O aborto salva milhões de vidas?
Segundo o Público on-line de hoje, a deputada Ana Manso, do PSD, «(...) assumindo-se como católica fez questão de garantir que tal não a impedia de apoiar o "sim" no referendo: "A minha fé ensina-me que é possível ir ao encontro de políticas como a contracepção ou a interrupção voluntária da gravidez. Porque salvam milhões de vidas." »
Será que li bem? Porque salvam milhões de vidas?
Independentemente da possibilidade de haver algum risco para a vida da mãe que aborta (ainda estou para ver as estatísticas do número de mortes), está por demonstrar que a legalização do aborto salve as vidas destas.
E o que é irrefutável é que um aborto implica sempre a morte de um ser vivo - o filho.
Dizer que o aborto salva vidas é uma contradição nos próprios termos.
Será que esta incongruência repetida muitas vezes faz com que as pessoas acreditem nela?
E o que é irrefutável é que um aborto implica sempre a morte de um ser vivo - o filho.
Dizer que o aborto salva vidas é uma contradição nos próprios termos.
Será que esta incongruência repetida muitas vezes faz com que as pessoas acreditem nela?
Comentários:
blogue do não
É refutável que seja um ser vivo. O que não é refutável é a MR considerá-lo um ser vivo ( o que eu respeito tendo opinião diferente).
Nao e, tambem, refutavel que politicas como a contracepcao salvem milhoes de vidas, particularmente pensando no uso de preservativo, que me arrisco a inferir, estaria na mente de Ana Manso (nao esquecer as polemicas posicoes da Igreja Catolica relativas a este tema, nomeadamente na Africa Austral).
Anónimo das 15.06:
Pode indicar-me onde é que se afirma que um embrião de 10 semanas não é um ser vivo?
Tanto quanto eu sei, nem os médicos pró sim dizem o contrário.
Anónimo das 15.59:
A questão levantada neste post não é a das políticas de contracepção na África Austral, é a liberalização do aborto em Portugal. Aliás, é sintomático que esta Sra. Deputada enfie a contracepção e o aborto no mesmo saco.
Pode indicar-me onde é que se afirma que um embrião de 10 semanas não é um ser vivo?
Tanto quanto eu sei, nem os médicos pró sim dizem o contrário.
Anónimo das 15.59:
A questão levantada neste post não é a das políticas de contracepção na África Austral, é a liberalização do aborto em Portugal. Aliás, é sintomático que esta Sra. Deputada enfie a contracepção e o aborto no mesmo saco.
Não percebo, mas realmente devo ser muito burra e olhem que até não sou loura. Mas porque é que algumas pessoas tendem incluir neste tema a igreja católica apostólica romana? Já que o querem fazer, sejam coerentes e incluam todas as outras igrejas que seguem Jesus Cristo e todas as outras religiões que se opõem terminantemente ao aborto? Ou então, não levem este debate para esses termos, afinal de contas todos sabemos que não se trata de uma questão religiosa.
Filipa Burguette
Filipa Burguette
Marta Rebelo, duas coisas:
1. Parece evidente, mesmo que discordemos de tal ponto de vista, que o "salvar vidas" e' usado aqui num sentido metaforico; nao no sentido de "evitar a morte de", mas no sentido de "torna-las melhor". Um pouco como poderiamos dizer que a educacao ou, aqui bem a contexto, a leitura da Biblia (como e' sugerido, por exemplo, no excelente "Os condenados de Shawshank") podem "salvar" uma pessoa. Ler o verbo "salvar" como "evitar a morte" e' um pouco redutor, to say the least.
2. O que digo anteriormente e', naturalmente, *independentemente* de considerarmos ou nao que o aborto e' a "morte de um ser vivo", ja' que o "salvar", no contexto, se refere 'a vida (mais "facilitada", se quisermos, mais "consoante aquilo que a mulher gostaria de ter") da mulher e nao 'a eventual (dependendo da nossa concepcao) vida em questao.
Ora, o que me apraz apontar e' que se a Marta acha que "Um aborto implica sempre a morte de um ser vivo - o filho", entao a Marta esta' implicitamente a dizer que o que acontece por essa Europa fora e' um genocidio tremendo, algo incomparavel com tudo aquilo a que ja' assistimos enquanto humanidade.
E, nesse caso, seria muito pouco aquilo que os defensores desta ideia fazem. Pelo menos, quer-me parecer que se todos os anos fossem mortas "milhoes" de criancas de 6 ou 7 anos por essa Europa fora, dificilmente resumiriamos a nossa accao a blogues ou associacoes civis. Ou seja, ha' aqui uma incoerencia latente.
Qaunto ao facto da Marta achar que e' "irrefutavel" aquilo que diz, so' lhe posso dizer que estamos no dominio da filosofia e da etica. Nao propriamente da ciencia. Portanto, qualquer afirmacao deste genero nao e', ontologicamente, passivel de ser ou nao refutada. Tudo depende da perspectiva filosofica de cada um, que pode ser "discutida", mas nao "refutada". A coisa nao depende da "experiencia" - as simple as that.
Quanto a falar em "filho", dispenso-me comentar, que isto ja' vai longo, mas haveria muito a dizer tambem.
1. Parece evidente, mesmo que discordemos de tal ponto de vista, que o "salvar vidas" e' usado aqui num sentido metaforico; nao no sentido de "evitar a morte de", mas no sentido de "torna-las melhor". Um pouco como poderiamos dizer que a educacao ou, aqui bem a contexto, a leitura da Biblia (como e' sugerido, por exemplo, no excelente "Os condenados de Shawshank") podem "salvar" uma pessoa. Ler o verbo "salvar" como "evitar a morte" e' um pouco redutor, to say the least.
2. O que digo anteriormente e', naturalmente, *independentemente* de considerarmos ou nao que o aborto e' a "morte de um ser vivo", ja' que o "salvar", no contexto, se refere 'a vida (mais "facilitada", se quisermos, mais "consoante aquilo que a mulher gostaria de ter") da mulher e nao 'a eventual (dependendo da nossa concepcao) vida em questao.
Ora, o que me apraz apontar e' que se a Marta acha que "Um aborto implica sempre a morte de um ser vivo - o filho", entao a Marta esta' implicitamente a dizer que o que acontece por essa Europa fora e' um genocidio tremendo, algo incomparavel com tudo aquilo a que ja' assistimos enquanto humanidade.
E, nesse caso, seria muito pouco aquilo que os defensores desta ideia fazem. Pelo menos, quer-me parecer que se todos os anos fossem mortas "milhoes" de criancas de 6 ou 7 anos por essa Europa fora, dificilmente resumiriamos a nossa accao a blogues ou associacoes civis. Ou seja, ha' aqui uma incoerencia latente.
Qaunto ao facto da Marta achar que e' "irrefutavel" aquilo que diz, so' lhe posso dizer que estamos no dominio da filosofia e da etica. Nao propriamente da ciencia. Portanto, qualquer afirmacao deste genero nao e', ontologicamente, passivel de ser ou nao refutada. Tudo depende da perspectiva filosofica de cada um, que pode ser "discutida", mas nao "refutada". A coisa nao depende da "experiencia" - as simple as that.
Quanto a falar em "filho", dispenso-me comentar, que isto ja' vai longo, mas haveria muito a dizer tambem.
Recordando Ana Manso: "À frente da lista do PS temos um homem sem categoria. E não é por lhe faltar alguma coisa em termos físicos" (sobre Sousa Franco)
Tiago Mendes:
Que o embrião é um ser vivo, diferente da mãe (e do pai) não é uma questão filosófica. É uma questão científica. Dê-me um exemplo de um único cientista que diga que num embrião não há vida.
A questão filosófica coloca-se, não quanto ao saber se há ou não um ser vivo, porque isso não é do seu foro e sim do da biologia, mas quanto ao saber se esse ser biologicamente vivo tem ou não a dignidade de pessoa.
Numa questão como esta, em que a população em geral está tão mal informada, e em que se argumenta com a morte das mulheres que abortam sem que uma única tenha morrido desde o último referendo, acho no mínimo equivoco que se use "salvar vidas" em sentido metafórico.
E sim, acho dramático o que se faz por essa Europa fora. Acho dramático do ponto de vista das vidas que se matam e acho dramático que se diga às mulheres que isso lhes "salva as vidas", porque efectivamente não salva.
Está por provar que uma gravidez indesejada deixe mais sequelas do que um aborto legal.
De todo o modo, só faz sentido olhar unicamente para o ponto de vista da mulher, ignorando totalmente o embrião, se se entender que o embrião é uma coisa e não uma pessoa. Já alguma vez viu alguma Sra. Deputada, ou mesmo Sr. Deputado que defende o sim esclarecer a população sobre essa sua posição?
Já agora, a propósito do filho que não comenta: experimente dizer a uma mulher grávida que deseja a gravidez que o que ela tem na barriga não é um filho.
Que o embrião é um ser vivo, diferente da mãe (e do pai) não é uma questão filosófica. É uma questão científica. Dê-me um exemplo de um único cientista que diga que num embrião não há vida.
A questão filosófica coloca-se, não quanto ao saber se há ou não um ser vivo, porque isso não é do seu foro e sim do da biologia, mas quanto ao saber se esse ser biologicamente vivo tem ou não a dignidade de pessoa.
Numa questão como esta, em que a população em geral está tão mal informada, e em que se argumenta com a morte das mulheres que abortam sem que uma única tenha morrido desde o último referendo, acho no mínimo equivoco que se use "salvar vidas" em sentido metafórico.
E sim, acho dramático o que se faz por essa Europa fora. Acho dramático do ponto de vista das vidas que se matam e acho dramático que se diga às mulheres que isso lhes "salva as vidas", porque efectivamente não salva.
Está por provar que uma gravidez indesejada deixe mais sequelas do que um aborto legal.
De todo o modo, só faz sentido olhar unicamente para o ponto de vista da mulher, ignorando totalmente o embrião, se se entender que o embrião é uma coisa e não uma pessoa. Já alguma vez viu alguma Sra. Deputada, ou mesmo Sr. Deputado que defende o sim esclarecer a população sobre essa sua posição?
Já agora, a propósito do filho que não comenta: experimente dizer a uma mulher grávida que deseja a gravidez que o que ela tem na barriga não é um filho.
Cara Marta Rebelo,
Acho que, sem perceber, encerra no seu último comentário um pressuposto justificativo importante: porque é q se trata de um filho, quando é que se pode falar de filho?
De facto, como disse muito bem, para uma mulher grávida que deseje a gravidez (tendo esta sido imprevista ou não)o que tem no útero é um filho, inequivocamente. É um filho porque faz parte do projecto de vida. É um filho porque é esperado e desejado num compromisso afectivo para toda a vida.
Não são os fenómenos biológicos que fazem de alguém mãe e de outro alguém filho, como lhe poderá explicar qualquer casal que escolha adoptar uma criança e tornar-se a partir daí pai e mãe.
Quando uma mulher escolhe em consciência que não tem condições para ser mãe (por razões emocionais, relacionais, sociais, etc)está a ser responsável. Ser mãe não é estar grávida e vice-versa, é um compromisso de afecto e cuidado para toda a vida, que começa qd alguém decide fazê-lo e engravida ou adopta. Levar uma gravidez a termo e ter uma criança não é matéria em que se tolerem inconsciências e irresponsabilidades (que o digam as Comissões de Protecção de menores). Defendo que todas as crianças possam ser filhos (não é de facto a mesma coisa) e ter pelo menos uma mãe e/ou um pai (que nem todos os progenitores são). No mesmo sentido, e na linha dos direitos sexuais e reprodutivos da Organização Mundial de Saúde (2002), considero que as mulheres e os homens devem poder ser mães e pais quando o desejam... pq só assim o serão de facto.
Filipa Moreira
Acho que, sem perceber, encerra no seu último comentário um pressuposto justificativo importante: porque é q se trata de um filho, quando é que se pode falar de filho?
De facto, como disse muito bem, para uma mulher grávida que deseje a gravidez (tendo esta sido imprevista ou não)o que tem no útero é um filho, inequivocamente. É um filho porque faz parte do projecto de vida. É um filho porque é esperado e desejado num compromisso afectivo para toda a vida.
Não são os fenómenos biológicos que fazem de alguém mãe e de outro alguém filho, como lhe poderá explicar qualquer casal que escolha adoptar uma criança e tornar-se a partir daí pai e mãe.
Quando uma mulher escolhe em consciência que não tem condições para ser mãe (por razões emocionais, relacionais, sociais, etc)está a ser responsável. Ser mãe não é estar grávida e vice-versa, é um compromisso de afecto e cuidado para toda a vida, que começa qd alguém decide fazê-lo e engravida ou adopta. Levar uma gravidez a termo e ter uma criança não é matéria em que se tolerem inconsciências e irresponsabilidades (que o digam as Comissões de Protecção de menores). Defendo que todas as crianças possam ser filhos (não é de facto a mesma coisa) e ter pelo menos uma mãe e/ou um pai (que nem todos os progenitores são). No mesmo sentido, e na linha dos direitos sexuais e reprodutivos da Organização Mundial de Saúde (2002), considero que as mulheres e os homens devem poder ser mães e pais quando o desejam... pq só assim o serão de facto.
Filipa Moreira
Marta:
Eu lia-a nas entrelinhas, naturalmente. Claro que nao esta' em causa que o embriao seja um "ser vivo", julgo que isso e' universal. Referia-me a' ideia subjacente no que a Marta escreveu sobre o "estatuto" e a "dignidade" do embriao e do feto.
"Numa questão como esta, em que a população em geral está tão mal informada, e em que se argumenta com a morte das mulheres que abortam sem que uma única tenha morrido desde o último referendo, acho no mínimo equivoco que se use "salvar vidas" em sentido metafórico."
E a Marta tem todo o direito a achar que o uso de uma metafora - de qualquer metafora - e' equivoco. E' da natureza das metaforas. Mas como penso que aqui a unica leitura possivel e' a metaforica - dado que claramente a senhora em questao nao se refere 'a possibilidade de a a vida da mulher estar em causa - aquilo que a Marta faz, mesmo sem intencao, e' uma deturpacao do sentido que a tal senhora queria dar ao enunciado proposto.
Ate' poderia achar (a Marta) de mau gosto essa escolha. Eu provavelmente acharia, uma vez que "salvar vidas" no contexto pode ofender quem acredita (como a Marta) que o embriao tem o estatuto de "pessoa humana". Eu nunca usaria tal expressao. Mas nao quero tirar o direito 'a tal senhora de o usar. Temos e' de ter calma com a leitura que fazemos das coisas.
"E sim, acho dramático o que se faz por essa Europa fora."
Outra coisa nao esperaria - de si, como dos seus colegas de blogue, como de qualquer pessoa. Mas a questao nao fica resolvida com um "acho dramatico" (e entenda que isto nao e' um ataque pessoal nem uma desconsideracao pelo que disse e/ou pela sua preocupacao com o tema, que me merece o maior respeito). A questao poe-se no plano da coerencia argumentativa de quem defende certas posicoes.
"Acho dramático do ponto de vista das vidas que se matam e acho dramático que se diga às mulheres que isso lhes "salva as vidas", porque efectivamente não salva."
Perdoe-me, Marta, mas isso tem um nome: paternalismo. Das mulheres e do seu bem-estar (o tal "salvar vidas" metaforico) saberao elas melhor que ninguem. Podemos discordar do que elas fazem, ate' condenar isso, mas dizer que isso nao e' o melhor para elas e' paternalista. Mas se calhar a Marta nao se importa de ser paternalista.
"Está por provar que uma gravidez indesejada deixe mais sequelas do que um aborto legal."
A questao esta' (filosoficamente) mal colocada e, de qualquer modo, bastaria um contra-exemplo para refutar a sua frase, dado que ela pretende ter um caracter universal. E exemplos nao faltam por ai. Mas lembremo-nos do argumento mais simples: se as mulheres escolhem, e sao racionais e soberanas e informadas nessa escolha (e claro que nem todas o serao "totalmente", pelo menos nao nos mesmos "graus", mas algumas se-lo-ao certamente), entao e' claro que o aborto legal e' "preferido" - se quiser, deixa menos "sequelas" - do que uma gravidez indesejada.
De resto, aproveito para dizer que acho um erro, nao so' em termos argumentativos (porque "errado"), como em termos estrategios (porque "prejudicial" para o debate em questao, do vosso ponto de vista), trazer este tipo de argumentos. A vossa defesa, inteiramente legitima e respeitavel, tem de se basear na conviccao de que o embriao tem o mesmo estatuto, de que a lei isto e aquilo, mas nao que as mulheres aquilo e aqueloutro. Acho que me faco entender.
"De todo o modo, só faz sentido olhar unicamente para o ponto de vista da mulher, ignorando totalmente o embrião, se se entender que o embrião é uma coisa e não uma pessoa."
A mim tambem me faz impressao quem parece tratar o embriao como uma "coisa". Contudo, note a Marta que entre ser uma "coisa" e ser uma "pessoa" vai muita coisa. Portanto, a Marta cai na Falacia da Dualidade, ao pretender que "ou uma coisa ou outra". Nao: ha' mais coisas no meio, e' errado por as coisas nesses termos simplistas.
"Já agora, a propósito do filho que não comenta: experimente dizer a uma mulher grávida que deseja a gravidez que o que ela tem na barriga não é um filho."
Esse tipo de (supostos) argumentos sao um pouco perigosos, a meu entender. Mais uma vez, porque formalmente bastaria um contra-exemplo para refuta-lo. Mas, mais substantivamente, porque a Marta volta a insistir numa palavra que no contexto tem um sentido muito duvidoso (quer dizer, passivel de interpretacoes variadas) e que nao ajuda 'a discussao. Claro que um embriao e um feto sao "potenciais" filhos. Ate' ai todos concordamos. Se a Marta insiste em chamar-lhes "filhos", eu volto a lembrar-lhe que, nesse caso, existe uma incoerencia gigantesca entre essa posicao (intelectual) e o facto de nao ver grande reaccao perante o genocidio continuado de "milhoes de filhos" por essa Europa fora.
Se fosse 'a Marta, nao ia por ai (por essa insistencia no "filho"). E, estando a ser honesto, repare que estou tambem a contribuir para o insucesso daquilo que eu espero que aconteca - que o "Sim" ganhe -, ja' que quanto mais extremados, desapropriados e incoerentes forem os argumentos do "Nao", mais facil ("na margem", claro que os mesmo erros abundam do lado do "Sim", se em maior ou menor grau nao me interessa nem poderia, de resto, saber, porque nao acompanho discussao tao inutil e viciada) sera a vitoria do lado que eu defendo.
Eu lia-a nas entrelinhas, naturalmente. Claro que nao esta' em causa que o embriao seja um "ser vivo", julgo que isso e' universal. Referia-me a' ideia subjacente no que a Marta escreveu sobre o "estatuto" e a "dignidade" do embriao e do feto.
"Numa questão como esta, em que a população em geral está tão mal informada, e em que se argumenta com a morte das mulheres que abortam sem que uma única tenha morrido desde o último referendo, acho no mínimo equivoco que se use "salvar vidas" em sentido metafórico."
E a Marta tem todo o direito a achar que o uso de uma metafora - de qualquer metafora - e' equivoco. E' da natureza das metaforas. Mas como penso que aqui a unica leitura possivel e' a metaforica - dado que claramente a senhora em questao nao se refere 'a possibilidade de a a vida da mulher estar em causa - aquilo que a Marta faz, mesmo sem intencao, e' uma deturpacao do sentido que a tal senhora queria dar ao enunciado proposto.
Ate' poderia achar (a Marta) de mau gosto essa escolha. Eu provavelmente acharia, uma vez que "salvar vidas" no contexto pode ofender quem acredita (como a Marta) que o embriao tem o estatuto de "pessoa humana". Eu nunca usaria tal expressao. Mas nao quero tirar o direito 'a tal senhora de o usar. Temos e' de ter calma com a leitura que fazemos das coisas.
"E sim, acho dramático o que se faz por essa Europa fora."
Outra coisa nao esperaria - de si, como dos seus colegas de blogue, como de qualquer pessoa. Mas a questao nao fica resolvida com um "acho dramatico" (e entenda que isto nao e' um ataque pessoal nem uma desconsideracao pelo que disse e/ou pela sua preocupacao com o tema, que me merece o maior respeito). A questao poe-se no plano da coerencia argumentativa de quem defende certas posicoes.
"Acho dramático do ponto de vista das vidas que se matam e acho dramático que se diga às mulheres que isso lhes "salva as vidas", porque efectivamente não salva."
Perdoe-me, Marta, mas isso tem um nome: paternalismo. Das mulheres e do seu bem-estar (o tal "salvar vidas" metaforico) saberao elas melhor que ninguem. Podemos discordar do que elas fazem, ate' condenar isso, mas dizer que isso nao e' o melhor para elas e' paternalista. Mas se calhar a Marta nao se importa de ser paternalista.
"Está por provar que uma gravidez indesejada deixe mais sequelas do que um aborto legal."
A questao esta' (filosoficamente) mal colocada e, de qualquer modo, bastaria um contra-exemplo para refutar a sua frase, dado que ela pretende ter um caracter universal. E exemplos nao faltam por ai. Mas lembremo-nos do argumento mais simples: se as mulheres escolhem, e sao racionais e soberanas e informadas nessa escolha (e claro que nem todas o serao "totalmente", pelo menos nao nos mesmos "graus", mas algumas se-lo-ao certamente), entao e' claro que o aborto legal e' "preferido" - se quiser, deixa menos "sequelas" - do que uma gravidez indesejada.
