Da comiseração e da responsabilidade
Note-se que, de todas as mulheres que fizeram abortos ilegalmente neste país, apenas algumas (muito poucas) foram julgadas, e dessas julgo que nenhuma foi condenada a pena efectiva. É certo que existem atenuantes válidas para a suspensão de pena, como nos casos em que o aborto é realizado num estado de necessidade desculpante.
No entanto, muitas outras mulheres recorrem ao aborto como método de planeamento familiar a posteriori ou, pior ainda, como forma de se desembaraçarem do resultado não desejado de uma one night stand. Isto não só demonstra pura irresponsabilidade como um atentado à vida de um ser humano em potência. Mais, há mulheres que recorrem ao aborto neste contexto de forma sistemática. Para essas não existem atenuantes de qualquer espécie, e por isso devem ser julgadas e condenadas, bem como todas as outras pessoas que, mesmo de forma indirecta, têm responsabilidade no acto criminoso.
Votar a favor da despenalização do aborto até às 12, 10 ou 9 semanas e meia, é oferecer inimputabilidade a pessoas que conscientemente sabem que aquela gravidez vai resultar na obrigação de criar e educar um novo ser humano, e é desresponsabilizá-las dessa "espinhosa" tarefa. Caso se decida, através deste referendo, que o aborto não deve ser considerado um crime, seja por que motivos for, até um certo limite, será difícil compreender como é que o mesmo acto, um dia depois, já é considerado crime. Por uma questão de mera coerência, a lei não deve mudar - não pode mudar - porque a lei não pode defender a comiseração em detrimento da responsabilidade.
Mais “fogo amigo”
NÓS VOLTAMOS A EXPLICAR
É ela que o afirma no Glória Fácil :
É CLARO QUE É VIDA
Dando a palavra a Nuno Rogeiro
Liberdade e Alteridade
firmeza, convicção; amparo.
Liberdade: do Lat. libertate, s. f., faculdade de uma pessoa poder dispor de si, fazendo ou deixando de fazer por seu livre arbítrio qualquer coisa; gozo dos direitos do homem livre;
independência; autonomia; permissão; ousadia; (no pl. ) regalias; (no pl. ) privilégios; (no pl. ) imunidades.
- de imprensa: direito concedido à publicação de algo sem necessidade de qualquer autorização ou censura prévia, mas sujeito à lei, em caso de abuso;
- individual: garantia que qualquer cidadão possui de não ser impedido de exercer e usufruir dos seus direitos, excepto em casos previstos por lei.
É precisamente por causa da necessidade de assegurar a liberdade e segurança do outro que se justifica uma lei sobre o aborto.
João Vacas
o Iman Aroso
Admitindo que esta arenga tem subjacente algum razoamento minimamente estruturado e não se deve a um episódio de demência fugaz, há que perguntar a Albino Aroso se as suas incursões na teologia se inserem na política de férrea separação entre igreja e estado que vem apregoando quando procura fazer passar a mensagem ridícula e mentirosa de que todos os defensores do Não ao aborto são católicos e que o são apenas por isso.
Aroso não quer misturas e não gosta de padres, mas prega, doutrina e excomunga. Se o objectivo era ser patético, pode dar-se por plenamente realizado.
João Vacas
Quando a propriedade se transforma num conceito voraz...
Já no outro dia o AA do AAdF tinha tentado argumentar no sentido do sim ao aborto com base no direito de propriedade. Hoje vai mais longe. Muito mais longe, ao considerar que, se se entender não estar em causa o direito ao corpo da mãe (simplesmente pela constatação de um outro ser humano a ela ligado), alguém tem de “tomar posse administrativa do corpo da grávida, directa ou indirectamente, para que esta possa ser bafejada com a graça de parir responsavelmente”.
Encanta-me, a par da elegância de escrita, a lógica denotadora de grande riqueza dos quadros conceptuais de abordagem da realidade.
E como o candidato a arvorar-se em agente instrutor do processo de requisição por utilidade pública, já que a posse é administrativa, é o pai, imagino que o AA, enquanto pai ou futuro pai, se veja a si mesmo como um agente do estado dotado de ius imperium.
Mas, como isso o aterroriza, levo a imaginação mais longe e vislumbro no AA o macho (expressão também elegante) que, diante de uma gravidez para a qual contribuiu, se afasta silenciosamente, não vá contender com a liberdade alheia.
O facto de o homem ser pai e querer que o filho nasça é para ele algo que se inscreve no quadro de uma engenharia social.
Pelo que, e à luz do seu conceito distorcido de liberdade, imagino que, se a mãe quiser ter o filho, também será um acto cruel obrigar o homem a ser pai e a arcar com as suas responsabilidades.
Esclarecedor, de facto. Enternecedor. Mas um pouco enjoativo. E motivador de duas perguntas:
a) Já que em causa está apenas o corpo da mulher, se esta apenas descobrir que está grávida às 11 semanas de gestação, o corpo passa a ser um bem do domínio público? Aquela semana de diferença é suficiente para se produzirem efeitos análogos aos do instituto da usucapião? Ou o AA admite sem pejo o aborto até aos nove meses?
b)E se o filho nascer? O que dizer das normas do Código Civil que estabelecem procedimentos para o estabelecimento da paternidade, com as consequências patrimoniais e pessoais daí decorrentes?
AINDA A PROPÓSITO DESTE POST
Do convento para o cabaret...
Até já imagino as Carmelitas que costumo encontrar em todos os actos eleitorais de mini saia e top...
