Pedido de esclarecimento

Pergunto ao Tiago Geraldo se conhece muitos crimes contra as pessoas em que não esteja presente a moral tão criticada a propósito do crime de aborto?

Comentários:
Ou seja: há moral e há moral. E, pelos vistos, a nossa não presta.
 
E eu respondo: conheço. O homicídio atenta contra o bem jurídico vida. Vida (art. 66.º C.C.) nascimento completo e com vida. A morte de uma pessoa por homicídio é obviamente uma ofensa ao bem jurídico vida.
No caso do aborto, o pensamento católico concebe a existência de vida desde o momento da concepção. É este o silogismo operado pelos defensores do não: a vida humana é inviolável (certo), o feto é vida humana (contestável), o aborto é necessariamente crime porque atenta contra a vida.
A concepção do valor vida pelos defensores do Não é a da sacralidade da «vida» em todas as suas fases. E é aí que colidimos. Conceber a vida humana não como um valor intrínseco mas como um projecto existencial dos indivíduos não é, de resto, coisa original (Ronald Dworkin em Life's Dominion, por exemplo).

Para terminar, deixo eu as minhas perguntas: tem o aborto dignidade penal? Como é que o Rui Castro justifica a necessidade da pena no caso de aborto? O Princípio da Necessidade da Pena não tem só uma dimensão de avaliação empírica; tem também uma dimensão valorativa, em que se questiona a racionalidade de uma certa opção criminalizadora num sistema de valores. Qual é o fim da pena no caso de aborto, havendo hoje uma crise visível de legitimidade constitucional da incriminação do aborto, sendo inclusive manifestadas (inclusive pelos defensores do não, alguns responsáveis religiosos até) sérias reservas quanto à condenação penal em concreto de mulheres que abortam? Mais: onde está a legitimidade da incriminação? Será a sanção penal absolutamente indispensável (quando, repito, a pena nunca é aplicada), existindo, como existem, outros meios sociais onde se podia apostar para evitar o acto de aborto(planeamento familiar, p. ex.)? Não há uma manifesta desproporcionalidade?
 
Perguntas do senso comum ou do cidadão ignorante nos aspectos juridicos da coisa:

Até às 10 semanas?

Num exame ginecologico consegue-se exactamente e quando digo exactamente é isso mesmo, precisão, aferir se as contas da mulher estão exactas e o feto terá mesmo as 10 semanas?

Ou será a palavra ou as contas da mulher a atestar a veracidade do tempo ( será que devo dizer, de vida) do feto? ( è dificil adoptar, para já, linguisticamente, que o feto é uma coisa que pode ter 10 semanas de tempo ou invés de dizer que pode ter 10 semanas de vida, de existencia.

Se até às 10 semanas não é crime, porque passará a ser crime ás 10 semanas e 1 dia? ou aos 12 dias? Ou isso irá lá através do " mais coisa menos coisa?
Ou às 10 semanas e um dia o feto já é vida e por isso o aborto já é crime?

E se o médico por objecção de consciencia se recusar a fazer o aborto? A mulher pode processar o médico por a estar a privar de fazer um acto que é da sua vontade?

E se devido á recusa de um médico numa primeira abordagem feita pela mulher, o tempo das 10 semanas se esgotar impossibilitando assim a mulher de abortar? A mulher poderá agir judicialmente contra o médico imputando-lhe a culpa de uma gravidez indesejada?


Obrigada
 
"O homicídio atenta contra o bem jurídico vida. Vida (art. 66.º C.C.) nascimento completo e com vida. A morte de uma pessoa por homicídio é obviamente uma ofensa ao bem jurídico vida."
Caro Tiago, o Código Penal não protege o bem jurídico vida de acordo com o conceito que é dado pelo Código Civil mas sim do que resulta do próprio Código Penal. De qualquer das formas, não posso deixar de depreender que o Tiago considera que a lei que o PS pretende aprovar peca por defeito, uma vez que, de acordo com o seu argumento, a liberalização deveria ocorrer até ao momento do nascimento.
Acresce que, mesmo admitindo o seu argumento (o que faço por mero exercício académico), a verdade é que a própria noção de bem jurídico encerra em sim mesmo uma moral.
Mais, a penalização que ocorre actualmente consagra em si mesmo a protecção legal de um determinado bem jurídico, não percebendo eu por que razão aceita o Tiago que a lei proteja o bem jurídico definido no C.C. mas já não faça o mesmo relativamente ao que estabelece o Código Penal.
Com efeito, o que acontece é que o Tiago não aceita a minha moral mas quer impor-me a sua. É disto que se trata. Os defensores do sim arrogam-se de uma suposta amoralidade quando na realidade pretendem consagrar uma moral diferente da dos que defendem o não.
"No caso do aborto, o pensamento católico concebe a existência de vida desde o momento da concepção. É este o silogismo operado pelos defensores do não: a vida humana é inviolável (certo), o feto é vida humana (contestável), o aborto é necessariamente crime porque atenta contra a vida."
Ou seja, na dúvida o Tiago aceita que se atente contra a vida humana.
"Para terminar, deixo eu as minhas perguntas: tem o aborto dignidade penal?"
Na actual lei tem.
Em termos substantivos, e ignorando a lei que existe actualmente, também penso que deverá ter. Com efeito, nãoa persistem dúvidas de que existe um ser humano, com uma individualidade própria. Ainda que não se inclua no tal conceito de vida que nos dá o C.C., a verdade é que por esse motivo a pena estabelecida para o aborto é substancialmente menos gravosa que para o homicídio. E em meu entender assim deverá continuar a ser.
 
Ó meus caros, pode lá haver melhor exemplo do que a despenalização do aborto realizado em caso de violação, que já está na lei actual ?

Andam a fingir que não vêem ?
 





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