E VOCÊ, DEFENSOR DO SIM, COMO SE CLASSIFICA?

Será “extremista” ou “moderado”?
Muito se tem escrito e falado sobre o aborto. A amostra já é bastante razoável para se poder sistematizar de forma relativamente simples a posição do Sim.
Há o Sim dos “extremistas”, que concordam com a liberalização do aborto porque consideram que a mulher tem direito a decidir sobre o seu corpo, nomeadamente se quer ou não ter o filho que carrega. E há o Sim dos “moderados”, que concordam com a liberalização do aborto porque não querem ver presas nem na clandestinidade mulheres que não encontram outra opção que não o aborto, geralmente por motivos sócio-económicos.

Aos “extremistas” não vou voltar a explicar o que a Mafalda, entre outros e com paciência de chinês, já fez inúmeras vezes aqui no BdN, ou seja, que os direitos da mulher não se sobrepõem aos direitos do nasciturno. Mas devo-lhes relembrar que, a par de direitos, todos temos também deveres. Temos deveres individualmente perante a sociedade e o próximo, e temos deveres conjuntos enquanto pais, ainda que de um bebé de apenas 10 semanas. E não somos só nós, o Estado também tem deveres. Tem o dever de garantir a todos os cidadãos o acesso à educação, à justiça, a serviços de saúde, etc.
E daqui passo para os “moderados”. Temos todos individualmente o dever, e o Estado muito em particular tem a obrigação, de ajudar os que mais precisam. Ajudá-los antes de uma gravidez, nomeadamente com acesso a planeamento familiar e métodos de contracepção, e ajudá-los depois da gravidez, com as condições mínimas requeridas para se ter e educar um filho. Nunca é demais lembrar que no mundo ocidental ninguém morre à fome e que o amor e o carinho são gratuitos.
Os “moderados” que não se enganem: o Sim à pergunta deste referendo é um Sim à posição defendida pelos “extremistas”. É um Sim ao aborto a pedido, baseado exclusivamente na vontade da mulher, qualquer mulher. É um Sim às mulheres pobres e às ricas também, é um Sim às azaradas e às levianas também, é escandalosamente um Não ao Pai da criança abortada.

O aborto é evidentemente uma desresponsabilização do Estado e da sociedade das suas obrigações. Obrigações estas que os “extremistas” parecem não reconhecer e que os “moderados” parecem não querer assumir.

Comentários:
Excelente síntese.
 
Cara Joana Lopes Moreira:
Com tudo o que tem sido dito neste Blog até parecia que mais nada havia a dizer senão ir repetindo até à exaustão todos os argumentos, pontos de vista e opiniões já escritos. Pode ser que me tenha falhado alguma leitura, mas, se não é o caso, faltava esta essencial abordagem: a da RESPONSABILIDADE. Acontece que, a meu ver, nunca haverá responsabilzação do Estado e da Sociedade enquanto não houver uma cultura de RESPONSABILIDADE PESSOAL.Repito: PESSOAL.
Efectivamente, cada vez mais as pessoas querem ser, cada vez menos responsabilizadas pelos seus actos.Esta desresponsabilização atravessa toda a sociedade.
Alguns exemplos:
1.O treinador que perde um jogo de futebol responsabiliza o árbito por ter usado "dualidade de critérios" ou, mais descaradamente, ter sido comprado pelo adversário;
2.Todo e qualquer Primeiro Ministro (e seus ministros) responsabiliza sistemáticamente o anterior pelo que esteja mal.
3.O drogado não tem qualquer responsabilidade por o ser. É vítima de uma doença.
4.O trabalhador despedido com justa causa (v.g.por faltas injustificadas)responsabiliza a empresa pelo seu despedimento e não a sua preguiça.
5.O alcoólico não tem qualquer responsabilidade. É vítima do que está inscrito no seu ADN.
6.O traçado do IP5 (e os outros muitos IPs)são os responsáveis por tantas mortes e não o excesso de velocidade,de alcool ou simplesmente má condução e falta de civismo;
7.As gravidezes indesejadas são o resultado de uma espécie de partenogénese.
8.Neste último exemplo o homem não tem qualquer
responsabilidade.Parece que não foi havido nem achado;
9.Solidariedade Social? Isso é responsabilidade exclusiva do Estado; para isso se pagam impostos.
10.Votar? A percentagem da abstenção é bem indicadora da irresponsabilidade reinante.

E acho que já chega de exemplos.Todos nós, todos os dias tropeçamos com esta cultura de desresponsabilização.
Não me parece que deste tipo de cultura possa vir a nascer uma sociedade responsável.

Afinal de contas não é a
INTERRUPÇÃO VOLUNTÀRIA DA RESPONSABILIDADE que se vai referendar?
 
Tomo a liberdade de transcrever aqui esta «Carta Aberta a quem vai votar Sim».

Foi recentemente votada, na AR, a pergunta a colocar aos portugueses no próximo referendo ao aborto. A pergunta é: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Existem, certamente, muitas pessoas que vão votar "Não" porque são insensíveis aos problemas sociais e humanos do aborto clandestino, tal como existem muitas pessoas que vão votar "Sim" porque são insensíveis ao direito à vida do feto. Não é a nenhuma dessas pessoas que esta carta se dirige porque essas pessoas não têm consciência moral a que se possa fazer apelo.