A Igreja manifestou-se. Tenham muito medo!
E sendo o Sábado anterior dedicado à reflexão, que tal ponderar a proibição das homilias nesse dia?
E, já agora, eu que uso um crucifixo num fio posso ir votar com ele ou tenho de o deixar em casa?
SOUTH PARK: ABORTION
INTRODUÇÃO AO DIREITO - 2ª PARTE
Nunca lhe disse que era a sociedade ou o ordenamento jurídico a conceder a liberdade. Esta faz parte da estrutura ontológica do ser humano, visto como uma pessoa. O que lhe disse é que essa liberdade não nos encerra sobre nós mesmos, mas nos abre ao outro comunicantemente, pelo que é indissociável da responsabilidade.
Ademais, nunca poderia falar de uma atribuição da liberdade, uma vez que ela se encontra, tal como lhe tentei explicar, num plano de fundamentação de todo o sistema de direito.
E é aqui que começam as clivagens. Porque acho que o Rui não conseguiu perceber o que eu lhe dizia. O seu problema é ver no direito o direito legislado. Cego pelo ódio ao Estado, preso a alguns dos pré-conceitos positivistas, olha para o jurídico do ponto de vista político, confunde-o com o direito posto e imposto pelos órgãos democraticamente eleitos e, dedutivamente, chega à conclusão que ele implicará sempre uma opressão aos cidadãos livres.
Ora, vamos lá ver se eu lhe consigo explicar isto. O estrato das normas positivas (das leis) é apenas uma pequena parte do sistema jurídico. A par deste existem outros estratos: a jurisprudência (sim, pode ser um choque para muitos, mas o juiz não é um mero sujeito passivo, participando activamente na criação do direito), a doutrina, e os princípios normativos.
Ora, estes, não sendo fontes, permitem a fundamentação de todos os outros estratos, dando-lhes sentido. E que sentido é esse, perguntar-me-á: o verdadeiro sentido jurídico.
Porque, uma ordem que se queira de direito e do direito não se limita a resolver o problema da partilha do mundo. Fá-lo na pressuposição de uma intencionalidade especificamente jurídica. Uma intencionalidade que nos remeta para a consideração da dignidade ética do ser humano, livre e responsável.
Por isso, as ordens comunistas, nacionais-socialistas e outras como tal podem ter sido ordens de regulação social, ordens que resolveram o problema da partilha do mundo, mas não foram ordens jurídicas. Faltou-lhes a dimensão ética que permite essa qualificação.
Repare, pois, que a ética – que, pela compreensão hodierna do ser humano, nos leva necessariamente à abertura dialogante com o outro, no qual vemos um ser igual a nós – não nos oprime, mas nos dá aqui garantias.
Garantias de que o legislador não fará tudo. Porque, mesmo que as leis sejam hoje, em grande medida, instrumentos de prossecução de políticas governativas, elas não podem olvidar os princípios. O esquema é semelhante ao da inconstitucionalidade das normas. Tal como uma lei não pode violar a constituição, porque a juridicidade é mais ampla e mais funda que a constitucionalidade, também não pode deixar de estar em sintonia com esse referente de sentido último. Se estiver, tratar-se-á de uma lei injusta que o juiz, na decisão do caso concreto, pode afastar.
E não se assuste, porque eu lhe estou a falar em ética, nunca em moral, algo distinto, que pressupõe unicamente a relação de cada um de nós com a nossa consciência.
Repare que o que o Rui faz é pressupor um quadro axiológico, que o leva a afastar como grotesca uma norma que imponha a escravatura ou a morte de cidadãos. Ao fazê-lo não está a fazer mais do que eu faço. Simplesmente, porque esses casos não levantam problemas, resolve-os acriticamente. Quando a prática me coloca diante de um problema eu tenho de mobilizar um pensamento de segundo grau. É isso que estou a fazer em relação ao aborto.
Note, ainda, que este é um referente de sentido que estabelece um quadro geral dentro do qual nos movemos, e cuja conformação pode assumir diversas formas. Nada disto impõe a definição de uma política económica. Até porque, e esse é o seu segundo erro, não pode reduzir o jurídico ao económico, sob pena de perder a noção do justo e a transmutar numa noção espúria de eficácia ou eficiência.
Aqui chegados, não lhe posso retribuir os parabéns. Eu respondi ao seu desafio. O Rui insiste em não responder ao que o João Vacas lhe perguntou e bem assim às questões que eu lhe dirigi. Vá, por favor, vê-las ao texto de ontem e corajosamente responda a cada uma delas.
Atenção que se admitir que o embrião é um ser humano não pode colocar o problema no plano da moral. Porque em causa estão dois seres e a moral, pela sua natureza, não implica essa ideia de alteridade ou intersubjectivdade.
Espero sinceramente que tenha percebido que o problema não se coloca ao nível da legitimidade do Estado e do direito. Digo-o sem ironia, porque só depois de o entender poderemos esgrimir argumentos sobre a oportunidade ou não da alteração legislativa.
Com o SIM nas entrelinhas?
Deve ser por causa destas entrelinhas e de frases “inocentes” como esta, que os partidários SIM não sentem necessidade do meio tão restrito da blogosfera. O SIM, com mais ou menos pudor é proclamado como “razão única” em quase toda a comunicação social.
E assim sendo aproveito daqui, deste "pequeno" blogue com acesso a cerca de 400 leitores diários, para esclarecer o jornalista Pedro Rolo Duarte que a lei portuguesa não "manda" automaticamente a mulher que aborta para a prisão. São sempre consideradas as circunstâncias e atenuantes. Aliás não tenho conhecimento da prisão de alguma mulher por essa causa nos últimos anos.
