AS PERGUNTAS DO REFERENDO


Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”

Para regular a vida em sociedade, o Estado toma opções, decidindo quais as situações que exigem a sua intervenção e em que sentido, ou seja, escolhe aquelas que deve:

1 desincentivar, utilizando mecanismos que as impeçam ou dificultem (p.ex: sanções);
2 tolerar, não as regulando, ou
3 incentivar, criando condições que as facilitem ou favoreçam.

No estado actual da legislação, salvo em caso de perigo para a vida ou saúde da mulher, malformações do feto, ou de violação, constitui crime abortar, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez.

Despenalizar esta conduta consiste em fazer com que ela deixe de constar do rol dos crimes. O Estado, em vez de punir, decide não interferir.

No entanto, se ganhar o “sim”, o Estado não se vai limitar a não interferir, não punindo.

Vai fazer mais do que isso: como o aborto só deixa de ser crime se for realizado em estabelecimento legalmente autorizado, vai criar nos hospitais públicos os meios necessários para que se possam efectuar estes abortos, vai legalizar clínicas privadas para o fazer, com as quais vai estabelecer protocolos, vai dar prioridade à realização de abortos, com o consequente atraso no tratamento de doenças efectivas (veja-se o artigo 6.º do projecto de lei do partido socialista, que entrará em vigor se ganhar o sim).

Ou seja, para além de despenalizar, o Estado vai participar activamente no aborto.

Daqui resulta que a pergunta que nos vai ser colocada no referendo encerra, pelo menos, duas questões:

1. Queremos abolir do rol dos crimes o aborto realizado até às dez semanas a pedido da mulher?

2. Queremos que o Estado, muito provavelmente com o dinheiro dos nossos impostos, crie as condições necessárias para que estes abortos sejam realizados, legalizando estabelecimentos para o efeito?

A resposta afirmativa à primeira das perguntas não implica um sim à segunda.

Por conseguinte, julgo que o Tribunal Constitucional deveria recusar a pergunta do referendo nos termos em que se encontra formulada.

Comentários:
Os abortos clandestinos existem. Aqui incluo os de vão de escada (pelos pobres) e os que são feitos em Espanha (pelos ricos). Ninguém pode negar, ninguém. Também não podemos virar a cara e passar por cima. Morrem mulheres devido à intervenção. E como é incoerente ser-se pró-vida numas coisas e pró-morte noutras, eu, sendo pró-vida, e católica praticante preocupa-me que morram mulheres porque a lei portuguesa faz de conta que esta realidade não existe, ou por outras palavras, é hipocrita.

Vamos lá ver uma coisa, que penso que muita gente ainda não percebeu, ou faz de conta que não percebeu:
A questão há muito que deixou de ser "eu sou contra o aborto" vs "eu sou a favor do aborto". Penso que não há ninguém que seja a favor do aborto e que não fique sensibilizada pela eventualidade de estar a inviabilizar uma vida.
Mas pior do que inviabilizar uma vida, é pôr em risco uma outra.

Sejam francos, alguém acredita que se o Não ganhar, vai deixar de haver abortos clandestinos? Alguém acredita que a actual lei proteje a vida? Quem tem e quem quer fazer um aborto faz.

A ideia com que eu fico, muitas vezes, é então que os partidários do Não acham que se as mulheres que fazem um aborto, se correrem risco de vida, ou se morrerem, é um castigo merecido, ou coisa parecida, muito ao jeito de uma pensamento católico medieval.
 
Cara Gisela,
Vai desculpar-me, mas não percebo como é que pode acusar os defensores do NÃO de hipocrisia afirmando logo depois que quem quer liberalizar o aborto até às 10 semanas também é contra o aborto.
O meu (penso que nosso) principal objectivo não é o prender as mulheres, médicos, maridos e outros que participem em abortos (embora não o rejeite em determinadas situações), mas sim o de diminuir o número de abortos. Ora, com a liberalização parece-me evidente que o número de abortos não irá diminuir (veja-se os exempos da maioria dos países que o fizeram), bem pelo contrário.
 
