ABORTO CLANDESTINO - AINDA CRIME
A pergunta a que estamos condenados a ter de responder é esta:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
Parece claro que a intenção não é, tão somente, despenalizar o aborto (IVG é sofisma!) se realizado nas primeiras 10 semanas, pois não? Apenas se, nesse prazo arbitrário, o aborto for realizado em estabelecimento de saúde legalmente autorizado... estou a ler bem não estou?
Então, se ganhar o "sim", o aborto clandestino (que, como nos lembra o Jorge Ferreira no post aqui imediatamente em baixo, citando José Sócrates, continuará a existir) não vai ser despenalizado, ainda que seja realizado nas primeiras 10 semanas... pois é ... vai continuar a ser crime, parece-me...
Palpita-me que isto deve estar, por exigência das clínicas espanholas, no "contrato promessa de investimento" que celebraram com o Governo. Quem defenderá essa classe em vias de extinção que são as parteiras clandestinas?
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?
Parece claro que a intenção não é, tão somente, despenalizar o aborto (IVG é sofisma!) se realizado nas primeiras 10 semanas, pois não? Apenas se, nesse prazo arbitrário, o aborto for realizado em estabelecimento de saúde legalmente autorizado... estou a ler bem não estou?
Então, se ganhar o "sim", o aborto clandestino (que, como nos lembra o Jorge Ferreira no post aqui imediatamente em baixo, citando José Sócrates, continuará a existir) não vai ser despenalizado, ainda que seja realizado nas primeiras 10 semanas... pois é ... vai continuar a ser crime, parece-me...
Palpita-me que isto deve estar, por exigência das clínicas espanholas, no "contrato promessa de investimento" que celebraram com o Governo. Quem defenderá essa classe em vias de extinção que são as parteiras clandestinas?
Ai, a iliteracia .... será que medra?
Se a Edite Estrela, que ao que me repetem é Professora de Português, não percebeu a pergunta do Referendo, será que os Conselheiros do Tribunal Constitucional entenderão?
Uma Unha do Pé
é ao que fazem equivaler o feto todos os defensores do «direito da mulher a dispor do seu corpo». Isto é lógica enxuta. O resto é conversa.
COMENTÁRIOS QUE MERECEM UM POST
No caixa de comentários deste post, em que se questionava o Adolfo Mesquita Nunes, encontrei um comentário que não posso deixar de publicar:
"Caro Adolfo, dois ou três pontos, centrando-me na vertente jurídica do problema:
a) o que nos separa é o entendimento sobre o que é o direito. O Adolfo pretende erigir um sistema jurídico axiologicamente neutro. Eu dir-lhe-ia que isso é uma utopia positivista que, aliás, gerou grandes malefícios.
b) E não diga que é necessário recorrer ao direito natural para fundamentar um sistema de direito com uma intencionalidade material clara. Várias foram as experiências de superação do jusnaturalismo que combateram em simultâneo o positivismo.
c) choca-me, confesso, que ainda hoje se afirme que o direito pode ser mudado a bel-prazer do legislador. Não o pode, de facto. Há leis injustas e contra elas podemos lutar, não só num plano ideal, mas concretamente, denegando, enquanto juristas decidentes (vulgo juízes), a sua aplicação porque contrárias ao princípio normativo do direito enquanto direito. O direito não é uma pura forma ordenadora das condutas sociais. Tem, antes, uma intenção de validade, que se actualiza em cada decidir concreto. É, na célebre expressão, um dever ser que é.
d) Esse dever ser que é assenta numa ideia de dignidade da pessoa humana (aliás, pórtico de entrada da CRP). E é esta que nos permite, a partir do momento em que se recusa a ideia de um sistema fechado, a determinação da relevância jurídica de um problema.
e) São três as notas potenciadoras da emergência do direito (aquelas tais que nos permitem reconhecer um problema como um problema jurídico): a condição antropológica do ser humano, o surgimento de um conflito entre sujeitos e o apelo à ideia de dignidade da pessoa humana.
f) Parece-me, portanto, difícil não enquadrar o problema do aborto entre os problemas jurídicos.
g) Remetê-lo para o plano moral é não reconhecer a nota de alteridade que o integra. Ou seja, é
não reconhecer no embrião outro ser, portador de direitos (ou seja, é negar parte da regulamentação civilística que, ainda sem o reconhecimento da personalidade jurídica, confere direitos aos nascituros).
h) Chegados ao ponto em que é inegável que o direito tem uma palavra a dizer no sentido da tutela do embrião, pergunto-lhe: como garantir essa tutela a não ser pelo direito penal? Conhece outro meio? Eu não…
i) Não diga sequer que não acha justo uma mulher ser presa pela prática do aborto. Dizer isso é assumir que o juiz é um mero sujeito passivo, a boca que profere as palavras da lei. Ora, o juiz tem, no julgamento dos casos penalmente relevantes, um importantíssimo papel. Ele vai olhar para o caso e extrair dele todas as circunstâncias decisivas para proferir uma decisão materialmente justa e normativamente adequada. Não acha diferente uma mulher praticar um aborto em estado de desespero, atenuante da sua culpa, ou praticar vinte abortos porque lhe apetece (e o que não tem faltado são reportagens denotadoras da leviandade que povoa estas mentes)? Eu acho. Tal e qual como é diferente o caso do senhor que furta para alimentar o filho ou furta porque lhe apetece. A pena concretamente determinada será diferente.
j) E quanto a penas… Não tente argumentar falaciosamente. Deve saber perfeitamente por que razão a moldura penal abstractamente prevista para o crime de aborto é diferente da moldura penal abstractamente prevista para o crime de homicídio. É que na definição destas intervêm não apenas considerações respeitantes ao valor dos bens jurídicos protegidos pela disposição penal mas, outrossim, ponderações respeitantes à prevenção geral e especial, actuando a culpa dentro dos limites por estas balizados."
Mafalda
PREVENÇÃO
Recebi o texto que abaixo transcrevo de uma amiga que trabalha há já alguns anos em Planeamento Familiar.
"A directora da clínica dos Arcos, Yolanda Hernandez, em entrevista à TSF, no passado dia 30 de Outubro, informou-nos de que 62% das mulheres portuguesas que recorrem aos serviços da clínica nunca foi a uma consulta de Planeamento Familiar.
Sempre ouvimos dizer que prevenir é o melhor remédio…
O que se faz para que estas mulheres (e os respectivos homens!) tenham direito a pensar sobre o seu Projecto de Vida?
Assistimos a significativos progressos no âmbito da promoção e educação para a saúde nas escolas, focando a dimensão biológica e dando ênfase à dimensão afectiva e ao projecto de vida de cada um. Houve envolvimento de toda a comunidade educativa, com liberdade de escolha na abordagem (Associação para o Planeamento da Família, Movimento de Defesa da Vida e Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida).
Todo o investimento dos últimos anos está agora a ser ignorado (não há verbas). As escolas foram deixadas a si e aos Centros de Saúde (sem verbas).
Muitos formadores investiram na Formação Específica e vêem-se confrontados com o facto de não poderem encetar o trabalho neste novo ano lectivo (não há verbas). Continuam os estudos e mais estudos (com que verbas?).
Não há Educação Sexual, não há Planeamento Familiar, não há Projecto de Vida.
Este ano os protocolos de colaboração entre o Ministério de Educação e as ONG’s não foram renovados.