Esta carta é dirigida a todas aquelas pessoas que, repudiando a liberalização do aborto, estão a pensar votar "Sim" no referendo por razões humanitárias: aborto clandestino, situações dramáticas diversas. Pessoas sensíveis aos problemas dos outros e, portanto, de espírito suficientemente disponível para procurar soluções.

Se é o seu caso, perca alguns minutos do seu tempo a pensar comigo.

Vejamos os argumentos do Sim:

1º O problema do aborto clandestino em Portugal é dramático.
Ninguém o nega, mas esse drama é usado demagogicamente por aqueles que querem liberalizá-lo sem esclarecer muitos aspectos:
Esses abortos clandestinos são feitos em situações que a despenalização até às dez semanas iria evitar?
Quantos abortos clandestinos são realizados depois das dez semanas?
Quantos abortos clandestinos poderiam, na verdade, ter sido praticados no actual quadro legal?
As mulheres recorrem ao aborto clandestino porque ele é proibido ou porque têm medo de perder o anonimato se forem ao hospital?
Será que as campanhas pró-liberalização não têm contribuido para criar um clima de medo que leva as mulheres a evitar o hospital em situações em que o aborto seria autorizado?

2º A nossa lei é a mais restritiva da Europa.
É mentira. É uma mentira descarada e desonesta. Quem argumenta isso, aproveita-se do facto de a maioria das pessoas não procurar informar-se sobre o assunto.
A lei portuguesa é tão restritiva como a espanhola. É absolutamente igual.
Porque é que em Espanha se fazem abortos a pedido? Por duas razões:
A primeira é que em Espanha se criaram clínicas especializadas em abortos que têm equipas médicas multi-disciplinares destinadas, apenas, a assegurar que todos os casos previstos na lei se "encaixam" nos casos pedidos: à falta de melhor, a razão de carácter psicológico serve para tudo e é fácil de encobrir porque, eliminada a causa - a gravidez - é impossível averiguar a sua veracidade. Essas clínicas não rejeitam nenhum pedido (mesmo em abortos muito avançados, de 20 e mais semanas) porque vivem, precisamente, de fazer abortos.
Mas há outra razão: as portuguesas que recorrem a essas clínicas são, para todos os efeitos, estrangeiras. Um aborto realizado - ainda que fora do quadro legal espanhol - a uma estrangeira é virtualmente impossível de controlar. A estrangeira chega, no mesmo dia é observada, é passada a respectiva prescrição, é realizado o aborto, a estrangeira vai-se embora. Depois de passar a fronteira quem é que a vai procurar?... Fácil, não é? Ninguém se lembrou de fazer o mesmo do lado de cá para as espanholas abortarem fora do quadro legal deles...

3º O que se pretende é despenalizar e não liberalizar.
Outra mentira desonesta. Querem enganar quem? «Não é de graça, é mas é de borla»? ... Se a pergunta diz, claramente «a pedido da mulher» isso significa que a mulher chega ao hospital ou à clínica, pede para fazer um aborto, fazem-lhe a ecografia para determinar o tempo de gestação e aborta. Mais nada. É aborto a pedido. Livre. Sem mais perguntas. Em estados de direito, tudo o que não é proibido é permitido. Portanto, se até às dez semanas o aborto não for proibido, passa a ser permitido. Isso é liberalizar. Tudo o resto são jogos de palavras.

4º Uma mudança na lei acabará - ou reduzirá drasticamente - os abortos clandestinos.
Não é possível saber. Era necessário saber qual o tempo de gestação médio dos abortos clandestinos para poder afirmar isso com segurança. Para além das dez semanas continuará a haver abortos clandestinos a menos que, mais dia, menos dia, queiram alargar o prazo para doze, dezasseis, vinte... até que nenhum aborto seja clandestino, mesmo aos oito meses.
Convençamo-nos: vai continuar a haver mulheres a recorrer ao aborto clandestino, faça-se o que se fizer.

5º Nenhuma mulher realiza um aborto de ânimo leve.
Isso não é, sequer, argumento. Há mulheres que espancam e matam os filhos e atiram bébés a lixeiras.

6º Há casos dramáticos que não estão previstos na actual Lei.
É verdade. Mulheres pressionadas pelos companheiros ou maridos, pelas famílias, às vezes pelos patrões (ameaçadas de despedimento), problemas económicos gravíssimos, situações de absoluto desespero em que não há uma luz ao fundo do túnel. Sou profundamente sensível a esses problemas.
Mas não está em causa, neste referendo, alargar as excepções previstas na actual lei a casos de natureza socio-económica devidamente avaliados por médicos, psicólogos, assistentes sociais, etc.
O que está em causa neste referendo é o aborto a pedido, sem ter de alegar qualquer justificação.

Quanto ao argumento do direito ao corpo, por exemplo, nem vou perder tempo com ele. Esta carta não se destina a quem acha que isso é argumento.