Gisela. Segundo disse:
"Penso que não há ninguém que seja a favor do aborto e que não fique sensibilizada pela eventualidade de estar a inviabilizar uma vida.
Mas pior do que inviabilizar uma vida, é pôr em risco uma outra".

Acredite, aqui não há a eventualidade de se estar a inviabilizar uma vida. Está-se mesmo, repito mesmo, a acabar com uma vida.

Entre o risco para uma vida (da mãe) e o efectivo fim de outra (do embrião), o que é que decide? Eu, entre um risco de lesão e uma lesão efectiva, opto por evitar a lesão efectiva e irreversível.

Eu voto não no referendo e, tal como eu, a grande maioria das pessoas não acha que a morte, ou qualquer lesão para a mulher, seja merecida. Acho tal ideia verdadeiramente monstruosa.

Agora, a minha preocupação com a mãe não me faz esquecer a vida do filho.

Acredite, está realmente em causa uma vida humana num embrião.
 
Um dos argumentos preferidos dos partidários do sim é a palavra 'hipócrita'. Nem precisam de argumentar mais. Dizem hipócrita e está tudo dito...

Outra coisa de que também gostam muito é de porem na boca da 'oposição' palavras que a estes (os do não) nem lhes passaria pela cabeça sequer pensar, quanto mais proferir, como por exemplo essa anormalidade do "castigo merecido".

Assim não vale. São voçês (os do sim) afinal os grandes hipócritas.

E essa do "somos todos contra o aborto mas nós, os bonzinhos do sim, queremos liberalizá-lo para que toda a gente o possa praticar à tripa forra, sem qualquer restrição, e de forma segura", não vos cheira mesmo nada, nem um bocadinho, a hipocrisia?!... Como dizem os brasileiros: enxerguem-se!
 
Ao que escreve, há ainda que acrescentar a enorme dúvida que necessariamente deve suscitar a expressão "por opção da mulher". São as próprias vozes de quem defende a liberalização que afirmam, alto e bom som, que o aborto é uma coisa que ninguém quer, que se trata de um último recurso, que nenhuma mulher aborta de ânimo leve, mas sim porque não tem condições para ter o filho, porque não lhe resta outra opção" (são afirmações que ouvimos frequentemente à Dra. Odete Santos, por exemplo). Então, a seriedade obrigar-nos-ia no mínimo a questionar: será mesmo o aborto, alguma vez, opção da mulher? Ou será que é a única saída que lhe resta para calar o companheiro ou aliviar a nossa consciêcia enquanto sociedade incapaz de proporcionar a essa mulher as condições para ter o seu filho? A mudar a lei, mude-se apenas a HIPOCRISIA que é chamar-lhe Lei da interrupção voluntária da gravidez. Voluntária? Voluntária para quem? Para aqueles a quem aquele filho não "dá jeito", porque "agora não vem nada a calhar"? Mas nesse caso, essa opção não é seguramente da mulher!!!! Nesse caso, a opção é daqueles que preferem matar o filho de outrém por ser incómodo ou para ficarem de consciência tranquila porque a morte a que ajudaram não conduziu também à morte ou incapacitação da mãe num vão de escada. Para esses, é muito mais apaziguador das conciências, mais agradável e fácil pensar que se pôs fim a um ser que supostamente viveria sem qualidade de vida (que eles decidem qual é) e que ainda por cima se salvou da morte uma pobre coitada garantindo-lhe o beneplácito da sociedade para um acto que para sempre a mortificará, mas que, não penalizando, garante à sociedade a sua paz de espírito. Que selvajaria!!!! Que acto mais cobarde e mais atentador da liberdade daquelas mulheres que, segundo a própria esquerda, tendo condições teriam aquele filho, tendo opção, optariam pelo filho. À sociedade o que compete é dar a essas mulheres essa opção: dar à mãe a possibildiade de optar pelo filho (e não a falsa opção de não o ter); e dar ao filho a opção de nascer (e não decidir por ele a sua morte). Aos que não querem ter filhos, cabe a responsabilidade de os evitar, e existem hoje, no século XXI, meios mais do que suficientes para o conseguir. Hoje, no século XXI, quem não quer ter filhos e não os evitou, actuou com irresponsabilidade e deve assumir as consequências dos seus actos!

