INTRODUÇÃO AO DIREITO - 2ª PARTE
Caro Rui,
Nunca lhe disse que era a sociedade ou o ordenamento jurídico a conceder a liberdade. Esta faz parte da estrutura ontológica do ser humano, visto como uma pessoa. O que lhe disse é que essa liberdade não nos encerra sobre nós mesmos, mas nos abre ao outro comunicantemente, pelo que é indissociável da responsabilidade.
Ademais, nunca poderia falar de uma atribuição da liberdade, uma vez que ela se encontra, tal como lhe tentei explicar, num plano de fundamentação de todo o sistema de direito.
E é aqui que começam as clivagens. Porque acho que o Rui não conseguiu perceber o que eu lhe dizia. O seu problema é ver no direito o direito legislado. Cego pelo ódio ao Estado, preso a alguns dos pré-conceitos positivistas, olha para o jurídico do ponto de vista político, confunde-o com o direito posto e imposto pelos órgãos democraticamente eleitos e, dedutivamente, chega à conclusão que ele implicará sempre uma opressão aos cidadãos livres.
Ora, vamos lá ver se eu lhe consigo explicar isto. O estrato das normas positivas (das leis) é apenas uma pequena parte do sistema jurídico. A par deste existem outros estratos: a jurisprudência (sim, pode ser um choque para muitos, mas o juiz não é um mero sujeito passivo, participando activamente na criação do direito), a doutrina, e os princípios normativos.
Ora, estes, não sendo fontes, permitem a fundamentação de todos os outros estratos, dando-lhes sentido. E que sentido é esse, perguntar-me-á: o verdadeiro sentido jurídico.
Porque, uma ordem que se queira de direito e do direito não se limita a resolver o problema da partilha do mundo. Fá-lo na pressuposição de uma intencionalidade especificamente jurídica. Uma intencionalidade que nos remeta para a consideração da dignidade ética do ser humano, livre e responsável.
Por isso, as ordens comunistas, nacionais-socialistas e outras como tal podem ter sido ordens de regulação social, ordens que resolveram o problema da partilha do mundo, mas não foram ordens jurídicas. Faltou-lhes a dimensão ética que permite essa qualificação.
Repare, pois, que a ética – que, pela compreensão hodierna do ser humano, nos leva necessariamente à abertura dialogante com o outro, no qual vemos um ser igual a nós – não nos oprime, mas nos dá aqui garantias.
Garantias de que o legislador não fará tudo. Porque, mesmo que as leis sejam hoje, em grande medida, instrumentos de prossecução de políticas governativas, elas não podem olvidar os princípios. O esquema é semelhante ao da inconstitucionalidade das normas. Tal como uma lei não pode violar a constituição, porque a juridicidade é mais ampla e mais funda que a constitucionalidade, também não pode deixar de estar em sintonia com esse referente de sentido último. Se estiver, tratar-se-á de uma lei injusta que o juiz, na decisão do caso concreto, pode afastar.
E não se assuste, porque eu lhe estou a falar em ética, nunca em moral, algo distinto, que pressupõe unicamente a relação de cada um de nós com a nossa consciência.
Repare que o que o Rui faz é pressupor um quadro axiológico, que o leva a afastar como grotesca uma norma que imponha a escravatura ou a morte de cidadãos. Ao fazê-lo não está a fazer mais do que eu faço. Simplesmente, porque esses casos não levantam problemas, resolve-os acriticamente. Quando a prática me coloca diante de um problema eu tenho de mobilizar um pensamento de segundo grau. É isso que estou a fazer em relação ao aborto.
Note, ainda, que este é um referente de sentido que estabelece um quadro geral dentro do qual nos movemos, e cuja conformação pode assumir diversas formas. Nada disto impõe a definição de uma política económica. Até porque, e esse é o seu segundo erro, não pode reduzir o jurídico ao económico, sob pena de perder a noção do justo e a transmutar numa noção espúria de eficácia ou eficiência.
Aqui chegados, não lhe posso retribuir os parabéns. Eu respondi ao seu desafio. O Rui insiste em não responder ao que o João Vacas lhe perguntou e bem assim às questões que eu lhe dirigi. Vá, por favor, vê-las ao texto de ontem e corajosamente responda a cada uma delas.
Atenção que se admitir que o embrião é um ser humano não pode colocar o problema no plano da moral. Porque em causa estão dois seres e a moral, pela sua natureza, não implica essa ideia de alteridade ou intersubjectivdade.
Espero sinceramente que tenha percebido que o problema não se coloca ao nível da legitimidade do Estado e do direito. Digo-o sem ironia, porque só depois de o entender poderemos esgrimir argumentos sobre a oportunidade ou não da alteração legislativa.