Tocqueville? Indeed.
COISA DE SENHORAS
O ISTO DA QUESTÃO
Sem Título
BdN à escuta...
Por Francisco Sarsfield Cabral
Um esclarecimento que tarda
A Associação “Mulheres em Acção” acaba de enviar uma carta ao Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista colocando uma questão pertinente: afinal, que lei vai reger o aborto se o “Sim” vencer o próximo referendo?
A pergunta tem razão de ser, uma vez que o único Projecto de Lei apresentado pelo PS sobre esta matéria (há cerca de um ano) permite o aborto até às 16 semanas em caso de perigo de morte ou de grave lesão física ou psíquica da mulher grávida. E considera lícito o aborto, também até às 16 semanas, “por razões de natureza económica e social”.
Como o PS ainda não modificou esta Proposta (se é que o vai fazer), será que ela irá ser votada no Parlamento e eventualmente aprovada pela maioria socialista? Ora a pergunta do referendo, já aprovada pelo Tribunal Constitucional, refere apenas a despenalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras dez semanas.
Para que o debate prévio ao referendo seja sério e transparente é indispensável que o PS esclareça quanto antes esta questão. Vai manter a sua proposta, entrando em colisão com a pergunta do referendo? Irá modificá-la? Como?
Tem a palavra o PS.
Francisco Sarsfield Cabral
Vida humana ou "pudim de gelatina"?
A derradeira conquista do Estado social? (2)
Dessa forma, seria possível conjugar numa hipotética vitória do "Sim" no referendo duas políticas exemplarmente estatistas: a consagração do "direito social" ao aborto totalmente live até às 10 semanas e a concessão de incentivos ao investimento estrangeiro. Ambos financiados, como não podia deixar de ser, pelos contribuintes portugueses.
SERÁ QUE É DESTA QUE PERCEBEM?
Concedo-lhe, obviamente, que continue a defender as suas posições liberais. Até porque será para mim um excelente expediente para lhe tentar explicar algumas coisas.
Comecemos pelas certezas: estamos em profunda dessintonia. A visão que derramamos sobre o mundo, o homem e a vida coloca-nos, se não nos antípodas, pelo menos bem longe um do outro. Mas isso, em vez de me perturbar, só me leva a reforçar a posição expendida no primeiro texto que lhe dirigi.
Na verdade, se partimos do pressuposto – aceite por ambos – que as sociedades actuais são complexas e plurais, onde vai encontrar o arrimo que lhe permita dizer o que é permitido ou proibido? De onde brota “a ordem jurídica espontânea” de que o direito legislado há-de ser um reflexo?
Não colhe como proposta explicativa o recuo a tempos remotos, prévios à constituição do Estado Moderno. Não que só reconheça o direito estadual (há muito mais direito do que aquele que resulta da positivação das normas postas ou impostas por quem politicamente está legitimado a fazê-lo). Mas sobretudo pela compreensão da relação entre o homem e o todo que aí se vivenciava. É que, durante toda a Idade Média, “todo o privado era público”, dado o homem perspectivar-se na inserção num cosmos e orientar a sua vida de acordo com um plano de salvação colectiva.
E já antes, ainda que o Direito Natural não conhecesse os contornos medievalmente teológicos, o apelo à natureza como referente fundador da validade normativa era marca característica das comunidades.
Os problemas começam, primeiro, no momento do corte com a transcendência, depois, com a recusa da questionação jurídica no âmbito da filosofia prática. Somos remetidos, paulatinamente, do pré-positivismo jusracionalista para o esplendor do positivismo, de cariz exegético ou científico. E, na proporção inversa à problematicidade do problema anunciado, procurou resolver-se a aporia, olvidada, da fundamentação do jurídico acriticamente. Era direito o que o legislador considerasse como tal, procurando a todo o custo salvaguardar a neutralidade axiológica, em nome da nova ordem política e económica emergente. Recusa-se a ética, que nada teria a ver com o direito. Esquecendo que, eles mesmos, se arreigavam a um quadro axiológico, potenciador da segurança, da liberdade e da individualidade; Esquecendo que qualquer domínio da actuação humana, por o ser e que verdadeiramente o queira ser, implica a ética, não fosse esta, nas palavras de Lévinas, a filosofia primeira.
Falhada a missão metodológica de tal quadro de pensamento, pela constatação da sua impraticabilidade, feita perigar a ideologia primeira que o alicerçou, pela inexorável condenação de um esquema como este aos desmandos – sempre potencialmente despóticos – do poder político, volta a questionar-se qual o fundamento do jurídico. Poderá ele encontrar-se na imanência do direito constituído ou ter-se-á de procurar num referente transpositivo e transtextual? Sem que isso nos conduza ao Direito Natural.
Exemplo disso são todas as posições filosófico-jurídicas que, com diversos matizes, fazem apelo à natureza das coisas. Não se pode pensar numa lei moral, mas unicamente numa ordem humana. E o direito passa, e bem, a ser compreendido a partir da existência do homem.
Ora, para quem vê no homem apenas o indivíduo qualquer imposição jurídica seria um atentado. Reclama-se um direito a uma irredutível subjectividade, que seria o limite da validade objectiva do jurídico. A lei só seria legítima quando correspondesse à consciência dos membros da comunidade, devendo limitar-se, por isso, a regulamentar de forma elementar a vida comunitária, sem impor uma dada concepção do mundo.