Maria do Rosário Moreira
 
Caro Rui Castro
Não o desculpo, porque em primeiro lugar pôs palavras na minha boca que não disse. Olhe transcreva lá a frase em que eu acusei «os defensores do NÃO de hipocrisia».

E sim, é verdade que das pessoas que votam sim, uma grande maioria condena o aborto e não o faria. Não vejo aonde está a contradição de dizer Sim a melhores condições para quem decide faze-lo ou Sim há não condenação de quem o faz.

«Ora, com a liberalização parece-me evidente que o número de abortos não irá diminuir »

Pois, mas não respondeu à minha pergunta e voltou a insistir no mesmo argumento de sempre. E eu pergunto: mantendo tudo igual parece-lhe que vá diminuir?
 
Cara Gisela,
Antes de mais, as minhas desculpas se li mal o que havia escrito. Ao ler que acusa a lei de hipócrita por não reconhecer um problema, li que considerava os defensores da lei também hipócritas (para mais quando tem de reconhecer alguma coisa são os Homens e não a lei que é mera decorrência desse facto).
Adiante.
Quanto às contradições que diz não existirem não posso de maneira nenhuma concordar consigo. Estamos a entrar no facilitismo: o problema da droga é irresolúvel - liberalize-se o seu consumo; o drama do aborto clandestino é irresolúvel - liberalize-se a sua prática! Não posso concordar, para mais quando não se tentou atacar o problema de fundo, através da educação. Depois, insisto que os defensores do SIM (ou pelo menos parte deles) não atribuem a dignidade que o feto merece por se tratar de vida humana. Admitindo isto, temos de procurar alternativas à liberalização do aborto, a qual constitui o caminho mais fácil, sem que antes se tenham tentado outros.
Respondendo à pergunta: o que sei é o que se noticia em outros países. Na maioria aumentaram os abortos e em parte deles assiste-se a um retrocesso no prazo até ao qual se pode praticar sem penalização. Assim, penso que não se deve liberalizar, mas sim adoptar medidas que resultem num maior acompanhamento das grávidas em risco, educação no âmbito do planeamento familiar, agilidade no processo de adopção, adopção de medidas que beneficiem fiscalmente as empresas que empreguem mães, etc.
Obviamente que estou longe de possuir a varinha mágica que me permita aferir do sucesso destas e outras medidas que possam combater os motivos que levam uma mulher a abortar, mas não admito que se dê o passo em frente em direcção à liberalização sem sequer se tentar.
Queria ainda dizer-lhe mais uma coisa. Estamos sempre a falar dos casos extremos, ignorando que muitos abortos que são feitos ocorrem por puro egoísmos e por motivos inaceitáveis. Bem sei que não corresponderá à regra mas sei de vários casos em que o motivo para abortar se prendeu com "aquelas férias" marcadas há tanto tempo. Admito que se tratem de casos meramente pontuais, mas não posso aceitar que tais actos deixem de ser puníveis.
Mais uma vez peço que aceite as minhas desculpas se por acaso tiver treslido o que escreveu. Vá aparecendo.
 
Marta

Repare, eu não penso que não seja uma vida. Peço desculpa se me fiz entender mal. Mas essa discussão daria pano para mangas e eu não quero entrar por ai, até porque eu considero que o uso da pilula diária está a inviabilizar uma possivel vida etc etc, e, sejamos practicos, não é isso que se vai referendar, não é isso que se está a discutir.

«Entre o risco para uma vida (da mãe) e o efectivo fim de outra (do embrião), o que é que decide? »

Quando se fala em risco, é risco de vida! A mim não me compete, nem quero, nem posso escolher entre duas vidas. Se o consegue fazer e ficar com a consciência tranquila, é também problema seu. O que nos compete, como sociedade, é proporcionar condições a alguém que se apresenta à nossa frente, que tem sonhos, um passado, um futuro, eventualmente filhos e um marido, uma familia.