De resto, aproveito para dizer que acho um erro, nao so' em termos argumentativos (porque "errado"), como em termos estrategios (porque "prejudicial" para o debate em questao, do vosso ponto de vista), trazer este tipo de argumentos. A vossa defesa, inteiramente legitima e respeitavel, tem de se basear na conviccao de que o embriao tem o mesmo estatuto, de que a lei isto e aquilo, mas nao que as mulheres aquilo e aqueloutro. Acho que me faco entender.
"De todo o modo, só faz sentido olhar unicamente para o ponto de vista da mulher, ignorando totalmente o embrião, se se entender que o embrião é uma coisa e não uma pessoa."
A mim tambem me faz impressao quem parece tratar o embriao como uma "coisa". Contudo, note a Marta que entre ser uma "coisa" e ser uma "pessoa" vai muita coisa. Portanto, a Marta cai na Falacia da Dualidade, ao pretender que "ou uma coisa ou outra". Nao: ha' mais coisas no meio, e' errado por as coisas nesses termos simplistas.
"Já agora, a propósito do filho que não comenta: experimente dizer a uma mulher grávida que deseja a gravidez que o que ela tem na barriga não é um filho."
Esse tipo de (supostos) argumentos sao um pouco perigosos, a meu entender. Mais uma vez, porque formalmente bastaria um contra-exemplo para refuta-lo. Mas, mais substantivamente, porque a Marta volta a insistir numa palavra que no contexto tem um sentido muito duvidoso (quer dizer, passivel de interpretacoes variadas) e que nao ajuda 'a discussao. Claro que um embriao e um feto sao "potenciais" filhos. Ate' ai todos concordamos. Se a Marta insiste em chamar-lhes "filhos", eu volto a lembrar-lhe que, nesse caso, existe uma incoerencia gigantesca entre essa posicao (intelectual) e o facto de nao ver grande reaccao perante o genocidio continuado de "milhoes de filhos" por essa Europa fora.
Se fosse 'a Marta, nao ia por ai (por essa insistencia no "filho"). E, estando a ser honesto, repare que estou tambem a contribuir para o insucesso daquilo que eu espero que aconteca - que o "Sim" ganhe -, ja' que quanto mais extremados, desapropriados e incoerentes forem os argumentos do "Nao", mais facil ("na margem", claro que os mesmo erros abundam do lado do "Sim", se em maior ou menor grau nao me interessa nem poderia, de resto, saber, porque nao acompanho discussao tao inutil e viciada) sera a vitoria do lado que eu defendo.
Caro Tiago,
Não leia nas entrelinhas, eu quis mesmo dizer que um embrião é um ser vivo.
É que é recorrente os adeptos do sim dizerem que o não é. Que é uma questão discutível. Misturam a questão biológica e a filosófica e tudo passa a ser dicutível.
Ora, é indiscutível que um embrião de dez semanas é biologicamente um ser vivo.
Se tratar da questão da dignidade que deve merecer esse ser vivo, coloque-a claramente no plano filosófico e explique porque é que há seres humanos que têm dignidade e outros não.
O Tiago diz que: “claramente a senhora em questão não se refere à possibilidade de a vida da mulher estar em causa”.
Ora, eu acho precisamente o contrário, acho que a Senhora em causa quis exactamente deixar subentendida a ideia de que em Portugal as mulheres morrem ao abortar. E foi essa a ideia que eu quis refutar. Tanto quanto sei, há anos que não se morre em Portugal por causa de um aborto clandestino.
E ninguém nega que um aborto implica sempre uma morte. Acho que não devemos iludir essa questão.
Agora podemos em seguida discutir de quê ou de quem, com certeza. Mas então sabemos o que estamos a discutir.
Eu não tiro o direito de a Senhora Deputada dizer o que disse. Posso é refutar as suas afirmações, como fiz.
Já agora, onde é que descobre incoerência argumentativa? De onde é que retira que eu tento resolver a questão com um simples “acho dramático”? Nunca ouviu falar em organizações anti-aborto por essa Europa fora?
Quanto ao paternalismo, acho que está a confundi-lo com informação. Ou melhor, com a afirmação que eu fiz de que a população em geral não está suficientemente informada. Que é feito dos vários estudos que iam ser levados a cabo?
Qualquer decisão que seja tomada é tão mais livre quanto melhor estiver informada das respectivas consequências a pessoa que a toma. Ou não? Acha que as pessoas em geral estão suficientemente informadas? Acha que há estudos sérios e profundos sobre o aborto e as suas consequências?
Vê muitas entrelinhas e pretensões de carácter universal onde elas não existem: eu não disse que sou contra o aborto porque ainda está por demonstrar que uma gravidez indesejada deixe mais sequelas do que um aborto legal. Digo é que não é válido o argumento a favor do aborto que parte do princípio contrário, como o Tiago fez ao interpretar as palavras da Sra. Deputada em causa. Aparentemente não sou eu a paternalista... Nem sou eu que invoco a qualidade de católica na minha argumentação...
A defesa que eu, ou qualquer outra pessoa, possa fazer em favor do NÃO, não passa apenas por expor os meus pontos de vista, mas também por desmontar os argumentos usados na defesa do ponto de vista contrário. Ou também acha que não?
E não, entre ser uma coisa e uma pessoa não vai muita coisa. Não vai mesmo nada.
A dualidade não é uma falácia.
Ou bem que é sujeito, ou bem que é objecto. Não há estatuto para um “tercium genus”. (Se o conhece, faça favor do mo indicar).
Não é concebível o sujeito sem o prévio reconhecimento do direito à vida. Pode não lhe ser reconhecido mais direito algum. Pode até ter menos direitos do que outras pessoas. Aliás, as crianças ou os adolescentes não têm os mesmos direitos que os adultos, o seu modo de vida encontra-se fortemente limitado pela vontade destes, mas não é por isso que são menos pessoas ou que têm menos dignidade que estes. E é-lhes reconhecido o direito à vida.
Ora, ficando a vida do embrião pura e simplesmente na dependência da vontade da grávida, este deixa de ser um sujeito e passa a ser um objecto.
Se, quando fala em vida, a Sra. Deputada só tem em vista a perspectiva unilateralista da qualidade de vida da mãe, achando irrelevante que o aborto implique o fim da vida do embrião (claramente não o vê como filho) está a tratar a primeira como sujeito e este último como objecto. Porque se ponderasse honestamente, nem que fosse ao de leve, a perspectiva do embrião, certamente não diria o que disse.
E não, chamar filho a um embrião não é um suposto argumento. A sua posição é que reforça os argumentos em favor do não.
É que os defensores do sim, para advogarem o aborto em coerência precisam que o embrião não seja visto como um sujeito com direito à vida.
A partir do momento em que o fazem, deixaram de poder argumentar com a liberdade das mulheres que abortam. Isto porque vieram interferir com a dignidade das mulheres grávidas que não o fazem.
Não leia nas entrelinhas, eu quis mesmo dizer que um embrião é um ser vivo.
É que é recorrente os adeptos do sim dizerem que o não é. Que é uma questão discutível. Misturam a questão biológica e a filosófica e tudo passa a ser dicutível.
Ora, é indiscutível que um embrião de dez semanas é biologicamente um ser vivo.
Se tratar da questão da dignidade que deve merecer esse ser vivo, coloque-a claramente no plano filosófico e explique porque é que há seres humanos que têm dignidade e outros não.
O Tiago diz que: “claramente a senhora em questão não se refere à possibilidade de a vida da mulher estar em causa”.
Ora, eu acho precisamente o contrário, acho que a Senhora em causa quis exactamente deixar subentendida a ideia de que em Portugal as mulheres morrem ao abortar. E foi essa a ideia que eu quis refutar. Tanto quanto sei, há anos que não se morre em Portugal por causa de um aborto clandestino.
E ninguém nega que um aborto implica sempre uma morte. Acho que não devemos iludir essa questão.
Agora podemos em seguida discutir de quê ou de quem, com certeza. Mas então sabemos o que estamos a discutir.
Eu não tiro o direito de a Senhora Deputada dizer o que disse. Posso é refutar as suas afirmações, como fiz.
Já agora, onde é que descobre incoerência argumentativa? De onde é que retira que eu tento resolver a questão com um simples “acho dramático”? Nunca ouviu falar em organizações anti-aborto por essa Europa fora?
Quanto ao paternalismo, acho que está a confundi-lo com informação. Ou melhor, com a afirmação que eu fiz de que a população em geral não está suficientemente informada. Que é feito dos vários estudos que iam ser levados a cabo?
Qualquer decisão que seja tomada é tão mais livre quanto melhor estiver informada das respectivas consequências a pessoa que a toma. Ou não? Acha que as pessoas em geral estão suficientemente informadas? Acha que há estudos sérios e profundos sobre o aborto e as suas consequências?
Vê muitas entrelinhas e pretensões de carácter universal onde elas não existem: eu não disse que sou contra o aborto porque ainda está por demonstrar que uma gravidez indesejada deixe mais sequelas do que um aborto legal. Digo é que não é válido o argumento a favor do aborto que parte do princípio contrário, como o Tiago fez ao interpretar as palavras da Sra. Deputada em causa. Aparentemente não sou eu a paternalista... Nem sou eu que invoco a qualidade de católica na minha argumentação...
A defesa que eu, ou qualquer outra pessoa, possa fazer em favor do NÃO, não passa apenas por expor os meus pontos de vista, mas também por desmontar os argumentos usados na defesa do ponto de vista contrário. Ou também acha que não?
E não, entre ser uma coisa e uma pessoa não vai muita coisa. Não vai mesmo nada.
A dualidade não é uma falácia.
Ou bem que é sujeito, ou bem que é objecto. Não há estatuto para um “tercium genus”. (Se o conhece, faça favor do mo indicar).
Não é concebível o sujeito sem o prévio reconhecimento do direito à vida. Pode não lhe ser reconhecido mais direito algum. Pode até ter menos direitos do que outras pessoas. Aliás, as crianças ou os adolescentes não têm os mesmos direitos que os adultos, o seu modo de vida encontra-se fortemente limitado pela vontade destes, mas não é por isso que são menos pessoas ou que têm menos dignidade que estes. E é-lhes reconhecido o direito à vida.
Ora, ficando a vida do embrião pura e simplesmente na dependência da vontade da grávida, este deixa de ser um sujeito e passa a ser um objecto.
Se, quando fala em vida, a Sra. Deputada só tem em vista a perspectiva unilateralista da qualidade de vida da mãe, achando irrelevante que o aborto implique o fim da vida do embrião (claramente não o vê como filho) está a tratar a primeira como sujeito e este último como objecto. Porque se ponderasse honestamente, nem que fosse ao de leve, a perspectiva do embrião, certamente não diria o que disse.
E não, chamar filho a um embrião não é um suposto argumento. A sua posição é que reforça os argumentos em favor do não.
É que os defensores do sim, para advogarem o aborto em coerência precisam que o embrião não seja visto como um sujeito com direito à vida.
A partir do momento em que o fazem, deixaram de poder argumentar com a liberdade das mulheres que abortam. Isto porque vieram interferir com a dignidade das mulheres grávidas que não o fazem.
Tiago: acha uma incoerência gigantesca dizer não ao aborto e não reagir ao genocídio que acontece por essa Europa fora?
Desde logo o que não faltam por essa Europa fora são movimentos pró-vida que ajudam mulheres grávidas e contribuem para um debate sério sobre a questão. Em Inglaterra está-se a discutir a redução dos prazos dentro dos quais é permitido abortar, por exemplo.
E sinceramente, pretende que andemos por aí a pôr bombas em clínicas de aborto? Que "reacção" é essa de que fala? Parece que o que pretende é uma reacção tipo violento...
Eu por mim faço o que posso pela VIDA, dentro do meu raio de acção, ajudando instituições e mulheres grávidas em dificuldade.
E o argumento que usa também poderia ser usado contra os que defendem o "SIM". Não conheço nenhuma entidade que ajude mulheres em dificuldade a evitarem gravidezes indesejadas e que no Natal façam campanhas de recolha de contraceptivos para ajudar as mulheres carenciadas!
Desde logo o que não faltam por essa Europa fora são movimentos pró-vida que ajudam mulheres grávidas e contribuem para um debate sério sobre a questão. Em Inglaterra está-se a discutir a redução dos prazos dentro dos quais é permitido abortar, por exemplo.
E sinceramente, pretende que andemos por aí a pôr bombas em clínicas de aborto? Que "reacção" é essa de que fala? Parece que o que pretende é uma reacção tipo violento...
Eu por mim faço o que posso pela VIDA, dentro do meu raio de acção, ajudando instituições e mulheres grávidas em dificuldade.
E o argumento que usa também poderia ser usado contra os que defendem o "SIM". Não conheço nenhuma entidade que ajude mulheres em dificuldade a evitarem gravidezes indesejadas e que no Natal façam campanhas de recolha de contraceptivos para ajudar as mulheres carenciadas!
"Se tratar da questão da dignidade que deve merecer esse ser vivo, coloque-a claramente no plano filosófico e explique porque é que há seres humanos que têm dignidade e outros não."
Uma coisa e' um "ser vivo"; outra coisa e' um "ser humano". Eu entendo que e' (obviamente) um "ser vivo" (biologico), mas nao um "ser humano", no sentido estrito de nao lhe atribuir o mesmo estatuto que 'a pessoa humana. Mas respeito quem pensa o contrario. Nao vou perder tempo a explicar a minha posicao, isso seria inutil para o caso. Nao e' isso que me traz aqui, mas o seu mau uso da logica argumentativa.
"Ora, eu acho precisamente o contrário, acho que a Senhora em causa quis exactamente deixar subentendida a ideia de que em Portugal as mulheres morrem ao abortar."
E' uma interpretacao possivel. Mas, se fosse essa a mensagem que a pessoa pretendia transmitir, e' tao obviamente facil (dado o numero escasso ou nulo de mortes por aborto clandestino ultimamente), que nao creio ser muito "honesto" interpretar a coisa dessa forma. E' isso que aponto 'a Marta. Mas aqui estamos no dominio da hermeneutica, nao da logica, onde muita coisa e' admissivel.
"Qualquer decisão que seja tomada é tão mais livre quanto melhor estiver informada das respectivas consequências a pessoa que a toma. Ou não? Acha que as pessoas em geral estão suficientemente informadas?"
As pessoas estao tao informadas quanto querem. Existem custos de aceder a mais informacao. A sua opiniao e' iliberal e paternalista, o que nao impede que a sua intencao seja boa. E e' claro que eu defendo que deva haver mais informacao, estudos, etc. Nao usaria, contudo, as palavras que a Marta usou, que sao paternalistas e pouco liberais. Se quiser ter uma opiniao diversa, pergunte ao seu colega de blogue Andre' Azevedo Alves se ele acha as suas declaracoes paternalistas ou nao.
"Ou bem que é sujeito, ou bem que é objecto. Não há estatuto para um “tercium genus”. (Se o conhece, faça favor do mo indicar)."
Facil: por exemplo, um animal. Ja' pensou como um animal e' mais que uma "coisa" e menos que uma "pessoa"? Ja' pensou como e' regular - para nao dizer "automatica" - a pratica da eutanasia sobre animais (gatos, caes, cavalos) quando eles estao em sofrimento? Ja' pensou como so' poderemos negar o mesmo direito 'a eutanasia aos humanos se acharmos que os animais sao "qualitativamente" diferentes dos humanos? Mas tambem dificilmente entenderia que eles sao "coisas". E mesmo o estatuto dos animais e', naturalmente, algo normativo e passivel de opinioes diversas. Pense, por exemplo, em algumas ideias de inspiracao budista. Se viu o filme "Primavera, Verao, Outuno, Inverno, Primavera", percebera' ainda melhor do que estou a falar. (http://ometablog.blogspot.com/2005/03/kim-ki-duk-e-dialctica-da-modernidade.html).
"A dualidade não é uma falácia."
Pretender que existe uma dualidade quando essa dualidade nao existe e' falso. Quando apresentado enquanto forma de substanciar um argumento, corresponde a uma falacia argumentativa.
"Se, quando fala em vida, a Sra. Deputada só tem em vista a perspectiva unilateralista da qualidade de vida da mãe, achando irrelevante que o aborto implique o fim da vida do embrião (claramente não o vê como filho) está a tratar a primeira como sujeito e este último como objecto. Porque se ponderasse honestamente, nem que fosse ao de leve, a perspectiva do embrião, certamente não diria o que disse."
E' verdade. Pelo menos nao o diria com tanta "leviandade", isto e', sem apontar alguma "consideracao" que o embriao, ainda que nao sendo considerado como tendo estatuto humano, merecesse. No minimo, ate' por haver tanta gente que acha isso e que certamente merece respeito.
"É que os defensores do sim, para advogarem o aborto em coerência precisam que o embrião não seja visto como um sujeito com direito à vida."
Exactamente. Mas penso que isso sempre foi claro.
"A partir do momento em que o fazem, deixaram de poder argumentar com a liberdade das mulheres que abortam. Isto porque vieram interferir com a dignidade das mulheres grávidas que não o fazem."
Nao vejo ligacao logica aqui. Quando muito, poderia argumentar que o valor da vida e' superior ao da liberdade. Isso e' verdade quando se trata de uma vida "alheia".
Quanto ao argumento do "genocidio", quem concorda, concorda, quem nao concorda, nao concorda. Nao vale a pena desenvolve-lo. Pense apenas no que seria desta Europa se todos os anos se matassem 1 milhao, ou 2 milhoes, ou 3 milhoes de criancas de 5 ou 8 anos. Depois diga-me que e' "coerente" haver plataformas civicas disto e daquilo, etc, e eu dir-lhe-ei que e' uma coerencia muito desenxaibida. E nao, nao pretendo que vao por essa Europa fora meter bombas em tudo quanto e' sitio. Mas talvez precisem de reflectir um pouco mais sobre as vossas posicoes de base. Isto, claro, se quiserem ser coerentes. Se nao quiserem, melhor para o lado do "Sim".
Uma coisa e' um "ser vivo"; outra coisa e' um "ser humano". Eu entendo que e' (obviamente) um "ser vivo" (biologico), mas nao um "ser humano", no sentido estrito de nao lhe atribuir o mesmo estatuto que 'a pessoa humana. Mas respeito quem pensa o contrario. Nao vou perder tempo a explicar a minha posicao, isso seria inutil para o caso. Nao e' isso que me traz aqui, mas o seu mau uso da logica argumentativa.
"Ora, eu acho precisamente o contrário, acho que a Senhora em causa quis exactamente deixar subentendida a ideia de que em Portugal as mulheres morrem ao abortar."
E' uma interpretacao possivel. Mas, se fosse essa a mensagem que a pessoa pretendia transmitir, e' tao obviamente facil (dado o numero escasso ou nulo de mortes por aborto clandestino ultimamente), que nao creio ser muito "honesto" interpretar a coisa dessa forma. E' isso que aponto 'a Marta. Mas aqui estamos no dominio da hermeneutica, nao da logica, onde muita coisa e' admissivel.
"Qualquer decisão que seja tomada é tão mais livre quanto melhor estiver informada das respectivas consequências a pessoa que a toma. Ou não? Acha que as pessoas em geral estão suficientemente informadas?"
As pessoas estao tao informadas quanto querem. Existem custos de aceder a mais informacao. A sua opiniao e' iliberal e paternalista, o que nao impede que a sua intencao seja boa. E e' claro que eu defendo que deva haver mais informacao, estudos, etc. Nao usaria, contudo, as palavras que a Marta usou, que sao paternalistas e pouco liberais. Se quiser ter uma opiniao diversa, pergunte ao seu colega de blogue Andre' Azevedo Alves se ele acha as suas declaracoes paternalistas ou nao.
"Ou bem que é sujeito, ou bem que é objecto. Não há estatuto para um “tercium genus”. (Se o conhece, faça favor do mo indicar)."
Facil: por exemplo, um animal. Ja' pensou como um animal e' mais que uma "coisa" e menos que uma "pessoa"? Ja' pensou como e' regular - para nao dizer "automatica" - a pratica da eutanasia sobre animais (gatos, caes, cavalos) quando eles estao em sofrimento? Ja' pensou como so' poderemos negar o mesmo direito 'a eutanasia aos humanos se acharmos que os animais sao "qualitativamente" diferentes dos humanos? Mas tambem dificilmente entenderia que eles sao "coisas". E mesmo o estatuto dos animais e', naturalmente, algo normativo e passivel de opinioes diversas. Pense, por exemplo, em algumas ideias de inspiracao budista. Se viu o filme "Primavera, Verao, Outuno, Inverno, Primavera", percebera' ainda melhor do que estou a falar. (http://ometablog.blogspot.com/2005/03/kim-ki-duk-e-dialctica-da-modernidade.html).
"A dualidade não é uma falácia."
Pretender que existe uma dualidade quando essa dualidade nao existe e' falso. Quando apresentado enquanto forma de substanciar um argumento, corresponde a uma falacia argumentativa.
