos perante a opção concreta de liberalizar o aborto até às dez semanas. O que coloca literalmente nas nossas mãos o destino, não de um bebé, não de cem ovos, mas de muitos e muitos milhares de seres humanos.
O resto são sofismas. E se ao incêndio se acrescentasse uma inundação, caro leitor? Como decidiria? Esperava que a inundação apagasse o incêndio? Ou deixava os balões de ensaio a boiar enquanto retirava o recém-nascido do fogo? E se, em vez da inundação, fosse um terramoto? Ou mesmo, já que estamos a falar em catástrofes improváveis, a vitória do Sporting no campeonato?
Agora é a minha vez de dizer: não, não é isso o que vai a referendo...
A despropósito ou talvez não
João Vacas
GERAÇÃO RASCA
Coração de Basilisco (ou mais uma para o Câncioneiro)
O Ministro da Saúde e as prioridades do Governo
Refiro-me à sua afirmação de que, para além de apoiar a realização de abortos (que ninguém cientificamente honesto pode negar ser a morte deliberada de seres humanos em desenvolvimento), nos hospitais públicos, também está disposto a subsidiar o pagamento de abortos em clínicas privadas (evidentemente com o dinheiro dos nossos impostos e em época de contenção orçamental...). Aliás, a comunicação social, nomeadamente a televisão, já mostrou o interesse comercial de grupos espanhóis e ingleses em entrarem no mercado... em Portugal, face às perspectivas abertas pelo senhor ministro da Saúde. E não se pode esquecer que o aborto pode ser um grande negócio, sobretudo para pessoas com menos escrúpulos (infelizmente, algumas até licenciadas em Medicina).---
O feto tem origem no pai e na mãe e não pertence à "barriga" desta! Tem individualidade bem própria, com o seu ADN específico e diferente. Na célula (o ovócito), resultante da fusão dos 23 cromossomas de cada progenitor, já estão os genes que definirão todas as nossas características (a cor dos olhos, estatura, longevidade, etc.). E, se lhe forem dadas condições (implantação no útero), irá desenvolver-se como qualquer outra pessoa: nascer, tornar-se criança, adolescente e adulto e finalmente morrer, completando o ciclo da vida.
Seguramente o senhor ministro sabe que há listas de espera para o tratamento do cancro, nomeadamente no caso do cancro da mulher (mama, útero, etc.). Mas não se lhe ouviu dizer que iria tomar a mesma atitude nestes casos. Bem pelo contrário: sabe-se que recomendou às administrações dos hospitais que, para não excederem os orçamentos, não deveriam este ano aumentar a sua produtividade! Ou seja, não tratar mais doentes que no ano anterior! Primeiro o orçamento e o dinheiro (abortos incluídos) e depois as pessoas doentes... que esperem (mesmo que isso lhes retire perspectivas de cura)!
Hoje em dia a informação é abundante e todos sabem como surge uma gravidez. Porquê pois pagar o senhor ministro para anular as consequências de um acto voluntário e deixar de lado a doença de que as pessoas são vítimas? Quais as prioridades para ele e para o Governo?
O juramento de Hipócrates e a sua versão moderna, a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial, bem como o Código Deontológico da Ordem dos Médicos), são claros ao repudiar o aborto, fora dos casos (aliás, pouco frequentes) do aborto terapêutico (em que está em causa o dilema da escolha entre duas vidas e em que apenas uma pode ser salva).
É verdade que há (felizmente poucos) licenciados em Medicina que também são favoráveis à liberalização do aborto e a votar "sim" no futuro referendo de 11 de Fevereiro. Esses ou não fizeram no fim do curso o juramento de Hipócrates, ou já o esqueceram! Fica assim explicada a posição de um economista, que, apesar de ministro da Saúde, defende a morte dos fetos, até às dez semanas, sem outra razão que não seja a vontade da mulher.
Na verdade, só aqueles que respeitam a sua ética profissional se poderão considerar verdadeiramente médicos. E esses não deverão manter-se alheios ao referendo. Não basta que votem "não": importa que esclareçam todos aqueles com quem contactam, dando-lhes a conhecer a evidência científica e quais os valores civilizacionais em causa. Só assim cumprirão cabalmente a sua missão.