As grandes vantagens da liberalização, despenalização ou o que seja, são, a meu ver:

- Permitir que a mulher que pensou em fazer um aborto vá até a um hospital público, e sem ser condenada possa dizer o que pretende fazer e porque o pretende fazer (abro aqui um parenteses para condenar o aborto feito em clinicas sem passar pelo publico préviamente. Isto porque tenho alguma desconfiaça com a ética do privado. Enquanto os hospitais não têm nada a perder ou a ganhar, as clinicas já têm a ganhar).

- A mulher não estará sozinha na sua decisão. Confrontada com outras pessoas (médicos, psicologos, assistentes sociais) e falando do assunto abertamente poderá encontrar soluções alternativas, mudar de ideia, cair em si e ver que está a cometer um erro etc. Ora, bem sabemos que quando alguém faz um aborto está completamente sozinha neste acto. Ou pior ainda poderá estar a ser empurrada a faze-lo. Não é concerteza a parteira de vão de escada e o médico, que vão lucrar com o aborto, que lhe vão dizer - olhe veja lá, não acha melhor ponderar, as consequências são estas estas e estas, tanto a nivel fisico como psicologico. Ao mesmo tempo não existe ninguém que garanta apoio social se o motivo for carência economica.

- Os médicos vão poder verificar se feto tem menos de 10 semanas (sendo clandestino sabe Deus o que é feito!)

Assim, e resumindo, sendo eu pró-vida, sou a favor do Sim porque este poderá diminuir o número de fetos mortos, o número de mulheres que correm risco de vida, o número de parteiras e médicos sem escrupulos que ganham dinheiro à custa do sofrimento e desespero das mulheres.

Agora arranjem-me um argumento que seja consistente com a diminuição de abortos, mantendo tudo como está.


Maria do Rosário

«segundo a própria esquerda, tendo condições teriam aquele filho, tendo opção, optariam pelo filho»

Se a esquerda utiliza este argumento utiliza-o mal porque as razões que levam alguém a abortar não são sempre económicas. A prová-lo estão o número de abortos realizados em clinicas espanholas. As razões que alguém pode ter para abortar são multiplas e só podem ser contrariadas se ouver um acompanhamento como referi em cima. A lei punitiva, até agora, não foi capaz de contrariar as razões que levam alguém a fazer um aborto, assim como não contrariam alguém que pense assassinar outrém. Apesar de haver castigo máximo para quem comete crimes nos EUA, isso impede alguém de cometer um assassinato? Apenas a nossa consciência nos impede de o fazer. Por vezes não a ouvimos. Precisamos de alguém que nos apele à consciência.

«Hoje, no século XXI, quem não quer ter filhos e não os evitou, actuou com irresponsabilidade e deve assumir as consequências dos seus actos!»

Esta frase demonstra um desconhecimento profundo da eficácia dos contraceptivos (o efeito da pilula pode ser anulado com medicamentos, os preservativos podem ter defeitos, os DIU não são 100% eficazes,...), da ignorância,iletracia e enormidade de mitos que ainda reinam em portugal, do que acontece quando se bebe demais ou se consomem substancias psicoactivas. A realidade não é linear, as coisas não acontecem sempre como nós fantasiamos na nossa vidinha pacata e confortável.

Anonymous

eu não discuto com pessoas que não se apresentam e dirigem insultos para todo o lado, sem apresentarem uma única frase que sustente a sua opinião.
 
Está desculpado! ;) Obviamente que não me aborreci consigo por causa disso. E a interpretação que fez até é legitima.

Eu compreendo o que diz. Se fosse possivel, sem mudar a lei e através das medidas que referiu («medidas que resultem num maior acompanhamento das grávidas em risco, educação no âmbito do planeamento familiar, agilidade no processo de adopção, adopção de medidas que beneficiem fiscalmente as empresas que empreguem mães, etc.»), dissuadir as mulheres de abortarem, tanto melhor! Compreende? Isso era o ideal. Mas na hora que a mulher toma a decisão, pelas mais variadas razões (egoistas, economicas, pressão socias, emprego, etc), ninguém está com ela para a dissuadir, muitas vezes acontece até que a pressionam ou encorajam.