Nunca lhe disse que era a sociedade ou o ordenamento jurídico a conceder a liberdade. Esta faz parte da estrutura ontológica do ser humano, visto como uma pessoa. O que lhe disse é que essa liberdade não nos encerra sobre nós mesmos, mas nos abre ao outro comunicantemente, pelo que é indissociável da responsabilidade.
Ademais, nunca poderia falar de uma atribuição da liberdade, uma vez que ela se encontra, tal como lhe tentei explicar, num plano de fundamentação de todo o sistema de direito.
E é aqui que começam as clivagens. Porque acho que o Rui não conseguiu perceber o que eu lhe dizia. O seu problema é ver no direito o direito legislado. Cego pelo ódio ao Estado, preso a alguns dos pré-conceitos positivistas, olha para o jurídico do ponto de vista político, confunde-o com o direito posto e imposto pelos órgãos democraticamente eleitos e, dedutivamente, chega à conclusão que ele implicará sempre uma opressão aos cidadãos livres.
Ora, vamos lá ver se eu lhe consigo explicar isto. O estrato das normas positivas (das leis) é apenas uma pequena parte do sistema jurídico. A par deste existem outros estratos: a jurisprudência (sim, pode ser um choque para muitos, mas o juiz não é um mero sujeito passivo, participando activamente na criação do direito), a doutrina, e os princípios normativos.
Ora, estes, não sendo fontes, permitem a fundamentação de todos os outros estratos, dando-lhes sentido. E que sentido é esse, perguntar-me-á: o verdadeiro sentido jurídico.
Porque, uma ordem que se queira de direito e do direito não se limita a resolver o problema da partilha do mundo. Fá-lo na pressuposição de uma intencionalidade especificamente jurídica. Uma intencionalidade que nos remeta para a consideração da dignidade ética do ser humano, livre e responsável.
Por isso, as ordens comunistas, nacionais-socialistas e outras como tal podem ter sido ordens de regulação social, ordens que resolveram o problema da partilha do mundo, mas não foram ordens jurídicas. Faltou-lhes a dimensão ética que permite essa qualificação.
Repare, pois, que a ética – que, pela compreensão hodierna do ser humano, nos leva necessariamente à abertura dialogante com o outro, no qual vemos um ser igual a nós – não nos oprime, mas nos dá aqui garantias.
Garantias de que o legislador não fará tudo. Porque, mesmo que as leis sejam hoje, em grande medida, instrumentos de prossecução de políticas governativas, elas não podem olvidar os princípios. O esquema é semelhante ao da inconstitucionalidade das normas. Tal como uma lei não pode violar a constituição, porque a juridicidade é mais ampla e mais funda que a constitucionalidade, também não pode deixar de estar em sintonia com esse referente de sentido último. Se estiver, tratar-se-á de uma lei injusta que o juiz, na decisão do caso concreto, pode afastar.
E não se assuste, porque eu lhe estou a falar em ética, nunca em moral, algo distinto, que pressupõe unicamente a relação de cada um de nós com a nossa consciência.
Repare que o que o Rui faz é pressupor um quadro axiológico, que o leva a afastar como grotesca uma norma que imponha a escravatura ou a morte de cidadãos. Ao fazê-lo não está a fazer mais do que eu faço. Simplesmente, porque esses casos não levantam problemas, resolve-os acriticamente. Quando a prática me coloca diante de um problema eu tenho de mobilizar um pensamento de segundo grau. É isso que estou a fazer em relação ao aborto.
Note, ainda, que este é um referente de sentido que estabelece um quadro geral dentro do qual nos movemos, e cuja conformação pode assumir diversas formas. Nada disto impõe a definição de uma política económica. Até porque, e esse é o seu segundo erro, não pode reduzir o jurídico ao económico, sob pena de perder a noção do justo e a transmutar numa noção espúria de eficácia ou eficiência.
Aqui chegados, não lhe posso retribuir os parabéns. Eu respondi ao seu desafio. O Rui insiste em não responder ao que o João Vacas lhe perguntou e bem assim às questões que eu lhe dirigi. Vá, por favor, vê-las ao texto de ontem e corajosamente responda a cada uma delas.
Atenção que se admitir que o embrião é um ser humano não pode colocar o problema no plano da moral. Porque em causa estão dois seres e a moral, pela sua natureza, não implica essa ideia de alteridade ou intersubjectivdade.
Espero sinceramente que tenha percebido que o problema não se coloca ao nível da legitimidade do Estado e do direito. Digo-o sem ironia, porque só depois de o entender poderemos esgrimir argumentos sobre a oportunidade ou não da alteração legislativa.