Prevenir já não é o melhor remédio?"
Sempre ouvimos dizer que prevenir é o melhor remédio…
O que se faz para que estas mulheres (e os respectivos homens!) tenham direito a pensar sobre o seu Projecto de Vida?
Assistimos a significativos progressos no âmbito da promoção e educação para a saúde nas escolas, focando a dimensão biológica e dando ênfase à dimensão afectiva e ao projecto de vida de cada um. Houve envolvimento de toda a comunidade educativa, com liberdade de escolha na abordagem (Associação para o Planeamento da Família, Movimento de Defesa da Vida e Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida).
Todo o investimento dos últimos anos está agora a ser ignorado (não há verbas). As escolas foram deixadas a si e aos Centros de Saúde (sem verbas).
Muitos formadores investiram na Formação Específica e vêem-se confrontados com o facto de não poderem encetar o trabalho neste novo ano lectivo (não há verbas). Continuam os estudos e mais estudos (com que verbas?).
Não há Educação Sexual, não há Planeamento Familiar, não há Projecto de Vida.
Este ano os protocolos de colaboração entre o Ministério de Educação e as ONG’s não foram renovados.
Prevenir já não é o melhor remédio?"
Inês Poeiras
Fractura Exposta
Percebo que direita e esquerda se digladiem sobre a posse dos meios de produção. Não pela definição de vida humana e da sua protecção.
Não percebo que a esquerda, geneticamente obcecada em controlar um mundo esvaziado de transcendência, se arrogue também o direito de decidir sobre a vida de outro Homem. Só o fará enquanto, ignorante, não quiser perceber que é de outro Homem que se trata. Como não falta muito para que entre pelos olhinhos das massas votantes que um feto é uma vida é uma vida é uma vida, das duas uma: ou a esquerda vai passar a aprovar a eugenia por doença, controle de população, ou apuramento genético, ou vai mudar de posição e voltar a afirmar que aborto é um crime igual ao infanticídio e ao homicídio.
Não percebo, por outro lado, que uma direita que defende intransigentemente o direito à vida não faça o suficiente para a defender. Será suficiente o apoio que tem sido dado às instituições de apoio a mães? Tem-se feito o suficiente por uma educação sexual digna do nome? É muito bonito dizer que isso compete à família - estou absolutamente de acordo - mas, enquanto os governos de esquerda ensinam na escola que o aborto é uma solução, ou a homossexualidade uma opção natural, as nossas famílias estão preparadas para uma sociedade em que, num dia, a virgindade da Britney Spears é dada como exemplo pelo Vaticano, e no dia seguinte a moça dá chochos com a Madonna, em palco?
A esquerda vai deixar, mais cedo ou mais tarde, de poder defender as suas teorias sobre o feto.
A direita, pelo contrário, vai ter de aplicar as suas.
Juntem-se, e façam pela vida.
ABORTO E CONTRACEPÇÃO
Em 2004 foi realizado, pela ONU, um estudo intitulado “The new demographic regime - Population Challenges and Policy Responses”, que contém um capítulo sobre “Reproductive health in transition countries of Europe”. Estes países são os que vulgarmente conhecemos como Europa de Leste, países satélites da ex-URSS até início da década de 90.
A lei sobre o aborto era diferente na maioria destes países mas registou uma evolução muito similar: da total liberalização no pós 2ª Guerra Mundial evoluíram, no início dos anos 90, para situações de aborto sem restrições até às 12-14 semanas e, depois deste período, por razões de saúde e em certas condições económico-sociais.
A taxa de abortos legais reduziu-se drasticamente, entre 40% na Hungria e 80% na Croácia e na Roménia (fonte: eurostat, 1991-2004). Naturalmente, não se pode fazer uma análise directa destes números sem considerar também o mais que provável aumento dos abortos ilegais, por um lado, e, por outro, o acesso a métodos modernos/mais eficazes de contracepção.
Mas o estudo aborda também a relação entre a contracepção e o aborto, concluindo que a mudança para a contracepção moderna por parte das mulheres que usam contracepção tradicional (15% em média) e que não usam qualquer contracepção (9% em média) reduziria o aborto, em média, em 57%.
Mesmo abstraindo-nos da grandeza dos números, torna-se evidente que a aposta na informação e disponibilização de contracepção tem um impacto directo na redução do aborto.
A experiência destes países mostra que este caminho tem sucesso na diminuição do aborto. É isto que todos queremos, não é? Ou há quem queira apenas transferir os abortos para as clínicas privadas legalmente estabelecidas...?
Mitos abortistas
Nas caixas de comentários aqui do blogue, em jornais e noutros locais têm sido repetidos números, invariavelmente diferentes, acerca dos abortos clandestinos e das mulheres que recorrem aos hospitais com complicações resultantes de abortos.
Porque esse números têm sido utilizados pelos defensores do SIM como arma de arremesso, importa desmistificar alguns desses dados.
Começo pelo número de mulheres assisitidas em hospitais em resultado de abortos clandestinos. O Ministro da Saúde, fervoroso adepto da liberalização do aborto até às 10 semanas, socorrendo-se dos números fornecidos pelo SNS, disse em Outubro deste ano que em 2004 recorreram aos hospitais cerca de 1.500 mulheres com complicações decorrentes da prática do aborto clandestino. Não referiu a existência de qualquer morte. Peço-vos que fixem estes números e os contraponham a quem insiste em referir as 4 ou 5 mil mulheres com complicações pós-aborto clandestino ou as diversas mortes que o mesmo provoca (a este propósito referi aqui um panfleto do BE que repete as mentiras do costume).
Actualização: nas televisões e em alguma imprensa escrita foi referido que em 2005 terão sido tratadas 72 mulheres com complicações derivadas de abortos ilegais.
Clínica dos Arcos ameaça...
DÚVIDA (admito que possa ser bastante estúpida!)
Por obséquio, solicito que me confirmem se a seguinte afirmação está correcta:
Caso o SIM obtenha maioria no próximo referendo, num dia como o de hoje, com greve geral da função pública, em que algumas cirurgias não prioritárias (para tratamento de patologias como cataratas, hérnias, visicula, etc.) foram adiadas sine die, os abortos serão realizados na mesma, uma vez que farão parte da tal lista de cirurgias prioritárias.
O NEGÓCIO!
Cá está ele, em todo o seu esplendor: o negócio das clínicas privadas em Espanha. Mais evidente, só mesmo se as ditas clínicas desvendarem as suas contas.
(para os nossos leitores, suponho não ser necessário relembrar a lei vigente em Espanha, nem traduzir para português).
“There are no public clinics that offer family planning and abortion services; as a result, most abortions in Spain are performed in private clinics. In 1988, an estimated 94 per cent of all abortions were carried out in private clinics. Approximately 85 per cent of the abortions performed in private clinics are performed on the grounds of averting severe danger to the woman’s physical or mental health (especially mental health), which may conceal reasons prohibited by law. The relatively large proportion of hospitals where only a few abortion procedures are performed reflects a general tendency in those institutions to perform abortions only on medical indications. The abortion rate in 1996 was estimated to be 5.7 abortions per 1,000 women aged 15-44.”
Fonte: Organização das Nações Unidas
É este o negócio que nos pedem que financiemos em Portugal.
A todos sem excepção.
(para os nossos leitores, suponho não ser necessário relembrar a lei vigente em Espanha, nem traduzir para português).
