Água mole em pedra dura...

Cara Fernanda Câncio,

Acalme-se, por favor. O referendo ainda vem longe (se vier. Afinal ainda temos de contar com o Tabu do Sr. Presidente da República) e por este andar não resiste. Já nem a nova medicação de que fala lhe faz efeito, tanto que treslê o meu nome.
Fico contente por ter contribuído para o seu esclarecimento. Mais do que isso, para a verdadeira revolução no seu espírito. Para quem tratava, há um dia, o embrião por “aquilo”, denota uma enormíssima evolução – nem mesmo por nós ensaiada – ao achar que, no ambiente intra-uterino, se lê o código penal (“por acaso eu até já tinha esclarecido há uns anitos este assunto, do ponto de vista da filosofia penal, com o professor costa andrade (hei-de pôr aqui o link, não agora), mas gosto sempre que as pessoas me esclareçam, nomeadamente, como é o caso, sobre o conhecimento que os embriões e os fetos têm do código penal”). Numa assunção clara, obviamente, que só terá protecção a esse nível quem saiba ler e escrever. Apenas temo pela vida dos analfabetos.
Quanto ao resto, o embrião fruto de uma violação tem o direito à vida. Mas, na óptica da fragmentaridade do direito penal, visto como tutela de ultima ratio, entende-se que não é exigível à mãe assumir aquela gravidez. O que não obsta que ela o possa fazer.
Ao que acresce que nesse caso o direito à autodeterminação sexual não foi exercido, mas antes violado. Coisa que não acontece no caso de uma gravidez normal. A mulher, para mais numa altura em que os métodos contraceptivos estão ao dispor de todos, engravida porque quer. Logo, é desresponsabilizá-la e menorizá-la (presumindo-a inimputável, ao melhor jeito do machismo de outros tempos) aceitar que ela possa rejeitar o filho que a própria gerou de livre e espontânea vontade.
E por mais que isso a irrite, são os penalistas (e não eu) que falam, a propósito das excepções legalmente previstas, de causas de exclusão da ilicitude. Nem vou acrescentar o olhar derramado sobre o tema por outros, claramente desfavoráveis à introdução do método dos prazos na nossa legislação, como é o caso de Almeida Costa, que falam apenas da exclusão da culpa, pois temo que isso possa causar uma apoplexia quando me ler.

Seja sempre bem vinda ao blogue do não para esclarecer as suas dúvidas. Até porque, em democracia (que presumo aceitar) o debate é sempre o caminho para o entendimento entre todos. E mesmo que não aceite as nossas opiniões, penso que aceitará que as tenhamos e as possamos exprimir.

Com os melhores cumprimentos,

Mafalda

Comentários:
cara mafalda, para debater com a senhora doutora fernanda câncio é favor escrever sem maiúsculas e arranjar uma desculpa esfarrapada qualquer para não fazer o respectivo link. é uma questão de estilo, muito ao gosto da senhora doutora fernanda câncio, que convive muito mal com opiniões contrárias. sabe que isto de debater com a senhora doutora fernanda câncio não é para quem quer mas para quem pode.
 
Eu diria que a resposta de Fernanda Câncio revela elevada educação e permitia-me até pedir-lhe que continue a falar sobre o aborto, de preferência todos os dias e mais do que uma vez ao dia. Faz muito mais pela causa do 'Não' do que todos nós juntos, sobre isso não tenho grandes dúvidas.
 
Mafalda,
Admiro, profunda e genuinamente, a tua paciência com a Sra. Doutora Fernanda Câncio.
Confesso que eu não seria capaz de explicar tantas vezes, de forma tão educada e paciente aquilo que só a Doutora Fernanda Câncio parece não entender.
 
Meu querido Afonso,

Não é a única. Há aqui uns comentadores de serviço que também ainda não entenderam coisas tão simples como a moral e a ética são coisas diferentes.
Beijinhos,

Mafalda
 
Mafalda,

Quer elaborar sobre a distinção entre moral e ética ?
 