"SÓ É VENCIDO QUEM DESISTE DE LUTAR"
O CARTAZ DO SIM DA JS
Sobre um fundo azul que não se percebe, e afirmando que "A Oportunidade é Agora!", a mensagem prossegue dizendo-se "Pela Saúde. Pela Justiça. Pela Dignidade."
Bem dissecado e dividido, o cartaz podia promover o Totoloto, o Ministério da Saúde, o da Justiça, e um outro qualquer. Podia ser propaganda do Estado Novo ou do PREC. Nada no cartaz se refere concretamente ao que se discute, nada nos diz o que defende nem nada nos diz o que pretende. Um vácuo tremendo, um zero.
"DEIXAR O BEBÉ MOSTRAR-SE"
O NÚCLEO DAS DIVERGÊNCIAS
O que vem a ser isso de se marcar uma data que abre ou fecha o direito de matar livremente?
O número de semanas a partir do qual se abrem as portas ao aborto, varia de lei para lei, de circunstância para circunstância, de país para país. Nem podia deixar de variar porque essa decisão se fundamenta na mais completa arbitrariedade. Porquê 10, 12 ou 14 ou outro número de semanas? Há alguma peça, algum transplante, alguma bobine que se introduza no embrião e lhe confira qualquer qualidade que ele já não possua desde o início?
Fala-se de células nervosas que surgem em determinado momento. Porquê as células nervosas? Porventura o novo ser poderia viver sem coração ou sem pulmões? E as células nervosas quem as coloca no sítio onde são precisas? Não provêem de outras que já lá estavam?
A ciência não tem nada a ver com estas questões manobradas ao sabor dos momentos e dos propósitos.
O que caracteriza um ser humano, o que lhe define a identidade, o que o torna um ser irrepetível é a individualidade do seu genoma. Ora o genoma, que é o somatório de todos os genes armazenados nos cromossomas, constitui-se logo que há fusão dos dois gâmetas. Cada um dos gâmetas só possui metade do material genético necessário para a organização de um novo ser. É por isso que um gâmeta não serve para nada a não ser para se fundir com o outro. Se vier a ter essa oportunidade então, sim, constitui-se uma nova célula com todas as potencialidades, isto é, forma-se um novo genoma, um novo ser. A partir desse momento único não é necessário mais nada nem a intervenção de ninguém, para que o novo ser humano venha a ser uma pessoa como cada um de nós. É isto que a ciência diz e que de cada vez mais de perto revela.
É este o núcleo das divergências entre os defensores do Sim e os defensores do Não. Os defensores do Sim argumentam que a vida só começa tardiamente num momento que ninguém sabe qual é - para uns é ao fim de 10, para outros de 12, para outros de 14 semanas., etc – um tempo arbitrariamente fixado. Os defensores do Não apoiados naquilo que a ciência demonstra consideram que o novo ser humano existe desde a concepção.
No resto, parecendo que há acordo, também não há!
Os defensores do Sim dizem que também são contra o aborto, mas advogam medidas que o facilitam e incrementam. Os defensores do Não são contra o aborto e defendem a adopção de medidas de protecção às grávidas, desaconselhando o aborto.
Os defensores do Não são contra o aborto, não são contra a pessoa que aborta e, por isso, não querem que quem aborta seja incriminada, mas também não querem que seja aplaudida. Como somos a favor de todos os seres vivos humanos, temos compreensão para com quem aborta, mas não esquecemos o bebé que é morto.
Pensando nos dois seres, mãe e filho, vamos votar Não.
O CARTAZ DO SIM DO PCP
O mais incauto dos destinatários da mensagem pode ser levado a interessar-se pelo cartaz e respectivo recado. "É urgente mudar a lei", é urgente ser firme e determinado com aquele tipo de gente que, aproveitando-se da fragilidade das pessoas, explora estabelecimentos de prática de aborto clandestino em condições miseráveis e colocando em risco a saúde das pessoas, para já não falar das outras consequências. Deve-se investigar, encontrar e sancionar este grupo de exploradores das desgraças dos outros. SIM.