“There are no public clinics that offer family planning and abortion services; as a result, most abortions in Spain are performed in private clinics. In 1988, an estimated 94 per cent of all abortions were carried out in private clinics. Approximately 85 per cent of the abortions performed in private clinics are performed on the grounds of averting severe danger to the woman’s physical or mental health (especially mental health), which may conceal reasons prohibited by law. The relatively large proportion of hospitals where only a few abortion procedures are performed reflects a general tendency in those institutions to perform abortions only on medical indications. The abortion rate in 1996 was estimated to be 5.7 abortions per 1,000 women aged 15-44.”
Fonte: Organização das Nações Unidas
É este o negócio que nos pedem que financiemos em Portugal.
A todos sem excepção.
A propósito de um SIM
Desta feita do Adolfo Mesquita Nunes. Algumas questões:
"A pergunta que me é colocada é de carácter penal. Deve uma mulher ser penalizada por abortar, de forma livre, num estabelecimento autorizado, até às dez semanas? E a minha resposta a esta pergunta é de que não. Eu não só não quero que ela seja penalizada como, olhando à minha volta, não conheço nenhum caso em que o tenha sido. Esse é o meu sentido de voto."
Caro Adolfo, a pergunta é muito mais do que isso. Por que não dizer Pode uma mulher abortar, de forma livre, num estabelecimento autorizado, até às dez semanas? Tenho para mim que não é exactamente a mesma coisa, muito embora a minha resposta seja diferente da tua na pergunta que colocas ali em cima. Está em causa, efectivamente, uma liberalização total e sem condições do aborto, quando praticado até às 10 semanas.
"O abortamento continuará, para mim, a ser uma questão científica, moral e pessoal. Mas não é sobre isso que eu estou a ser questionado. Eu não me estou a pronunciar sobre se existe vida desde a concepção (penso que sim), sobre se o abortamento é moralmente condenável (penso que em muitos casos, é) ou se pessoalmente optaria por sugerir à mulher grávida de um filho meu que abortasse (penso que não sugeriria)."
O que é isso de científica? Já agora, pessoal porque desqualificas o feto enquanto vida humana, ou porque o entendes como sendo propriedade da mãe?
Como é que podes reduzir esta questão a um problema moral afirmando, por outro lado, que o feto é uma vida humana? Nessa perspectiva não descortino a diferença material que existe entre um aborto e um homicídio, o que tornaria este último, de acordo com o que dizes, numa mera questão moral.
"O abortamento será quase integralmente despenalizado até às 10 semanas, é um facto."
Quase? Por que não dizer totalmente? Haverá algum pudor em assumi-lo? Altera de alguma maneira o teu sentido de voto considerar que estamos perante uma liberalização total ou em face de uma quase total liberalização?
"Significa, apenas, que nenhuma mulher deverá ser presa por tê-lo praticado"
Sabes melhor do que eu que o facto de uma determinada conduta ser qualificada como crime não implica necessariamente que acabe com uma condenação em pena de prisão.
Não é evidente
Não vou falar de evidências porque se há coisa evidente neste debate é que aquilo que é evidente para uns não o é para outros.
Votarei não, claro, senão não estaria aqui.
As razões que me movem são fundamentalmente as mesmas que me moveram em 98, quando noutra sede também escrevi o que penso. Mas talvez hoje a essas razões se juntem outras, de ordem diversa, para mim não tão importantes, mas porventura para outros tão ou mais importantes.
Nessa altura o meu argumento central era a importância superior do direito à vida do bébé (pelo menos é o que eu vejo numa ecografia, por isso assim lhe chamo, e nunca ouvi ninguém dizer que viu o seu embrião) num Estado que se assume estruturado na dignidade da pessoa humana e defensor dessa mesma dignidade.
Disse-me um amigo, activo frequentador da blogosfera, que neste meio os textos muito longos eram muito chatos. Acredito nele e por isso não farei um texto longo. Terei oportunidade de voltar aos poucos. Acrescento apenas que apesar de ser jurista tentarei explicar as minhas razões para defender o não fora do campo estritamente jurídico. É certo que o direito explica algumas coisas, mas só algumas, e, além disso, a menos que façamos uma defesa intransigente do direito natural, teremos de concordar que todo o direito é alterável e mesmo a Constituição é chapéu de abas suficientemente largas para albergar diversas interpretações.
Já agora, apenas algumas indicações de palavras que vou usar preferencialmente:
Interrupção voluntária de gravidez = aborto;
Mulher = mãe;
Embrião = bébé.
Votarei não, claro, senão não estaria aqui.
As razões que me movem são fundamentalmente as mesmas que me moveram em 98, quando noutra sede também escrevi o que penso. Mas talvez hoje a essas razões se juntem outras, de ordem diversa, para mim não tão importantes, mas porventura para outros tão ou mais importantes.
Nessa altura o meu argumento central era a importância superior do direito à vida do bébé (pelo menos é o que eu vejo numa ecografia, por isso assim lhe chamo, e nunca ouvi ninguém dizer que viu o seu embrião) num Estado que se assume estruturado na dignidade da pessoa humana e defensor dessa mesma dignidade.
Disse-me um amigo, activo frequentador da blogosfera, que neste meio os textos muito longos eram muito chatos. Acredito nele e por isso não farei um texto longo. Terei oportunidade de voltar aos poucos. Acrescento apenas que apesar de ser jurista tentarei explicar as minhas razões para defender o não fora do campo estritamente jurídico. É certo que o direito explica algumas coisas, mas só algumas, e, além disso, a menos que façamos uma defesa intransigente do direito natural, teremos de concordar que todo o direito é alterável e mesmo a Constituição é chapéu de abas suficientemente largas para albergar diversas interpretações.
Já agora, apenas algumas indicações de palavras que vou usar preferencialmente:
Interrupção voluntária de gravidez = aborto;
Mulher = mãe;
Embrião = bébé.
No sorriso louco das mães...
Por sugestão de um amigo cheguei a este poema de Herberto Helder, o qual não resisto em publicar:
"No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
na cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor."
Herberto Helder
"No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
na cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor."
Herberto Helder
Do uso táctico da metafísica
O nosso camarada Jorge Ferreira diz aqui em baixo que não vale a pena criticar Odete Santos e Francisco Louçã pelos seus "projectos políticos". Basta deixá-los falar e a vitória é certa. Com todo o respeito, permito-me discordar. Por duas razões.
Primeiro, porque a defesa da liberalização do aborto pela extrema-esquerda é uma consequência directa de uma filosofia errada, uma filosofia em que o homem é um meio e não um fim. O exacto oposto do personalismo em que pelo menos o PSD e o CDS alardeiam inspirar-se. Quem se der ao trabalho ir para lá da retórica costumeira da "hipocrisia da direita" e dos "direitos das mulheres" verá que, por trás dela, a apologia do aborto é meramente ideológica e não tem qualquer relação com as pessoas reais. Caso contrário, o amor à humanidade do PCP e do Bloco estender-se-ia aos dissidentes cubanos e às vítimas da ETA. Talvez não seja má ideia lembrá-lo, tendo em conta a frequência com que esses modelos de virtude usam a autoproclamada superioridade moral e a proclamada "hipocrisia" do outro lado como argumento.