Penso ser por aqui que o Rui se inscreve.
E é aqui que nos separamos. Porque para mim o homem não se exprime unicamente na irredutível subjectividade. À autenticidade do ser eu próprio comigo e em mim associa-se, porque o homem não pode deixar de viver em comunidade, o ser eu com o outro, para o qual olho e do qual extraio uma dignidade igual à minha. Por isso lhe disse que o direito tem uma radical matriz ética. Apenas e só porque o direito implica o encontro de seres humanos que, se não renunciarem a essa qualidade, terão de sempre tratar-se como seres eticamente cunhados.
E separamo-nos, ainda, porque ao debruçar-me sobre a perspectiva que o Rui defende a encontro coberta de aporias. Se houver um conflito irredutível entre o ser individual e o ser social, como o resolve? Será que quando o seu vizinho ouve música aos berros às duas da manhã não está aí presente um choque de subjectividades e individualidades? Dir-me-á de uma perspectiva liberal radical que a minha liberdade acaba quando começa a do outro. Eu dir-lhe-ei que sim, mas que mais. Porque não entendo, sem a pressuposição de um referente de sentido, que me permita fundar a validade, por que razão há-de o Estado interferir na modelação daquela relação? Ou mais. Por que razão o seu direito ao sono é superiormente valorado por referência ao direito à liberdade de acção – no caso consubstanciada no ouvir música aos berros – do seu vizinho? O ser humano só é pensável na relação intersubjectiva, que apele ao reconhecimento da sua própria dignidade e do outro. E o direito, nessa pressuposição, vai resolver o conflito de interesses resultante do choque e encontro de individualidades no mundo, que é finito e dotado de recursos escassos.
O direito resolve problemas práticos a vários níveis. Ao fazê-lo faz escolhas. Como as sustentar se não através da pressuposição de uma validade que nos remeta para a eticidade e para um quadro axiológico, entendidos nos moldes que lhe expus e afastados da moralidade? (Talvez o drama destes nossos debates seja não estar a ver que eu nunca falo de moral, mas sempre de ética). Onde vai buscar a ordem que brota espontaneamente? Não estará a esquecer que um juízo de valor pressupõe um quadro valorativo, até porque, implica sempre o olhar do sujeito sobre o objecto, sendo, como tal, uma construção não objectiva, de acordo com o que nos ensina a fenomenologia?
E nessa validade que faz apelo à raiz ética do ser humano, a liberdade assume foros de gigante. Concordo. Mas uma liberdade apenas pensável na abertura de pontes comunicantes com o outro.
E sim, a liberdade contratual é um pilar essencial do nosso ordenamento. Louvo-a, ensino-a, estimo-a. Mas repare, como o próprio nome lhe indica, ela só funciona no plano contratual, da acção voluntariamente predisposta, mediante a emissão de declarações negociais entre sujeitos capazes, para a produção de determinados efeitos práticos que se queiram ver tutelados pelo direito. Além disso, a liberdade contratual não funciona no vazio. Tem de exercer-se no quadro de um ordenamento e de uma normatividade existente. Sob pena de se instalar a anarquia ordenada. Sob pena de se frustrar o seu desiderato, até porque ela só funciona entre seres materialmente – e não apenas formalmente – iguais.
Mais lhe digo que dificilmente conseguirá explicar algumas das soluções predispostas pelo nosso ordenamento se continuar preso a essa visão das subjectividades e individualidades que colidem. Pergunto-lhe. Como consegue, a essa luz, justificar que seja crime o homicídio a pedido, o incitamento ou ajuda ao suicídio, já para não falar da propaganda ao suicídio? E fugindo do direito penal, como justificar – arreigado a uma visão conflitual, individual e dessolidária (não sou eu que o digo. São outros que, antes de mim, e acedendo pela sua mestria ao estatuto de filósofos do direito, o dizem) – que o consentimento para limitar determinados direitos de personalidade não possa ofender a ordem pública ou os bons costumes?
Mas vou mais longe. Ainda que queira ficar no patamar, a meu ver empobrecedor, da individualidade radical, relembro-lhe o post que o meu querido amigo João Vacas, ontem, lhe dirigiu, com a acutilância que o caracteriza. Se vir no embrião um ser humano, terá aí um indivíduo, pelo que, ainda que no quadro da sua concepção, não percebo as dúvidas acerca da legitimidade de o direito (o Estado) intervir.
E se tem dúvidas acerca desse estatuto de vida humana, para mais alicerçadas em São Tomás, não ditará um princípio da precaução que, na incerteza, não se corram riscos, sendo, portanto, prudente tutelar o embrião?
E agora que constato que longo vai o meu discurso, deixe-me tentar, ainda, reincidir na minha questão, à qual, consciente ou inconscientemente, não respondeu.
De facto, parece-me extemporânea a discussão em torno da legitimidade do Estado para intervir nesta matéria. É que, não sei se a má notícia o vai chocar, mas o aborto não deixa de ser crime, mesmo que o sim ganhe no referendo. A partir do momento em que o Estado diz que até às 10 semanas não é crime, já se arrogou de tal legitimidade. E o que eu não entendo é aquele prazo. Porque recuso a aceitar que o Rui, estribado em tantos conhecimentos sobre filosofia e política, me diga que às 11 semanas o Estado adquire, sabe-se lá vinda de onde, legitimidade para criminalizar. Donde resta a minha redução. O embrião é um ser humano, há que tutelá-lo. O embrião não é ser humano, não há que o tutelar.