Mas não é isso que o PCP quer apregoar. O que o PCP nos quer dizer é que mudando a chamada lei do aborto e tornando-o livre se acabaria com o aborto clandestino, o que é uma falácia em que ninguém acredita. Na verdade, o aborto clandestino continuará a existir, sendo feito e explorado comercialmente por esse grupo de "profissionais" pelas mais variadas e diferentes razões: seja porque já foram ultrapassadas as dez semanas, seja porque as pessoas podem não querer fazer os abortos "às claras", em estabelecimentos devidamente autorizados. Com efeito, numa coisa parecemos estar todos de acordo (uns por convicção e outros por outro motivo qualquer): o aborto é uma coisa "má" e "terrível", não devia ser feito (ou, para uns, devia ser a última opção), não é uma coisa boa e não dignifica ninguém pelo que muitas pessoas continuarão a preferir o secretismo do aborto clandestino. Por outras palavras, mudando-se a lei, o aborto clandestino continuará a existir. Assim sendo, e na sequência das qualificações que os do SIM atribuem aos cartazes do NÃO, o cartaz do PCP é, ele também, desonesto e desprovido de seriedade.
Ser Coerente
Não me cabe discutir questões médicas ou científicas para as quais não tenho conhecimentos. Acredito que existe vida, baseada em convicções pessoais que poderão ser contestadas, sem dúvida. Mas afirmo que, se não é possível chegar a consenso relativamente a um critério científico para o início da vida, não me cabe ajudar a fixá-lo legalmente. Na dúvida científica sobre a existência de vida, é legítimo que um ser humano possa descartar a questão e consagrar um direito de escolha como superior ao direito à vida?
Como em tudo na vida, é necessário ser coerente. A nossa civilização de homens livres é baseada em vários princípios fundamentais, entre os quais avulta o direito à vida.
Pergunta-se: quantos defensores do Sim são a favor da pena de morte? O princípio base em cada uma destas duas questões é o mesmo. Vida é vida, independentemente da sua forma. E, quando não existem certezas, opta-se por um critério de prudência e não se condena definitivamente à não existência.
Quando da condenação à morte de Saddam Hussein surgiram vozes insuspeitas (leia-se, sem ligação à Igreja Católica e aos tradicionais sectores da sociedade apoiantes do Não) defendendo o valor basilar da nossa civilização: a vida. Fazendo o paralelo entre as duas situações, ao defender o direito à vida e, nessa medida, não concordar com a pena de morte, não é possível defender o direito ao aborto livre. Saddam Hussein tem direito à vida? Sim. Um embrião humano, pessoa em potência, tem direito à vida? Sim.
Quando não existe certeza sobre a culpa de alguém, condena-se de todo? É preciso lembrar que, mesmo depois das condenações, uma percentagem dos condenados à morte acaba por ser liberta porque, afinal, é possível que algumas decisões sejam erradas. Depois de executar este tipo de decisões, não é possível voltar atrás... Por isso mesmo, não se pode tomar como sendo segura a existência de certezas onde afinal não as há.
Na dúvida científica relativamente ao delimitar do início da vida humana, consideramos que esta não existe antes das 10 semanas?
Não é necessário que os defensores do Sim cheguem a acreditar que existe vida desde a concepção. No entanto, não sendo possível obter um consenso científico quanto ao início da vida, podem os defensores do Sim ser coerentes liberalizando a interrupção voluntária da gravidez, sem considerar esta legítima questão?
Obrigada ao (insuspeito) Diogo pela chamada de atenção!
Uma cultura de responsabilidade
O mundo está longe do ideal e do perfeito. Sobre isso ninguém tem dúvidas. Mas são estas perguntas, como a do referendo, que interpelam o mais profundo de nós próprios e obrigam a colocar a inevitável questão sobre que mundo queremos.
2. Quando ouvimos os partidários do “sim”, percebemos que, excluídas porventura algumas posições mais extremadas do tipo “na minha barriga mando eu”, todos, votantes do “sim” e do “não”, desejamos um mundo em que não seja necessário recorrer ao aborto. O “sim”, aliás, tem insistido bastante nessa tecla.
Sempre existiu o aborto, seguramente que sempre existirá. A principal diferença parece residir, portanto, na maneira como se olha uma realidade aparentemente inevitável e nos meios que se consideram mais eficazes para alcançar a finalidade de eliminar ou reduzir drasticamente o aborto. O “não” e o “sim” dividem-se, pois, quanto à maneira como a sociedade deve tratar essa realidade.