"Se, quando fala em vida, a Sra. Deputada só tem em vista a perspectiva unilateralista da qualidade de vida da mãe, achando irrelevante que o aborto implique o fim da vida do embrião (claramente não o vê como filho) está a tratar a primeira como sujeito e este último como objecto. Porque se ponderasse honestamente, nem que fosse ao de leve, a perspectiva do embrião, certamente não diria o que disse."
E' verdade. Pelo menos nao o diria com tanta "leviandade", isto e', sem apontar alguma "consideracao" que o embriao, ainda que nao sendo considerado como tendo estatuto humano, merecesse. No minimo, ate' por haver tanta gente que acha isso e que certamente merece respeito.
"É que os defensores do sim, para advogarem o aborto em coerência precisam que o embrião não seja visto como um sujeito com direito à vida."
Exactamente. Mas penso que isso sempre foi claro.
"A partir do momento em que o fazem, deixaram de poder argumentar com a liberdade das mulheres que abortam. Isto porque vieram interferir com a dignidade das mulheres grávidas que não o fazem."
Nao vejo ligacao logica aqui. Quando muito, poderia argumentar que o valor da vida e' superior ao da liberdade. Isso e' verdade quando se trata de uma vida "alheia".
Quanto ao argumento do "genocidio", quem concorda, concorda, quem nao concorda, nao concorda. Nao vale a pena desenvolve-lo. Pense apenas no que seria desta Europa se todos os anos se matassem 1 milhao, ou 2 milhoes, ou 3 milhoes de criancas de 5 ou 8 anos. Depois diga-me que e' "coerente" haver plataformas civicas disto e daquilo, etc, e eu dir-lhe-ei que e' uma coerencia muito desenxaibida. E nao, nao pretendo que vao por essa Europa fora meter bombas em tudo quanto e' sitio. Mas talvez precisem de reflectir um pouco mais sobre as vossas posicoes de base. Isto, claro, se quiserem ser coerentes. Se nao quiserem, melhor para o lado do "Sim".
Caro Tiago: desculpe a franqueza, você fala muito mas não diz nada. Já todos reflectimos sobre "as nossas posições de base" - existe vida desde a concepção - e deve ser protegida desde então.
E com tanta refelxão que faz não responde à questão essencial: a partir de que momento existe então vida humama? É que se calhar, uma reflexão honesta sobre esta questão para quem diz que a vida não começa com a concepção levará à defesa do aborto até ao fim da gestação. Sabe que nos EUA, a "coerência" "reflectida" dessa posição, levou a que fosse permitido o partial birth abortion, que consistia em fazer um aborto nos últimos meses da gravidez, em que se retirava parcialmente o corpo do bébé... (não quer que continue, pois não?).
E com tanta refelxão que faz não responde à questão essencial: a partir de que momento existe então vida humama? É que se calhar, uma reflexão honesta sobre esta questão para quem diz que a vida não começa com a concepção levará à defesa do aborto até ao fim da gestação. Sabe que nos EUA, a "coerência" "reflectida" dessa posição, levou a que fosse permitido o partial birth abortion, que consistia em fazer um aborto nos últimos meses da gravidez, em que se retirava parcialmente o corpo do bébé... (não quer que continue, pois não?).
Cara id: acho que voce nao esta' a perceber a questao. Eu dou de barato que temos concepcoes diferentes sobre quando "comeca" a vida humana, e nao acho necessario discutir isso aqui. Se reparar, em nenhum dos comentario que fiz 'a Marta estava presente uma critica ao facto de ela ter uma opiniao diferente da minha neste ponto. Apenas apontei o que julgo serem incoerencias e argumentos pouco coerentes e/ou apropriados.
A id tem todo o direito a conhecer a minha opiniao mais profundamente, tal como eu tenho o direito de nao responder. E nao respondo porque ja' disse que isso e' acessorio ao que me traz aqui, que e' refutar argumentos apresentados, mas nao pondo em causa o direito de "voces" terem uma concepcao diferente sobre quando "comeca" a vida humana. Isso e' um dado que eu tomo como adquirido. Pelo que lhe pedia um pouco mais de atencao ao que eu escrevo e ao intuito com que o faco. Nao temos de estar sempre a debater a "origem das coisas".
A id tem todo o direito a conhecer a minha opiniao mais profundamente, tal como eu tenho o direito de nao responder. E nao respondo porque ja' disse que isso e' acessorio ao que me traz aqui, que e' refutar argumentos apresentados, mas nao pondo em causa o direito de "voces" terem uma concepcao diferente sobre quando "comeca" a vida humana. Isso e' um dado que eu tomo como adquirido. Pelo que lhe pedia um pouco mais de atencao ao que eu escrevo e ao intuito com que o faco. Nao temos de estar sempre a debater a "origem das coisas".
Caro Tiago,
É intelectualmente desonesto dizer que é vida e não é humana.
É vida biologicamente humana. Isto é um facto.
As posições divergem, apenas do ponto de vista filosófico, quanto à dignidade de pessoa que lhe é atribuída.
Acha mesmo que refutar argumentos paternalistas é paternalista ...?
Também deve achar que a lei estabelecer minimos éticos é paternalista? Ou não? Onde é que começa o paternalismo?
Se quem se quer informar, informa-se, eu não perdia muito tempo a criar escolas. Quem quiser, informa-se. Nem fazia campanhas sobre planeamento familiar. Quem quiser, informa-se. E não refutava falsos argumentos que desinformam. Quem quiser informa-se. É isto que defende?
Um animal é uma coisa. É tratado juridicamente como tal. Se eu matar o seu cão cometo um crime de dano. Um animal não é um fim em si mesmo, é um meio. E é isso que faz com que possa ser morto.
Um embrião não é um animal.
O filme que refere em nada contradiz esta afirmação. Aliás, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, reflecte muito mais a visão cristã da natureza humana do que a budista.
Já agora, o que é que o Tiago fez hoje para acabar com os diversos genocídios em África e na Ásia? Ou só os ocidentais é que são seres vivos e humanos?
É intelectualmente desonesto dizer que é vida e não é humana.
É vida biologicamente humana. Isto é um facto.
As posições divergem, apenas do ponto de vista filosófico, quanto à dignidade de pessoa que lhe é atribuída.
Acha mesmo que refutar argumentos paternalistas é paternalista ...?
Também deve achar que a lei estabelecer minimos éticos é paternalista? Ou não? Onde é que começa o paternalismo?
Se quem se quer informar, informa-se, eu não perdia muito tempo a criar escolas. Quem quiser, informa-se. Nem fazia campanhas sobre planeamento familiar. Quem quiser, informa-se. E não refutava falsos argumentos que desinformam. Quem quiser informa-se. É isto que defende?
Um animal é uma coisa. É tratado juridicamente como tal. Se eu matar o seu cão cometo um crime de dano. Um animal não é um fim em si mesmo, é um meio. E é isso que faz com que possa ser morto.
Um embrião não é um animal.
O filme que refere em nada contradiz esta afirmação. Aliás, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, reflecte muito mais a visão cristã da natureza humana do que a budista.
Já agora, o que é que o Tiago fez hoje para acabar com os diversos genocídios em África e na Ásia? Ou só os ocidentais é que são seres vivos e humanos?
Caro Tiago,
Se partimos de pressupostos diferentes não podemos debater o tema. Não é preciso ser doutorado em metodologia para entender isto.
Se não quer discutir a "origem das coisas" está no seu direito. Mas então, abstenha-se de discutir tudo o que de diferente decorre dessa diferença. Sem ir à origem não vai poder fundamentar as suas afirmações.
Se partimos de pressupostos diferentes não podemos debater o tema. Não é preciso ser doutorado em metodologia para entender isto.
Se não quer discutir a "origem das coisas" está no seu direito. Mas então, abstenha-se de discutir tudo o que de diferente decorre dessa diferença. Sem ir à origem não vai poder fundamentar as suas afirmações.
Caro Tiago: foi por prestar atenção ao que escreveu que lhe fiz a pergunta que agora se recusa a responder, no exercício de um direito legítimo que lhe assiste - estar calado. Mas também eu no exercício do direito de tirar as minhas conclusões, tiro as que entender sobre o seu silêncio.
Quanto a termos concepções diferentes, quem não percebeu foi o Tiago. O início da vida humana é o essencial deste debate. Vou votar não pois defendo que a vida humana existe desde a concepção. Tudo o resto, por muito importante que seja, é acessório desta verdade fundamental. Daí que lhe tenha perguntado quando começa, para si, a vida humana, pois não concebo que alguém diga que não é desde a concepção e não defenda o aborto até ao nascimento (aborto livre até 9 meses).
Quanto a termos concepções diferentes, quem não percebeu foi o Tiago. O início da vida humana é o essencial deste debate. Vou votar não pois defendo que a vida humana existe desde a concepção. Tudo o resto, por muito importante que seja, é acessório desta verdade fundamental. Daí que lhe tenha perguntado quando começa, para si, a vida humana, pois não concebo que alguém diga que não é desde a concepção e não defenda o aborto até ao nascimento (aborto livre até 9 meses).
"Quanto a termos concepções diferentes, quem não percebeu foi o Tiago. O início da vida humana é o essencial deste debate. Vou votar não pois defendo que a vida humana existe desde a concepção."
Claro que isso e' o essencial. Eu apenas discuti outras coisas tambem importantes, no campo argumentativo. Elas sao importantes, ao contrario do que diz "id", se pretendermos ter um debate civilizado (leia-se, onde, entre outras coisas, existe "logica" em como se defendem posicoes).
"Se partimos de pressupostos diferentes não podemos debater o tema. Não é preciso ser doutorado em metodologia para entender isto."
CLaro que poderemos discutir o tema. Nao podemos e' chegar a um ponto em que "concordemos em concordar". Mas podemos debater posicoes. (http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diario_economico/opinion/columnistas/otros/pt/desarrollo/587345.html)
"Se não quer discutir a "origem das coisas" está no seu direito. Mas então, abstenha-se de discutir tudo o que de diferente decorre dessa diferença. Sem ir à origem não vai poder fundamentar as suas afirmações."
Marta, eu fundamentei os comentarios que fiz. A ver se nos entendemos: imagine que eu gosto de peixe grelhado e a Marta nao. Imaginemos que a Marta defende que nao gosta de peixe grelhado porque o peixe tem 4 patas. Eu nao estou a por em causa o direito da Marta a nao gostar de peixe. Apenas discuto que nao acho coerente e/ou verdadeiro afirmar que o peixe tem 4 patas. Entendido? Eu nao falo dos "priors" - das posicoes de partida -, falo da forma como se usam argumentos para se justificar essas posicoes. Elas nao estao em causa, apenas o edificio sobre o qual elas pretensamente se erguem.
PS: e, ja' agora, isto nao tem nada que ver com "metodologia"; nao faz sentido falar em "metodologia de um debate", embora se perceba que a Marta tenha querido referir-se aos aspectos "formais" de um debate.
Claro que isso e' o essencial. Eu apenas discuti outras coisas tambem importantes, no campo argumentativo. Elas sao importantes, ao contrario do que diz "id", se pretendermos ter um debate civilizado (leia-se, onde, entre outras coisas, existe "logica" em como se defendem posicoes).
"Se partimos de pressupostos diferentes não podemos debater o tema. Não é preciso ser doutorado em metodologia para entender isto."
CLaro que poderemos discutir o tema. Nao podemos e' chegar a um ponto em que "concordemos em concordar". Mas podemos debater posicoes. (http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diario_economico/opinion/columnistas/otros/pt/desarrollo/587345.html)
"Se não quer discutir a "origem das coisas" está no seu direito. Mas então, abstenha-se de discutir tudo o que de diferente decorre dessa diferença. Sem ir à origem não vai poder fundamentar as suas afirmações."
Marta, eu fundamentei os comentarios que fiz. A ver se nos entendemos: imagine que eu gosto de peixe grelhado e a Marta nao. Imaginemos que a Marta defende que nao gosta de peixe grelhado porque o peixe tem 4 patas. Eu nao estou a por em causa o direito da Marta a nao gostar de peixe. Apenas discuto que nao acho coerente e/ou verdadeiro afirmar que o peixe tem 4 patas. Entendido? Eu nao falo dos "priors" - das posicoes de partida -, falo da forma como se usam argumentos para se justificar essas posicoes. Elas nao estao em causa, apenas o edificio sobre o qual elas pretensamente se erguem.
PS: e, ja' agora, isto nao tem nada que ver com "metodologia"; nao faz sentido falar em "metodologia de um debate", embora se perceba que a Marta tenha querido referir-se aos aspectos "formais" de um debate.
Caro Tiago,
Gostos não se discutem.
A discussão sobre a dignidade de um ser humano não é uma questão de gosto. Lamento que não entenda isso.
Gostos não se discutem.
A discussão sobre a dignidade de um ser humano não é uma questão de gosto. Lamento que não entenda isso.
Marta: era uma *analogia*. ALguma vez eu disse que a questao do aborto era uma questao de gosto??
A analogia era que, como no caso do aborto, a posicao de base sobre (um exemplo) "gostar de peixe", nao se discute, porque "gostos nao se discutem".
Lamento que a Marta nao tenha compreendido o uso e o intuito do uso de uma analogia. Assim, de facto, e' dificil discutir alguma coisa seriamente, ja' que nao entendemos o que e' discutir:
i) posicoes de base, que respeitamos e nao pomos em causa;
ii) formas de argumentar sobre essas posicoes de base.
As primeiras podem nao se discutir (tambem se podem discutir, mas eu deixei isso de lado). As segundas, independentemente de discutirmos ou nao as primeiras, serao sempre passiveis de debate, porque caem no campo da logica argumentativa, do modo como justificamos as coisas - quaisquer coisas, dado que nao sao essas coisas que estao em causa.
A analogia era que, como no caso do aborto, a posicao de base sobre (um exemplo) "gostar de peixe", nao se discute, porque "gostos nao se discutem".
Lamento que a Marta nao tenha compreendido o uso e o intuito do uso de uma analogia. Assim, de facto, e' dificil discutir alguma coisa seriamente, ja' que nao entendemos o que e' discutir:
i) posicoes de base, que respeitamos e nao pomos em causa;
ii) formas de argumentar sobre essas posicoes de base.
As primeiras podem nao se discutir (tambem se podem discutir, mas eu deixei isso de lado). As segundas, independentemente de discutirmos ou nao as primeiras, serao sempre passiveis de debate, porque caem no campo da logica argumentativa, do modo como justificamos as coisas - quaisquer coisas, dado que nao sao essas coisas que estao em causa.
De facto, ao contrario do que escrevo anteriormente, a Marta percebe que o ponto e' que "gostos nao se discutem". E' pena que nao tenha percebido que a analogia era precisamente essa: a de que a posicao de base, nos modos em que a coloquei aqui, nao esta' em discussao. Em vez disso, a Marta achou que o intuito era achar que a dignidade de um ser humano e' uma questao de gosto.
Das duas uma: ou a Marta nao percebeu a analogia, ou percebeu e quis deturpar as coisas. Deixo a isso esta escolha "diabolica".
Das duas uma: ou a Marta nao percebeu a analogia, ou percebeu e quis deturpar as coisas. Deixo a isso esta escolha "diabolica".
Caro Tiago,
Nem uma, nem outra. É mesmo a terceira: não há analogia possível.
Os gostos não se discutem. As bases sobre as quais se constroi a sociedade em que ambos vivemos é bom que se discutam.
Nem uma, nem outra. É mesmo a terceira: não há analogia possível.
Os gostos não se discutem. As bases sobre as quais se constroi a sociedade em que ambos vivemos é bom que se discutam.
Marta: claro que as bases se podem discutir, mas nao tem de ser discutir. A Marta tenta escapar ao obvio, o que e', sinceramente, lamentavel. Uma analogia e' uma analogia e' uma analogia. So' tem de existir uma caracteristica em comum entre as coisas sobre a qual ela se debruca.
Posto que nao estava em causa discutir as bases disto tudo (mais uma vez, repito, ainda que isso seja nao so' discutivel como o essencial nisto tudo), o comentario da Marta e', mais uma vez, ou apenas um sinal de incompreensao, ou de desonestidade intelectual. Pela minha parte, fico por aqui.
Posto que nao estava em causa discutir as bases disto tudo (mais uma vez, repito, ainda que isso seja nao so' discutivel como o essencial nisto tudo), o comentario da Marta e', mais uma vez, ou apenas um sinal de incompreensao, ou de desonestidade intelectual. Pela minha parte, fico por aqui.
Repara a Marta, so' para terminar, como a sua postura aqui - incapaz de dizer "Sim, tem razao" - sera' o suficiente para perceber que seria uma perda de tempo discutir consigo as "bases" do problema. Se nao consegue compreender e/ou ter honestidade intelectual suficiente para coisa tao pouca como o que temos aqui discutido nos ultimos comentarios - o significado de uma "analogia" -, entao, nao vale a pena entrarmos em mais debates. A nao ser que seja para "atirar pedras" (e' uma metafora, atencao) uns aos outros; mas, para essa logica de barricada (que nao digo que seja a da Marta, nem a deste blogue, obviamente), eu nao estou disponivel. So' para nao ser incompreendido neste ponto: o que eu quero dizer e' que quando nao ha' um minimo de racionalidade *e* de honestidade intelectual num debate, ele obviamente descamba para o uso de falacias, da prevalencia da emocao 'a razao, etc. Enfim, torna-se um "nao debate"; uma mera luta de faccoes. Eis o sentido em que falei de "luta de barricada" e "atirar pedras". Espero nao ser mal entendido quando uso esta imagem.
Caro Tiago,
Nem uma, nem outra. É mesmo a terceira: não há analogia possível.
Os gostos não se discutem. As bases sobre as quais se constroi a sociedade em que ambos vivemos é bom que se discutam.
Pena que não o queira fazer.
Nem uma, nem outra. É mesmo a terceira: não há analogia possível.
Os gostos não se discutem. As bases sobre as quais se constroi a sociedade em que ambos vivemos é bom que se discutam.
Pena que não o queira fazer.
Marta: antes de discutirmos o que quer que seja, convem ter bases minimas. Entender o que e' uma "analogia" figurara' seguramente nessa lista minima. Estar em campo sem alguns minimos nao deveria ser aceitavel, mas, claro, cada um tem liberdade para fazer o que quer.
Seria uma perda de tempo da minha parte, uma vez que a Marta demonstra nao ter condicoes minimas para uma discussao inteligente e intelectualmente honesta, aceder a discutir o que quer que mais fosse: fossem as bases do problema ou outro qualquer aspecto.
Quando a discussao esta' viciada, nao participo nela. So' o suficiente (eis porque ainda "estou aqui") para que fique claro que ela esta' viciada.
Seria uma perda de tempo da minha parte, uma vez que a Marta demonstra nao ter condicoes minimas para uma discussao inteligente e intelectualmente honesta, aceder a discutir o que quer que mais fosse: fossem as bases do problema ou outro qualquer aspecto.
Quando a discussao esta' viciada, nao participo nela. So' o suficiente (eis porque ainda "estou aqui") para que fique claro que ela esta' viciada.
Marta,
Então veio V. para aqui retomar a nossa velha discussão sobre se toda a vida intra-uterina é vida humana ? Fugiu do post de Outubro, porquê ?
Olhe Marta, para estes senhores e senhoras que andam a comentar o seu post, já lhes contou que há efectivamente quem duvide se toda a vida intra-uerina é humana ? E que as várias religiões do Livro também acham que há uma diferença entre vida humana e pessoa humana ?
Deixe lá de por esses ares altivos - "é um facto" afirma V., do alto da sua superioridade intelectual - e explique lá a estes senhores que nos lêm porque é que toda a vida intrauterina é vida humana e porque é que toda a vida humana é a de uma pessoa humana.
Então veio V. para aqui retomar a nossa velha discussão sobre se toda a vida intra-uterina é vida humana ? Fugiu do post de Outubro, porquê ?
Olhe Marta, para estes senhores e senhoras que andam a comentar o seu post, já lhes contou que há efectivamente quem duvide se toda a vida intra-uerina é humana ? E que as várias religiões do Livro também acham que há uma diferença entre vida humana e pessoa humana ?
Deixe lá de por esses ares altivos - "é um facto" afirma V., do alto da sua superioridade intelectual - e explique lá a estes senhores que nos lêm porque é que toda a vida intrauterina é vida humana e porque é que toda a vida humana é a de uma pessoa humana.
Caro Anónimo do Costume,
Vi agora que me respondeu ontem à noite.
Ao fim de quase uma semana sem resposta achei que tinha acabado a nossa conversa. Folgo em saber que não.
A conversa prossegue no local do costume.
Vi agora que me respondeu ontem à noite.
Ao fim de quase uma semana sem resposta achei que tinha acabado a nossa conversa. Folgo em saber que não.
A conversa prossegue no local do costume.
Caro Tiago,
Tem toda a razão, entender o que seja uma analogia figura nessa lista mínima. E, também concordo, tem de existir uma única característica em comum. Só que essa característica tem de ser essencial e não meramente acessória.
O emprego de uma analogia implica que o cerne do que está em questão seja análogo ao exemplo com o qual se pretende fazer a analogia. Certo?
Ora, essa identidade essencial não existe no exemplo que utilizou com o intuito de fazer uma analogia.