Eu entendo que sim, convicta e apaixonadamente. Luto pelo não. Em consciência e coerentemente. Se entender que não é, eu respeito-o, mas peço-lhe que, também coerentemente, admita que aceita, então, o aborto aos nove meses.
A partir daí a nossa conversa será outra. Num outro patamar dialógico e com outros argumentos.
Sob pena de os liberais adeptos do sim e estribados nos seus argumentos ficarem reféns daquilo que eu acho ser um acto de hipocrisia. Dizem sim até às 10 semanas. Dizem não às 11, sem que na verdade se sustentem em algo para certificar esse hiato temporal.
Já agora duas notas mais, estas lapidares.
Nunca me passou pela cabeça denunciar um concreto crime de aborto às autoridades competentes, porque nunca tive conhecimento de nenhuma situação em concreto. E para que não me acuse de hipocrisia ou de fuga em frente, adiantar-lhe-ei que, a ter conhecimento de tal situação, seria por ela ocorrer com alguém meu amigo. E isso sim, não pelo abalo de convicções, mas pelos laços inelutáveis de amizade, tornaria a decisão difícil. Decisão essa que se colocaria, unicamente, ao nível da minha consciência e, como tal, seria uma decisão moral, a fazer apelo a uma síntese entre alguns dos exemplos da moral formalista e categórica de Kant e os valores de caridade que me são tão caros (tal como se geraria o dilema se soubesse que um amigo tinha roubado). E permita-me dois reparos a este propósito: como liberal, traiu-se. Acusou-me, mas quem resvalou na moralidade foi o Rui e não eu. Além do que, se eu debato uma norma legal, situo-me no plano da previsão normativa, muito diferente da ponderação judicativo-decisória concreta.
Por fim, os meus parabéns pela escolha da imagem. Sentido estético apurado. Se, porém, tentou com isso uma fragilização dos meus argumentos, acho que falhou o alvo. Sou católica, assumo-o, mas recuso liminarmente que essa condição se abata sobre mim como um anátema. Nunca nas minhas palavras encontrou a invocação teológica. Nem aos doutores da Igreja, também eles pensadores no plano temporal, recorri. Ao contrário de si…
Com os melhores cumprimentos,
Mafalda
P.S. Caro Adolfo, tentou e não conseguiu, porque, nessa sua tentativa, se baralhou mais do que pretendia. Leia, pondere, para não ter de amuar e escudar-se nas palavras de outros. Mas responda, ou tente responder, de onde brota essa ordem espontânea? O que é isso da natureza espontânea das coisas, se qualquer juízo implica sempre o olhar comprometido do´sujeito? Cumprimentos.
OLHE QUE NÃO, OLHE QUE NÃO
CAMPANHA ELEITORAL AO CONTRÁRIO...
Não é um direito. É um negócio - 3
João Vacas
A derradeira conquista do Estado social?
PERPLEXIDADES DIANTE DE UM SIM (NIM) LIBERAL
Parecem-me surgir, aí, as contradições.
Não que não me cause estranheza, mesmo repulsa, a ideia de contribuir, com os meus impostos, para a realização de abortos. Mas trata-se, no meu íntimo, de uma natural objecção de consciência, coadjuvada pela percepção das carências que afectam, actualmente, o SNS.
Ora, a partir do momento em que – pela recusa de um padrão axiológico e normativo – nenhum juízo de censura pode ser derramado sobre a mulher que aborta, a situação converte-se num problema do foro médico, a reclamar, necessariamente, a assistência do SNS.
Ou não, porque o Rui, adepto de um liberalismo radical, olha para o Estado-de-direito como uma economia de mercado, o estado do homo oeconomicus.
O que me leva, de imediato, a formular uma pergunta. Em jeito de inquietação. Pois se tudo se funda nos interesses do indivíduo dessolidário, que recusa os valores trans-individuais, como consegue encontrar o vínculo normativo que o leva a afirmar que “um julgamento é um juízo de valor feito por um (ou mais) homem sobre o comportamento de outro”? Não será claro que sem um a priori referente axiológico a responsabilidade que envolve aquele juízo fica sem fundamento?
Concretizando, por que razão há-de o Estado intervir na vida particular de cada um de nós impondo que não mate o vizinho, o pai, a mãe ou o desconhecido?
Ou mais directamente relacionado com o nosso tema: por que razão há-de o Estado julgar uma mulher que aborte às 11 semanas?
As respostas a estas inquietações implicam a assunção de um referente normativo, de validade, que passará sempre e necessariamente pela perspectivação do outro eu, com quem me cruzo e no qual me reconheço, como alguém dotado da mesma dignidade em que eu próprio me revejo.
E aqui voltamos ao cerne do aborto. Ou reconhecemos no embrião um ser humano, e como tal pessoa que temos de proteger. Ou não reconhecemos. E aí aquele limite de 10 semanas, a que a pergunta aprovada pelo TC nos conduz, é puramente arbitrário e tolo.
Porque o Direito não é pensável fora do encontro ético. Diferente da moral, pelo que nem sequer temos de sindicar se quem nos vai julgar é moralmente superior a nós.
Pois é... assim não, mesmo!
O Rui Castro, conceda-se essa justiça, procurou demonstrar que há um efectivo trabalho de pessoas que aceitam simultaneamente duas verdades que temos por indesmentíveis: 1ª - o aborto deve ser evitado; 2ª - há mulheres que precisam de ajuda e todas as que precisam de ajuda merecem ser ajudadas. Pena que o Estado não tome esta tarefa como sua... Por isso, parece-me injusta, para ser cordato, esta atitude que consiste em menorizar as acções meritórias de quantos, a expensas suas, procuram aliviar o sofrimento de outros.