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Para o “não”, o centro do problema está no respeito incondicional da dignidade da vida humana: da vida do embrião, que tem o direito ao desenvolvimento e à vida, e da vida da mulher, que tem o direito exigir do Estado e da sociedade condições para poder verdadeiramente optar pela vida, pois não há escolha livre quando não há alternativa. O “não” não quer mulheres na prisão, mas entende que para a defesa da vida humana é essencial a valoração penal e que o direito tem as válvulas de segurança necessárias para evitar condenações injustas.
Para o “sim”, é evidente que o sistema falhou, há uma lei penal que pouco é aplicada (e quanto o é resulta numa humilhação das mulheres), o aborto clandestino é uma realidade apenas escondida de quem não quer ver, que se traduz numa imensa desigualdade social, remetendo as mulheres mais desfavorecidas para soluções gravemente atentatórias da sua saúde. Para o “sim”, o aborto é sinal de progresso, de modernidade, de oportunidade (tardia) de apanhar a carruagem dos países mais avançados. Votar “sim” é proteger as mulheres, sobretudo as mais carenciadas, promovendo a igualdade social. Votar “não” será não querer ver a realidade, recusar o progresso, desrespeitar as mulheres.
3. Há dezenas de razões para votar “não”. Quase todas são válidas. De todas essas razões saliento uma: o respeito pelo princípio da responsabilidade enquanto estruturante de uma sociedade verdadeiramente livre.
Neste momento, a maneira mais fácil de o Estado se desresponsabilizar do problema do aborto é liberalizá-lo (chamem-lhe regular e não liberalizar, mas na verdade, uma actuação que era contrária ao direito passará a ser conforme a ele e sempre estou para perceber se alguém vai mandar para a cadeira uma mulher que, por razões diversas, opte por fazer um aborto na clandestinidade…).
É mais prático e mais barato dar condições, leia-se, pagar, para as mulheres abortarem do que dar uma verdadeira opção de vida a essas mulheres. Dar uma verdadeira opção de vida implica educar e auxiliar quando é preciso. O “sim” desresponsabiliza ainda mais um Estado que pouco tem feito. Mas não só o Estado é desresponsabilizado, a própria sociedade civil, que tem tantas ou mais responsabilidades (é ela que tem rosto, diariamente, junto das mulheres que estão numa situação dramática) também no “sim” encontra algum alívio para uma certa má consciência colectiva. Já não será preciso fingir que não se vê: o incidente, o percalço, é rapidamente erradicado de uma sociedade pouco solidária. O Estado não promove a solidariedade e a sociedade, já de si tendencialmente egoísta e “umbiguista”, está comodamente legitimada na sua frieza e distanciamento. Nesta matéria, como aliás em tantas outras, o Estado e a sociedade civil preferem “lavar as mãos”.
O “não” assenta numa ideia de responsabilidade. A todos os níveis. Não desiste de considerar a tutela penal como o meio adequado para proteger a vida humana (compreende-se mal um sistema em que o furto, a burla ou a condução sob o efeito de álcool sejam crime e um atentado directo à vida humana o não seja) e por isso pressiona o Estado a não desistir de promover o respeito por essa vida humana. A tutela penal traduz um sistema de valores, que deve ter coerência, sob pena de se tornar irracional e incompreensível. O “não” acredita que é possível ao Estado – e à sociedade civil – fazer melhor. É possível informar melhor, educar melhor, ajudar mais. Por isso o não responsabiliza também a sociedade civil, para quem conviver com uma tutela penal deve ser um ensejo para uma desacomodação e um estímulo para um apoio solidário (o que bem se viu em Portugal de 1998 para cá com a multiplicação de instituições de ajuda à maternidade). Mas individualmente também é preciso dizer inequivocamente que todos temos de ser responsáveis pelos nossos actos, desde que praticados livre e esclarecidamente. Por isso a maior preocupação deve estar na prevenção de gravidezes indesejadas. É crucial educar as pessoas para serem responsáveis a todos os níveis da sua vida e não passar um atestado de menoridade no que toca à vida sexual de cada um. Dar liberdade implica dar responsabilidade. Se me perguntarem se quero ver aplicada uma pena (não necessariamente de prisão), eu diria que, em casos limite, como é o do aborto praticado sistematicamente como meio de contracepção, por alguém perfeitamente informada e esclarecida, sim, acho que deve ser aplicada uma sanção penal.