E eu expliquei porquê: o reconhecimento ou não da dignidade da pessoa pode ser discutível, é certamente filosoficamente discutível. Mas não é uma questão de gosto. O primeiro discute-se, o segundo não. Mais, gostar ou não de peixe é irrelevante para a discussão sobre se este tem ou não patas. A existência de patas no peixe ou o seu número não depende de eu gostar ou não de peixe.
Já saber a quê ou a quem se está a tirar a vida no aborto é absolutamente fulcral para a discussão. A resposta a esta pergunta vai condicionar os raciocínios posteriores.
Entendeu porque é que não há analogia?
Entendeu porque é que labora em erro quando afirma que as bases não têm de se discutir?
Ora, é ao ponto fulcral da discussão que o Tiago insiste em fugir. Pode certamente fazê-lo. Só que com isso está a esquivar-se ao debate.
Tem toda a razão, entender o que seja uma analogia figura nessa lista mínima. E, também concordo, tem de existir uma única característica em comum. Só que essa característica tem de ser essencial e não meramente acessória.
O emprego de uma analogia implica que o cerne do que está em questão seja análogo ao exemplo com o qual se pretende fazer a analogia. Certo?
Ora, essa identidade essencial não existe no exemplo que utilizou com o intuito de fazer uma analogia.
E eu expliquei porquê: o reconhecimento ou não da dignidade da pessoa pode ser discutível, é certamente filosoficamente discutível. Mas não é uma questão de gosto. O primeiro discute-se, o segundo não. Mais, gostar ou não de peixe é irrelevante para a discussão sobre se este tem ou não patas. A existência de patas no peixe ou o seu número não depende de eu gostar ou não de peixe.
Já saber a quê ou a quem se está a tirar a vida no aborto é absolutamente fulcral para a discussão. A resposta a esta pergunta vai condicionar os raciocínios posteriores.
Entendeu porque é que não há analogia?
Entendeu porque é que labora em erro quando afirma que as bases não têm de se discutir?
Ora, é ao ponto fulcral da discussão que o Tiago insiste em fugir. Pode certamente fazê-lo. Só que com isso está a esquivar-se ao debate.
Marta, eu nao insisto em "fugir" de qualquer debate, apenas disse que nao vale a pena falar sobre isso e que sobre isso nao falarei. Se a Marta quer qualificar isso de "fugir", entao e' mais uma prova de como usa palavras e conceitos com alguma leviandade e/ou desonestidade intelectual.
Mais, ate' diz que eu "laboro em erro quando afirmo que as bases nao tem de se discutir". Vamos la' ver se nos entendemos: eu falo deste debate, aqui, entre mim e a Marta. Claro que as bases se podem e devem discutir. Para que as compreendamos.
Uma analogia so' tem de ter uma caracteristica em comum. No caso, eu expliquei qual era. A MArta deturpou isso, portanto, quem leia que faca as suas interpretacoes. Se quiser, passe os olhos por uma qualquer P(rova) G(eral) de A(cesso) antiga para ver quantas analogias e' que nao tem por base caracteristicas "essenciais". CAbe 'a pessoa referir para que e' que usa uma analogia, o que eu fiz expressamente.
Lamentavel, a sua falta de "fair play".
Mais, ate' diz que eu "laboro em erro quando afirmo que as bases nao tem de se discutir". Vamos la' ver se nos entendemos: eu falo deste debate, aqui, entre mim e a Marta. Claro que as bases se podem e devem discutir. Para que as compreendamos.
Uma analogia so' tem de ter uma caracteristica em comum. No caso, eu expliquei qual era. A MArta deturpou isso, portanto, quem leia que faca as suas interpretacoes. Se quiser, passe os olhos por uma qualquer P(rova) G(eral) de A(cesso) antiga para ver quantas analogias e' que nao tem por base caracteristicas "essenciais". CAbe 'a pessoa referir para que e' que usa uma analogia, o que eu fiz expressamente.
Lamentavel, a sua falta de "fair play".
Caro Tiago:
Estamos de acordo: uma analogia só tem de ter uma caracteristica em comum.
Tem é de ser relevante.
O Tiago elabora muito sobre os conceitos mas concretiza muito pouco. Onde é que está a analogia?
Estamos de acordo: uma analogia só tem de ter uma caracteristica em comum.
Tem é de ser relevante.
O Tiago elabora muito sobre os conceitos mas concretiza muito pouco. Onde é que está a analogia?
Marta
Para que ninguém perca a fineza do debate que temos desde Outurbo (lá onde está esquecido), reproduzo as nossas trocas e, no final, respondo à sua última prédica.
Marta Rebelo said...
[...]
Eu digo NÃO à proposta que vai a referendo. E posso dizer não por razões muito diferentes das de outras pessoas que também dizem não. Eu posso querer uma lei que outro partidário do NÃO não quer.
Isso não me torna incoerente. Não existem apenas 2 soluções para o problema: há a do sim e há todas as outras que sejam diferentes dela.
Por isso, a defesa da solução implicita na pergunta do referendo, ou seja o sim, é que não pode ser incoerente.
Aliás, se o sim ganhar fico presa a esta solução e não posso voltar a ter outra que não seja previamente referendada.
Por outro lado, ao contrário do que apregoa, neste momento o embrião tem tutela penal porque é crime abortar.
Só não é crime abortar em situações excepcionais em que, ou a ilicitude, ou a culpa estão excluídas (neste momento, depois de lhe ter respondido 10 vezes a esta pergunta, já deve saber o que isto significa. Se não, faça favor de perguntar).
O que a pergunta do referendo implica é que a mãe possa ter total disponibilidade sobre o embrião até às 10 semanas, independentemente dos motivos por que o faz (ou seja, independentemente da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa).
Eu com isso, naturalmente que não posso concordar.
Isto não traduz qualquer hipócrisia: também admito que o homicídio em legítima defesa ou em estado de necessidade (cá estão outra vez as tais causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), não seja crime e não acredito que me vá chamar hipócrita por não defender a descriminalização do homicídio.
6/11/06 17:07
Anonymous said...
[...]
Não falte à verdade, todavia, que isto até ia tão bem: V. ainda não explicou nem 1 nem 10 vezes porque é que, em nome da sua posição moral e ética sobre o aborto, não encetou uma campanha para que a lei actual seja revogada.
Ou a sua posição sobre a lei que vai a referendo não tem bse mnoral e/ou ética, antes outra que V. sem dúvida quererá partilhar connosco.
Não tente o exemplo do homicídio desculpado por, por exemplo, legítima defesa: V. já se deu conta que num caso, há crime e há pena e há julgamento e noutro, o que vai a referendo, não há nenhuma dessas coisas ? E isso não lhe faz nenhuma diferença ? E isso não lhe dá que pensar que o seu exemplo está errado ?
PS: pulo de post em post à procura da resposta à acusação que vos faço de hipocrisia e farisaísmo. Mas ainda não obtive sossego... Se calhar as vossas consciências dizem-vos que tenho razão.
6/11/06 21:09
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo,
[...]
As razões por que digo NÃO, não são morais (na acepção que penso que lhe quer dar), são éticas (e para além do mais são hoje cientificamente comprovadas).
Como já disse acima no post da Madalena (10nov06), o que está em causa no aborto é a pessoa, a vida humana.
É a leitura que faço da lei actual. No entanto, ainda que a lei venha no futuro a dividir a vida em 10 bens jurídicos diferentes, consoante as etapas da vida ou outro critério qualquer, não deixa de ser a vida humana que está em causa no aborto. A lei não pode mudar a essência das coisas.
Esta é a única razão (ética) que tenho para dizer NÃO no referendo. Não tenha dúvidas de que se eu achasse que estava em causa, p.ex. uma parte do corpo da mulher e não uma vida humana, votaria sim.
No que respeita à lei actual, não estou em total acordo com o que nela vem previsto quanto à incriminação do aborto.
[Remeto-o para os manuais de Direito Penal, que julgo que conhece bem, no que respeita às definições de ilicitude e de culpa.
(Vou tentar desenvolver esta matéria mais acima).
Digo-lhe apenas que não vejo as causas de exclusão da ilicitude e da culpa como elementos negativos do tipo, uma vez que entendo que a sua intervenção na realização do direito deve ser feita ao nível da aplicação ao caso concreto].
No que toca à não punição do aborto em caso de perigo para a vida da mãe, julgo que esta situação, em termos práticos, já vinha prevista na cláusula geral de exclusão da ilicitude, aplicável a todos os crimes (art. 31.º do Código Penal, se não estou em erro).
No que respeita às situações de violação, penso que mãe, mesmo antes da lei actual, estaria já abrangida pela inexigibilidade a que se refere estado de necessidade desculpante, não sendo necessária uma previsão específica para o efeito. (Enquadro esta situação numa causa de exclusão da culpa porque, embora não seja exigível à mãe que abortou que o não tivesse feito, era desejável que não tivesse abortado).
Penso que estas duas situações acabaram por ser expressamente previstas pela lei actual como elementos negativos do tipo (exclui-se a punibilidade logo ao nível da norma, em termos gerais e abstractos, e não ao nível do caso concreto como eu entendo que deveria ser) por uma questão de desconfiança do legislador relativamente aos aplicadores do direito (acho que estas questões só se resolvem, resolvendo o problema da justiça em geral e não mudando pontualmente leis aqui e ali).
Só que esta diferença de perspectiva (grave do ponto de vista teórico) não tem grande relevância prática: não haver crime ou verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude implica, em ambos os casos, que nem sequer é aberto qualquer processo ou que este é aberto e encerrado no fim do inquérito.
Assim, nestes dois casos, situando-se a minha divergência relativamente à lei actual mais ao nível da técnica legislativa, não julgo que se justifique a minha defesa pública e intransigente da respectiva revogação.
O meu desacordo de fundo quanto à lei em vigor prende-se com a não punibilidade do aborto em caso de malformação do feto e com a extensão da exclusão da culpa ipso iure aos restantes intervenientes, em caso de violação.
Penso que nestas duas hipóteses existirão certamente vários casos em que a culpa é reduzida ao mínimo, mas não entendo que se justifique a isenção da pena, pelo menos sem a averiguação do caso concreto, pois julgo haverá também situações em que as motivações para estes abortos não passam pela compaixão.
Também mudava a lei relativamente às molduras penais. Não se justifica, nem sequer em abstracto, que a pena aplicável à mãe que aborta seja igual à da pessoa que provoca o aborto.
Mudaria as penas a aplicar, como já referi acima num comentário que sei que já leu.
E então pergunta-me: porque é que eu não me bato para mudar a lei actual?
E eu respondo:
Porque as minhas convicções têm vindo a amadurecer aos poucos e eu só me vou apercebendo da sua profundidade à medida que as vou reflectindo e as vou confrontando com outras opiniões.
Porque não me consigo bater por todas as causas que defendo e vou actuando em relação àquelas em que acho que a minha intervenção pode fazer a diferença e, sinceramente, há-de concordar que as hipóteses de conseguir alterar a lei actual no sentido que eu pretendo são virtualmente impossíveis;
Porque não é sobre a lei actual que eu vou ser chamada a pronunciar-me, mas sobre uma pergunta que, a ter resposta afirmativa, como indicam as sondagens, vai permitir uma legislação relativamente à qual eu não me limito a ter algumas objecções, mas sou literalmente contra.
Porque é a proposta de lei que foi aprovada e que entrará em vigor caso o sim ganhe (e não a actual) que vai descaracterizar definitivamente a vida intra-uterina como bem jurídico, deixando de o proteger. Ainda que ele seja um bem que existe e continuará a existir e que merece e continuará a merecer tutela, se ganhar o sim, não a terá.
11/11/06 00:31
Anonymous said...
Marta
Agradeço a sua resposta, mas permita que lhe diga que V. tem uma confusão ENORME na sua cabeça, já a propósito de conceitos base do Direito Penal, já a propósito da vida, minha cara.
Veja lá se eu não tenho razão:
1. V. tem uma razão ética para votar NÃO que reside no facto de, na sua opinião, o aborto atentar, sempre, contra a vida.
Muito bem, seja.
Mas, bem vê, nesse caso, a pergunta seguinte, para si, é a de saber se a lei actual corresponde à sua visão ética. A sua resposta é negativa, mas cheia de erros: acha, mal, que que o aborto em caso de perigo de vida da mãe já estava coberto pela exclusão da ilicitude, sem atentar que nenhuma ds regras do art. 31º, que cita bem, se aplica a essa situação em particular; acha que o aborto em caso de violação já estaria coberto pelo estado de necessidade desculpante sem explicar porque é que a mãe corre perigo em resultado de uma gravidez decorrente de uma violação (veja o art. 34º do Código Penal e logo perceberá que pensou muito malzinho esta parte); acha, por fim, que essas duas técnicas do Direito bastariam para evitar a punição das mulheres que abortam com estes fundamentos e que não deveria a exclusão da punibilidade estar configurada ao nível do tipo.
V. acha, em consequência, que tem uma mera divergência técnica com a lei actual e que, por isso, não justificaria o seu "rasgar de vestes" contra ela.
Engana-se, porém, e logo por duas razões:
Em primeiro lugar, porque não tem razão na parte técnica da sua tese, como lhe demonstrei acima. Ora, assim sendo, V. não pode ter uma divergência técnica com a lei actual, tém é um erro, seu, grave, na apreciação técnica da lei.
Em segundo lugar, porque, mesmo que tivesse razão, restaria que V. explicasse uma coisa bem simples, que eu julgo já lhe ter perguntado: Porque é que V. acha que, mesmo admitindo que há estado de necessidade desculpante, no caso da violação, essa situação se sobrepõe à vida do feto, que V. acredita ser, desde a concepção, vida humana ? Já reparou que os critérios do estado de necessidade desculpante são cumulativos ? E que um deles é que o valor a proteger seja maior do que o valor a desprezar ? Isto é, a sua tese, trocada por miuúdos, é de que a "sanação" da agressão sexual da mulher é superior à vida ! E já reparou que o terceiro requisito do estado de necessidade exculpante é que seja sensato impor ao lesado o seu sacrifício ? Isto é, a sua tese resume-se assim: desculpa lá, ó nascituro, mas eu agora vou-te matar porque estou chateada à brava por ter sido violada e, ainda por cima, ter ficado grávida ! V. já disse uma coisa parecida noutro local, mas eu nem quis acreditar.
Em suma, V. não tem divergência técnica alguma com a lei, não sabe é o que está escrito na lei.
2. V. diz uma coisa fantástica a propósito do aborto em caso de violação (o tal que V. acha que está coberto pelo estado de necessidade desculpante): é que acha mal que a exclusão do tipo exclua a punibilidade os terceiros que auxiliam no aborto (espero que "restantes interveninetes" sejam estes e que V. não estive a pensar a patetice de que a não punibilidade do aborto em caso de violação isenta o violador de pena ...). Ora, minha cara, V. quer explicar devagarinho como é que se faz um aborto sem intervenção de terceiro ? Acha que é a própria mulher que o faz, sózinha, em casa ? Bem vê, é que a sua tese resulta na fenomenal consequência de que ninguém pode fazer abortos em caso de violação, porque as próprias não os conseguem fazer sózinhas (sim, é verdade !) e os terceiros que as ajudem são punidos ! Magnífico ! Pense lá mais um bocadinho, ó Marta, que aqui também a coisa está mal alinhavada...
3. V. parece achar que o aborto eugénico não tem justificação, com base num fundamento que nem percebi bem qual é. Mas, cara Marta, V. acha bem matar um feto são que resulta de uma violação ! Que raio de valores são os seus, que acha que a vida de um ser com deficiência é mais relevante, para o Direito e para a ética, do que a vida de um ser normal ? Percebe que isso é uma espécie de pena ?
4. V. mudava as molduras penais, já o li noutro sítio. Mas nesse outro sítio, V. falava em curso de formação para as mães abortadoras. Eu pedi-lhe que desenvolvesse, mas V. nada ... Já agora, porque é que as molduras penais deveriam ser diferentes para a mulher que aborta e para o terceiro ? Se ambas as condutas são ilícitas e ambas atentam contra a vida, porquê a diferença ? Ou está V. outra vez com pena ?
5. V. diz, a final do seu post, que acha que não vale a pena bater-se contra a lei actual, porque não se conseguirá mudá-la.
Duas notas:
Nota 1: V., que me parece ser uma jovem senhora, já desistiu assim das suas convicções ? Porque é que não tem coragem ? Porque é que é cobarde ? Nem precisa de bater em ninguém, nem de andar pelas ruas aos gritos, basta falar, escrever, por exemplo neste blog, e dizer tudo o que acha da lei actual (corrigidos os disparates supra, convirá). Assim, bem vê, dá a sensação de que V., como outros neste blog, aliás, só funda o seu NÃO na razoabilidade da nova lei, motivo bem mais fraco, como percebe, do que a suposta fundação ética da sua posição.
Nota 2: Se desistiu de expressar a sua opinião sobre a lei actual, pelo menos no mesmo plano com que expressa a sua opinião sobre a lei futura, que coerência ética se lhe pode reconhecer para que a sua opinião influencia, como V. quer, outros ? Mesmo que V. tivesse razão em tudo o que disse no seu post, a sua desistência e o seu silêncio sobre a lei actual retiram-lhe credibilidade: ninguém acredita em si, porque, bem vê, sempre se sente no que escreve, mesmo que V. não o queira conscientemente, um cheirinho a farisaísmo.
Pergunta final:
Porque é que V. acha que a sua visão ética sobre a vida se deve sobrepor à dos outros, consagrando-a na lei penal ?
13/11/06 21:20
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo:
Não é na minha opinião que o aborto atenta contra a vida.
É um dado cientificamente comprovado que o aborto atenta sempre contra a vida.
O que é ético, é o juízo de censura que deve merecer um atentado contra uma vida humana.
O artigo 31.º do CP que eu cito, e bem, não contém uma enumeração taxativa, mas meramente exemplificativa (veja o n.º 1).
Mais uma vez não entendeu o que eu quis dizer sobre a questão da violação. Não estou a falar de ilicitude (matar o feto que nasceu em virtude de uma violação é ilícito, é errado. Não, não acho bem). Estou a falar de culpa. Sei que entende a diferença de conceitos, não os confunda.
De todo o modo, se não vê onde está a lesão (lícita) para a mãe violada que integra o estado de necessidade desculpante, não entendo o que está a fazer do lado do sim.
Quanto aos outros intervenientes, sendo a culpa uma questão subjectiva, a eventual falta de culpa de um dos agentes (mãe) não implica a falta de culpa dos outros. Não vejo que a intervenção do médico no caso de violação implique, por si só, qualquer diminuição da respectiva culpa no aborto que, repito, continuaria a ser ilícito mesmo em caso de violação.
Há uma diferença, que não é pequena, entre não incriminar um acto ilícito ou atribuir o direito de praticar esse acto.
Quanto às penas, não seja impaciente, desenvolverei o tema no outro comentário ao meu post.
Eu não disse que não valia a pena bater-me contra a actual lei. Só disse que a minha discordância radical é contra a lei que o sim quer fazer entrar em vigor e que vai despenalizar o aborto a pedido até às dez semanas, atribuindo à mãe um direito potestativo sobre a vida do filho, independentemente de quaisquer circunstâncias concretas que o justifiquem. E que é esta a proposta que vai a referendo. Certo?
Ora, como não tenho o dom da ubiquidade, tenho de fazer escolhas e, naturalmente prefiro bater-me contra uma lei de que discordo frontalmente (e que, repito, vai a referendo), por muito que lhe possa parecer uma escolha suspeita, reveladora de uma enorme hipocrisia. (Aliás, nada de mais hipócrita do que gastar as energias a rebater propostas antagónicas à minha posição em vez de as despender com questões de que só discordo parcialmente...).
Tem mesmo de continuar a insultar-me?
Não acha que se discorda dos meus argumentos deve rebatê-los por si mesmos?
Já agora, e para bem desta conversa, qual é a sua posição sobre o assunto? Porque é que defende o sim?
14/11/06 12:52
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo:
Ainda o seguinte: na minha resposta de dia 11.11.06 ficou patente que não me estava a referir ao direito de necessidade do artigo 34.º(que exclui a ilicitude), mas sim ao estado de necessidade desculpante do artigo 35.º (que exclui a culpa).
14/11/06 13:23
Anonymous said...
Marta,
Várias notas:
1. A sua afirmação sobre o início da vida é um axioma, não é uma verdade científica indisputada. Não minta, que fica-lhe mal e baixa o nível do debate.
2. O nº 2 do art. 31º do CP é exemplificativo, o nº 1 não é. Mas V. estará sem dúvida em condições de me indicar onde, na "ordem jurídica considerada na sua totalidade" (para quem não sabe, é o que está escrito no nº 1 do art. 31º do CP), existe a base para não punir a mãe em caso de perigo para a sua vida, como V. sugeriu ?
3. A sua resposta quanto à questão da violação "foi ao lado". O que V. escreveu mais acima foi que achava mal que a exclusão do tipo, nesse caso, excluisse a punição dos terceiros agentes do aborto (médico e tutti quanti). O que eu lhe perguntei, e ao que V. não respondeu e fingiu que estava a responder, o que é uma forma de desonestidade intelectual que não se admite de alguém que penss, foi como é que, se vingasse a sua posição, se fariam abortos, uma vez que parece que podemos concordar que a mulher não pode abortar sózinha. Vá lá, responda a esta pergunta...