Parafraseando o próprio, conheço e rejeito o argumentário redondo do Rui. A.. O que continuo sem ouvir é quais são as propostas que ele gostaria que nós propuséssemos para ajudar as mulheres em situação limite... A sério gostava de saber... E, porque não devemos fugir à capacidade de aprender, quais as propostas que os defensores do "sim" têm apresentado para combater este flagelo e ajudar essas mesmíssimas mulheres? Temo bem que essas propostas só serão consideradas úteis se servirem um propósito: o da liberalização do aborto. No dia em que o aborto for livre e que o Estado o pague, resolveu-se o problema e as mulheres deixaram de estar em situação limite, não é?
O "pois não" que o Rui A. usa para responder ao Rui Castro não é pleonasmo. É elogio à cegueira.
Individualidade e Convivência
Conviver: Conjugar; do Lat. convivere; v. int.; ter convivência, convívio, relações (íntimas ou sociais), familiaridade com; viver em comum.
Indivíduo: adj./ s. m.
adj., não dividido;indiviso;
s. m., qualquer ser, vegetal ou animal, em relação à sua espécie; pessoa considerada isoladamente; homem indeterminado ou que se não quer nomear; sujeito;pessoa.
É precisamente por causa da necessidade de assegurar a convivência humana e a não interferência na vida dos indivíduos que se justifica uma lei sobre o aborto.
PASSOU
FINANCIAMENTO ESTATAL DO ABORTO II
BASTA ENCAIXAR AS PEÇAS
Não faço ideia qual foi o passado destas crianças até serem adoptadas, mas posso imaginar que não tenha sido o mais feliz. O que sei, porque o comprovo todos os dias na escola, é que são genuinamente felizes, saudáveis e demonstram um gosto e capacidade de brincarem com os outros que não vejo em muitas outras crianças.
A Mãe biológica destas crianças, se os entregou para adopção, foi porque não pode ou não os quis criar. No imediato, talvez tivesse sido mais fácil abortar: não teria passado alguns incómodos da gravidez e do parto, não teria sofrido eventuais pressões da família e da sociedade, não teria hipoteticamente ficado sozinha, etc. A longo prazo, possivelmente teria que lidar com alguns dos conhecidos efeitos físicos e psíquicos do aborto, de difícil ou mesmo impossível resolução.
Esta Mãe biológica, por coragem ou convicção, não abortou. É fácil adivinhá-la mais feliz agora, mesmo longe dos seus filhos, do que com o peso do aborto. E estas crianças? Tiveram oportunidade de viver e estão a aproveitá-la, sendo simplesmente felizes; podem agradecer à Mãe tê-los deixado viver e ter deixado que fossem adoptados. E a Mãe adoptiva? É outra pessoa feliz nesta história, pois também ela conquistou um seu objectivo - a adopção – e, que bom!, isso faz os outros felizes.
É só encaixar as peças e tudo faz sentido.
FINANCIAMENTO ESTATAL DO ABORTO
HOJE
QUEM NÃO SABE É COMO QUEM NÃO VÊ
O meu irmão Martim - Afonso Reis Cabral
No entanto, eu já tive mais direitos que o meu irmão Martim. Há apenas quinze anos atrás as nossas vidas poderiam nunca se ter encontrado e o meu irmão poderia estar morto.Com que direito teve o meu irmão menos direitos que eu? Com que direito o Estado definiu que o meu irmão poderia ter sido morto mesmo antes de nascer e eu não? Porque é que eu tinha o direito à vida e o Martim não?Com que direito é que o meu irmão Martim, por ter o Sindroma de Down, poderia ter sido morto? Com que direito é que a lei diz que se podem matar bebés deficientes ainda não nascidos até aos 6 meses de gestação?E se tivessem tocado a campainha ao meu irmão Martim?