4. O homem vive de ideais, a sociedade vive de ideias, mal dele quando deixar de viver procurando concretizar esse ideal. Significará que o homem desistiu de ver mais longe e sucumbiu às dificuldades. Acredito que um dia, quando gerações futuras olharem para trás vão compreender com facilidade que a liberalização do aborto, onde ocorreu, foi, historicamente, um desvio no percurso civilizacional da luta pela promoção da dignidade do homem. Acredito que Portugal está a tempo de tirar vantagem de discutir este problema, outra vez, trinta anos depois de outros países e por isso aprender a ver mais à frente. Liberalizar o aborto até às 9, 10, 11 ou 16 semanas é assumir, colectivamente, uma desresponsabilização por um problema que tem outras vias de resolução. Vias menos fáceis, mais morosas, mas solidamente assentes na convicção de que é possível fazer melhor e na certeza de que o mundo tem muitos tons de cinzento, que o direito deve compreender, sem no entanto perder a sua valoração essencial.
Revista de Imprensa
Ann Furedi, the chief executive of the British Pregnancy Advisory Service (BPAS), said one women in five was now childless at the age of 45 and an increasing number were making the choice not to have children at all.Ms Furedi said there had been a shift in public opinion about parenthood.
The stigma of abortion had diminished but there was now concern about being a poor parent. "Parenting is considered to be very important and is taken seriously these days," she said.
"The idea of just drifting into unplanned motherhood is seen not to be a good thing and you could argue that among many groups of people in society abortion is seen as a more responsible response to being a victim of uncontrolled fertility," she said.
Ora, votar SIM para a sua vitória acaba com a humilhação a que se referem? Não. Aquele ou aquela que praticar ou efectuar abortos após as dez semanas terá na mesma de arcar com as consequências legais. De onde devemos concluir que a seriedade e honestidade não são qualidades do cartaz do SIM promovido pelo Bloco de Esquerda.
Vem agora Joana Amaral Dias, também no DN, insurgir-se por causa do mesmo cartaz (felicito quem o idealizou, assim se vê que está mesmo bom).
Joana Amaral Dias diz que pretende discutir o assunto de forma séria (sugerindo que os outros não o fazem) e, depois de umas quantas considerações completamente descabidas, conclui ufana que o que vai a referendo não é o começo da vida. Pois não, Joana: é o fim. E a pedido.
A imprensa em campanha
UMA CULTURA DE MORTE
"A atracção pela morte é um dos sinais da decadência.
Portugal deveria estar, neste momento, a discutir o quê?
Seguramente, o modo de combater o envelhecimento da população.
Um país velho é um país mais doente.
Um país mais pessimista.
Um país menos alegre.
Um país menos produtivo.
Um país menos viável – porque aquilo que paga as pensões dos idosos são os impostos dos que trabalham.
Era esta, portanto, uma das questões que Portugal deveria estar a debater.
E a tentar resolver. Como?
Obviamente, promovendo os nascimentos.
Facilitando a vida às mães solteiras e às mães separadas.
Incentivando as empresas a apoiar as empregadas com filhos, concedendo facilidades e criando infantários.
Estabelecendo condições especiais para as famílias numerosas.
Difundindo a ideia de que o país precisa de crianças – e que as crianças são uma fonte de alegria, energia e optimismo.
Um sinal de saúde.
Em lugar disto, porém, discute-se o aborto.
Discutem-se os casamentos de homossexuais (por natureza estéreis).
Debate-se a eutanásia.
Promove-se uma cultura da morte.
Dir-se-á, no caso do aborto, que está apenas em causa a rejeição dos julgamentos e das condenações de mulheres pela prática do aborto – e a possibilidade de as que querem abortar o poderem fazer em boas condições, em clínicas do Estado.
Só por hipocrisia se pode colocar a questão assim.
Todos já perceberam que o que está em causa é uma campanha.
O que está em curso é uma desculpabilização do aborto, para não dizer uma promoção do aborto.