4. V. volta a escrever a coisa fantástica de que acha que o médico que pratica um aborto numa mulher violada deve ser punido. V. relê as coisas que escreve, para evitar estes dislates ?
5. V. acha que a ubiquidade é não poder escrever no mesmo post que é contra a lei que vai a referendo e contra parte da lei actual ???? Em que escola é que V. aprendeu português ? Porque é que tenta mascarar a sua falta de coragem em assumir as suas divergências, com o óbvio intuito de não gerar ainda mais antagonismo para a sua posição e de não a expor à hipocrisia prosélita que representa ?
6. Não percebe, Marta, que é a sua ética, que V. pretende impor aos outros, que sai ferida da sua recusa sistemática em dizer o que pensa sobre a actual lei ?
7. Responda, se quiser, à pergunta final que lhe fiz: porque é que V. acha que a sua ética se deve sobrepor à dos outros, na Lei ?
8. A referência ao art. 35º é ainda pior, Marta. Quer explicar devagarinho qual é o "perigo actual" que sofre a mulher grávida em resultado de uma violação ?
9. Para quem queira ler o texto do Código Penal, ele está aqui, por exemplo: http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/pt/CPPortugal.pdf
10. Defendo o sim por duas razões bem simples:
a. Porque não existe efectivamente, ao contrário do que V. pensa e escreve, definição cientificamente indisputada sobre o momento em que tem início a Pessoa Humana (ou, sequer, a vida humana);
b. Porque, assim sendo, não pode o Estado impor à sociedade, em letra de lei penal, a posição ética de uns, que entendem que a Pessoa Humana existe desde a junção do espermatozóide com o óvulo, aos outros, que não entendem assim.
11. Não julgue que não reflicto também, ao tomar posição pelo SIM, no setting cultural, histórico e religioso da questão e da óbvia conotação religiosa da questão. E não ignoro a dimensão prosélita do tema (bem expressa na recente nota da Conferência Episcopal), nem a dimensão de "controlo das consciências" que a Igreja sabe que está sobretudo em jogo. Mas não sou por elas determinado.
Nota final: não confunda debate duro com insultos.
15/11/06 20:51
Marta Rebelo said...
Olá Anónimo,
[...].
1. De facto, há vida num embrião. Não sou eu quem o diz. Veja p. ex: o post de hoje da Mafalda com o vídeo da National Geogrphic, ou o meu post de 6.11.06. O embrião é um organismo vivo com um ADN próprio. Como digo aqui neste post, se achasse que um embrião não era vida humana, também votava sim.
Já agora, se não é vida humana, então o que é?
2. Já ouviu falar em colisão de direitos?
3. Não se faziam. Eu continuo a achar que deveria ser ilícito. Mas se, ainda que contra a lei, uma mulher violada abortar, admito que a lei não a puna. Mas só a ela. Embora puna quaisquer outros intervenientes, médicos, parteiras, etc..
4. E não, não é uma contradição, nem um dislate. Leia bem e pense naquilo que eu escrevi. Uma coisa é não punir um facto ilícito por ausência de culpa, outra, muito diferente, é atribuir o direito de abortar. Uma não implica a outra, embora a pergunta do referendo induza em erro (Leia o meu post sobre as perguntas do referendo (de 1.11) onde eu desenvolvo esta questão da diferença entre não punir e o atribuir um direito e ainda os comentários onde lhe respondo a algumas perguntas).
5. A ubiquidade permitir-me-ia fazer muito mais coisas que só por falta de tempo não faço. Paciência... E quanto à lei actual, há-de fazer-me justiça: só à sua conta tenho escrito mais sobre esta lei do que sobre aquela que vai a referendo. Por isso, não tem razão nas acusações que me dirige directamente a mim de “falta de coragem” e de representar a “hipócrisia prosélita” (já sei… é só debate duro).
6. Eu? Recuso-me a falar da lei actual? Devemos ter estado a falar de leis diferentes. O que é que será que eu estou a fazer aqui?
7. Não é a “minha” ética. Porque é que acha que o homicídio, ou o furto, ou o terrorismo devem continuar a ser crime. Quer impor a sua ética a todos os que estão presos por isso? Ou preferia viver numa anarquia? Eu não. Que mais não seja por instinto de sobrevivência.
8. e 9. - Pense lá comigo um bocadinho. Em nome de que é que acha que a mulher deve abortar. O que é que lhe é limitado quando se proíbe que ela aborte? Veja lá se não está no artigo 35.º. Uma pista: não se verifica relativamente aos outros intervenientes. Outra pista: leia os comentários ao meu post de 1.11. Ainda mais uma: leia os posts que a Mafalda tem escrito neste blog, especialmente “O aborto e as mulheres” (escreve muito melhor que eu, acredite).
10. A isto respondo-lhe com uma resposta que já dei noutro sítio. As coisas são o que são e não mudam de natureza consoante o que nós achamos delas ou a forma com o legislador legisla sobre elas.
A propósito, repito a pergunta: se está provado que o embrião está vivo e que tem ADN próprio, se não é vida humana então o que é?
Ou não está vivo e o aborto não mata? Ou está vivo mas não é humano?
Se for vida humana continua a votar sim?
11. Não percebi. Pode explicar-se melhor?
18/11/06 23:42
Anonymous said...
Marta,
[...]
Notas:
1. V. já pensou que, se calhar, há uma diferença entre vida e vida humana ? E que é justamente essa diferença que faz toda a diferença ? O ponto, minha cara, é que V. não consegue determinar - nem ninguém consegue, esse era o meu ponto, que V. acabou por confirmar - o momento em que a vida se torna vida humana, no feto.
2. Já ouvir falar de colisão de direitos, sim senhor. Por acaso julgava que V. ia responder que se trata de legítima defesa ou do estado de necessidade desculpante, mas V. saberá. Mas não se continue a deviar do ponto onde começamos este específico debate: que princípio do Direito justifica a despenalização do aborto realizado em consequência de violação. Não haverá de ser nem a colisão de direitos nem a legítima defesa
3. Estamos entendidos. Registo que V. prefere atirar-se da Rocha Tarpeia a admitir que disse um disparate (que repete). Portanto, nos abortos em caso de violação, a mulher, coitadinha, não era punida, mas os médicos eram e, por isso, não se faziam abortos... Tá bem, já percebi até onde vai a sua hipocrisia. A propósito, porque é que a mulher não é punida ?
4. Ó minha cara, esplique lá qual é a diferença entre uma mulher se apresentar num hospital, semanas depois da violação, quando provavelemnte já não há, sequer, prova da dita, e poder abortar por mera vontade dela própria, e o que vai agora a referendo ? Não percebe que, em ambos os casos, a mulher dispõe sobre o que V. acha que é vida humana ?
5. Hipocrisia prosélita é, de facto, debate duro, minha cara. Ainda bem que contribuí para que V. seja menos hipócrita, fica-me essa consolação. Já quanto ao proselitismo, já desisti... Mas até lhe fica bem.
6. Pois, já foi dizendo algumas coisas sobre a lei actual, a saca-rolhas. Mas ainda não disse tudo (sobre o aborto eugénico ainda não a li...) e sobre a violação, disse poucochinho...
7. Não finja que não percebe: o meu ponto é que a sua ética não é consensual e, por isso, pode e deve ser deixada ao voto a decisão de como proceder. Já me parece consensual que o homicidio é crime...
8. e 9. Eu bem queria pensar consigo, mas finge que não me acompanha... Olhe, minha cara, o que eu disse é que a sua invocação de que o "perigo actual" do art. 35º justificava a conduta da mulher que aborta é um erro deDireito, sem V. identificar o "perigo actual" de que essa mulher sofre. V. acha que sim e que a resposta estará numa misteriosa razão que leva a mulher a abortar, nesse caso. Desculpe, diga lá qual é essa razão ?
10. Ora ainda bem que V. acha isso mesmo ! Eu também acho que as coisas são o que são e que a lei não muda a realidade. É mesmo por isso que defendo que não se deve consagrar na lei o que não é eticamente consensual.
Marta, já lhe disse acima, e V. haverá de concordar, que existe uma diferença entre vida e vida humana. Desde o ovócito que há vida, não há, em minha opinião, vida humana.
O argumento ADN é fraquito. Todos os animais têm ADN...
11. Posso explicar com certeza. Para não ser muito longo na explicação, digo-lhe só que compreendo a razão pela qual a Igreja toma as posições que toma - a última nota episcopal é disso exemplo, aliás: a Igreja (não só a católica, quase todas, com raras excepções) vive para converter os infieis. No caso da Igreja Católica, a lei foi sempre, ao longo da sua história - erro, apenas com e depois da conversão de Constantino -, um instrumento de conversão e, logo, de controlo dos espíritos, das mentes e das consciências. Repito, isso não me condiciona, percebo que assim seja - embora me desagrade - mas não voto por causa disso.
21/11/06 15:44
Marta Rebelo said...
Anónimo:
[...]
O feto é vida mas não é vida humana??? Então o que é??? Vida vegetal??? Vida de gato???
É claro que é vida e é humana. O embrião tem um ADN diferente do da mãe. ADN humano e não de macaco (vá lá, leia lá os posts onde se citam cientistas que sabem mais do que nós).
O ADN próprio torna-o num ser humano único e irrepetível. No embrião estão codificadas todas as suas características.
Todos os médicos aceitam isto.
O que acontece é que há cientistas, defensores do sim que, apesar de afirmarem que se trata de vida humana, não concedem ao feto a mesma dignidade que atribuem aos bebés já nascidos ou arranjam outros argumentos para dizer sim ao aborto (vá lá, leia lá os outros posts).
E o que eu pergunto é porquê? Qual é a diferença?
Quando é que uma pessoa passa a ser pessoa? O que é que faz da pessoa uma pessoa? Qual é o critério da humanidade para si?
22/11/06 19:49
Anonymous said...
Marta,
Não esperava de si tamanha exibição de desespero ou de ignorância, desculpará que lhe diga.
V. não sabe qual è a diferença entre vida e vida humana ?
E também não sabe a diferença entre vida humana e pessoa humana ?
E não sabe que a questão sobre o começo da vida humana se coloca hoje e sempre como um dos grandes debates da bioética e do Direito e da Moral e da Sociedade ?
Olhe, eu nem acredito que V. não sabe, mas se não souber mesmo, eu explico:
De forma sucinta há quatro correntes quanto ao início da vida humana:
a) as que defendem que o início da vida começa com a fertilização;
b) as que defendem que o início da vida começa com a implantação do embrião no útero;
c) as que defendem que o início da vida começa com o início da actividade cerebral; e
d) as que defendem que o início da vida começa com o nascimento com vida do embrião.
Já percebeu ?
E já percebeu que os seus argumentos de que o ADN é irrepetível, que é diferente do da mãe (e do do pai, presumo que V. se esqueceu de o escrever), e do do macaco, e que nele estão todas as características do futuro ser, se aplicam ao feto humano, como ao feto de um qualquer animal, como ao rebento de qualquer planta ?
e que a sua diatribe contra os cientistas "desonestos" é uma coisa da Idade Média, não pelo que V. os acusa de ser, mas pela sua ignorância quanto aos termos do debate sobre o início da vida humana no ovo, no embrião e no feto ? Ou também não sabia que estes três nomes existem, na medicina como no Direito, para distinguir fases diversas do que V. acha que é tudo vida humana.
Vá lá, volte ao debate sereno, que agora teve uma branca inesperada em si...
22/11/06 20:42
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo,
(...) continuando o debate sereno.
Está a tratar duas disputas distintas como se fossem uma só:
1 – Quando se inicia a vida.
Debate-se de facto se, do ponto de vista biológico (ie. estritamente científico), a vida se inicia com a fertilização (ou seja imediatamente) ou se é com a implantação no útero (que ocorre alguns dias depois).
A partir daí, nomeadamente às 10 semanas, não há discussão.
A comunidade científica, pró e contra o aborto, aceita pacificamente que num embrião de 10 semanas há vida diferente da da mãe (e da do pai, como muito bem chamou à atenção, embora este infelizmente não tenha sido chamado à colação no referendo). E aceita que essa vida é humana (o código genético é humano e não outro qualquer. Vá lá, leia lá o post com a citação do Prof. Lejeune de 7.11, que até é investigador).
[Nota1: às 10 semanas não se fala em ovo, pois não?].
Ora, este referendo trata do aborto até às 10 semanas, onde está em causa, indiscutivelmente, um ser vivo, diferente da mãe e do pai, que é humano.
[Nota 2: Veja o post sobre os “Médicos Pela Escolha”. Enquanto defensores do sim, são insuspeitos].
2. Aquisição da qualidade de pessoa (humana é redundância, não?)
Questão diversa é a que separa, ao nível filosófico e não com base na biologia, as correntes que defendem momentos diferentes para a atribuição do estatuto de pessoa a esse ser, que se reconhece estar vivo:
(i) umas, na qual eu me incluo, defendem que a dignidade de pessoa deve ser reconhecida a todo e qualquer ser humano vivo.
(ii) outras, como referiu, acham que esse ser vivo só tem dignidade para ser tratado como pessoa a partir do momento em que tenha actividade cerebral;
(iii) outras, só após o nascimento;
(iv) outras ainda, a partir do momento em que adquire consciência, o que só acontece por volta dos 18 meses, se não estou em erro [Pois é. Há quem defenda o infanticídio, argumentando com a menor dignidade das crianças].
(v) sem contar com todas as restantes que se baseiam ou podem basear em critérios tão diferentes como a formação do sistema nervoso central, ou a susceptibilidade de sobreviver fora do ventre materno, ou qualquer outro critério que se venha a entender.
Tirando a 1.ª hipótese apontada, todas as outras prevêem momentos da vida de um ser humano em que este não tem a dignidade de pessoa, em que este não é visto como um fim em si mesmo, com dignidade igual à de outros seres humanos. E muito provavelmente quem defende estas teorias fá-lo convictamente. Só que não é isso que está em causa. Não é pelo facto de serem sinceros que deixam de pensar de forma diferente da minha. Nem é por isso que eu devo deixar de apontar as diferenças e de as refutar.
Como vê, encontra “diatribes” e acusações de desonestidade de onde elas não existem. Mais uma vez, faça-me justiça: acho que já conversámos o suficiente para que não veja sempre segundas intenções no que eu escrevo.
Já gora, se não fosse vida humana seria vida quê? E se não fosse vida seria o quê? – peço-lhe que me responda directamente a estas perguntas.
24/11/06 13:45
Anonymous said...
Marta,
1. Vamos ver se nos entendemos.
Para isso, V. precisa de usar as palavras com precisão. Sabe, sendo jurista, como julgo que é, já haverá de ter percebido que a profissão é, também, isso mesmo: saber usar as palavras certas nos locais certos e não (ab)usar as palavras para provar o nosso ponto.
Ora, V., no ponto 1. do seu post, confunde, de novo e sempre, vida com vida humana. Isso não se resolve com o silogismo simplista que V. sugere: os pais são humanos, o ovócito é produto dos pais, logo o ovócito é humano. Com toda a franqueza, esperava um bocadinho mais de profundidade na defesa da tese de que a vida humana se inicia com a implantação no útero (é essa a sua posição, ou é a de que antes mesmo da implantação, também há vida (humana)) ?
Nem vale a pena continuar na sua senda de invocar a comunidade científica, pois se há mesmo matéria em que a comunidade científica esteja profundamente dividida - aliás como a comunidade em geral, como V. já terá percebido - é sobre o momento que distingue a vida da vida humana !
Respondeo, aliás, desde já à sua pergunta final:
Vida, existe, para mim, desde a nidação, vida humana existe, para mim, no momento em que é detectável actividade cerebral.
Mas permita que lhe devolva a pergunta: Se, para si, há vida humana desde a concepção ou desde a nidação (convinha que V. esclarecesse), o que é que distingue essa vida da vida de um animal ou de uma planta ? O facto de o ADN ser específico (que V. já ensaiou algures) não dá, porque, como V. bem sabe, o ADN de cada espécie é específico.
Fica o desafio.
2. Minha cara, não percebi bem: V. aceita que vida humana e pessoa humana são conceitos diferentes ?
Olhe, a título de exemplo, recordo-lhe que, para a Igreja Católica Romana, a vida humana e a pessoa humana surgem na concepção, que para a Igreja anglicana, as duas só surgem com a nidação (a implantação no útero, que ocorre, como sabe, cerca de 2 semanas depois da concepção), que, no Judaísmo, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge com, para os rapazes, o passar dos 40 dias, e para as raparigas com o passar dos 80 dias, que, para o Islão, a vida humana ocorre com a nidação mas a pessoa humana só surge aos 120 dias e que, para a Igreja Católica Ortodoxa, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge apenas 21 dias após o nascimento.
Como vê, não se trata de teorias nazis, nem eugénicas, nem de barbáries ou bárbaros sanguinários que defendem estas teses. Acontece mesmo que são, todas, religiões do Livro...
Sabe porque é que há tanta diferença ?
Porque, para todas estas religiões, a alma e o corpo são entidades distintas, tudo gravitando sobre a discussão sobre o momento em que a alma entra no corpo.
Sabe, há quem diga que o Livro mais não fez do que reproduzir a velha querela Aristotélica sobre as três almas, a Vegetativa, a Sensitiva e a Racional, mas isso devem ser má-linguas...
É claro, ajuda um bocadinho à má-lingua que S. Tomás de Aquino tenha defendido que o aborto nos três primerios meses de vida não era homicidio, justamente porque julgava, como Aristóteles, que a alma não tinha, até então, penetrado o corpo. Olhe, pode ser que seja daí que vêm as 12 semanas presentes em muitas leis europeias sobre o aborto, já pensou bem nisso ?
E também não ajuda que ilustres Doutores da Igreja, como S. Antonino, tenham defendido, já no séc. XVI, o livre arbítrio da mulher quanto ao aborto nos três primerios meses de gestação.
Como vê, cara amiga, se há mesmo coisa que até para quem V. pensava que tinha uma posição sólida e unívoca seja duvidosa, é justamente o momento que divide a vida, da vida humana, da pessoa humana.
Até breve. espero.
24/11/06 22:31
Marta Rebelo said...
Olá Anónimo,
Respondendo à sua pergunta: para mim onde há, biologicamente vida (com ADN humano), há pessoa. Do meu ponto de vista, uma e outra são incindíveis.
Não vê que a sua qualificação da vida como "humana" implica uma valoração de índole filosófica e não uma constatação de teor científico.
Aliás, continua sem me responder o que é para si simplesmente vida (por oposição a vida humana).
Se me conseguir responder à pergunta do que entende ser simplesmente vida e porque é que a desqualifica como não-humana (sem dizer o que é, não aceitando o argumento científico do ADN) talvez possamos ter uma base mínima para prosseguir a nossa conversa.
O Anónimo diz o seguinte: "Vida, existe, para mim, desde a nidação, vida humana existe, para mim, no momento em que é detectável actividade cerebral".
E eu pergunto: então onde está a pessoa, quando começa? Porque é que há-se ser a actividade cerebral a atribuir dignidade à vida?
Indiquei-lhe as fontes de onde retirei as minhas afirmações. De onde retira as suas? Nunca vi ou ouvi o que escreveu sobre ser vida mas não humana em lado algum.
Se mas puder indicar, gostaria de as ler. Talvez assim cheguemos a uma base de entendimento.
28/11/06 19:40
Anonymous said...
Marta
Não finja que não leu nada do que eu lhe referi. Olhe, minha cara, não acredito. Mas vá ao google que lá encontra tudo em menos tempo do que o Diabo esfrega o olho. Nas regras do debate não está incluído fazer-se de burra, que V. não é. Nem de ignorante, que também não é. V. não conhece as opiniões dos religiosos que cito ? Nem das religiões que cito ? Ó Marta, só se eu acreditasse no Pai Natal.
Compreende que cedeu quando, em vez de rebater os factos, disse que não os conhece ? Ai, jovem, que assim não vai lá como advogada...
V. já percebeu o ponto que eu suscito: se há dúvida razoável sobre o momento em que a vida humana começa, porque é que a lei penal haverá de impor a concepção de uns à de outros ?
Conhece melhor definição de proselitismo ?
Como já lhe respondi ao que, para mim, divide a vida da vida humana, nem me dou ao trabalho de notar que V. até cita a resposta, depois de, na linha anterior, me desafiar, de novo, à resposta ... Truque retórico barato...
Já agora: a MINHA concepção de vida humana é que implica valorações de teor filosófico, quando apelo ao mais óbvio dos critérios científicos ???!!! Ai Marta., que V. está a perder o tino e a calma.
4/12/06 20:16
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo:
Vamos começar pelo princípio.
Qual é o ramo do conhecimento que nos diz se existe ou não vida?
É a biologia ou a filosofia?
Qual é o ramo do conhecimento que nos diz de que espécie é essa vida?
É a biologia ou a filosofia?
Então, fundamentando-se em especialistas na matéria, diga-me quem é que defende que um embrião de dez semanas não é biologicamente vida da espécie humana. (Por muito que respeite a sua opinião, o Anónimo não parece ser especialista na matéria. Estou errada?)
Vai ver que não há nenhum. (Aliás, se é tão fácil ir ao google, porque é que não foi?)
Enquanto não passarmos deste ponto, não podemos avançar para o plano da filosofia ou para qualquer outro.