Caro Anónimo,

a moral implica uma relação entre cada um e a sua consciência. Diz respeito ao modo como cada um lida com os valores. Daí que a sanção típica da moral seja o remorso.

Já a ética implica uma tomada de posição sobre o que é bom ou não. E claro que o direito faz apelo a uma ética, porque tem de ter um determinado fundamento.

Repare. O direito implica uma normatividade. Implica uma ordenação de condutas, através da resolução dos problemas que a praxos faz emergir. Ora, quem decide o que é bom e mau para o poder impor aos outros? O legislador? Foi o que tentou o positivismo. Mas isso é perigosíssimo, porque nos deixa reféns do arbitrio do poder instituído. Além disso, a neutralidade é inalcançável.
Se o legislador opta pela solução x em detrimento da solução y está a optar de acordo com um juízo prévio que elabora. E com base em quê? Numa racionalidade onde se consiga discernir a verdadeira intencionalidade jurídica. E esta, exactamente porque o direito implica um dever ser, tem de ter uma base material qualquer. Onde ir procurá-la? Ao modo de ser pessoa. Àquilo que verdadeiramente nos distingue como homens. O pilar fundamental do ordenamento jurídico, que queira ser verdadeiramente jurídico, é sempre a dignidade da pessoa humana.
 
Mafalda:

Todo o seu raciocínio seria correctto se não sofresse de um vício de validade - parte de um pressuposto que não é verdadeiro:


"A mulher, para mais numa altura em que os métodos contraceptivos estão ao dispor de todos, engravida porque quer,"

Em primeiro lugar porque não há métodos contraceptivos infalíveis, pelo que uma mulher ( eu prefiro a ideia do casal) pode ter um comportamentos irrepreensível em termos de responsabilidade pelo controle da sua função reprodutiva , e mesmo assim ocorrer uma gravidez.

O que não é tão raro quanto isso.

E se , após avaliação da mulher, se verificar que existem motivos ponderosos par a sua não aceitação ( repare que foi por isso que o casal estava a usar contracepção), será exigível á mulher impõr-lhe uma gravidez não desejada?

Qual adiferença entre esta situação concreta e a violação, emtermos do argumento de "só engravida quem quer???"

A Mafalda falou de violação?

Para muitas mulheres, uma gravidez não desejada é uma espécie de violação - intensa , brutal, dolorosa, prolongada durante 38 semanas, uma fractura na sua intimidade, um asco pelo seu prório corpo e pelo corpo estranho que o parasita...a ponto de haver tentativas de suicídio...

Ou a Mafalda acha que as mulheres adoram abortar e que o fazem leviana e tontamente como quem se submete a algo ligeiramente desagradável como... sei, lá uma depilação???

Quem tem esta noção é que considera claramente que todas as mulheres são basicamente umas inimputáveis...
Tão irresposáveis , infantis e desatentas ao valor da vida que tem de existir uma forte sanção penal de forma a impedir que abortem frequente e levianamente, incapazes de tomar decisões, incapazes de ter quaisquer direitos sobre o seu corpo e a sua função reprodutiva.. Umas tolitas, umas fúteis e umas dondocas, que abortam só porque "não lhe apetece estar grávidas", como já escutei em pseudodebates ... POr isso, quando fala em "machismo" eue diria um certo marialvismo, reanalise o seu discurso e avalie bem se essa ideologia de género não está subjacente á ideia peregrina de que as mulheres abortam sem ser por razões ponderosas....

2) Outra nota lateral - A Mafalda fala sistematicamente na necessidade de responsabilização criminal nas mulheres em caso de IVG mas omite a correspondente responsabilização criminal do homem...

3)Em seguida, há todo um conjunto de situações, que embora aparentemente tenha existido uma autodeterminação sexual livre e consciente, ela de facto não existiu ....Então e aqui a exclusão da culpa, ou a não exigibilidade de impôr uma gravidez indesejada, não vale???

Por último, as mulheres não engravidam só no útero. Também engravidam no coração. Ou não.
 





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