Essas medidas que defende também as defendo e não vejo porque as coloca quase num plano de imcompatíbilidade com uma nova lei. Repare que, pelo contrário, esses são objectivos que devem ser perseguidos com ou sem liberalização, e não é o Sim no referendo que vai impedir que eles sejam levados a cabo. Aliás, conto com os partidários do Não, porque constituem um forte grupo de pressão, para fazerem cumprir tais medidas, que urgem e já deviam ter sido reforçadas ontem!

Por outro lado, o Sim à despenalização vai dar hipotese a todos aqueles que são contra o aborto, de poderem dissuadir uma mulher que pense fazê-lo. Senão repare:

- Muitos dos médicos são pelo Não. Se a lei passar vão ter a hipotese de confrontar a decisão da mulher, coisa que não podem fazer actualmente.

- Como vai deixar de ser crime, quem decide fazer um aborto já poderá falar sobre isso (p.ex no emprego) sem medo de denúncia de alguém que seja contra. Se alguém me conferenciar que pretende fazer um aborto, pode ter a certeza que para além de ouvir sermão e missa cantada, farei todos os esforços que tiverem ao meu alçance para evitar que tal aconteça.
 
Está desculpado! ;) Obviamente que não me aborreci consigo por causa disso. E a interpretação que fez até é legitima.

Eu compreendo o que diz. Se fosse possivel, sem mudar a lei e através das medidas que referiu («medidas que resultem num maior acompanhamento das grávidas em risco, educação no âmbito do planeamento familiar, agilidade no processo de adopção, adopção de medidas que beneficiem fiscalmente as empresas que empreguem mães, etc.»), dissuadir as mulheres de abortarem, tanto melhor! Compreende? Isso era o ideal. Mas na hora que a mulher toma a decisão, pelas mais variadas razões (egoistas, economicas, pressão socias, emprego, etc), ninguém está com ela para a dissuadir, muitas vezes acontece até que a pressionam ou encorajam.

Essas medidas que defende também as defendo e não vejo porque as coloca quase num plano de incompatíbilidade com uma nova lei. Repare que, pelo contrário, esses são objectivos que devem ser perseguidos com ou sem liberalização, e não é o Sim no referendo que vai impedir que eles sejam levados a cabo. Aliás, conto com os partidários do Não, porque constituem um forte grupo de pressão, para fazerem cumprir tais medidas, que urgem e já deviam ter sido reforçadas ontem!

Por outro lado, o Sim à despenalização vai dar hipotese a todos aqueles que são contra o aborto, de poderem dissuadir uma mulher que pense fazê-lo. Senão repare:

- Muitos dos médicos são pelo Não. Se a lei passar vão ter a hipotese de confrontar a decisão da mulher, coisa que não podem fazer actualmente.

- Como vai deixar de ser crime, quem decide fazer um aborto já poderá falar sobre isso (p.ex no emprego) sem medo de denúncia de alguém que seja contra. Se alguém me conferenciar que pretende fazer um aborto, pode ter a certeza que para além de ouvir sermão e missa cantada, farei todos os esforços que tiverem ao meu alçance para evitar que tal aconteça.
 
Cara Gisela,
Compreendo o seu ponto de vista. Ainda assim, continuo a pensar que não podemos ir pela via da liberalização.
Em termos jurídicos, embora não esteja especificamente consagrado como excepção (como acontece com a violação, perigo de vida para a mulher e mal formação do feto), a verdade é que as situações limite normalmente invocadas para justificar a liberalização podem e devem ser tidas em conta na apreciação de factos que podem reconduzir à prática de um crime de aborto.
Qualquer mulher, coagida, pressionada, sem qualquer tipo de condições para ter o seu fiho e que recorra ao aborto não deverá, nos termos da actual lei penal, ser condenada a qualquer pena de prisão.
O que acontece é que há uma grande desinformação nesta matéria.
Acresce que, os casos que têm sido invocados para pôr em causa a criminalização do aborto respeitam quase todos (exemplo: julgamento de Setúbal) a abortos praticados muito depois das 10 semanas, o que, mesmo que o SIM ganhe, continuarão a ser penalizados.
Quanto ao facto dos apoiantes do NÃO contituirem um forte grupo de pressão, deixe-me que lhe diga que não é bem assim. Hoje em dia é inclusivamente visto como um grupo de "freeks", retrógrados e beatos, sendo a sua (minha) opinião politicamente incorrecta. Isto que lhe digo constata-se não só pelo posicionamento da comunicação social nesta matéria mas também pela forma como os próprios partidos têm encarado esta questão.
 