É que se às 10 semanas de gravidez não existe ser vivo da espécie humana a questão não se chega a colocar. Pelo menos para mim.
Se me demonstrar com base em argumentos científicos devidamente fundamentados que um embrião de 10 semanas não é um ser vivo da espécie humana eu nem discuto mais consigo. Dou-lhe toda a razão e vou a correr votar sim.
Vá lá, surpreenda-me.
PS. Só vale dizer que é vida mas não humana se me disser biologicamente de que espécie é que é. Em homenagem a Darwin.
5/12/06 11:54
Respondendo ao seu último post:
Lendo a sua argumentação ao longo deste nosso debate, verifico com prazer que V. desistiu de tentar de provar que tem razão para pretender que seja eu a provar que tenho razão. Refiro-me, naturalmente, à nossa querela sobre a diferença entre vida e vida humana. Seja, aceito o desafio (mas noto que isto, assim, passou a ser o blogue do SIM...)
O ponto é bastante simples de compreender, se V. desistir de usar as palavras da forma que mais lhe dá jeito. Sabe, assim parece aquelas pessoas que sabem tudo de números e nada de valores...
O problema não está em saber se, desde a união entre o espermatozóide e o óvulo há vida ou não: claro que há, já lho disse vezes sem conta. E é óbvio que essa vida é da espécie humana.
Todavia, cara Marta, não é indiscutível nem óbvio que seja VIDA HUMANA.
Sabe porquê ?
Porque, como já lhe expliquei acima, nem mesmo todos os que defendem a sua tese acham que o óvulo fecundado, antes da nidificação, é VIDA HUMANA. E há mesmo aqueles que acham que só é VIDA HUMANA depois de ser possível ler um traçado cerebral. E há aqueles que acham que a VIDA HUMANA se não confunde com PESSOA HUMANA e acham mesmo que esta só existe vários dias ou semanas depois do nascimento.
Recordo o que já disse antes:
Para a Igreja Católica Romana, a vida humana e a pessoa humana surgem na concepção, para a Igreja anglicana, as duas só surgem com a nidação (a implantação no útero, que ocorre, como sabe, cerca de 2 semanas depois da concepção), no Judaísmo, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge com, para os rapazes, o passar dos 40 dias, e para as raparigas com o passar dos 80 dias, para o Islão, a vida humana ocorre com a nidação mas a pessoa humana só surge aos 120 dias e, para a Igreja Católica Ortodoxa, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge apenas 21 dias após o nascimento.
Já que me desafia sobre as minhas fontes, leia lá onde fui buscar esta frase e outras que a si tanto a horroriza (porque destrói o seu confortável universo de certezas, não é ?):
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=6462
http://www.cienciaefe.org.br/jornal/e67/Mt05.htm
http://www.ivf.nl/human.htm
Repito, ainda e sempre, a pergunta que V. foge como Diabo da Cruz:
Se há dúvida razoável sobre o momento em que a vida humana começa, porque é que a lei penal haverá de impor a concepção de uns à de outros ?
Ou ainda tem o topete, mesmo depois de eu lhe dar os links mais óbvios sobre o início da vida humana e da pessoa humana e da vida, para lhe proivar que o que digo não digo só eu, que não há dúvida nenhuma que a vida humana começa com a fecindação ?
PS: Verifico que V. nunca disse bem quando é que acha que começa a vida humana. É mesmo, para si, quando o espermetozóide se une ao óvulo ?
Para que ninguém perca a fineza do debate que temos desde Outurbo (lá onde está esquecido), reproduzo as nossas trocas e, no final, respondo à sua última prédica.
Marta Rebelo said...
[...]
Eu digo NÃO à proposta que vai a referendo. E posso dizer não por razões muito diferentes das de outras pessoas que também dizem não. Eu posso querer uma lei que outro partidário do NÃO não quer.
Isso não me torna incoerente. Não existem apenas 2 soluções para o problema: há a do sim e há todas as outras que sejam diferentes dela.
Por isso, a defesa da solução implicita na pergunta do referendo, ou seja o sim, é que não pode ser incoerente.
Aliás, se o sim ganhar fico presa a esta solução e não posso voltar a ter outra que não seja previamente referendada.
Por outro lado, ao contrário do que apregoa, neste momento o embrião tem tutela penal porque é crime abortar.
Só não é crime abortar em situações excepcionais em que, ou a ilicitude, ou a culpa estão excluídas (neste momento, depois de lhe ter respondido 10 vezes a esta pergunta, já deve saber o que isto significa. Se não, faça favor de perguntar).
O que a pergunta do referendo implica é que a mãe possa ter total disponibilidade sobre o embrião até às 10 semanas, independentemente dos motivos por que o faz (ou seja, independentemente da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa).
Eu com isso, naturalmente que não posso concordar.
Isto não traduz qualquer hipócrisia: também admito que o homicídio em legítima defesa ou em estado de necessidade (cá estão outra vez as tais causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), não seja crime e não acredito que me vá chamar hipócrita por não defender a descriminalização do homicídio.
6/11/06 17:07
Anonymous said...
[...]
Não falte à verdade, todavia, que isto até ia tão bem: V. ainda não explicou nem 1 nem 10 vezes porque é que, em nome da sua posição moral e ética sobre o aborto, não encetou uma campanha para que a lei actual seja revogada.
Ou a sua posição sobre a lei que vai a referendo não tem bse mnoral e/ou ética, antes outra que V. sem dúvida quererá partilhar connosco.
Não tente o exemplo do homicídio desculpado por, por exemplo, legítima defesa: V. já se deu conta que num caso, há crime e há pena e há julgamento e noutro, o que vai a referendo, não há nenhuma dessas coisas ? E isso não lhe faz nenhuma diferença ? E isso não lhe dá que pensar que o seu exemplo está errado ?
PS: pulo de post em post à procura da resposta à acusação que vos faço de hipocrisia e farisaísmo. Mas ainda não obtive sossego... Se calhar as vossas consciências dizem-vos que tenho razão.
6/11/06 21:09
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo,
[...]
As razões por que digo NÃO, não são morais (na acepção que penso que lhe quer dar), são éticas (e para além do mais são hoje cientificamente comprovadas).
Como já disse acima no post da Madalena (10nov06), o que está em causa no aborto é a pessoa, a vida humana.
É a leitura que faço da lei actual. No entanto, ainda que a lei venha no futuro a dividir a vida em 10 bens jurídicos diferentes, consoante as etapas da vida ou outro critério qualquer, não deixa de ser a vida humana que está em causa no aborto. A lei não pode mudar a essência das coisas.
Esta é a única razão (ética) que tenho para dizer NÃO no referendo. Não tenha dúvidas de que se eu achasse que estava em causa, p.ex. uma parte do corpo da mulher e não uma vida humana, votaria sim.
No que respeita à lei actual, não estou em total acordo com o que nela vem previsto quanto à incriminação do aborto.
[Remeto-o para os manuais de Direito Penal, que julgo que conhece bem, no que respeita às definições de ilicitude e de culpa.
(Vou tentar desenvolver esta matéria mais acima).
Digo-lhe apenas que não vejo as causas de exclusão da ilicitude e da culpa como elementos negativos do tipo, uma vez que entendo que a sua intervenção na realização do direito deve ser feita ao nível da aplicação ao caso concreto].
No que toca à não punição do aborto em caso de perigo para a vida da mãe, julgo que esta situação, em termos práticos, já vinha prevista na cláusula geral de exclusão da ilicitude, aplicável a todos os crimes (art. 31.º do Código Penal, se não estou em erro).
No que respeita às situações de violação, penso que mãe, mesmo antes da lei actual, estaria já abrangida pela inexigibilidade a que se refere estado de necessidade desculpante, não sendo necessária uma previsão específica para o efeito. (Enquadro esta situação numa causa de exclusão da culpa porque, embora não seja exigível à mãe que abortou que o não tivesse feito, era desejável que não tivesse abortado).
Penso que estas duas situações acabaram por ser expressamente previstas pela lei actual como elementos negativos do tipo (exclui-se a punibilidade logo ao nível da norma, em termos gerais e abstractos, e não ao nível do caso concreto como eu entendo que deveria ser) por uma questão de desconfiança do legislador relativamente aos aplicadores do direito (acho que estas questões só se resolvem, resolvendo o problema da justiça em geral e não mudando pontualmente leis aqui e ali).
Só que esta diferença de perspectiva (grave do ponto de vista teórico) não tem grande relevância prática: não haver crime ou verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude implica, em ambos os casos, que nem sequer é aberto qualquer processo ou que este é aberto e encerrado no fim do inquérito.
Assim, nestes dois casos, situando-se a minha divergência relativamente à lei actual mais ao nível da técnica legislativa, não julgo que se justifique a minha defesa pública e intransigente da respectiva revogação.
O meu desacordo de fundo quanto à lei em vigor prende-se com a não punibilidade do aborto em caso de malformação do feto e com a extensão da exclusão da culpa ipso iure aos restantes intervenientes, em caso de violação.
Penso que nestas duas hipóteses existirão certamente vários casos em que a culpa é reduzida ao mínimo, mas não entendo que se justifique a isenção da pena, pelo menos sem a averiguação do caso concreto, pois julgo haverá também situações em que as motivações para estes abortos não passam pela compaixão.
Também mudava a lei relativamente às molduras penais. Não se justifica, nem sequer em abstracto, que a pena aplicável à mãe que aborta seja igual à da pessoa que provoca o aborto.
Mudaria as penas a aplicar, como já referi acima num comentário que sei que já leu.
E então pergunta-me: porque é que eu não me bato para mudar a lei actual?
E eu respondo:
Porque as minhas convicções têm vindo a amadurecer aos poucos e eu só me vou apercebendo da sua profundidade à medida que as vou reflectindo e as vou confrontando com outras opiniões.
Porque não me consigo bater por todas as causas que defendo e vou actuando em relação àquelas em que acho que a minha intervenção pode fazer a diferença e, sinceramente, há-de concordar que as hipóteses de conseguir alterar a lei actual no sentido que eu pretendo são virtualmente impossíveis;
Porque não é sobre a lei actual que eu vou ser chamada a pronunciar-me, mas sobre uma pergunta que, a ter resposta afirmativa, como indicam as sondagens, vai permitir uma legislação relativamente à qual eu não me limito a ter algumas objecções, mas sou literalmente contra.
Porque é a proposta de lei que foi aprovada e que entrará em vigor caso o sim ganhe (e não a actual) que vai descaracterizar definitivamente a vida intra-uterina como bem jurídico, deixando de o proteger. Ainda que ele seja um bem que existe e continuará a existir e que merece e continuará a merecer tutela, se ganhar o sim, não a terá.
11/11/06 00:31
Anonymous said...
Marta
Agradeço a sua resposta, mas permita que lhe diga que V. tem uma confusão ENORME na sua cabeça, já a propósito de conceitos base do Direito Penal, já a propósito da vida, minha cara.
Veja lá se eu não tenho razão:
1. V. tem uma razão ética para votar NÃO que reside no facto de, na sua opinião, o aborto atentar, sempre, contra a vida.
Muito bem, seja.
Mas, bem vê, nesse caso, a pergunta seguinte, para si, é a de saber se a lei actual corresponde à sua visão ética. A sua resposta é negativa, mas cheia de erros: acha, mal, que que o aborto em caso de perigo de vida da mãe já estava coberto pela exclusão da ilicitude, sem atentar que nenhuma ds regras do art. 31º, que cita bem, se aplica a essa situação em particular; acha que o aborto em caso de violação já estaria coberto pelo estado de necessidade desculpante sem explicar porque é que a mãe corre perigo em resultado de uma gravidez decorrente de uma violação (veja o art. 34º do Código Penal e logo perceberá que pensou muito malzinho esta parte); acha, por fim, que essas duas técnicas do Direito bastariam para evitar a punição das mulheres que abortam com estes fundamentos e que não deveria a exclusão da punibilidade estar configurada ao nível do tipo.
V. acha, em consequência, que tem uma mera divergência técnica com a lei actual e que, por isso, não justificaria o seu "rasgar de vestes" contra ela.
Engana-se, porém, e logo por duas razões:
Em primeiro lugar, porque não tem razão na parte técnica da sua tese, como lhe demonstrei acima. Ora, assim sendo, V. não pode ter uma divergência técnica com a lei actual, tém é um erro, seu, grave, na apreciação técnica da lei.
Em segundo lugar, porque, mesmo que tivesse razão, restaria que V. explicasse uma coisa bem simples, que eu julgo já lhe ter perguntado: Porque é que V. acha que, mesmo admitindo que há estado de necessidade desculpante, no caso da violação, essa situação se sobrepõe à vida do feto, que V. acredita ser, desde a concepção, vida humana ? Já reparou que os critérios do estado de necessidade desculpante são cumulativos ? E que um deles é que o valor a proteger seja maior do que o valor a desprezar ? Isto é, a sua tese, trocada por miuúdos, é de que a "sanação" da agressão sexual da mulher é superior à vida ! E já reparou que o terceiro requisito do estado de necessidade exculpante é que seja sensato impor ao lesado o seu sacrifício ? Isto é, a sua tese resume-se assim: desculpa lá, ó nascituro, mas eu agora vou-te matar porque estou chateada à brava por ter sido violada e, ainda por cima, ter ficado grávida ! V. já disse uma coisa parecida noutro local, mas eu nem quis acreditar.
Em suma, V. não tem divergência técnica alguma com a lei, não sabe é o que está escrito na lei.
2. V. diz uma coisa fantástica a propósito do aborto em caso de violação (o tal que V. acha que está coberto pelo estado de necessidade desculpante): é que acha mal que a exclusão do tipo exclua a punibilidade os terceiros que auxiliam no aborto (espero que "restantes interveninetes" sejam estes e que V. não estive a pensar a patetice de que a não punibilidade do aborto em caso de violação isenta o violador de pena ...). Ora, minha cara, V. quer explicar devagarinho como é que se faz um aborto sem intervenção de terceiro ? Acha que é a própria mulher que o faz, sózinha, em casa ? Bem vê, é que a sua tese resulta na fenomenal consequência de que ninguém pode fazer abortos em caso de violação, porque as próprias não os conseguem fazer sózinhas (sim, é verdade !) e os terceiros que as ajudem são punidos ! Magnífico ! Pense lá mais um bocadinho, ó Marta, que aqui também a coisa está mal alinhavada...
3. V. parece achar que o aborto eugénico não tem justificação, com base num fundamento que nem percebi bem qual é. Mas, cara Marta, V. acha bem matar um feto são que resulta de uma violação ! Que raio de valores são os seus, que acha que a vida de um ser com deficiência é mais relevante, para o Direito e para a ética, do que a vida de um ser normal ? Percebe que isso é uma espécie de pena ?
4. V. mudava as molduras penais, já o li noutro sítio. Mas nesse outro sítio, V. falava em curso de formação para as mães abortadoras. Eu pedi-lhe que desenvolvesse, mas V. nada ... Já agora, porque é que as molduras penais deveriam ser diferentes para a mulher que aborta e para o terceiro ? Se ambas as condutas são ilícitas e ambas atentam contra a vida, porquê a diferença ? Ou está V. outra vez com pena ?
5. V. diz, a final do seu post, que acha que não vale a pena bater-se contra a lei actual, porque não se conseguirá mudá-la.
Duas notas:
Nota 1: V., que me parece ser uma jovem senhora, já desistiu assim das suas convicções ? Porque é que não tem coragem ? Porque é que é cobarde ? Nem precisa de bater em ninguém, nem de andar pelas ruas aos gritos, basta falar, escrever, por exemplo neste blog, e dizer tudo o que acha da lei actual (corrigidos os disparates supra, convirá). Assim, bem vê, dá a sensação de que V., como outros neste blog, aliás, só funda o seu NÃO na razoabilidade da nova lei, motivo bem mais fraco, como percebe, do que a suposta fundação ética da sua posição.
Nota 2: Se desistiu de expressar a sua opinião sobre a lei actual, pelo menos no mesmo plano com que expressa a sua opinião sobre a lei futura, que coerência ética se lhe pode reconhecer para que a sua opinião influencia, como V. quer, outros ? Mesmo que V. tivesse razão em tudo o que disse no seu post, a sua desistência e o seu silêncio sobre a lei actual retiram-lhe credibilidade: ninguém acredita em si, porque, bem vê, sempre se sente no que escreve, mesmo que V. não o queira conscientemente, um cheirinho a farisaísmo.
Pergunta final:
Porque é que V. acha que a sua visão ética sobre a vida se deve sobrepor à dos outros, consagrando-a na lei penal ?
13/11/06 21:20
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo:
Não é na minha opinião que o aborto atenta contra a vida.
É um dado cientificamente comprovado que o aborto atenta sempre contra a vida.
O que é ético, é o juízo de censura que deve merecer um atentado contra uma vida humana.
O artigo 31.º do CP que eu cito, e bem, não contém uma enumeração taxativa, mas meramente exemplificativa (veja o n.º 1).
Mais uma vez não entendeu o que eu quis dizer sobre a questão da violação. Não estou a falar de ilicitude (matar o feto que nasceu em virtude de uma violação é ilícito, é errado. Não, não acho bem). Estou a falar de culpa. Sei que entende a diferença de conceitos, não os confunda.
De todo o modo, se não vê onde está a lesão (lícita) para a mãe violada que integra o estado de necessidade desculpante, não entendo o que está a fazer do lado do sim.
Quanto aos outros intervenientes, sendo a culpa uma questão subjectiva, a eventual falta de culpa de um dos agentes (mãe) não implica a falta de culpa dos outros. Não vejo que a intervenção do médico no caso de violação implique, por si só, qualquer diminuição da respectiva culpa no aborto que, repito, continuaria a ser ilícito mesmo em caso de violação.
Há uma diferença, que não é pequena, entre não incriminar um acto ilícito ou atribuir o direito de praticar esse acto.
Quanto às penas, não seja impaciente, desenvolverei o tema no outro comentário ao meu post.
Eu não disse que não valia a pena bater-me contra a actual lei. Só disse que a minha discordância radical é contra a lei que o sim quer fazer entrar em vigor e que vai despenalizar o aborto a pedido até às dez semanas, atribuindo à mãe um direito potestativo sobre a vida do filho, independentemente de quaisquer circunstâncias concretas que o justifiquem. E que é esta a proposta que vai a referendo. Certo?
Ora, como não tenho o dom da ubiquidade, tenho de fazer escolhas e, naturalmente prefiro bater-me contra uma lei de que discordo frontalmente (e que, repito, vai a referendo), por muito que lhe possa parecer uma escolha suspeita, reveladora de uma enorme hipocrisia. (Aliás, nada de mais hipócrita do que gastar as energias a rebater propostas antagónicas à minha posição em vez de as despender com questões de que só discordo parcialmente...).
Tem mesmo de continuar a insultar-me?
Não acha que se discorda dos meus argumentos deve rebatê-los por si mesmos?
Já agora, e para bem desta conversa, qual é a sua posição sobre o assunto? Porque é que defende o sim?
14/11/06 12:52
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo:
Ainda o seguinte: na minha resposta de dia 11.11.06 ficou patente que não me estava a referir ao direito de necessidade do artigo 34.º(que exclui a ilicitude), mas sim ao estado de necessidade desculpante do artigo 35.º (que exclui a culpa).
14/11/06 13:23
Anonymous said...
Marta,
Várias notas:
1. A sua afirmação sobre o início da vida é um axioma, não é uma verdade científica indisputada. Não minta, que fica-lhe mal e baixa o nível do debate.
2. O nº 2 do art. 31º do CP é exemplificativo, o nº 1 não é. Mas V. estará sem dúvida em condições de me indicar onde, na "ordem jurídica considerada na sua totalidade" (para quem não sabe, é o que está escrito no nº 1 do art. 31º do CP), existe a base para não punir a mãe em caso de perigo para a sua vida, como V. sugeriu ?
3. A sua resposta quanto à questão da violação "foi ao lado". O que V. escreveu mais acima foi que achava mal que a exclusão do tipo, nesse caso, excluisse a punição dos terceiros agentes do aborto (médico e tutti quanti). O que eu lhe perguntei, e ao que V. não respondeu e fingiu que estava a responder, o que é uma forma de desonestidade intelectual que não se admite de alguém que penss, foi como é que, se vingasse a sua posição, se fariam abortos, uma vez que parece que podemos concordar que a mulher não pode abortar sózinha. Vá lá, responda a esta pergunta...
4. V. volta a escrever a coisa fantástica de que acha que o médico que pratica um aborto numa mulher violada deve ser punido. V. relê as coisas que escreve, para evitar estes dislates ?
5. V. acha que a ubiquidade é não poder escrever no mesmo post que é contra a lei que vai a referendo e contra parte da lei actual ???? Em que escola é que V. aprendeu português ? Porque é que tenta mascarar a sua falta de coragem em assumir as suas divergências, com o óbvio intuito de não gerar ainda mais antagonismo para a sua posição e de não a expor à hipocrisia prosélita que representa ?
6. Não percebe, Marta, que é a sua ética, que V. pretende impor aos outros, que sai ferida da sua recusa sistemática em dizer o que pensa sobre a actual lei ?
7. Responda, se quiser, à pergunta final que lhe fiz: porque é que V. acha que a sua ética se deve sobrepor à dos outros, na Lei ?