O Mandarim - Afonso Reis Cabral
«No fundo da China existe um Mandarim mais rico que todos os reis de que a Fabula ou História contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição dum avaro. Tu, que me lês e és homem mortal, tocarás tu a campainha?»Teodoro somos todos nós e há um momento em que nos é dada a possibilidade de tocar à campainha.O Mandarim lá no fundo da china, por não se ver, conhecer, sentir ou ouvir, não deixa de ser um ser humano que vive. É este o grande problema moral em O MANDARIM de Eça de Queiroz.Aqui se pode construir um paralelo íntimo e real com o aborto.O semblante da criança que cresce no útero da mãe não se conhece, a sua vida não se sente e o seu nome ainda não foi dado. O Mandarim é uma entidade vaga aos olhos de Teodoro, nunca o conheceu e para que todos os problemas que lhe afloram o quotidiano acabem basta que ele toque a campainha.O bebé, à semelhança do Mandarim, soltará apenas um suspiro inaudível sem nada poder fazer. Ti-li-tim…!Teodoro duvidava até da existência do Mandarim porque nunca o tinha visto, nunca ninguém lhe provara com factos palpáveis e universais que aquele velho vivia, nunca ninguém lhe mostrara o papagaio que o velho senhor bramia no momento em que tocaram à campainha.«E agora note: é só agarrar a campainha e fazer ti-li-tim. Eu não sou nenhum bárbaro: compreendo a repugnância dum gentleman em assassinar um contemporâneo: o espirrar do sangue suja vergonhosamente os punhos, e é repulsivo o agonizar dum corpo humano. Mas aqui nenhum desses espectáculos torpes…»Este indivíduo corpulento, todo vestido de preto, de chapéu alto, com as duas mãos calçadas de luvas negras gravemente apoiadas ao cabo dum guarda-chuva é o Estado que propõe a Teodoro a possibilidade efectiva de tocar à campainha desde que até às dez semanas.Teodoro disse sim.Ah! Então todos os seus problemas pareciam ter acabado! «Então não hesitei. E, de mão firme, repeniquei a campainha.»Sofreu, morreu realmente, se é que era vivo?«-Pobre Ti-Chin-Fú…!- Morreu?- Estava no seu jardim, sossegado, armando, para o lançar ao ar, um papagaio de papel (…). Agora jaz à beira dum arroio cantante, todo vestido de seda amarela, morto, de pança ao ar, na relva verde.»Esta é a forma mais fácil de acabar aparentemente com todos os problemas, e agora o Mandarim jaz irremediavelmente morto.Teodoro entrega-se a tempos de deleite, mas pouco tempo depois os remorsos chegam na forma de um terrível fantasma segurando um papagaio de papel. Tudo faz para tentar remediar o que sente, enveredando até numa viagem à China para conhecer a família do velho senhor morto. Tudo em vão. Tenta recorrer ao indivíduo de chapéu alto, mas estava inalteravelmente só e abandonado.Teodoro não precisou de castigo, nunca foi preso, ninguém nunca o repudiou mas mesmo assim na consciência o peso de uma vida que nunca conheceu dilacera a sua existência. O pior castigo foi o remorso avassalador, corroendo-lhe o peito.Se nunca tivesse tido a opção de tocar a campainha nunca o teria feito e hoje, algures entre nós, viveria ainda o Mandarim.O fantasma nunca o abandonou e foi assim que concluiu o relato do seu infortúnio:«E todavia, ao expirar, consola-me prodigiosamente esta ideia: que do Norte a Sul e do Oeste a Leste, desde a Grande Muralha da Tartaria até às ondas do Mar Amarelo, em todo o vasto Império da China, nenhum Mandarim ficaria vivo se tu, tão facilmente como eu, o pudesses suprimir e herdar-lhe os milhões, ó leitor, criatura improvisada por Deus, obra má da má argila, meu semelhante e meu irmão!»
O ABORTO E AS MULHERES
Imbuídos de um espírito de desqualificação da responsabilidade, entendida como uma imposição exterior que oprime, os arautos do sim bradam que as mulheres sabem o que fazem e que, por isso, quando decidem abortar actuam conscientemente.
Entendamo-nos.
Sou mulher. E como mulher, e ainda que arredada de qualquer feminismo ortodoxo, recuso aceitar um epíteto pejorativo que olvide a dignidade de tal estatuto. Recuso, diante da alternativa de Domenach, a servidão e, como tal, opto pela responsabilidade.
A responsabilidade de saber que todas as mulheres são autoras dos seus actos. A responsabilidade de saber que todas as mulheres, exercendo o seu direito à autodeterminação sexual, assumem as consequências inerentes àquele exercício livre. A responsabilidade de aceitar uma gravidez, mesmo que indesejada.
Ser homem (e também mulher) é, já diria o filósofo, ser responsável. É por entender que as mulheres não são um bando de levianas e incautas que não posso aceitar, por referência a elas, uma desconsideração da verdadeira essência do ser livre. Na exacta medida em que só sendo responsáveis agimos livremente.
E, assim sendo, ao direito à vida que o embrião reclama não se opõe o direito à liberdade da mulher. Ao direito à vida do embrião associa-se o direito à liberdade desta. Perante uma gravidez não há direito de escolha, porque a decisão livre foi tomada a montante. Perante uma gravidez há uma mulher, cuja dignidade reconhecemos, e por isso consideramos responsável pelos seus actos, e um embrião, um outro ser humano, uma outra pessoa.
Um ser responsável e um ser desprotegido. Ao Estado compete tutelar, juridicamente, o segundo. E a única via discernível é a criminalização. Sem perseguições ou estigmatizações. Reclamando, apenas, que, se aquele primeiro nível de responsabilidade não for assumido, um segundo patamar se torne actuante. Em nome da tutela do embrião; em nome, ainda e sempre, da dignidade da mulher. Porque pressupomos que ela não é uma leviana e uma incauta. Porque pressupomos que ela sabe o que faz. Porque não a rebaixamos a um estatuto de inimputável.
Aqueles que tanto falam em nome das mulheres, contra o que pretensamente fazem crer, são os mesmos que as tornam objectos. São os mesmos que, a um tempo, em vez de oferecer ajuda, as reduzem ao patamar de incapazes e, em homenagem a tempos idos, as relegam, enquanto tal, ao abandono solitário e triste.
Big is beautiful
Lídia Jorge é como aqueles ecologistas que se preocupam apenas com a extinção de bichos grandes e longínquos: a baleia azul, o elefante indiano, o urso panda, o tigre das montanhas. Mas se lhe pedirmos uma campanha para salvar a formiga da Malveira, nicles. Cá para mim, nunca mais ouvimos falar do lince da Malcata porque não tinha tamanho suficiente.
Lídia Jorge também não vê a espécie humana até às dez semanas. Vê os deserdados do mundo, mas não vê os não nascidos do mundo. E, porque não os vê, não tem lugar para eles na sua civilização. Big is beautiful.