Gisela,
a proposta do referendo é clara... trata-se do aborto a pedido, em que a mulher apenas tem que o pedir. Não tem que explicar porquê... quanto ao acompanhamento que terá num hospital público, isso é uma utopia. O prazo das 10 semanas (muitas mulheres sabem que estão grávidas apenas lá as 5/6 semanas)é demasiado curto para a ponderação que fala no seu comentário. E face ao que está em jogo a ponderação é dominada por uma enorme ansiedade e pressão que em nada ajudam a uma decisão "ponderada e sensata".

Acha que alguém vai andar a dizer que fez ou vai fazer um aborto, quer na família, quer no emprego? O aborto é um acto abominável em si mesmo (eu sofri um espontâneo há cerca de dois anos e não há dia que passe que não me lembro do que passei) e acarreta sempre um sentimento de culpa para quem o faz.

Vou votar não, como já fiz em 98 e o que me custa é ouvir sempre o mesmo argumento:"queres ver as mulheres presas!" Obviamente que adoraria viver num mundo onde não houvesse prisões, onde não houvesse mal... mas este mundo não é assim. E como jurista acredito que todas as situações que são invocadas pelos defensores do sim têm já resposta justa e humana no actual código penal. Há causas de exclusão da culpa que se aplicam a todos os tipos de crime.

Por exemplo: uma mulher que comete o crime de furto para dar de comer aos filhos. Essa mulher pratica um acto ilícito (que o Estado valora como "mau") mas alguém acha que algum juiz alguma vez condenará essa mulher? Claro que não pois esta mulher (em princípio) não agiu com culpa. Mas alguém também acha bem que o Estado emita um juízo positivo sobre o acto que esta mulher cometeu? O que o Estado deve fazer é condenar o acto e ajudar a pessoa a não o voltar a cometer, criando condições para tal.

Igual raciocínio se aplica ao aborto.

Por outro lado, continuar a defender a liberalização do aborto como forma de ajudar os pobres quando as sondagens dizem que a maioria das pessoas que defendem o sim são classe média-alta...

Obrigado por não deixar o debate baixar de nível.

ID
 
Gisela:

Pelo que eu percebi do seu comentário, acha que a prisão não é solução para muitos dos crimes. E eu, em parte, concordo consigo.

Não acho que eu mulher que foi espancada durante anos pelo marido e que acabou por matá-lo vá ser "recuperada" passando uns quantos anos na prisão.

Sou a favor de que se repense seriamente todo o sistema penal, incluindo o sistema prisional, que é deplorável. Sou a favor de que se recorra sempre que possível à mediação penal, que sejam criadas penas alternativas que permitam a reinserção na sociedade e de mais um sem número de medidas que posso conversar consigo se estiver interessada.

Agora isso, para mim não justifica que se trate com mais benevolência a mulher que aborta do que as pessoas que em circunstâncias extremas cometem outros crimes (e acredite que são muitas: eu sou visitadora de uma prisão e vejo por lá situações como as de deficientes que foram usados como correios de droga e que só aceitaram sê-lo para poder pagar os seus tratamentos. Só que isso não me pode levar a acabar com o crime de tráfico).

Da leitura dos seus argumentos, o que me parece é que não considera que o embrião tenha uma dignidade equivalente à da mãe. Nesse ponto, discordo em absoluto de si. Do meu ponto de vista, a vida de um nascituro tem a mesma dignidade da de um bebé já nascido.