8. A referência ao art. 35º é ainda pior, Marta. Quer explicar devagarinho qual é o "perigo actual" que sofre a mulher grávida em resultado de uma violação ?
9. Para quem queira ler o texto do Código Penal, ele está aqui, por exemplo: http://www.unifr.ch/derechopenal/legislacion/pt/CPPortugal.pdf
10. Defendo o sim por duas razões bem simples:
a. Porque não existe efectivamente, ao contrário do que V. pensa e escreve, definição cientificamente indisputada sobre o momento em que tem início a Pessoa Humana (ou, sequer, a vida humana);
b. Porque, assim sendo, não pode o Estado impor à sociedade, em letra de lei penal, a posição ética de uns, que entendem que a Pessoa Humana existe desde a junção do espermatozóide com o óvulo, aos outros, que não entendem assim.
11. Não julgue que não reflicto também, ao tomar posição pelo SIM, no setting cultural, histórico e religioso da questão e da óbvia conotação religiosa da questão. E não ignoro a dimensão prosélita do tema (bem expressa na recente nota da Conferência Episcopal), nem a dimensão de "controlo das consciências" que a Igreja sabe que está sobretudo em jogo. Mas não sou por elas determinado.
Nota final: não confunda debate duro com insultos.
15/11/06 20:51
Marta Rebelo said...
Olá Anónimo,
[...].
1. De facto, há vida num embrião. Não sou eu quem o diz. Veja p. ex: o post de hoje da Mafalda com o vídeo da National Geogrphic, ou o meu post de 6.11.06. O embrião é um organismo vivo com um ADN próprio. Como digo aqui neste post, se achasse que um embrião não era vida humana, também votava sim.
Já agora, se não é vida humana, então o que é?
2. Já ouviu falar em colisão de direitos?
3. Não se faziam. Eu continuo a achar que deveria ser ilícito. Mas se, ainda que contra a lei, uma mulher violada abortar, admito que a lei não a puna. Mas só a ela. Embora puna quaisquer outros intervenientes, médicos, parteiras, etc..
4. E não, não é uma contradição, nem um dislate. Leia bem e pense naquilo que eu escrevi. Uma coisa é não punir um facto ilícito por ausência de culpa, outra, muito diferente, é atribuir o direito de abortar. Uma não implica a outra, embora a pergunta do referendo induza em erro (Leia o meu post sobre as perguntas do referendo (de 1.11) onde eu desenvolvo esta questão da diferença entre não punir e o atribuir um direito e ainda os comentários onde lhe respondo a algumas perguntas).
5. A ubiquidade permitir-me-ia fazer muito mais coisas que só por falta de tempo não faço. Paciência... E quanto à lei actual, há-de fazer-me justiça: só à sua conta tenho escrito mais sobre esta lei do que sobre aquela que vai a referendo. Por isso, não tem razão nas acusações que me dirige directamente a mim de “falta de coragem” e de representar a “hipócrisia prosélita” (já sei… é só debate duro).
6. Eu? Recuso-me a falar da lei actual? Devemos ter estado a falar de leis diferentes. O que é que será que eu estou a fazer aqui?
7. Não é a “minha” ética. Porque é que acha que o homicídio, ou o furto, ou o terrorismo devem continuar a ser crime. Quer impor a sua ética a todos os que estão presos por isso? Ou preferia viver numa anarquia? Eu não. Que mais não seja por instinto de sobrevivência.
8. e 9. - Pense lá comigo um bocadinho. Em nome de que é que acha que a mulher deve abortar. O que é que lhe é limitado quando se proíbe que ela aborte? Veja lá se não está no artigo 35.º. Uma pista: não se verifica relativamente aos outros intervenientes. Outra pista: leia os comentários ao meu post de 1.11. Ainda mais uma: leia os posts que a Mafalda tem escrito neste blog, especialmente “O aborto e as mulheres” (escreve muito melhor que eu, acredite).
10. A isto respondo-lhe com uma resposta que já dei noutro sítio. As coisas são o que são e não mudam de natureza consoante o que nós achamos delas ou a forma com o legislador legisla sobre elas.
A propósito, repito a pergunta: se está provado que o embrião está vivo e que tem ADN próprio, se não é vida humana então o que é?
Ou não está vivo e o aborto não mata? Ou está vivo mas não é humano?
Se for vida humana continua a votar sim?
11. Não percebi. Pode explicar-se melhor?
18/11/06 23:42
Anonymous said...
Marta,
[...]
Notas:
1. V. já pensou que, se calhar, há uma diferença entre vida e vida humana ? E que é justamente essa diferença que faz toda a diferença ? O ponto, minha cara, é que V. não consegue determinar - nem ninguém consegue, esse era o meu ponto, que V. acabou por confirmar - o momento em que a vida se torna vida humana, no feto.
2. Já ouvir falar de colisão de direitos, sim senhor. Por acaso julgava que V. ia responder que se trata de legítima defesa ou do estado de necessidade desculpante, mas V. saberá. Mas não se continue a deviar do ponto onde começamos este específico debate: que princípio do Direito justifica a despenalização do aborto realizado em consequência de violação. Não haverá de ser nem a colisão de direitos nem a legítima defesa
3. Estamos entendidos. Registo que V. prefere atirar-se da Rocha Tarpeia a admitir que disse um disparate (que repete). Portanto, nos abortos em caso de violação, a mulher, coitadinha, não era punida, mas os médicos eram e, por isso, não se faziam abortos... Tá bem, já percebi até onde vai a sua hipocrisia. A propósito, porque é que a mulher não é punida ?
4. Ó minha cara, esplique lá qual é a diferença entre uma mulher se apresentar num hospital, semanas depois da violação, quando provavelemnte já não há, sequer, prova da dita, e poder abortar por mera vontade dela própria, e o que vai agora a referendo ? Não percebe que, em ambos os casos, a mulher dispõe sobre o que V. acha que é vida humana ?
5. Hipocrisia prosélita é, de facto, debate duro, minha cara. Ainda bem que contribuí para que V. seja menos hipócrita, fica-me essa consolação. Já quanto ao proselitismo, já desisti... Mas até lhe fica bem.
6. Pois, já foi dizendo algumas coisas sobre a lei actual, a saca-rolhas. Mas ainda não disse tudo (sobre o aborto eugénico ainda não a li...) e sobre a violação, disse poucochinho...
7. Não finja que não percebe: o meu ponto é que a sua ética não é consensual e, por isso, pode e deve ser deixada ao voto a decisão de como proceder. Já me parece consensual que o homicidio é crime...
8. e 9. Eu bem queria pensar consigo, mas finge que não me acompanha... Olhe, minha cara, o que eu disse é que a sua invocação de que o "perigo actual" do art. 35º justificava a conduta da mulher que aborta é um erro deDireito, sem V. identificar o "perigo actual" de que essa mulher sofre. V. acha que sim e que a resposta estará numa misteriosa razão que leva a mulher a abortar, nesse caso. Desculpe, diga lá qual é essa razão ?
10. Ora ainda bem que V. acha isso mesmo ! Eu também acho que as coisas são o que são e que a lei não muda a realidade. É mesmo por isso que defendo que não se deve consagrar na lei o que não é eticamente consensual.
Marta, já lhe disse acima, e V. haverá de concordar, que existe uma diferença entre vida e vida humana. Desde o ovócito que há vida, não há, em minha opinião, vida humana.
O argumento ADN é fraquito. Todos os animais têm ADN...
11. Posso explicar com certeza. Para não ser muito longo na explicação, digo-lhe só que compreendo a razão pela qual a Igreja toma as posições que toma - a última nota episcopal é disso exemplo, aliás: a Igreja (não só a católica, quase todas, com raras excepções) vive para converter os infieis. No caso da Igreja Católica, a lei foi sempre, ao longo da sua história - erro, apenas com e depois da conversão de Constantino -, um instrumento de conversão e, logo, de controlo dos espíritos, das mentes e das consciências. Repito, isso não me condiciona, percebo que assim seja - embora me desagrade - mas não voto por causa disso.
21/11/06 15:44
Marta Rebelo said...
Anónimo:
[...]
O feto é vida mas não é vida humana??? Então o que é??? Vida vegetal??? Vida de gato???
É claro que é vida e é humana. O embrião tem um ADN diferente do da mãe. ADN humano e não de macaco (vá lá, leia lá os posts onde se citam cientistas que sabem mais do que nós).
O ADN próprio torna-o num ser humano único e irrepetível. No embrião estão codificadas todas as suas características.
Todos os médicos aceitam isto.
O que acontece é que há cientistas, defensores do sim que, apesar de afirmarem que se trata de vida humana, não concedem ao feto a mesma dignidade que atribuem aos bebés já nascidos ou arranjam outros argumentos para dizer sim ao aborto (vá lá, leia lá os outros posts).
E o que eu pergunto é porquê? Qual é a diferença?
Quando é que uma pessoa passa a ser pessoa? O que é que faz da pessoa uma pessoa? Qual é o critério da humanidade para si?
22/11/06 19:49
Anonymous said...
Marta,
Não esperava de si tamanha exibição de desespero ou de ignorância, desculpará que lhe diga.
V. não sabe qual è a diferença entre vida e vida humana ?
E também não sabe a diferença entre vida humana e pessoa humana ?
E não sabe que a questão sobre o começo da vida humana se coloca hoje e sempre como um dos grandes debates da bioética e do Direito e da Moral e da Sociedade ?
Olhe, eu nem acredito que V. não sabe, mas se não souber mesmo, eu explico:
De forma sucinta há quatro correntes quanto ao início da vida humana:
a) as que defendem que o início da vida começa com a fertilização;
b) as que defendem que o início da vida começa com a implantação do embrião no útero;
c) as que defendem que o início da vida começa com o início da actividade cerebral; e
d) as que defendem que o início da vida começa com o nascimento com vida do embrião.
Já percebeu ?
E já percebeu que os seus argumentos de que o ADN é irrepetível, que é diferente do da mãe (e do do pai, presumo que V. se esqueceu de o escrever), e do do macaco, e que nele estão todas as características do futuro ser, se aplicam ao feto humano, como ao feto de um qualquer animal, como ao rebento de qualquer planta ?
e que a sua diatribe contra os cientistas "desonestos" é uma coisa da Idade Média, não pelo que V. os acusa de ser, mas pela sua ignorância quanto aos termos do debate sobre o início da vida humana no ovo, no embrião e no feto ? Ou também não sabia que estes três nomes existem, na medicina como no Direito, para distinguir fases diversas do que V. acha que é tudo vida humana.
Vá lá, volte ao debate sereno, que agora teve uma branca inesperada em si...
22/11/06 20:42
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo,
(...) continuando o debate sereno.
Está a tratar duas disputas distintas como se fossem uma só:
1 – Quando se inicia a vida.
Debate-se de facto se, do ponto de vista biológico (ie. estritamente científico), a vida se inicia com a fertilização (ou seja imediatamente) ou se é com a implantação no útero (que ocorre alguns dias depois).
A partir daí, nomeadamente às 10 semanas, não há discussão.
A comunidade científica, pró e contra o aborto, aceita pacificamente que num embrião de 10 semanas há vida diferente da da mãe (e da do pai, como muito bem chamou à atenção, embora este infelizmente não tenha sido chamado à colação no referendo). E aceita que essa vida é humana (o código genético é humano e não outro qualquer. Vá lá, leia lá o post com a citação do Prof. Lejeune de 7.11, que até é investigador).
[Nota1: às 10 semanas não se fala em ovo, pois não?].
Ora, este referendo trata do aborto até às 10 semanas, onde está em causa, indiscutivelmente, um ser vivo, diferente da mãe e do pai, que é humano.
[Nota 2: Veja o post sobre os “Médicos Pela Escolha”. Enquanto defensores do sim, são insuspeitos].
2. Aquisição da qualidade de pessoa (humana é redundância, não?)
Questão diversa é a que separa, ao nível filosófico e não com base na biologia, as correntes que defendem momentos diferentes para a atribuição do estatuto de pessoa a esse ser, que se reconhece estar vivo:
(i) umas, na qual eu me incluo, defendem que a dignidade de pessoa deve ser reconhecida a todo e qualquer ser humano vivo.
(ii) outras, como referiu, acham que esse ser vivo só tem dignidade para ser tratado como pessoa a partir do momento em que tenha actividade cerebral;
(iii) outras, só após o nascimento;
(iv) outras ainda, a partir do momento em que adquire consciência, o que só acontece por volta dos 18 meses, se não estou em erro [Pois é. Há quem defenda o infanticídio, argumentando com a menor dignidade das crianças].
(v) sem contar com todas as restantes que se baseiam ou podem basear em critérios tão diferentes como a formação do sistema nervoso central, ou a susceptibilidade de sobreviver fora do ventre materno, ou qualquer outro critério que se venha a entender.
Tirando a 1.ª hipótese apontada, todas as outras prevêem momentos da vida de um ser humano em que este não tem a dignidade de pessoa, em que este não é visto como um fim em si mesmo, com dignidade igual à de outros seres humanos. E muito provavelmente quem defende estas teorias fá-lo convictamente. Só que não é isso que está em causa. Não é pelo facto de serem sinceros que deixam de pensar de forma diferente da minha. Nem é por isso que eu devo deixar de apontar as diferenças e de as refutar.
Como vê, encontra “diatribes” e acusações de desonestidade de onde elas não existem. Mais uma vez, faça-me justiça: acho que já conversámos o suficiente para que não veja sempre segundas intenções no que eu escrevo.
Já gora, se não fosse vida humana seria vida quê? E se não fosse vida seria o quê? – peço-lhe que me responda directamente a estas perguntas.
24/11/06 13:45
Anonymous said...
Marta,
1. Vamos ver se nos entendemos.
Para isso, V. precisa de usar as palavras com precisão. Sabe, sendo jurista, como julgo que é, já haverá de ter percebido que a profissão é, também, isso mesmo: saber usar as palavras certas nos locais certos e não (ab)usar as palavras para provar o nosso ponto.
Ora, V., no ponto 1. do seu post, confunde, de novo e sempre, vida com vida humana. Isso não se resolve com o silogismo simplista que V. sugere: os pais são humanos, o ovócito é produto dos pais, logo o ovócito é humano. Com toda a franqueza, esperava um bocadinho mais de profundidade na defesa da tese de que a vida humana se inicia com a implantação no útero (é essa a sua posição, ou é a de que antes mesmo da implantação, também há vida (humana)) ?
Nem vale a pena continuar na sua senda de invocar a comunidade científica, pois se há mesmo matéria em que a comunidade científica esteja profundamente dividida - aliás como a comunidade em geral, como V. já terá percebido - é sobre o momento que distingue a vida da vida humana !
Respondeo, aliás, desde já à sua pergunta final:
Vida, existe, para mim, desde a nidação, vida humana existe, para mim, no momento em que é detectável actividade cerebral.
Mas permita que lhe devolva a pergunta: Se, para si, há vida humana desde a concepção ou desde a nidação (convinha que V. esclarecesse), o que é que distingue essa vida da vida de um animal ou de uma planta ? O facto de o ADN ser específico (que V. já ensaiou algures) não dá, porque, como V. bem sabe, o ADN de cada espécie é específico.
Fica o desafio.
2. Minha cara, não percebi bem: V. aceita que vida humana e pessoa humana são conceitos diferentes ?
Olhe, a título de exemplo, recordo-lhe que, para a Igreja Católica Romana, a vida humana e a pessoa humana surgem na concepção, que para a Igreja anglicana, as duas só surgem com a nidação (a implantação no útero, que ocorre, como sabe, cerca de 2 semanas depois da concepção), que, no Judaísmo, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge com, para os rapazes, o passar dos 40 dias, e para as raparigas com o passar dos 80 dias, que, para o Islão, a vida humana ocorre com a nidação mas a pessoa humana só surge aos 120 dias e que, para a Igreja Católica Ortodoxa, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge apenas 21 dias após o nascimento.
Como vê, não se trata de teorias nazis, nem eugénicas, nem de barbáries ou bárbaros sanguinários que defendem estas teses. Acontece mesmo que são, todas, religiões do Livro...
Sabe porque é que há tanta diferença ?
Porque, para todas estas religiões, a alma e o corpo são entidades distintas, tudo gravitando sobre a discussão sobre o momento em que a alma entra no corpo.
Sabe, há quem diga que o Livro mais não fez do que reproduzir a velha querela Aristotélica sobre as três almas, a Vegetativa, a Sensitiva e a Racional, mas isso devem ser má-linguas...
É claro, ajuda um bocadinho à má-lingua que S. Tomás de Aquino tenha defendido que o aborto nos três primerios meses de vida não era homicidio, justamente porque julgava, como Aristóteles, que a alma não tinha, até então, penetrado o corpo. Olhe, pode ser que seja daí que vêm as 12 semanas presentes em muitas leis europeias sobre o aborto, já pensou bem nisso ?
E também não ajuda que ilustres Doutores da Igreja, como S. Antonino, tenham defendido, já no séc. XVI, o livre arbítrio da mulher quanto ao aborto nos três primerios meses de gestação.
Como vê, cara amiga, se há mesmo coisa que até para quem V. pensava que tinha uma posição sólida e unívoca seja duvidosa, é justamente o momento que divide a vida, da vida humana, da pessoa humana.
Até breve. espero.
24/11/06 22:31
Marta Rebelo said...
Olá Anónimo,
Respondendo à sua pergunta: para mim onde há, biologicamente vida (com ADN humano), há pessoa. Do meu ponto de vista, uma e outra são incindíveis.
Não vê que a sua qualificação da vida como "humana" implica uma valoração de índole filosófica e não uma constatação de teor científico.
Aliás, continua sem me responder o que é para si simplesmente vida (por oposição a vida humana).
Se me conseguir responder à pergunta do que entende ser simplesmente vida e porque é que a desqualifica como não-humana (sem dizer o que é, não aceitando o argumento científico do ADN) talvez possamos ter uma base mínima para prosseguir a nossa conversa.
O Anónimo diz o seguinte: "Vida, existe, para mim, desde a nidação, vida humana existe, para mim, no momento em que é detectável actividade cerebral".
E eu pergunto: então onde está a pessoa, quando começa? Porque é que há-se ser a actividade cerebral a atribuir dignidade à vida?
Indiquei-lhe as fontes de onde retirei as minhas afirmações. De onde retira as suas? Nunca vi ou ouvi o que escreveu sobre ser vida mas não humana em lado algum.
Se mas puder indicar, gostaria de as ler. Talvez assim cheguemos a uma base de entendimento.
28/11/06 19:40
Anonymous said...
Marta
Não finja que não leu nada do que eu lhe referi. Olhe, minha cara, não acredito. Mas vá ao google que lá encontra tudo em menos tempo do que o Diabo esfrega o olho. Nas regras do debate não está incluído fazer-se de burra, que V. não é. Nem de ignorante, que também não é. V. não conhece as opiniões dos religiosos que cito ? Nem das religiões que cito ? Ó Marta, só se eu acreditasse no Pai Natal.
Compreende que cedeu quando, em vez de rebater os factos, disse que não os conhece ? Ai, jovem, que assim não vai lá como advogada...
V. já percebeu o ponto que eu suscito: se há dúvida razoável sobre o momento em que a vida humana começa, porque é que a lei penal haverá de impor a concepção de uns à de outros ?
Conhece melhor definição de proselitismo ?
Como já lhe respondi ao que, para mim, divide a vida da vida humana, nem me dou ao trabalho de notar que V. até cita a resposta, depois de, na linha anterior, me desafiar, de novo, à resposta ... Truque retórico barato...
Já agora: a MINHA concepção de vida humana é que implica valorações de teor filosófico, quando apelo ao mais óbvio dos critérios científicos ???!!! Ai Marta., que V. está a perder o tino e a calma.
4/12/06 20:16
Marta Rebelo said...
Caro Anónimo:
Vamos começar pelo princípio.
Qual é o ramo do conhecimento que nos diz se existe ou não vida?
É a biologia ou a filosofia?
Qual é o ramo do conhecimento que nos diz de que espécie é essa vida?
É a biologia ou a filosofia?
Então, fundamentando-se em especialistas na matéria, diga-me quem é que defende que um embrião de dez semanas não é biologicamente vida da espécie humana. (Por muito que respeite a sua opinião, o Anónimo não parece ser especialista na matéria. Estou errada?)
Vai ver que não há nenhum. (Aliás, se é tão fácil ir ao google, porque é que não foi?)
Enquanto não passarmos deste ponto, não podemos avançar para o plano da filosofia ou para qualquer outro.
É que se às 10 semanas de gravidez não existe ser vivo da espécie humana a questão não se chega a colocar. Pelo menos para mim.
Se me demonstrar com base em argumentos científicos devidamente fundamentados que um embrião de 10 semanas não é um ser vivo da espécie humana eu nem discuto mais consigo. Dou-lhe toda a razão e vou a correr votar sim.
Vá lá, surpreenda-me.
PS. Só vale dizer que é vida mas não humana se me disser biologicamente de que espécie é que é. Em homenagem a Darwin.
5/12/06 11:54
Respondendo ao seu último post:
Lendo a sua argumentação ao longo deste nosso debate, verifico com prazer que V. desistiu de tentar de provar que tem razão para pretender que seja eu a provar que tenho razão. Refiro-me, naturalmente, à nossa querela sobre a diferença entre vida e vida humana. Seja, aceito o desafio (mas noto que isto, assim, passou a ser o blogue do SIM...)