Além disto, que já não é pouco, há um aspecto táctico menos óvio. Nem toda a gente reparou ainda que os três partidos de esquerda não defendem a mesma coisa quando defendem a liberalização. Há aqui muitas hipóteses de que a muralha vermelha e rosa abra brechas, desde que alguém aponte a artilharia para os pontos fracos.
Vejamos dois exemplos.
Parece haver um certo consenso no PS de que o aborto não é um direito fundamental, mas uma solução de último recurso. Para o Bloco, em contrapartida, o aborto é o direito de "mandar na minha própria barriga", como mostram, exibindo as ditas, as lolitas de combate que o partido faz avançar para a primeira linha nos sempre oportunos julgamentos. O PS está de acordo com o Bloco?
Do mesmo modo, parece haver um certo consenso no PS de que o aborto não pode ser visto como um método contraceptivo. Ora, para o PCP, o aborto não é outra coisa senão um meio de impedir as mulheres pobres de ter filhos (ou todas as mulheres, quando todas as mulheres são pobres, como na China, na União Soviética e nos nunca de mais lembrados paraísos socialistas). O PS está de acordo com o PCP?
Chamem-lhe dividir para reinar, mas eu não sou monárquico: basta-me ganhar o referendo.
Primeiro, porque a defesa da liberalização do aborto pela extrema-esquerda é uma consequência directa de uma filosofia errada, uma filosofia em que o homem é um meio e não um fim. O exacto oposto do personalismo em que pelo menos o PSD e o CDS alardeiam inspirar-se. Quem se der ao trabalho ir para lá da retórica costumeira da "hipocrisia da direita" e dos "direitos das mulheres" verá que, por trás dela, a apologia do aborto é meramente ideológica e não tem qualquer relação com as pessoas reais. Caso contrário, o amor à humanidade do PCP e do Bloco estender-se-ia aos dissidentes cubanos e às vítimas da ETA. Talvez não seja má ideia lembrá-lo, tendo em conta a frequência com que esses modelos de virtude usam a autoproclamada superioridade moral e a proclamada "hipocrisia" do outro lado como argumento.
Além disto, que já não é pouco, há um aspecto táctico menos óvio. Nem toda a gente reparou ainda que os três partidos de esquerda não defendem a mesma coisa quando defendem a liberalização. Há aqui muitas hipóteses de que a muralha vermelha e rosa abra brechas, desde que alguém aponte a artilharia para os pontos fracos.
Vejamos dois exemplos.
Parece haver um certo consenso no PS de que o aborto não é um direito fundamental, mas uma solução de último recurso. Para o Bloco, em contrapartida, o aborto é o direito de "mandar na minha própria barriga", como mostram, exibindo as ditas, as lolitas de combate que o partido faz avançar para a primeira linha nos sempre oportunos julgamentos. O PS está de acordo com o Bloco?
Do mesmo modo, parece haver um certo consenso no PS de que o aborto não pode ser visto como um método contraceptivo. Ora, para o PCP, o aborto não é outra coisa senão um meio de impedir as mulheres pobres de ter filhos (ou todas as mulheres, quando todas as mulheres são pobres, como na China, na União Soviética e nos nunca de mais lembrados paraísos socialistas). O PS está de acordo com o PCP?
Chamem-lhe dividir para reinar, mas eu não sou monárquico: basta-me ganhar o referendo.
Aborto no Masculino
Acho que vale a pena abordar alguns dos casos de aborto mencionados no artigo do Expresso sobre "Aborto - Cicatrizes no Masculino".
Começa-se por se dar uma ideia de que se tratam sempre de situações dramáticas "depoimentos retirados da zona mais funda da intimidade, dolorosos e quase sempre de dimensões traumáticas", como é habitual nos artigos sobre o aborto.
Na verdade o que se vê são situações de um total descuido e falta de respeito pelas mulheres e pelo feto. Vejamos logo o primeiro caso: Um rapaz que antes de chegar aos 30 anos já ia em quatro abortos! O primeiro da namorada juvenil, o segundo da amante casada, o terceiro de uma colega de mestrado que vivia noutro país e finalmente o quarto de uma namorada mais velha, que não queria pôr em perigo a sua carreira. Vamos andar a financiar abortos de 2 em 2 anos a quem não tem o mínimo de cuidado? Talvez não fosse má ideia explicar-lhe que já existem métodos contraceptivos...
O segundo exemplo é de um casal de namorados em que ela não usava a pílula porque não queria engordar e ele não usava preservativo porque achava que não era 100% eficaz!
Outro caso ainda relata novamente um jovem de 33 anos que também já vai em quatro abortos, dois dos quais porque a namorada não queria engordar com a pílula e ele também não queria usar preservativo. Outro dos abortos duma relação sexual de uma noite única em que estava bêbado. Já agora despenalizamos também a condução sobre o efeito do álcool!
E continuam com mais casos do mesmo género.
Não consigo realmente perceber como se pode achar que faz sentido o estado promover e financiar este tipo de situações. Alguém percebe?
Começa-se por se dar uma ideia de que se tratam sempre de situações dramáticas "depoimentos retirados da zona mais funda da intimidade, dolorosos e quase sempre de dimensões traumáticas", como é habitual nos artigos sobre o aborto.
Na verdade o que se vê são situações de um total descuido e falta de respeito pelas mulheres e pelo feto. Vejamos logo o primeiro caso: Um rapaz que antes de chegar aos 30 anos já ia em quatro abortos! O primeiro da namorada juvenil, o segundo da amante casada, o terceiro de uma colega de mestrado que vivia noutro país e finalmente o quarto de uma namorada mais velha, que não queria pôr em perigo a sua carreira. Vamos andar a financiar abortos de 2 em 2 anos a quem não tem o mínimo de cuidado? Talvez não fosse má ideia explicar-lhe que já existem métodos contraceptivos...
O segundo exemplo é de um casal de namorados em que ela não usava a pílula porque não queria engordar e ele não usava preservativo porque achava que não era 100% eficaz!
Outro caso ainda relata novamente um jovem de 33 anos que também já vai em quatro abortos, dois dos quais porque a namorada não queria engordar com a pílula e ele também não queria usar preservativo. Outro dos abortos duma relação sexual de uma noite única em que estava bêbado. Já agora despenalizamos também a condução sobre o efeito do álcool!
E continuam com mais casos do mesmo género.
Não consigo realmente perceber como se pode achar que faz sentido o estado promover e financiar este tipo de situações. Alguém percebe?
Pelo dedo se conhece o gigante
Pelo dedo se reconhece o gigante, diziam os Antigos. Em toda a pré-campanha conducente ao referendo em que o SIM parece carregar vantagem – até nas televisões e restante formidável bateria de condicionamento e manipulação que todos conhecemos nesta democracia incompleta – só me ocorrem os plebiscitos em que o sr. Hitler era especialista.
Nesse paraíso de tanatocracia que era a Alemanha – matava-se de tudo, de judeus a deficientes, de acamados a crónicos, de idosos a crianças – os plebiscitos eram frequentes, mas a legitimidade em tudo ferida de nulidade. Os nazis queriam, decidiam e, depois, impunham as questões, formulando-as de forma razoável, quase patriótica, e as populações votavam com consciência e razoabilidade nos maiores atropelos à dignidade humana, à lei internacional e à decência. Se perguntarem a um indivíduo de média complexão moral se concorda com a morte de alguém, responder-lhe-á negativamente. Porém, se tornarmos complexa a questão, diluindo-a em respeitáveis lugares-comuns, obteremos uma resposta inversa. Acresce que, se projectarmos a questão, enterrando-a até domínios da chamada psicologia das profundidades, tornando evidente aquilo que não foi destrinçado, teremos uma aprovação resoluta.