Concordo que a pena aplicável à mãe que aborta seja claramente inferior à do homicida que tortura e mata por prazer ou por dinheiro.
Mas não entendo um sistema penal em que uma troca de palavras azedas com um vizinho me pode levar à cadeia, mas se acabar com uma vida humana, já não. (Pode não lhe atribuir a mesma dignidade que eu lhe atribuo, mas julgo que não nega que o embrião é uma vida, que é humana e que é diferente da da mãe).
 
Marta

Desculpe a pergunta, mas não percebi o que quer dizer: V. defende apena de prisão, mesmo que moderada para todas as situações de aborto, mesmo as previstas na lei actual ?
 
Cara Gisela:

Se calhar, como diz, manter a lai actual não diminuirá o número de abortos.
Mas se esta proposta de lei vingar o número de abortos aumentará(veja-se a maioria dos paises que já têm essa lei).
Ora como agisela bem disse quantos menos abortos melhor... Basta portanto fazer as contas e percebe-se que mantendo esta lei, apesar de não ser o ideal (pois infelizmente não reduz o aborto a zero) protege-se mais vidas, logo é melhor.

Quanto à sua seguinte frase:

"Mas pior do que inviabilizar uma vida, é pôr em risco uma outra. "

Inviabilizar uma vida é um mero pleonasmo para matar. Portanto:

Pior que matar, é pôr em risco uma outra [vida]... Será? Não me parece
 
Caro anónimo:

Nem todas as condutas previstas como crime têm associada uma pena de prisão.
O ordenamento jurídico português prevê outras penas criminais como a multa, ou o trabalho a favor da comunidade prevendo ainda em certa hipóteses a obrigatoriedade de frequência de acções de formação ou outras medidas adequadas.
Assim, defender a criminalização de uma conduta não equivale a desejar que a pena que lhe é aplicável seja a de prisão.

Respondendo à sua pergunta do ponto de vista da criminalização, digo-lhe que acho que o aborto deve ser, em regra, criminalizado nestes termos:
(i) deve ser sempre considerado ilícito, apenas podendo ser lícito quando está em causa um bem de igual valor (ie, outra vida, como a da mãe ou a de um gémeo).
(ii) pode ser excluída a culpa da mãe que aborta, verificada caso a caso, em situações em que, seja por violação, seja por coacção ou fortes pressões externas, a sua liberdade para agir de outra forma se encontra diminuída.
(Como já lhe foi respondido noutros posts, para que haja um crime é necessário que, pelo menos, se verifique simultaneamente a ilicitude e a culpa. Há também quem acrescente a punibilidade. Se quiser que desenvolva este tema, diga-o).

Nos casos em que o aborto constitui crime por não se verificar nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, na minha opinião a pena deveria ir desde a prisão efectiva para médicos e parteiras que realizam o aborto com mero intuito lucrativo até à imposição de frequências de cursos de formação para a mãe ou outras medidas adequadas, passando por todas as outras sanções possíveis a aplicar caso a caso, consoante o grau de ilicitude e de culpa do autor do crime.
 
Marta,

Aceito o seu desafio, explique lá devagarinho porque é que a ilicitude, a culpa ou as duas desaparecem no caso de aborto de um feto resultante de violação ? (uma nota prévia: não tente misturar, como o seu comentário parece já intuir, a falta de vontade da mulher no acto da violação com a vontade absolutamente consciente no acto de abortar)

Já agora, para alguém que, como V., defende o Não com base na convicção moral, aliás respeitável, de que a vida começa com a concepção, como é que defende a morte não penalizada do feto, que para si é vida igual à da mãe, quando esta foi violada ?

Isto é, porque é que a ofensa sexual sofrida pela mãe desculpa a morte do feto, que em nada participou na ofensa ?

Acha porventura que a origem da vida, quando está ausente o amor, é menos digna de protecção do Direito ? Ou que a falta de vontade consciente da mulher na concepção, no caso de violação, gera uma vida menos "valiosa" ?