Resumindo e concluíndo, esta carta é um apelo às pessoas que pensam, que se preocupam com o seu semelhante mas que não se deixam levar por lamechices. Porque, convenhamos, há argumentos lamechas dos dois lados: desde as pobres "mártires" que abortam no vão de escada ao famoso e infeliz «Zézinho», tudo isso é areia para os olhos e só serve para desviar o assunto do essencial: liberalizar o aborto significa banalizá-lo e torná-lo um substituto da contracepção, uma forma de controlo de natalidade.

Se o "Sim" ganhar, o aborto clandestino não vai acabar, a penalização do aborto, a partir das dez semanas, vai continuar e continuará a haver julgamentos de mulheres. Por outro lado, a sociedade vai descansar sobre o assunto, as consciências vão ficar mais tranquilas e questões como a sexualidade responsável, a contracepção e a educação sexual vão passar para último plano da agenda política. Ao mesmo tempo, todo um conjunto de problemas se vão acumular aos que já existem: aspectos logísticos relacionados com os serviços públicos de saúde, listas de espera, etc.

Se o "Não" ganhar, ainda é possível fazer alguma coisa para diminuir o aborto clandestino. Campanhas de informação que expliquem às mulheres que não tenham medo de recorrer ao hospital ou ao seu médico de família e colocar o seu problema: há muitas situações em que o aborto pode ser realizado legalmente, designadamente aquelas relacionadas com aspectos psicológicos, que a actual Lei prevê. Mais, se o "Não" ganhar ainda será possível discutir, de forma ponderada e inteligente, eventuais ajustes na actual Lei, eventuais alargamentos em termos de prazos ou de motivos. Tudo está em cima da mesa.

As mulheres que recorrem ao aborto por desespero (e há situações terríveis que nem gosto de imaginar) terão a ajuda do médico e, se for justificável, o aborto será realizado dentro da lei.
As mulheres que recorrem ao aborto levianamente (também as há) continuarão a ser impedidas legalmente de o fazer. Qual é o problema?

Pense bem antes de pôr o "Sim" no dia do referendo. O "Sim" é irreversível. Ninguém vai pedir outro referendo, daqui a oito anos, se ganhar o "Sim". O "Sim" acaba com a discussão.

O "Não", bom... pela mesma lógica, o "Não" também deveria ser irreversível. Mas, principalmente, o "Não" é um incentivo a que se procurem outras soluções, mais dignas e mais humanas. O "Não" é um sinal de que os portugueses não se demitem das suas responsabilidades. O "Não" é um sinal claro de que queremos uma sociedade melhor, de que escolhemos o certo em detrimento do fácil.

O "Não" não é uma condenação a mulheres desesperadas. É uma mensagem de esperança em que é possível fazer melhor do isto. É possível resolver os problemas em vez de os ignorar e atirar o lixo para baixo do tapete.

Vote em consciência e com informação.
Se votar "Sim", tenha a consciência de que não está a ajudar ninguém, nem a evitar problemas a ninguém, nem a salvar a vida de ninguém. Está a poupar, isso sim, muitas dores de cabeça aos políticos e a ajudar o negócio das clínicas de aborto "a granel".

Se votar "Não" tenha consciência de que não estará a mandar mais mulheres para a prisão nem a condenar ninguém à morte. Estará, isso sim, a evitar a banalização do aborto e a contribuir para encontrar soluções.

Vote em consciência. Eu vou votar "Não" e tenho a consciência muito tranquila.

Maria Clara Assunção
 
Caro Afonso Cabral,
Não sei desde quando nos acompanha, mas falando exclusivamente por mim, esta abordagem está sempre presente. São "defeitos" de educação...
Aliás, o meu primeiro texto aqui no BdN, em jeito de declaração de intenções, entitula-se exactamente "responsabilização". E concordo consigo: a cultura de responsabilização pessoal transfere-se naturalmente para a sociedade. Assim a houvesse em quantidade e qualidade!
Obrigada pelos seus comentários e até breve.
 
Segunda a classificação da autora (disparatada, mas enfim...), sou "extremista": acho que a muher tem direito a decidir, dentro das primeiras 10 semanas, se quer levar a gravidez até ao fim. Um feto de 10 semanas ainda não tem ligações neuronais, pelo que, embora vivo, não é um individuo. É o mesmo tipo de decisão que faz os médicos desligarem as máquinas de individuos vivos, mas com morte cerebral.
 
jpt

Acha que acabar com uma vida que se desenvolve naturalmente no seio materno é o mesmo que desligar uma máquina que mantém artificialmente a vida?
Dito de outra forma:
Acha que o efeito de NÃO acabar com a vida no seio materno é o mesmo que se verifica ao NÃO desligar a máquina?
 
Não, não acho que seja o mesmo, mas são decisões semelhantes. No sec. xxi essas definições de "natural" e "artificial" não fazem sentido. E não acho que nenhuma dessas decisões sejam agradáveis. Mas também não acho que se deva penalisar quem as toma.
 
jpt,

Num caso está-se a acabar com uma vida que (se nada se fizer/acontecer em contrário) virá a ser e no outro está-se a não prolongar uma vida que já não é. Como é que as decisões são semelhantes?
 





blogue do não