O Doutor Louçã afirmava anteontem que na questão em liça se divide a sociedade portuguesa entre “defensores da decência” e “defensores da indecência”. O Doutor Louçã não é um tolo – antes pelo contrário – pelo que sabe exactamente o que pretende induzir com tais prédicas. Numa sociedade marcada pelo substracto cristão, decente e indecente decorrem de uma genealogia moral em que é suposto o imediato reconhecimento do Bem e do Mal. Ora, quem defende a decência representa o Bem; quem se lhe opõe – quem o nega – serve o Mal.
Não deixa de constituir uma clara contradição o Doutor Louçã – que não é tolo – defender aquilo que transporta algo que mobiliza praticamente toda a energia com que se tem consagrado à vida pública: o ataque ao poder do dinheiro, o mercado e a livre iniciativa. Sigo com a maior estupefacção a verdadeira campanha promocional à prática do aborto em condições de assepsia, respeito pela dignidade da mulher e rigor médico. Não há dia em que em canais de televisão não se apresente um cavalheiro bem-falante, muito profissional e encartado, representando “uma das melhores clínicas espanholas”. Já não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira que os telejornais incluem publicidade não-paga a tais especialistas em infanticídio. O negócio faz-se para “bem das mulheres”, dizem. Talvez, mas os mesmos argumentos, apresentados como impulsos filantrópicos, caem tão falsos como se um mercador de escravos nos viesse suavizar a consciência dizendo que os “seus escravos são bem alimentados”. Tão falso, igualmente, como se o Dr. Mengele nos propusesse a morte doce de crianças deficientes esgrimindo razões humanitárias. Caramba, a língua é coisa bem perigosa!
Nesse paraíso de tanatocracia que era a Alemanha – matava-se de tudo, de judeus a deficientes, de acamados a crónicos, de idosos a crianças – os plebiscitos eram frequentes, mas a legitimidade em tudo ferida de nulidade. Os nazis queriam, decidiam e, depois, impunham as questões, formulando-as de forma razoável, quase patriótica, e as populações votavam com consciência e razoabilidade nos maiores atropelos à dignidade humana, à lei internacional e à decência. Se perguntarem a um indivíduo de média complexão moral se concorda com a morte de alguém, responder-lhe-á negativamente. Porém, se tornarmos complexa a questão, diluindo-a em respeitáveis lugares-comuns, obteremos uma resposta inversa. Acresce que, se projectarmos a questão, enterrando-a até domínios da chamada psicologia das profundidades, tornando evidente aquilo que não foi destrinçado, teremos uma aprovação resoluta.
O Doutor Louçã afirmava anteontem que na questão em liça se divide a sociedade portuguesa entre “defensores da decência” e “defensores da indecência”. O Doutor Louçã não é um tolo – antes pelo contrário – pelo que sabe exactamente o que pretende induzir com tais prédicas. Numa sociedade marcada pelo substracto cristão, decente e indecente decorrem de uma genealogia moral em que é suposto o imediato reconhecimento do Bem e do Mal. Ora, quem defende a decência representa o Bem; quem se lhe opõe – quem o nega – serve o Mal.
Não deixa de constituir uma clara contradição o Doutor Louçã – que não é tolo – defender aquilo que transporta algo que mobiliza praticamente toda a energia com que se tem consagrado à vida pública: o ataque ao poder do dinheiro, o mercado e a livre iniciativa. Sigo com a maior estupefacção a verdadeira campanha promocional à prática do aborto em condições de assepsia, respeito pela dignidade da mulher e rigor médico. Não há dia em que em canais de televisão não se apresente um cavalheiro bem-falante, muito profissional e encartado, representando “uma das melhores clínicas espanholas”. Já não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira que os telejornais incluem publicidade não-paga a tais especialistas em infanticídio. O negócio faz-se para “bem das mulheres”, dizem. Talvez, mas os mesmos argumentos, apresentados como impulsos filantrópicos, caem tão falsos como se um mercador de escravos nos viesse suavizar a consciência dizendo que os “seus escravos são bem alimentados”. Tão falso, igualmente, como se o Dr. Mengele nos propusesse a morte doce de crianças deficientes esgrimindo razões humanitárias. Caramba, a língua é coisa bem perigosa!
Miguel Castelo-Branco
(os problemas técnicos de acessibilidade do Miguel persistem, razão pela qual publico eu o post)
Ensaio sobre a demagogia
Ao que parece a humanidade, modernidade e bom senso será isto. Avisam-se os mais incautos de que o link vos remeterá para um documento pdf que contém um panfleto do BE a apelar ao recenseamento e voto no SIM no próximo referendo. Para não me acusarem de perseguição e chicana política, deixo-vos algumas frases que retirei da propaganda em causa, as quais pretendem dar resposta à pergunta "sabias?":
1. "Portugal é o único país da União Europeia em que há mulheres julgadas por aborto"
2. "Muitas mulheres ficaram estéreis e algumas morreram na sequência de abortos clandestinos"
3. "Ao contrário do que previram os mais conservadores, nos países onde o aborto não é crime, a taxa de aborto desceu" (retirado do editorial)
Pois bem, uma vez que as notícias que têm vindo a público e os dados conhecidos demonstram exactamente o contrário (1. na quase totalidade dos países continua a ser crime a prática do aborto para lá de um determinado número de semanas; 2. não existem números oficiais que permitam retirar estas conclusões; 3. os dados conhecidos da maioria dos países onde o aborto foi liberalizado dizem exactamente o oposto), será pedir muito que estes senhores provem as afirmações que fazem?
O panfleto refere ainda os julgamentos ocorridos em Portugal pela prática de abortos, dando a entender que os mesmo deixarão de existir com a vitória do SIM. Escusado será repetir que os julgamentos em causa respeitaram todos a abortos praticados já depois das 10 semanas, o que, ainda que o SIM ganhe, continuará a consubstanciar a prática de um crime.
O Referendo Louçã
Detesto falar mal dos padres, mas quando tem de ser, tem de ser. E o Reverendo fractura‑me a paciência com as suas causas. Acompanhado da fiel Ana Drago, do jovem Sousa Sousa Pinto e - agora já não tanto, por questões tácticas -, da inquieta Joana Amaral Dias, esta seita tele-evangelista prega a sua boa nova libertadora e os seus amanhãs canoros do alto da sua minoria. Ensimesmados pela sua superioridade moral, torcem e retorcem conteúdos de tal modo que apareçam sempre imaculados e virginais, vis a vis a «direita caceteira». E, proactivos como são, já vão largando mimos para fazer os «caceteiros» sair da toca, e por isso Ana Drago já chama «terroristas» ao reviralho, antes de o reviralho (isto é, nós, na cabecinha dela) chegar sequer a abrir a boca, fazendo ponto de honra da moderação verbal. Destes neocons de sinal contrário, mas extremistas, egocêntricos, pseudoiluminados, embora felizmente não tão perigosos como os do «Bush é Bom», nem sequer se pode dizer «Não matam mas moem.» Moem, não há dúvida, mas também matam. Matam a possibilidade de entendimento entre pontos de vista diferentes, porque levantam as pedras da calçada desde Maio de 68, com o pretexto de ver se há praia por baixo, mas na realidade para atirar à cabeça do polícia. Matam a língua, quando introduzem os seus sujeitos nulos expletivos nos currícula, e põem o Camões a mexer. Matam lentamente os jovens quando bramem pela liberalização, a que também chamam despenalização, do consumo de droga. E matam, pior que tudo, quando, em nome do direito ao corpo da mulher, mas também, ou principalmente, para conquistar o votozinho, convencem o Engenheiro a convocar o referendo, a que poderão, com toda a propriedade, chamar Referendo do Reverendo.