Também percebi que defende a penalização (mesmo que não necessariamente com pena de prisão) sempre que não haja outro valor igual, is, a vida, em conflito com o feto. Presumo que defende isto no caso de a vida da mulher estar em jogo, com base no velho (e não mau) argumento de que vale a pena salvar a vida de quem pode vir a gerar mais vidas. Mas não percebi a sua menção aos gémeos. O que quer dizer ?

Ainda outra nota: porque é que aceita o aborto eugénico, isto é, quando há malformação do feto ? Ou não aceita ? Aí não há conflito nenhum de valores, como percebe, e a vida é viável, ainda que com deficiência.

Já agora, que tipo de penas julga aplicáveis aos tipos vários de aborto ? Não percebi bem o que quer dizer com cursos de formação para as miulheres que abortem. Formação em quê ?
 
Marta,

Ainda estou à espera.
 
Olá Anónimo,

Ainda bem.
Queria avisá-lo de que já lhe respondi a algumas perguntas em dois outros sítios (comentários ao meu 1.º post neste blog e ao post da Madalena). Peço desculpa por só o fazer agora mas não tive disponibilidade entretanto.

Vou tentar responder por partes. Se eu não conseguir dizer tudo o que pretendo neste post, por favor, não desista. Estas conversas obrigam-me a reflectir sobre as minhas convicções, o que muito importante, porque, embora não tenha mudado o meu sentido de voto (nem acho provável que o vá fazer, para ser honesta) tenho conseguido ver alguns argumentos do sim de outra perspectiva que, não suplantando o valor que atribuo à vida do embrião, me dão uma visão mais global do problema.

Antes de entrar no desenvolvimento das questões que me colocou, peço-lhe que leia os meus outros comentários nos posts acima referidos.

Eu não acho que a violação consubstancie uma causa de exclusão da ilicitude, mas sim que pode consistir numa causa de exclusão da culpa.

Muito resumidamente, as causas de exclusão da ilicitude tornam o acto lícito, ou seja, permitido pelo direito, enquanto que em face de uma causa de exclusão da culpa, a lei continua a afirmar que o acto é ilícito, mas que, perante determinadas circunstâncias concretas que diminuem a culpa, não era exigível ao agente que tivesse agido de outra forma (embora fosse desejável).

A culpa pressupõe a capacidade de tomar decisões livre e conscientemente. Inversamente, a diminuição ou exclusão da culpa verifica-se quando perante as circunstâncias concretas a pessoa em causa não está em condições de agir livre e conscientemente.

Como referi noutro comentário, discordo da técnica legislativa actual que erigiu a violação em causa de exclusão da ilicitude geral e abstracta. Acho que ela deveria ser verificada ao nível da aplicação ao caso concreto.

No entanto, admito que, em caso de violação, com enorme probabilidade, a mulher que foi violada não se encontra em condições psíquicas adequadas para que se possa afirmar que abortou livre e conscientemente. Daí que o facto seja ilícito, mas, estando excluída a culpa do agente, este não seja punível.

Isto não significa que o feto seja menos considerado do ponto de vista jurídico. Ele continua a ser genericamente tutelado. Continua a haver uma norma que diz que abortar está errado e que esse facto só não será punido em circunstâncias extremas e excepcionais que se não prendem não com o bem jurídico.

O homicídio praticado por um menor de 16 anos, ou em legítima defesa também não é punível e não é por isso que a vida humana deixa de ser um bem jurídico protegido.

Como vê, a agressão do violador em si, ou a falta de amor, em nada diminuem a dignidade do feto. Não é a esse nível que ela interfere na desqualificação da conduta como crime.

Nem tem a ver com o facto de a mãe não querer o filho. Isso, quanto a mim, não é justificação (daí votar NÃO neste referendo).

Também não se prende com o facto de ela não ter dado o seu consentimento no momento da concepção. A existência, ou não, de culpa é verificada no momento da prática do aborto (que constitui o crime aqui em causa) e não no da violação.

Agora, não parece difícil enquadrar esta situação no estado de necessidade desculpante (não sei o artigo de cor, mas pelo que percebi é jurista, pelo que poderá verificar os pressupostos desta causa de exclusão da culpa directamente, se não prometo que transcrevo o artigo no blog, só não prometo quando).

to be continued
 





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