Não é evidente

Não vou falar de evidências porque se há coisa evidente neste debate é que aquilo que é evidente para uns não o é para outros.
Votarei não, claro, senão não estaria aqui.
As razões que me movem são fundamentalmente as mesmas que me moveram em 98, quando noutra sede também escrevi o que penso. Mas talvez hoje a essas razões se juntem outras, de ordem diversa, para mim não tão importantes, mas porventura para outros tão ou mais importantes.
Nessa altura o meu argumento central era a importância superior do direito à vida do bébé (pelo menos é o que eu vejo numa ecografia, por isso assim lhe chamo, e nunca ouvi ninguém dizer que viu o seu embrião) num Estado que se assume estruturado na dignidade da pessoa humana e defensor dessa mesma dignidade.
Disse-me um amigo, activo frequentador da blogosfera, que neste meio os textos muito longos eram muito chatos. Acredito nele e por isso não farei um texto longo. Terei oportunidade de voltar aos poucos. Acrescento apenas que apesar de ser jurista tentarei explicar as minhas razões para defender o não fora do campo estritamente jurídico. É certo que o direito explica algumas coisas, mas só algumas, e, além disso, a menos que façamos uma defesa intransigente do direito natural, teremos de concordar que todo o direito é alterável e mesmo a Constituição é chapéu de abas suficientemente largas para albergar diversas interpretações.
Já agora, apenas algumas indicações de palavras que vou usar preferencialmente:
Interrupção voluntária de gravidez = aborto;
Mulher = mãe;
Embrião = bébé.

Comentários:
Antes de mais, Assunção, se me permite -ainda que eu seja suspeito, porque às vezes me alongo-, escreva o que achar que deve ser escrito.Alargue-se, porque os consultórios dos psicólogos e dospsiquiatras estão cheios de gente que se contem. Vai ver que, se aquilo que alguém escreve tem sentido, os outros, os que são interessados em compreender, lêem. Se se escreve por partes, como já reparou no funcionamento desta "coisa", quem quiser ler, sente-se desmotivado e perde o fio à meeada.

Já foi bom perceber-se que, como jurista, se liberta das amarras da Justiça -sem esquecer, naturalmente, a experiência nesse contexto- e disserta no exercício da sua humanidade e dos seus juízos. Boa! Enfim, alguém para quem o SIM e o NÃO, para que se possa ser justo, são pouco.
 
Complicações na gravidez + aborto espontâneo às 6 semanas = um bebé morreu?

Morreu o bebé de 6 semanas = convida-se a família toda e faz-se um funeral?

O que é evidente?
 
Anonymous: 1ª pergunta - sim, morreu um bébé. Nunca passou por essa experiência presumo mas garanto-lhe que a consequência é uma enorme tristeza e sensação de vazio.

2ª pergunta: não tem a mínima das nocões do que é um aborto espontâneo ... o que é se vai enterrar? Percebeu ou não? Mas para seu esclarecimento, conheço casos de abortos espontâneos tardios em que foi feito um funeral...
Esta segunda pergunta, é daquelas perguntas, vai-me desculpar, típicas da revista "Maria"...
cumprimentos,
ID
 
Que coisa tão estranha...definir um bébé como aquilo que pode ou não ser enterrado! Parece que no seu entender deveremos então pautar-nos pela legislação que manda a partir de certo tempo da gravidez enterrar os bébés e até lá não...
Mas como frisa, e bem, a perda de um bébé "é uma enorme tristeza e uma sensação de vazio". Precisamente.
 
Quando se argumenta com base em emoções e sentimentos, não se alcançam as razões do problema. Já Aristóteles alertava para esta questão básica que tolda a análise das questões complexas.

Perguntas:
A morte de um embrião (conceito médico/científico) até às 10 semanas (sem córtex cerebral e SNC activo), pode ser equiparado ao desligar da máquina de um ser humano "morto cerebralmente" (conceito médico/científico), ou não? Se não, porquê?

Alguém ficará com remorsos por constatar a morte de um recém-nascido acéfalo?

Estaremos a ser masoquistas ou simplesmente românticos quando descrevemos a perda de um projecto, uma projecção idealizada de algo "potencial" e indefinido, como "uma enorme tristeza e uma sensação de vazio"
 
Rui Falcão:

A morte de um embrião (conceito médico/científico) até às 10 semanas (sem córtex cerebral e SNC activo), pode ser equiparado ao desligar da máquina de um ser humano "morto cerebralmente" (conceito médico/científico), ou não? Se não, porquê?
Não, não pode. E não pode porque um embrião com menos de 10 semanas, se nada se fizer/acontecer em contrário, desenvolver-se-á até se tornar um ser humano plenamente funcional e independente. Mas um humano "morto cerebralmente", se nada se fizer/acontecer em contrário, morrerá rapidamente.
Para o primeiro existe futuro, se não fôr morto. O segundo já está morto.

Alguém ficará com remorsos por constatar a morte de um recém-nascido acéfalo?
Os remorsos só existem devido a acções ou omissões que tenham contribuido para o resultado.
Se não se contribuiu, por acção ou omissão, para que a criança tenha nascido acéfala, não há lugar a remorsos. Mas pode haver, e normalmente haverá, lugar a pena/sofrimento por esse desfecho de algo que é normalmente celebrado e relembrado.

Estaremos a ser masoquistas ou simplesmente românticos quando descrevemos a perda de um projecto, uma projecção idealizada de algo "potencial" e indefinido, como "uma enorme tristeza e uma sensação de vazio"
Como não consigo relacionar o termo "projecto" com nada do que está em discussão (a não ser o projecto de despenalização do aborto a pedido e suponho que não seja a isso que se refira), não percebo a pergunta. Ou não é uma pergunta?
 





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