Ora tudo isto é só para dizer que de vez em quando os papéis invertem‑se. Agora somos minoria, e vocês o Ancien Regime. Agora vocês têm os media, nós só temos os blogues (ah, mas temo-los, e vamos usá-los!...) Vocês têm as palavras incendiárias, nós temos a moderação. Vocês têm as mentiras mil vezes repetidas, nós temos as ecografias e os filmes onde se vê a criança a chuchar no dedo antes das vossas 10 semanas. Nós só temos a nossa convicção, e até podemos perder esta batalha antes de ganhar a guerra. Mas vocês têm de se cuidar. É que, agora, estão vidas em jogo.
A natureza humana do ser humano
"(...) Se logo no início, justamente depois da concepção, dias antes da implantação, retirássemos uma só célula do pequeno ser individual, ainda com aspecto de amora, poderíamos cultivá-la e examinar os seus cromossomas.
E se um estudante, olhando-a ao microscópio não pudesse reconhecer o número, a forma e o padrão das bandas desses cromossomas, e não pudesse dizer, sem vacilações, se procede de um chimpanzé ou de um ser humano, seria reprovado.
Aceitar o facto de que, depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a sua concepção até à sua velhice não é uma disputa metafísica. É uma simples evidência experimental."
Prof. Lejeune
Investigador francês que identificou a origem genética da síndrome de Down
As saudades que eu já tinha...
... de Odete Santos e Francisco Louçã. Que, este fim-de-semana, entraram a matar, se me permitem a expressão equívoca.
Louçã garantiu, num encontro nacional do Bloco de Esquerda, que "a humanidade e a convergência" estão do lado do sim. Presumo que do outro lado estejam a desumanidade e a inconvergência. Ou a inumanidade e a desconvergência, não sei. Tanto faz, porque Louçã sabe sempre onde está: do lado dos bons. Não falha. Divide o mundo em bons e maus e converge para o lado dos bons. Ou talvez seja melhor dizer que os bons convergem para o seu lado. Louçã converge os bons como Santo António convergia os peixes, se me permitem a comparação equívoca. É um convergente de peixes que, neste caso, são a humanidade.
Odete Santos, com um artigo sulfuroso no Público de Sábado, também não faz a coisa por menos. Depois de acusar a RTP de marginalizar o seu partido no já célebre Prós e Contras da semana passada (acusação muito interessante...), afirma que "o debate demonstrou que o não vai continuar a usar a mentira, o terror e a hipocrisia" (sic). A camarada Odete deve saber do que fala. Afinal, o PCP continua a ser aquele grémio benemérito que tem dúvidas sobre se a Coreia do Norte é ou não uma democracia, que convida as FARC para a festa do Avante, que chora o fim da União Soviética como uma "tragédia civilizacional" e que mantém relações próximas com as ditaduras de Cuba e da China em nome da fraternidade operária. Quanto a mentira, terror e hipocrisia, acho que estamos conversados.
Mas a camarada Odete não se fica por aqui. Para ela, a representante do não no debate, Alexandra Teté, é uma "militante antifeminina". Confesso que não percebi logo. Então agora as mulheres do não, as tais que são tão poucas, também são "antifemininas"? Isto não será uma contradição nos termos, mais ou menos como ciclista não pedalante ou quadrado redondo? Depois lembrei-me da democracia na Coreia do Norte e fez-se-me luz.
Enfim, já tinha saudades.
Louçã garantiu, num encontro nacional do Bloco de Esquerda, que "a humanidade e a convergência" estão do lado do sim. Presumo que do outro lado estejam a desumanidade e a inconvergência. Ou a inumanidade e a desconvergência, não sei. Tanto faz, porque Louçã sabe sempre onde está: do lado dos bons. Não falha. Divide o mundo em bons e maus e converge para o lado dos bons. Ou talvez seja melhor dizer que os bons convergem para o seu lado. Louçã converge os bons como Santo António convergia os peixes, se me permitem a comparação equívoca. É um convergente de peixes que, neste caso, são a humanidade.
Odete Santos, com um artigo sulfuroso no Público de Sábado, também não faz a coisa por menos. Depois de acusar a RTP de marginalizar o seu partido no já célebre Prós e Contras da semana passada (acusação muito interessante...), afirma que "o debate demonstrou que o não vai continuar a usar a mentira, o terror e a hipocrisia" (sic). A camarada Odete deve saber do que fala. Afinal, o PCP continua a ser aquele grémio benemérito que tem dúvidas sobre se a Coreia do Norte é ou não uma democracia, que convida as FARC para a festa do Avante, que chora o fim da União Soviética como uma "tragédia civilizacional" e que mantém relações próximas com as ditaduras de Cuba e da China em nome da fraternidade operária. Quanto a mentira, terror e hipocrisia, acho que estamos conversados.
Mas a camarada Odete não se fica por aqui. Para ela, a representante do não no debate, Alexandra Teté, é uma "militante antifeminina". Confesso que não percebi logo. Então agora as mulheres do não, as tais que são tão poucas, também são "antifemininas"? Isto não será uma contradição nos termos, mais ou menos como ciclista não pedalante ou quadrado redondo? Depois lembrei-me da democracia na Coreia do Norte e fez-se-me luz.
Enfim, já tinha saudades.
Com todo o propósito...
Cavaco tem razão. Os princípios são princípios. A admissão da pena de morte como forma de justiça é uma barbaridade à qual a o homem civilizado não pode ceder sob qualquer argumentação política ou pressão popular. Ser contra a pena de morte, para mim, separa os povos civilizados da barbárie. Por mais odioso e abjecto que seja o condenado. Nem sempre a coerência com os princípios dão votos, eu sei. E até poderão existir intrincados e prementes argumentos a favor da aplicação da pena, em casos “especiais” e “limite”. Mas para mim, definitivamente não compete ao homem (instituição, estado) destinar a vida ou a morte de outro homem. As afirmações de Cavaco Silva são portanto totalmente coerentes e expectáveis.
Publicado também no Corta Fitas
Publicado também no Corta Fitas
Completamente a despropósito...
e infundamentado o parágrafo, que a seguir se transcreve, da lavra do João Pedro Henriques:
"Agora, evidentemente, a grunharia bushista nacional vai berrar desalmadamente contra esta tomada de posição de Cavaco. Metade deles alinha nas "plataformas" supostamente "pró-vida" anti-despenalização do aborto."
O dolo de quem escreve é ainda maior quando se trata de um jornalista.
Assembleia Municipal de Lisboa pró-aborto?
A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, com apenas sete votos contra e 27 abstenções, uma moção do BE a propósito do referendo do aborto. O objectivo da moção prende-se com a suposta promoção de um debate público acerca do assunto. Até aqui tudo bem. Fui, no entanto, ler a moção e encontrei as seguintes pérolas:
"(...)