Tal como há uma parada do ‘orgulho gay’, os militantes pró-aborto defendem o orgulho em abortar.
Quem já não viu mulheres exibindo triunfalmente t-shirts com a frase «Eu abortei»?
Ora, dêem-se as voltas que se derem, toda a gente concorda numa coisa: o aborto, mesmo praticado em clínicas de luxo, é uma coisa má.
Que deixa traumas para toda a vida.
E que, sendo assim, deve ser evitada a todo o custo.
A posição do Estado não pode ser, pois, a de desculpabilizar e facilitar o aborto – tem de ser a oposta.
Não pode ser a de transmitir a ideia de que um aborto é uma coisa sem importância, que se pode fazer quase sem pensar – tem de ser a oposta.
O Estado não deve passar à sociedade a ideia de que se pode abortar à vontade, porque é mais fácil, mais cómodo e deixou de ser crime.
Levada pela ilusão de que a vulgarização do aborto é o futuro, e que a sua defesa corresponde a uma posição de esquerda, muita gente encara o tema com ligeireza e deixa-se ir na corrente.
Mas eu pergunto: será que a esquerda quer ficar associada a uma cultura da morte?
Será que a esquerda, ao defender o aborto, a adopção por homossexuais, a liberalização das drogas, a eutanásia, quer ficar ligada ao lado mais obscuro da vida?
No ponto em que o mundo ocidental e o país se encontram, com a população a envelhecer de ano para ano e o pessimismo a ganhar terreno, não seria mais normal que a esquerda se batesse pela vida, pelo apoio aos nascimentos e às mulheres sozinhas com filhos, pelo rejuvenescimento da sociedade, pelo optimismo, pela crença no futuro?
Não seria mais normal que a esquerda, em lugar de ajudar as mulheres e os casais que querem abortar, incentivasse aqueles que têm a coragem de decidir ter filhos?"
Depois das ameaças aos médicos, agora chegou a vez das clínicas privadas
No Expresso de hoje, atribui-se grande destaque à recusa de "cinco grandes clínicas" privadas com serviços de obstetrícia recusarem a possibilidade de oferecerem a realização de abortos às suas clientes, no caso do "Sim" vencer o referendo de Fevereiro próximo. O Ministro da Saúde, Correia de Campos, já veio afirmar que a "lei terá de ser respeitada por todos". Das duas uma, ou o senhor Ministro decidiu abrir a boca para afirmar algo que não necessita de ser afirmado, o que não seria de estranhar num governo tão dado à irrelevância (e a abertura das bocas dos seus membros), ou a sua intenção não era meramente a de constatar o óbvio, mas sim a de avisar as ditas clínicas de que, quer queiram quer não, terão de prestar esse serviço a quem o vier procurar.
Não é para nos gabarmos, mas...
Gato escondido com rabo de fora
"46, 1% das mulheres que recorreram ao aborto admitem que engravidaram quando não estavam a usar qualquer tipo de contraceptivo" (via Arrastão).
Ou seja, quase metade das inquiridas usaram o aborto como um método anticonceptivo.
Estranhamente, a APF, que classificou este estudo como um contributo para a despenalização do aborto em Portugal (Público, 15/12/06), considera o facto um bom argumento para liberalizar o aborto. Ou não o teria publicado.
Segue-se, naturalmente, uma pergunta: a APF vê o aborto como um método anticonceptivo?
E é por isso que o quer liberalizar?
NOVA SONDAGEM
BRITO CAMACHO E O ABORTO
Encontrando-me eu à procura de elementos para um trabalho sobre os últimos dias da monarquia em Portugal, topei com esta passagem de Brito Camacho, escrita em Paris, a qual me parece de algum interesse para a instrução da nossa boa rapaziada da esquerda Chanel e caviar e de seus «compagnons de route» da direita liberal. Como serão certamente poucos os que conhecem a gesta do autor da referida passagem, direi, para abreviar razões, que era um espécime republicano (do Partido Unionista) e jacobino, saudoso admirador dos assassinos de D. Carlos (em particular do «redentor» Buíça) e ministro do Fomento do mesmo governo que teve Afonso Costa a sobraçar a pasta da Justiça, tudo atributos mais do que suficientes para colher as simpatias dos defensores do «Sim» ao próximo referendo sobre a IVG. O livro donde extractei o que a abaixo se verá intitula-se Por ahi fóra: notas de viagem, escrito provavelmente entre 1908 e 1910, mas só publicado em 1916 pela Guimarães & C.ª Boa leitura camaradas, a quem peço desde já que, depois, não passem a odiar os vossos ilustres antepassados políticos.
