Pela cultura da vida
O aceso debate em curso a respeito das condições a que deve obedecer a interrupção da gravidez parece esconder outra dimensão, quiçá bem mais interessante, que teima em ser escamoteada por quem propõe o referendo.
Tenho para mim que a convocação constitui uma fuga em frente, uma demissão de responsabilidades e um abuso de confiança. Descentrada da agenda das grandes questões com que se debate o futuro imediato do país, soa mais a diversão que a um genuíno propósito rectificador de algo supostamente ferido de erro, imprecisão ou injustiça. Este referendo é político, pois coloca o debate a partir das forças políticas que o propuseram e não nasce de uma vontade expressa pela sociedade civil. Este debate é postiço, pois não parte do entendimento que a lei vigente não é a mais cordata, mas sim da inaplicação de tal lei. A responsabilidade de tal inaplicação é, consequentemente, reflexo da falta de vontade do Estado em aplicar em plenitude os instrumentos de que dispõe para evitar o flagelo do aborto.
Abstraindo argumentos de natureza filosófica, religiosa e biológica – se bem que todas tenham cabimento no esgrimir de posições – importa que o povo português compreenda que em todo este historial houve um grande culpado: o Estado. Ninguém quer o aborto – pelo menos é o que ouvimos dos partidários do sim e dos defensores do não – mas, perguntamos, onde está o planeamento familiar, onde estão as políticas de sensibilização, onde estão as campanhas de informação que evitem um mal que todos estimam uma ofensa às mulheres? Perderam-se 25 anos. Se a medicina pode responder fielmente ao mandamento de Hipócrates – “não praticarás o aborto” – graças à panóplia de recursos hoje disponíveis, o Estado não quis, não soube aplicar ou não foi fiel à lei em vigor. A cultura da morte é a mais cómoda. Isenta todos de responsabilidade, premeia quem dela quer extrair lucros e destitui o Estado, a lei, as ordens profissionais e os cidadãos do problema. Ninguém quer ver uma mulher julgada e presa pela prática do aborto, como ninguém minimamente sensível poderia julgar um doente terminal que pede morte misericordiosa. A cultura da morte é a mais cómoda. A defesa da vida é caminho bem mais áspero.
Tenho para mim que a convocação constitui uma fuga em frente, uma demissão de responsabilidades e um abuso de confiança. Descentrada da agenda das grandes questões com que se debate o futuro imediato do país, soa mais a diversão que a um genuíno propósito rectificador de algo supostamente ferido de erro, imprecisão ou injustiça. Este referendo é político, pois coloca o debate a partir das forças políticas que o propuseram e não nasce de uma vontade expressa pela sociedade civil. Este debate é postiço, pois não parte do entendimento que a lei vigente não é a mais cordata, mas sim da inaplicação de tal lei. A responsabilidade de tal inaplicação é, consequentemente, reflexo da falta de vontade do Estado em aplicar em plenitude os instrumentos de que dispõe para evitar o flagelo do aborto.
Abstraindo argumentos de natureza filosófica, religiosa e biológica – se bem que todas tenham cabimento no esgrimir de posições – importa que o povo português compreenda que em todo este historial houve um grande culpado: o Estado. Ninguém quer o aborto – pelo menos é o que ouvimos dos partidários do sim e dos defensores do não – mas, perguntamos, onde está o planeamento familiar, onde estão as políticas de sensibilização, onde estão as campanhas de informação que evitem um mal que todos estimam uma ofensa às mulheres? Perderam-se 25 anos. Se a medicina pode responder fielmente ao mandamento de Hipócrates – “não praticarás o aborto” – graças à panóplia de recursos hoje disponíveis, o Estado não quis, não soube aplicar ou não foi fiel à lei em vigor. A cultura da morte é a mais cómoda. Isenta todos de responsabilidade, premeia quem dela quer extrair lucros e destitui o Estado, a lei, as ordens profissionais e os cidadãos do problema. Ninguém quer ver uma mulher julgada e presa pela prática do aborto, como ninguém minimamente sensível poderia julgar um doente terminal que pede morte misericordiosa. A cultura da morte é a mais cómoda. A defesa da vida é caminho bem mais áspero.
Miguel Castelo Branco
[problemas técnicos impedem que seja o Miguel a publicar o seu 1.º texto. Pediu-me que o fizesse por ele]
Comentários:
blogue do não
Se nada for feito para que as condições de vida sejam alteradas; se as sociedades continuarem a evoluir do modo desbragado como acontece, a tecnologia há-de fazer, até, com que o embriões falem... para dizerem, apenas, que não estão interessados em nascer. Mais: há-de chegar o dia em que, mesmo que queiram, e mesmo que os queiram, eles não terão forças para vingar e sobreviver.
Julgo que se esgotou toda a argumentação de que podiam socorrer-se ambas as hostes. Já não se sai do sítio, se não se discutir na procura das formas mais adequadas de existência. E isso, parece-me, deixou de ser possível, porque a Humanidade se tornou em indústria e comércio de vícios.
Julgo que se esgotou toda a argumentação de que podiam socorrer-se ambas as hostes. Já não se sai do sítio, se não se discutir na procura das formas mais adequadas de existência. E isso, parece-me, deixou de ser possível, porque a Humanidade se tornou em indústria e comércio de vícios.
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