"(...)
2. Tendo em conta que os sucessivos julgamentos verificados nos últimos anos vieram demonstrar a injustiça de uma lei, pela devassa da vida privada das mulheres envolvidas e porferir a sua dignidade;
(...)
4. Atendendo às dimensões sociais e de saúde pública associadas ao aborto clandestino;
(...)"
Esta moção, da autoria do BE, obteve a aprovação de 5 deputados do PSD e a abstenção de outros 27 deputados do mesmo partido (a totalidade dos deputados do PS votaram favoravelmente).
Como é que é possível que ainda haja quem alinhe nestas manobras demagógicas do BE?
Porventura terei de lembrar que os julgamentos conhecidos, na sua maioria, respeitaram a abortos efectuados já depois das 10 semanas de gravidez?
Ou que não há número oficiais quanto aos abortos clandestinos que permitam aferir das dimensões sociais e de saúde pública associadas aos mesmos?
Seria interessante saber o que Carmona Rodrigues e Marques Mendes têm a dizer sobre o assunto.
4. Atendendo às dimensões sociais e de saúde pública associadas ao aborto clandestino;
(...)"
Esta moção, da autoria do BE, obteve a aprovação de 5 deputados do PSD e a abstenção de outros 27 deputados do mesmo partido (a totalidade dos deputados do PS votaram favoravelmente).
Como é que é possível que ainda haja quem alinhe nestas manobras demagógicas do BE?
Porventura terei de lembrar que os julgamentos conhecidos, na sua maioria, respeitaram a abortos efectuados já depois das 10 semanas de gravidez?
Ou que não há número oficiais quanto aos abortos clandestinos que permitam aferir das dimensões sociais e de saúde pública associadas aos mesmos?
Seria interessante saber o que Carmona Rodrigues e Marques Mendes têm a dizer sobre o assunto.
Palavra de Anacleto
"Sabemos que no ‘sim’ está a humanidade e a convergência e no ‘não’ está a intriga política e a agenda interna dos partidos" (Francisco Louçã, in publico)
Porque Não?
Tal como os meus colegas, começo a minha participação neste blogue,
explicando porque voto Não:
explicando porque voto Não:
- Acima de tudo, porque me parece evidente que se está a matar uma vida humana. O feto de 10 semanas se não for abortado, vai ter 11 semanas e depois 12, e 20, e 40, e vai nascer. Vai ser uma criança, com os seus sonhos; um adolescente, com os seus problemas; um adulto, com as suas realizações. Vai ter momentos bons e maus, mas vai ter direito à vida. É toda essa vida HUMANA que se está a "interromper" e não apenas uma gravidez.
- Porque dar a possibilidade de escolher quem vive ou quem não vive é abrir o caminho para situações muito perigosas. Agora quer-se liberalizar às 10 semanas; mais tarde dir-se-á: se podemos abortar às 10 porque não às 16? Ou até mais tarde? Porque não depois de nascer, se a mãe não tem condições de o criar? - os argumentos são exactamente os mesmos. Agora é por simples vontade da mulher; mais tarde será porque não tem o sexo
pretendido, o QI adequado ou simplesmente porque não tem os olhos azuis do pai. - Porque é um desrespeito pela democracia repetir um referendo tão recente. Esta pergunta já foi feita e o Não já ganhou. Independentemente da margem, nenhuma situação se alterou.
- Porque é absurdo que um estado que apela constantemente à contenção económica, que usa diariamente os argumentos financeiros para toda e qualquer medida, venha agora propor-se financiar os abortos, mesmo que feitos em clínicas privadas. Porque é que temos todos que pagar os abortos de pessoas, como as que testemunham na revista "Única" desta semana, que não tomavam a pílula porque as fazia engordar?
Novo colaborador
O Pedro Geada acumula funções aqui no blogue do não. Para além de ser o nosso especialista em questões informáticas (novidades em breve!), faz também parte da nossa lista de colaboradores permanentes. Bem-vindo Pedro.
IVG: recolocar a questão moral
Há quem coloque o fulcro moral da questão da interrupção voluntária da gravidez (IVG) apenas no plano da consciência de cada um; a Lei e o Estado deveriam deixar essa questão à decisão moral dos indivíduos, para o que a liberalização se tornaria necessária. Esta solução seria alegadamente a mais correcta em termos morais porque confrontaria cada um com um exame de consciência do qual emergiria uma escolha mais verdadeira e autêntica. Como defenderei num post seguinte, uma das fraquezas dessa posição é que ela só seria real para as mulheres.
A objecção que para já coloco a este modo de ver o problema da IVG é que essa posição não é admissível se estiver em causa a defesa da integridade de outra pessoa além do agente moral (quem toma a decisão). É por isso que, em nome dessa suposta correcção moral, não se defende a descriminalização de condutas atentatórias daquela integridade: ninguém diz “vamos descriminalizar a agressão física porque é mais saudável viver numa sociedade em que as pessoas tomam decisões morais genuínas e não porque a lei e a polícia as obrigam a isso”. O argumento da liberalização, que entrega aos indivíduos a responsabilidade plena dos seus actos, é, para mim, válido para a totalidade dos comportamentos comuns das pessoas que só as afectam a elas próprias; nesses casos, de facto, a lei e o Estado não se devem imiscuir. Pelo contrário, sob a alçada do Direito (e dos tribunais) ficam as regras recíprocas de justa conduta que permitem aos indivíduos conviver sem se agredirem nos seus direitos essenciais – sendo que o seu direito essencial primeiro é o de gozarem de toda a liberdade em relação aos comportamentos que só os afectam a si próprios.
Ora, é para mim claro que a IVG afecta, isto é, interrompe por acto deliberado de segundo ou de terceiro, a vida de um ser humano – que tem, assim, a sua integridade violada de forma absoluta. E é por isso que, no meu entendimento, a IVG não está no plano dos actos morais que pertencem à responsabilidade plena do indivíduo, mas, pelo contrário, está sob a alçada do Direito e das garantias de que este deve cercar a integridade de cada ser humano. (É também por isso que a IVG pode ser admitida se uma gravidez colocar em perigo a integridade – a vida – da mãe, ou se essa gravidez tiver resultado de um acto que violou essa integridade.)
A objecção que para já coloco a este modo de ver o problema da IVG é que essa posição não é admissível se estiver em causa a defesa da integridade de outra pessoa além do agente moral (quem toma a decisão). É por isso que, em nome dessa suposta correcção moral, não se defende a descriminalização de condutas atentatórias daquela integridade: ninguém diz “vamos descriminalizar a agressão física porque é mais saudável viver numa sociedade em que as pessoas tomam decisões morais genuínas e não porque a lei e a polícia as obrigam a isso”. O argumento da liberalização, que entrega aos indivíduos a responsabilidade plena dos seus actos, é, para mim, válido para a totalidade dos comportamentos comuns das pessoas que só as afectam a elas próprias; nesses casos, de facto, a lei e o Estado não se devem imiscuir. Pelo contrário, sob a alçada do Direito (e dos tribunais) ficam as regras recíprocas de justa conduta que permitem aos indivíduos conviver sem se agredirem nos seus direitos essenciais – sendo que o seu direito essencial primeiro é o de gozarem de toda a liberdade em relação aos comportamentos que só os afectam a si próprios.
