Da comiseração e da responsabilidade

Continua a existir um certo desconforto, na minha opinião desnecessário, sempre que se fala da condenação de mulheres que fizeram abortos ilegalmente, isto é, que o fizeram fora das excepções previstas na lei (má formação do feto, perigo de vida da mãe e gravidez resultante de uma violação). Em todos os outros casos, o aborto é considerado (e bem) um crime, e como tal tem que haver uma pena para todas as pessoas envolvidas.

Note-se que, de todas as mulheres que fizeram abortos ilegalmente neste país, apenas algumas (muito poucas) foram julgadas, e dessas julgo que nenhuma foi condenada a pena efectiva. É certo que existem atenuantes válidas para a suspensão de pena, como nos casos em que o aborto é realizado num estado de necessidade desculpante.

No entanto, muitas outras mulheres recorrem ao aborto como método de planeamento familiar a posteriori ou, pior ainda, como forma de se desembaraçarem do resultado não desejado de uma one night stand. Isto não só demonstra pura irresponsabilidade como um atentado à vida de um ser humano em potência. Mais, há mulheres que recorrem ao aborto neste contexto de forma sistemática. Para essas não existem atenuantes de qualquer espécie, e por isso devem ser julgadas e condenadas, bem como todas as outras pessoas que, mesmo de forma indirecta, têm responsabilidade no acto criminoso.

Votar a favor da despenalização do aborto até às 12, 10 ou 9 semanas e meia, é oferecer inimputabilidade a pessoas que conscientemente sabem que aquela gravidez vai resultar na obrigação de criar e educar um novo ser humano, e é desresponsabilizá-las dessa "espinhosa" tarefa. Caso se decida, através deste referendo, que o aborto não deve ser considerado um crime, seja por que motivos for, até um certo limite, será difícil compreender como é que o mesmo acto, um dia depois, já é considerado crime. Por uma questão de mera coerência, a lei não deve mudar - não pode mudar - porque a lei não pode defender a comiseração em detrimento da responsabilidade.

Comentários:
Excelente Helena.
 
Caríssima Helena,
Para ser coerente, a lei devia mudar, penalizando também aquilo que são hoje as excepções. Porque a vida humana ou é ou não é. Sem excepções. E isso sim, é coerente.
 
"oferecer inimputabilidade a pessoas que conscientemente sabem que aquela gravidez"??? mas isto faz algum sentido?
 
Claro, brilhante!
 
Cara Lena,

1. Como farás prova desta situação, face a outras: "muitas outras mulheres recorrem ao aborto como método de planeamento familiar a posteriori ou, pior ainda, como forma de se desembaraçarem do resultado não desejado de uma one night stand face a outras".
2. Em que estatísticas te baseias para fundamentar esta afirmação? Quais os números que te levam a dizer que há muitas mulheres nesta situação?
Mais uma vez, muita gente a falar e poucos dados concretos na mesa.
 
Filipe:

Basta que haja uma única para que a lei se justifique.
Os bens a tutelar pelo direito penal não se definem por meio de estatísticas.
A maioria das pessoas não anda por aí a matar ou a traír a pátria ou a ajudar a evasão de presos. No entanto, a mera possibilidade de que estes ilícitos sejam cometidos é, por si só, suficiente para fundamentar a lei que os incrimina.
 
Volto a perguntar, quais a estatísticas em que te baseias, Lena, para afirmar que "muitas outras mulheres recorrem ao aborto como método de planeamento familiar". É bom que estejamos todos o mais fundamentados possível nesta discussão. Ao optar pela manutenção de uma pena com fundamentos radicados nestas "muitas (...) mulheres" será bom que se saiba quantas são ao certo.
Obrigado,
Filipe
 





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