O ponto é bastante simples de compreender, se V. desistir de usar as palavras da forma que mais lhe dá jeito. Sabe, assim parece aquelas pessoas que sabem tudo de números e nada de valores...
O problema não está em saber se, desde a união entre o espermatozóide e o óvulo há vida ou não: claro que há, já lho disse vezes sem conta. E é óbvio que essa vida é da espécie humana.
Todavia, cara Marta, não é indiscutível nem óbvio que seja VIDA HUMANA.
Sabe porquê ?
Porque, como já lhe expliquei acima, nem mesmo todos os que defendem a sua tese acham que o óvulo fecundado, antes da nidificação, é VIDA HUMANA. E há mesmo aqueles que acham que só é VIDA HUMANA depois de ser possível ler um traçado cerebral. E há aqueles que acham que a VIDA HUMANA se não confunde com PESSOA HUMANA e acham mesmo que esta só existe vários dias ou semanas depois do nascimento.
Recordo o que já disse antes:
Para a Igreja Católica Romana, a vida humana e a pessoa humana surgem na concepção, para a Igreja anglicana, as duas só surgem com a nidação (a implantação no útero, que ocorre, como sabe, cerca de 2 semanas depois da concepção), no Judaísmo, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge com, para os rapazes, o passar dos 40 dias, e para as raparigas com o passar dos 80 dias, para o Islão, a vida humana ocorre com a nidação mas a pessoa humana só surge aos 120 dias e, para a Igreja Católica Ortodoxa, a vida humana surge com a nidação, mas a pessoa humana surge apenas 21 dias após o nascimento.
Já que me desafia sobre as minhas fontes, leia lá onde fui buscar esta frase e outras que a si tanto a horroriza (porque destrói o seu confortável universo de certezas, não é ?):
http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=6462
http://www.cienciaefe.org.br/jornal/e67/Mt05.htm
http://www.ivf.nl/human.htm
Repito, ainda e sempre, a pergunta que V. foge como Diabo da Cruz:
Se há dúvida razoável sobre o momento em que a vida humana começa, porque é que a lei penal haverá de impor a concepção de uns à de outros ?
Ou ainda tem o topete, mesmo depois de eu lhe dar os links mais óbvios sobre o início da vida humana e da pessoa humana e da vida, para lhe proivar que o que digo não digo só eu, que não há dúvida nenhuma que a vida humana começa com a fecindação ?
PS: Verifico que V. nunca disse bem quando é que acha que começa a vida humana. É mesmo, para si, quando o espermetozóide se une ao óvulo ?
Olá Anónimo,
Então por aqui. Gosta mesmo de saltar de post em post. Não, não desisti. Tenho andado afastada destas lides mas, se tudo correr bem, regresso depois do Natal. Aí respondo-lhe com mais calma à resposta que não me deu.
Por agora, bandeira branca, que o objectivo deste post é outro:
Desejar-lhe um óptimo Natal.
Então por aqui. Gosta mesmo de saltar de post em post. Não, não desisti. Tenho andado afastada destas lides mas, se tudo correr bem, regresso depois do Natal. Aí respondo-lhe com mais calma à resposta que não me deu.
Por agora, bandeira branca, que o objectivo deste post é outro:
Desejar-lhe um óptimo Natal.
Olá Anónimo,
Espero que ainda aí esteja e que tenha pachorra para ler este testamento.
Já chegámos a alguns pontos comuns: num embrião de dez semanas há vida e essa vida é biologicamente da espécie humana.
Julgo que ainda temos algumas dificuldades de linguagem que se prendem com as expressões "vida humana" e "pessoa humana".
Tanto quanto percebi até hoje, há:
(i) quem distinga vida (perspectiva biológica) de vida humana (filosófica) e
(ii) quem distinga vida humana (no sentido biológico de espécie humana) de pessoa ou pessoa humana (filosófica).
Por isso, estou convencida de que “vida humana” acaba por ser usada nestas duas acepções distintas, mas não traduz uma terceira categoria. Continua a ser vista, ou estritamente da perspectiva biológica, ou também do ponto de vista ético ou filosófico.
(Ainda não me explicou o que entende por “vida humana” que é ao mesmo tempo diferente de “vida” e de “pessoa humana”. Por isso, ainda não entendi o que pretende referir com esta terceira categoria).
I) Por exemplo, no texto que está em http://www.cienciaefe.org.br/jornal/e67/Mt05.htm, “vida humana” aparece claramente com um sentido ético, com o sentido de vida que merece protecção (equivalente a pessoa), por oposição à dos peixes e às moscas (vida meramente biológica).
Ora, o que eu lhe pedi foram textos científicos que me dissessem que um embrião não é vida biologicamente da espécie humana. Queria partir de uma base mínima de entendimento, nem que seja terminológica, para depois poderemos ir avançando na nossa conversa. Isto é um texto de um auto-denominado “cientista político” (que não biólogo, médico, ou afim), cujas credenciais se desconhecem, que pretende legitimamente tratar da questão, do ponto de vista filosófico e não teológico, mas que do ponto de vista biológico se limita a dar por assente que há vida no embrião e que um ovo é diferente de uma galinha.
Quanto a este último argumento, que é o mais próximo de um argumento científico (na acepção que acima lhe referi), posso retorquir que um pinto é diferente de uma galinha, que um bebé é diferente de uma criança, que esta é deferente de um jovem, de um adulto e de um idoso. E que uma galinha já foi, ela própria, enquanto ser, um pinto e um ovo. E que esse ovo, e mais tarde esse pinto, já era ela em desenvolvimento e não a galinha ou o galo que a procriou.
Do mesmo modo isto ocorre com o embrião. Ele é vida autónoma em desenvolvimento, diferente da mãe e do pai. Ele não é um órgão do corpo da mãe. Quando há embrião já se deu biologicamente a reprodução da espécie.
Mas este argumento do ovo e da galinha, que não é científico, encerra ainda um vício de raciocínio que procede da solução apriorística que o autor do texto dá ao problema: diz que comer caviar é diferente de comer esturjão, que comer ovo é diferente de comer galinha e que ver uma larva é diferente de uma borboleta, para daí afirmar que embrião é diferente de “vida humana”, esquecendo-se que está a comparar o incomparável, mesmo segundo o raciocínio que expõe.
Isto porque tanto o ovo como a galinha, como o caviar e o esturjão, como a lavra e a borboleta são meios e não fim-em-si-mesmos, estejam eles em que estado de evolução estiverem. Não é por se desenvolverem que passam de uma categoria a outra. Ora o que o autor pretende é fazer passar o embrião de coisa que não merece tutela, a ser humano, fim-em-si-mesmo, digno de tutela.
Para além deste, do ponto de vista filosófico, o principal argumento do primeiro texto é o seguinte:"vida humana é diferente da vida animal porque o homem é um ser capaz de reflectir sobre si próprio, e portanto, dotado de auto-consciência". Erige-se, assim, em critério de humanidade a “auto-consciência”.
Ora, se este for o critério da humanidade, que determina quando um certo ser é merecedor de tutela, porque é que as pessoas em coma, ou as crianças de meses, que não têm a capacidade de reflectir sobre si próprias, são pessoas? Ou não são?
Assim, este primeiro texto, nem responde à minha pergunta do ponto de vista biológico, nem me parece que (já num segundo passo) dê um critério filosófico aceitável.
II) O texto http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=6462 já analisa quer argumentos científicos (pontos 1 a 3), quer filosóficos (ponto 4). Nos restantes pontos, refere ainda argumentos jurídicos à luz do direito brasileiro.
De um ponto de vista científico, o autor confirma que num embrião já ocorreu a reprodução da espécie ao dizer que “Na reprodução sexuada o gameta masculino une-se ao gameta feminino dando origem a uma nova célula: ovo ou zigoto, a qual irá originar um novo ser vivo com características diferentes das que seus pais possuíam, pois será composto da união do material genético de ambos”.
E ao continuar, a propósito da reprodução humana: “O espermatozóide é o gameta masculino e o ovócito (óvulo) é o gameta feminino. Após a relação sexual, (...) haverá o encontro desses gametas com posterior fusão de ambos (fertilização) em uma única célula. (...). Após a fertilização a célula formada será o embrião que irá se fixar no útero materno, através de um processo que é denominado de implantação”.
Num embrião (de dez semanas) já houve reprodução. Está, assim, em causa um novo ser vivo e não uma parte do corpo da mãe ou do pai.
Ao entrar nos argumentos éticos ou filosóficos o autor não toma posição definida, apenas aponta as posições de outros. Diz que “De forma sucinta há quatro correntes quanto ao início da vida humana: a) as que defendem que o início da vida começa com a fertilização; b) as que defendem que o início da vida começa com a implantação do embrião no útero; c) as que defendem que o início da vida começa com o início da actividade cerebral e d) as que defendem que o início da vida começa com o nascimento com vida do embrião.”
Aliás, o objectivo do texto é mais o de chamar a atenção para a necessidade urgente de, antes de legislar, definir o estatuto do embrião do que outra coisa. Subscrevo totalmente a urgência dessa definição também em Portugal.
Chamo a atenção para o facto de aqui se dizer que foi convencionado o momento da morte a partir da paragem do funcionamento do cérebro por uma “motivação essencialmente utilitária”.
E de se afirmar ainda que se têm utilizado diferentes conceitos científicos para definir o início da vida humana “com o objectivo de se utilizar células embrionárias para fins terapêuticos, sem que se firam preceitos éticos, filosóficos e religiosos da sociedade”.
Ou seja, assume-se que a definição do início da vida tem igualmente, com frequência, um objectivo utilitarista.
No que respeita a esta questão do ponto de vista ético ou filosófico (mas já não biológico) há na sociedade (incluindo na comunidade científica) uma inversão dos termos da discussão: em vez de se fazer a pergunta “o embrião é ou quê ou um quem?” e, partindo da resposta, dar soluções a questões como o aborto, os tratamentos de fertilização ou a manipulação genética de embriões, faz-se o contrário: vai-se tratando o embrião em função dos objectivos em vista. Coisifica-se o embrião antes mesmo de o definir. Aliás, é sintomático que todas as correntes utilitaristas tenham aparecido inicialmente como reacção a objecções éticas a certo tipo de práticas e não com o intuito de buscar o critério da “humanidade” por pura busca desinteressada de conhecimento.
É ainda sintomática a aversão de um grande número de pessoas quanto à abordagem desta questão crucial (tanto do Sim como as do Não que apenas dizem que não porque lhe disseram para dizer que não).
Por conseguinte, caro Anónimo, este segundo texto só adianta para a nossa conversa na medida em que parece que estamos de acordo que num embrião o “Homem” já se reproduziu. Já um novo ser vivo, diferente da mãe e do pai.
III) Quanto a este texto http://www.ivf.nl/human.htm acho que já expliquei no ponto anterior que provem de uma parte interessada. Num site aparentemente científico, começa-se a abordagem da questão “vida humana” pelo fim: pela questão filosófica e teológica. A primeira referência é feita à alma! Já nem a Igreja Católica defende a teoria dualista (corpo/alma)!
IV) Em suma, estou convencida de que a maioria das pessoas que defende que o embrião não merece tutela tem uma certa dificuldade em usar o termo “humano” juntamente com vida. Admito que seja o seu caso. Só espero que questões terminológicas não impeçam a nossa conversa. Por isso, se estiver de acordo com estas premissas, acho que poderemos continuar a nossa conversa.
Um embrião de dez semanas é um ser vivo, diferente da mãe e do pai, que já se reproduziram, pelo que este não é uma parte ou órgão da mãe ou do pai. Este ser é biologicamente da espécie humana no sentido “homo sapiens”.
Se partirmos daqui podemos prosseguir discutindo se este ser deve ser considerado “pessoa” ou se quiser “vida humana” em sentido filosófico ou ético.
PS: Não lhe sei responder à sua questão sobre a fertilização ou a implantação no útero porque ainda não entendi as implicações ao nível biológico em toda a sua extensão. Mea culpa, parece que também padeço do mal que apontei acima. Como comecei a abordar a questão do início da vida a propósito do aborto, fiquei satisfeita por ter a noção de que há reprodução com ser humano com ADN humano próprio num embrião com dez semanas. Prometo que vou arranjar um bocadinho para aprofundar a questão.
Espero que ainda aí esteja e que tenha pachorra para ler este testamento.
Já chegámos a alguns pontos comuns: num embrião de dez semanas há vida e essa vida é biologicamente da espécie humana.
Julgo que ainda temos algumas dificuldades de linguagem que se prendem com as expressões "vida humana" e "pessoa humana".
Tanto quanto percebi até hoje, há:
(i) quem distinga vida (perspectiva biológica) de vida humana (filosófica) e
(ii) quem distinga vida humana (no sentido biológico de espécie humana) de pessoa ou pessoa humana (filosófica).
Por isso, estou convencida de que “vida humana” acaba por ser usada nestas duas acepções distintas, mas não traduz uma terceira categoria. Continua a ser vista, ou estritamente da perspectiva biológica, ou também do ponto de vista ético ou filosófico.
(Ainda não me explicou o que entende por “vida humana” que é ao mesmo tempo diferente de “vida” e de “pessoa humana”. Por isso, ainda não entendi o que pretende referir com esta terceira categoria).
I) Por exemplo, no texto que está em http://www.cienciaefe.org.br/jornal/e67/Mt05.htm, “vida humana” aparece claramente com um sentido ético, com o sentido de vida que merece protecção (equivalente a pessoa), por oposição à dos peixes e às moscas (vida meramente biológica).
Ora, o que eu lhe pedi foram textos científicos que me dissessem que um embrião não é vida biologicamente da espécie humana. Queria partir de uma base mínima de entendimento, nem que seja terminológica, para depois poderemos ir avançando na nossa conversa. Isto é um texto de um auto-denominado “cientista político” (que não biólogo, médico, ou afim), cujas credenciais se desconhecem, que pretende legitimamente tratar da questão, do ponto de vista filosófico e não teológico, mas que do ponto de vista biológico se limita a dar por assente que há vida no embrião e que um ovo é diferente de uma galinha.
Quanto a este último argumento, que é o mais próximo de um argumento científico (na acepção que acima lhe referi), posso retorquir que um pinto é diferente de uma galinha, que um bebé é diferente de uma criança, que esta é deferente de um jovem, de um adulto e de um idoso. E que uma galinha já foi, ela própria, enquanto ser, um pinto e um ovo. E que esse ovo, e mais tarde esse pinto, já era ela em desenvolvimento e não a galinha ou o galo que a procriou.
Do mesmo modo isto ocorre com o embrião. Ele é vida autónoma em desenvolvimento, diferente da mãe e do pai. Ele não é um órgão do corpo da mãe. Quando há embrião já se deu biologicamente a reprodução da espécie.
Mas este argumento do ovo e da galinha, que não é científico, encerra ainda um vício de raciocínio que procede da solução apriorística que o autor do texto dá ao problema: diz que comer caviar é diferente de comer esturjão, que comer ovo é diferente de comer galinha e que ver uma larva é diferente de uma borboleta, para daí afirmar que embrião é diferente de “vida humana”, esquecendo-se que está a comparar o incomparável, mesmo segundo o raciocínio que expõe.
Isto porque tanto o ovo como a galinha, como o caviar e o esturjão, como a lavra e a borboleta são meios e não fim-em-si-mesmos, estejam eles em que estado de evolução estiverem. Não é por se desenvolverem que passam de uma categoria a outra. Ora o que o autor pretende é fazer passar o embrião de coisa que não merece tutela, a ser humano, fim-em-si-mesmo, digno de tutela.
Para além deste, do ponto de vista filosófico, o principal argumento do primeiro texto é o seguinte:"vida humana é diferente da vida animal porque o homem é um ser capaz de reflectir sobre si próprio, e portanto, dotado de auto-consciência". Erige-se, assim, em critério de humanidade a “auto-consciência”.
Ora, se este for o critério da humanidade, que determina quando um certo ser é merecedor de tutela, porque é que as pessoas em coma, ou as crianças de meses, que não têm a capacidade de reflectir sobre si próprias, são pessoas? Ou não são?
Assim, este primeiro texto, nem responde à minha pergunta do ponto de vista biológico, nem me parece que (já num segundo passo) dê um critério filosófico aceitável.
II) O texto http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=6462 já analisa quer argumentos científicos (pontos 1 a 3), quer filosóficos (ponto 4). Nos restantes pontos, refere ainda argumentos jurídicos à luz do direito brasileiro.
De um ponto de vista científico, o autor confirma que num embrião já ocorreu a reprodução da espécie ao dizer que “Na reprodução sexuada o gameta masculino une-se ao gameta feminino dando origem a uma nova célula: ovo ou zigoto, a qual irá originar um novo ser vivo com características diferentes das que seus pais possuíam, pois será composto da união do material genético de ambos”.
E ao continuar, a propósito da reprodução humana: “O espermatozóide é o gameta masculino e o ovócito (óvulo) é o gameta feminino. Após a relação sexual, (...) haverá o encontro desses gametas com posterior fusão de ambos (fertilização) em uma única célula. (...). Após a fertilização a célula formada será o embrião que irá se fixar no útero materno, através de um processo que é denominado de implantação”.
Num embrião (de dez semanas) já houve reprodução. Está, assim, em causa um novo ser vivo e não uma parte do corpo da mãe ou do pai.
Ao entrar nos argumentos éticos ou filosóficos o autor não toma posição definida, apenas aponta as posições de outros. Diz que “De forma sucinta há quatro correntes quanto ao início da vida humana: a) as que defendem que o início da vida começa com a fertilização; b) as que defendem que o início da vida começa com a implantação do embrião no útero; c) as que defendem que o início da vida começa com o início da actividade cerebral e d) as que defendem que o início da vida começa com o nascimento com vida do embrião.”
Aliás, o objectivo do texto é mais o de chamar a atenção para a necessidade urgente de, antes de legislar, definir o estatuto do embrião do que outra coisa. Subscrevo totalmente a urgência dessa definição também em Portugal.
Chamo a atenção para o facto de aqui se dizer que foi convencionado o momento da morte a partir da paragem do funcionamento do cérebro por uma “motivação essencialmente utilitária”.
E de se afirmar ainda que se têm utilizado diferentes conceitos científicos para definir o início da vida humana “com o objectivo de se utilizar células embrionárias para fins terapêuticos, sem que se firam preceitos éticos, filosóficos e religiosos da sociedade”.
Ou seja, assume-se que a definição do início da vida tem igualmente, com frequência, um objectivo utilitarista.
No que respeita a esta questão do ponto de vista ético ou filosófico (mas já não biológico) há na sociedade (incluindo na comunidade científica) uma inversão dos termos da discussão: em vez de se fazer a pergunta “o embrião é ou quê ou um quem?” e, partindo da resposta, dar soluções a questões como o aborto, os tratamentos de fertilização ou a manipulação genética de embriões, faz-se o contrário: vai-se tratando o embrião em função dos objectivos em vista. Coisifica-se o embrião antes mesmo de o definir. Aliás, é sintomático que todas as correntes utilitaristas tenham aparecido inicialmente como reacção a objecções éticas a certo tipo de práticas e não com o intuito de buscar o critério da “humanidade” por pura busca desinteressada de conhecimento.
É ainda sintomática a aversão de um grande número de pessoas quanto à abordagem desta questão crucial (tanto do Sim como as do Não que apenas dizem que não porque lhe disseram para dizer que não).
Por conseguinte, caro Anónimo, este segundo texto só adianta para a nossa conversa na medida em que parece que estamos de acordo que num embrião o “Homem” já se reproduziu. Já um novo ser vivo, diferente da mãe e do pai.
III) Quanto a este texto http://www.ivf.nl/human.htm acho que já expliquei no ponto anterior que provem de uma parte interessada. Num site aparentemente científico, começa-se a abordagem da questão “vida humana” pelo fim: pela questão filosófica e teológica. A primeira referência é feita à alma! Já nem a Igreja Católica defende a teoria dualista (corpo/alma)!
IV) Em suma, estou convencida de que a maioria das pessoas que defende que o embrião não merece tutela tem uma certa dificuldade em usar o termo “humano” juntamente com vida. Admito que seja o seu caso. Só espero que questões terminológicas não impeçam a nossa conversa. Por isso, se estiver de acordo com estas premissas, acho que poderemos continuar a nossa conversa.
Um embrião de dez semanas é um ser vivo, diferente da mãe e do pai, que já se reproduziram, pelo que este não é uma parte ou órgão da mãe ou do pai. Este ser é biologicamente da espécie humana no sentido “homo sapiens”.
Se partirmos daqui podemos prosseguir discutindo se este ser deve ser considerado “pessoa” ou se quiser “vida humana” em sentido filosófico ou ético.
PS: Não lhe sei responder à sua questão sobre a fertilização ou a implantação no útero porque ainda não entendi as implicações ao nível biológico em toda a sua extensão. Mea culpa, parece que também padeço do mal que apontei acima. Como comecei a abordar a questão do início da vida a propósito do aborto, fiquei satisfeita por ter a noção de que há reprodução com ser humano com ADN humano próprio num embrião com dez semanas. Prometo que vou arranjar um bocadinho para aprofundar a questão.
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