Mitos abortistas II (2.ª parte)
Com efeito, um aborto até às 10 semanas custa na Clínica Gelme, em Pontevedra, 400 euros (com anestesia local), ao passo que o mesmo aborto no Centro Clínico El Bosque, em Madrid ascende a 315 euros, o que, mesmo considerando os custos da viagem, andará bem mais perto dos valores praticados em Portugal para os abortos clandestinos do que dos 600 euros referidos. Tenho, pois, para mim, que o velho argumento de que vai a Espanha abortar quem tem dinheiro, quedando-se pelos vãos de escada nacionais as pobres-mulheres-pobres sem possibilidades para se deslocar ao outro lado da fronteira, não passa de mera propaganda demagógica e falaciosa, a qual tem como único objectivo apelar ao velho sentimentalismo luso.
Não é um direito. É um negócio - 2
11/09/2005
A private abortion clinic is offering financial kickbacks to women with late-term pregnancies to entice them into having illegal terminations.
The clinic offers to pay British women's travel expenses and even make discounts on the price of the terminations.
The clinic, Mediterrània Mèdica based in Valencia in Spain, circumvents British and Spanish law by carrying out terminations on 26-week pregnant women for €2,000 (£1,353) and then claiming that they are mentally ill.
Dr Leonardo Llorente, who is one of the abortionists working at Mediterrània Mèdica, told an undercover reporter that despite the stipulations of Spanish abortion law his clinic would never refuse a six-month pregnant woman a termination since "probably all women wanting to get an abortion at this stage will be psychologically affected".
João Vacas
Não é um direito. É um negócio. - 1
21/11/2004
Further complicity between UK abortionists and the Spanish abortion clinic, Ginemedex, is revealed in The Sunday Telegraph (UK) today. An English GP admits to having accompanied a student to Barcelona to terminate a 32-week pregnancy for social reasons. Once again the UK abortion provider, British Pregnancy Advisory Service (BPAS), focus of an earlier scandal unravelled by the same Telegraph team, features regularly in the report.
‘It appears that English women are not the only Europeans ending up at the Ginemedex Clinic in Barcelona. Dr Adlakha refers to a French and German client she met during her visit. Spain is currently smarting under the accusations of racism associated with its football supporters. Do they now want to be seen as the abortion killing field of Europe? The Ginemedex clinic must be closed down.'
O AVANÇO CIVILIZACIONAL
Mitos abortistas II (em 2 partes)
2 NOVAS ENTRADAS
Direito a ser desejado?
Daqui retiram-se duas conclusões:
1.ª - Que estes "Médicos Pela Escolha" reconhecem a vida humana do embrião.
2.ª - Que para estes Senhores a tónica da questão da vida humana se coloca no direito a ser desejado. Querendo com isto dizer, aparentemente, que é legítimo acabar com uma vida humana se ela não for desejada.
Ora, este raciocínio, onde se reconhece a vida humana do embrião, enferma de vários vícios, propositados, ou não, que me suscitam as seguintes questões:
1.- A que título é que a violação do direito a ser desejado pode dar origem à permissão de que se fira o único direito cuja lesão é verdadeiramente irreparável, ou seja, a vida? Será lícito atribuir um direito menor (ser desejado) para justificar a lesão de um direito maior (a vida que se reconhece ser humana)?
2.- Se de facto defendem a existência do "direito de uma criança a ser desejada", deveriam igualmente defender o correlativo "dever de a desejar", uma vez que um direito dessa natureza só pode ser satisfeito por outrem. A quem caberia esse dever de desejar? Que sanções para a falta do seu cumprimento?
3.- Será que tal direito a ser desejado existe verdadeiramente? Ou trata-se somente de entender que seria desejável que todos fossem desejados? Será que o direito pode impor a alguém que deseje?
4.- Será que o que está aqui em causa não é, mais uma vez, única e exclusivamente a perspectiva da mãe que aborta e que se arroga o "direito de não desejar o filho"?
5.- Será que o direito, apesar de não poder exigir que a mãe deseje o filho, não deverá impor que ela suporte esse incómodo (que é real, não o nego) em nome do direito à vida humana do filho que até os "Médicos Pela Escolha" reconhecem existir?
O Mandarim
«No fundo da China existe um mandarim mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?»
Eça já se interrogava sobre o acto de tirar a vida a alguém cujo semblante não se conhece nem nunca se conhecerá, com um simples toque de campainha. Mas o que tem isto a ver com o tema deste blogue?
Happy Birthday
Uma tragédia, por vezes, consegue ser fonte de inspiração artística. Aqui vos deixo uma maneira diferente de ouvir "falar" de aborto...
Apêndice, Amígdalas, Barba e Cabelo
DÚVIDA (caso o SIM ganhe)
ESTRANHA FORMA DE DEMOCRACIA
O aborto como sucedâneo da ideologia
Compreende-se porquê. Quando toda a gente, incluindo os socialistas, pergunta se este Governo é realmente de esquerda, Sócrates saca do referendo e diz: "Vêem como somos de esquerda? Até queremos despenalizar o aborto..." As questões fracturantes são hoje o único luxo ideológico do PS.
De resto, o referendo vem na altura ideal para o Governo. Contestado na rua, a campanha permitir-lhe-á ter do seu lado, nem que seja por três meses, parte das forças contestatárias. O aborto, nas mãos de Sócrates, não passa de um rebuçado a dar à esquerda enquanto faz políticas de direita.