Ora, é para mim claro que a IVG afecta, isto é, interrompe por acto deliberado de segundo ou de terceiro, a vida de um ser humano – que tem, assim, a sua integridade violada de forma absoluta. E é por isso que, no meu entendimento, a IVG não está no plano dos actos morais que pertencem à responsabilidade plena do indivíduo, mas, pelo contrário, está sob a alçada do Direito e das garantias de que este deve cercar a integridade de cada ser humano. (É também por isso que a IVG pode ser admitida se uma gravidez colocar em perigo a integridade – a vida – da mãe, ou se essa gravidez tiver resultado de um acto que violou essa integridade.)
Lei, moral e aborto: razões para o Não
O tratamento legal a dar ao aborto não é uma questão fácil para um liberal.
Se o que está em causa fosse exclusivamente uma avaliação do aborto no plano moral, essa dificuldade em larga medida não existiria. Classificar como uma falha moral grave a eliminação da vida de um ser humano inocente não deve ser tarefa complexa para quem reconheça a existência de um direito inalienável à vida por parte de todos os seres humanos inocentes. É certo que, como aliás sempre acontece neste tipo de matérias, as circunstâncias particulares de cada caso podem tornar humanamente compreensíveis (ainda que não moralmente aceitáveis) algumas decisões de abortar. A complexidade da realidade e a inevitável imperfeição humana, também (ou antes de mais) no plano moral, levam a que todos possam incorrer em falhas. No entanto, a compreensão em concreto dos motivos de alguns abortos não altera o facto de que provocar voluntariamente um aborto constitui, pelo menos na esmagadora maioria das situações, uma falha moral grave.
Já quando o que está em causa é o tratamento legal a dar ao aborto livre, não basta demonstrar a imoralidade intrínseca da prática. Não obstante a inequívoca existência de uma profunda interligação entre Moral e Direito, há um grande número de actos imorais que não devem merecer sanção legal. Acresce ainda que pretender atribuir ao Estado a "tutela" moral da sociedade por via legislativa potencia o abuso de poder e coloca em perigo os direitos individuais e a própria ordem social. Numa perspectiva liberal, as condutas moralmente censuráveis só devem ser sancionadas juridicamente quando atentam contra os direitos de terceiros. Daí que seja para mim compreensível que um autor como Rothbard - que equipara um feto indesejado a um "parasita" - considere legítima a sua eliminação por parte da mãe.
Apesar de discordar radicalmente da posição de Rothbard (por considerar absurda a classificação de "parasita" atribuída ao feto), considero-a a única defesa internamente coerente da legalidade do aborto livre: se um feto humano pudesse ser visto como um "parasita" que se alojou ilegitimamente no corpo da mãe, então a expulsão desse invasor não deveria ser legalmente condenável. A eliminação do feto, colocando um termo à sua vida, seria uma consequência inevitável da expulsão desse alegado "parasita".
A meu ver, o fulcro da questão reside precisamente na forma como se vê a vida humana que é eliminada pelo aborto. Considerando que esse ser humano inocente é uma entidade distinta da mãe e não é nem um "parasita" nem um invasor, creio não haver alternativa senão a de reconhecer o seu direito à vida e a obrigação de esse direito ser protegido pela ordem jurídica vigente. Se tivermos adicionalmente em conta que o direito à vida de cada ser humano inocente não resulta de uma concessão do Estado nem de quaisquer outros indíviduos (incluindo os pais), é difícil conceber que uma autoridade política legítima se permita ignorá-lo.
No caso do novo referendo sobre o aborto que vai ter lugar em Portugal, o que está em causa é ainda mais grave, pois o Estado propõe-se não só ignorar o direito á vida como contribuir activamente para a sua violação, seja através do Serviço Nacional de Saúde ou da subsidiação com fundos públicos de estabelecimentos privados dedicados à prática do aborto livre.
Pelas razões expostas, considero que o aborto totalmente livre e subsidiado pelo Estado até às 10 semanas é inaceitável. Por isso é importante que - mais uma vez, e apesar da fortíssima influência mediática e institucional dos defensores do aborto livre - o Não saia maioritário no referendo.
Se o que está em causa fosse exclusivamente uma avaliação do aborto no plano moral, essa dificuldade em larga medida não existiria. Classificar como uma falha moral grave a eliminação da vida de um ser humano inocente não deve ser tarefa complexa para quem reconheça a existência de um direito inalienável à vida por parte de todos os seres humanos inocentes. É certo que, como aliás sempre acontece neste tipo de matérias, as circunstâncias particulares de cada caso podem tornar humanamente compreensíveis (ainda que não moralmente aceitáveis) algumas decisões de abortar. A complexidade da realidade e a inevitável imperfeição humana, também (ou antes de mais) no plano moral, levam a que todos possam incorrer em falhas. No entanto, a compreensão em concreto dos motivos de alguns abortos não altera o facto de que provocar voluntariamente um aborto constitui, pelo menos na esmagadora maioria das situações, uma falha moral grave.
Já quando o que está em causa é o tratamento legal a dar ao aborto livre, não basta demonstrar a imoralidade intrínseca da prática. Não obstante a inequívoca existência de uma profunda interligação entre Moral e Direito, há um grande número de actos imorais que não devem merecer sanção legal. Acresce ainda que pretender atribuir ao Estado a "tutela" moral da sociedade por via legislativa potencia o abuso de poder e coloca em perigo os direitos individuais e a própria ordem social. Numa perspectiva liberal, as condutas moralmente censuráveis só devem ser sancionadas juridicamente quando atentam contra os direitos de terceiros. Daí que seja para mim compreensível que um autor como Rothbard - que equipara um feto indesejado a um "parasita" - considere legítima a sua eliminação por parte da mãe.
Apesar de discordar radicalmente da posição de Rothbard (por considerar absurda a classificação de "parasita" atribuída ao feto), considero-a a única defesa internamente coerente da legalidade do aborto livre: se um feto humano pudesse ser visto como um "parasita" que se alojou ilegitimamente no corpo da mãe, então a expulsão desse invasor não deveria ser legalmente condenável. A eliminação do feto, colocando um termo à sua vida, seria uma consequência inevitável da expulsão desse alegado "parasita".
A meu ver, o fulcro da questão reside precisamente na forma como se vê a vida humana que é eliminada pelo aborto. Considerando que esse ser humano inocente é uma entidade distinta da mãe e não é nem um "parasita" nem um invasor, creio não haver alternativa senão a de reconhecer o seu direito à vida e a obrigação de esse direito ser protegido pela ordem jurídica vigente. Se tivermos adicionalmente em conta que o direito à vida de cada ser humano inocente não resulta de uma concessão do Estado nem de quaisquer outros indíviduos (incluindo os pais), é difícil conceber que uma autoridade política legítima se permita ignorá-lo.
No caso do novo referendo sobre o aborto que vai ter lugar em Portugal, o que está em causa é ainda mais grave, pois o Estado propõe-se não só ignorar o direito á vida como contribuir activamente para a sua violação, seja através do Serviço Nacional de Saúde ou da subsidiação com fundos públicos de estabelecimentos privados dedicados à prática do aborto livre.
Pelas razões expostas, considero que o aborto totalmente livre e subsidiado pelo Estado até às 10 semanas é inaceitável. Por isso é importante que - mais uma vez, e apesar da fortíssima influência mediática e institucional dos defensores do aborto livre - o Não saia maioritário no referendo.