[...]
Será um crime não fazer filhos?
Por certo não é um crime jurídico, previsto e classificado nos codigos. Mas diz muita gente que é um crime social, o mais grave de todos os crimes d'essa especie, porque attenta contra a existencia da sociedade.
Simplesmente....
Os ricos não querem filhos para não fragmentarem a sua fortuna, e os pobres tambem os não querem, para não augmentarem a sua miseria. O resultado é conservar-se quasi estacionaria a população franceza, ao passo que na Allemanha a população cresce d'uma forma espantosa. E o facto preoccupa tanto os patriotas da França, que já ahi se formou uma liga para promover o augmento da população. Jaurès ainda não propoz a socialização d'essa industria, mas não deixará de o fazer na primeira opportunidade que se offereça, dentro ou fóra do parlamento.
A extincção da raça!
A patria franceza comporta maravilhosamente os quarenta milhões que hoje conta, e talvez ganhe mais em melhorar-lhes a qualidade que em accrescer-lhes o numero. Por cada unidade sadia e forte pode muito bem fazer-se o sacrificio d'umas poucas de unidades fracas ou rachiticas, insufficientemente dotadas para as batalhas da vida.
Poucos mas bons – tal deveria ser a divisa inscripta por cima de todos os thalamos conjugaes, em caracteres bem visiveis.
O que é repugnante, no modo como a França procura resolver o seu problema demographico, é o nenhum respeito que aqui ha pela vida da creança, que nasce, tendo conseguido escapar a um horror de praticas malthusianas. Ha medicos em Paris que só vivem de provocar abortos, e umas mulhersinhas, a quem chamam laveuses, tiram d'essa miseravel industria os maiores proventos. Os apaches chegam a parecer umas creaturas angelicas em comparação d'esses matadores de creanças, a categoria mais repugnante de criminosos que o sol allumia.
Os abortadores!
Ainda outro dia, em Cambrai, foi entregue á justiça um tal Bauchez, faiseur d'anges, que, pela modica quantia de 30 francos, se encarregava de matar creanças ainda no ventre materno, ou mal vinham a este mundo. Averiguou-se que esse malandrim, já velho quasi de setenta annos, desde o inicio da sua carreira até agora, conseguiu metter no céu o melhor de cincoenta mil creanças!
Ab uno disce omnes...
[...]
Opção de Adopção
Então porque não entregar a criança para adopção? Se todos, adeptos do não e do sim, concordamos que o aborto é sempre uma experiência difícil, que razões podem haver para abortar em vez de entregar a criança a uma família que está ansiosa por recebê-la?
A mãe evita ficar com a criança uma vez que considera não ter condições para a criar, a criança ganha o direito à vida num lar adequado, os pais adoptivos veêm o seu desejo satisfeito e o país também beneficia. Devia ser uma decisão fácil.
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Podia até usar-se a fraca desculpa que o processo de adopção é complicado em Portugal e que as crianças ficam anos à espera para serem adoptadas. Acontece que nem isso é verdade. Desde que a nova legislação entrou em vigor, em 2003, que o processo de adopção é muito mais expedito. Conheço pessoalmente vários casos de pessoas que adoptaram crianças nos últimos anos e cujo processo foi bastante eficaz. Aliás, já desde 2004 que as listas de espera para avaliar candidatos foram praticamente eliminadas, como confirmado pelo Relatório da Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção.. As crianças que esperam muito tempo nas instituições são as portadoras de deficiências (caso em que já hoje, concorde-se ou não, poderá ser permitido o aborto) e as crianças cujos pais ainda não autorizaram a adopção. De resto existe uma enorme desproporção entre a procura (muitos candidatos) e o número de crianças em condições de ser adoptadas, como confirmado pela responsável pela área social do Instituto de Segurança Social, Maria Joaquina Madeira. Isto é especialmente verdade para crianças recém-nascidas.