Pelo dedo se conhece o gigante

Pelo dedo se reconhece o gigante, diziam os Antigos. Em toda a pré-campanha conducente ao referendo em que o SIM parece carregar vantagem – até nas televisões e restante formidável bateria de condicionamento e manipulação que todos conhecemos nesta democracia incompleta – só me ocorrem os plebiscitos em que o sr. Hitler era especialista.
Nesse paraíso de tanatocracia que era a Alemanha – matava-se de tudo, de judeus a deficientes, de acamados a crónicos, de idosos a crianças – os plebiscitos eram frequentes, mas a legitimidade em tudo ferida de nulidade. Os nazis queriam, decidiam e, depois, impunham as questões, formulando-as de forma razoável, quase patriótica, e as populações votavam com consciência e razoabilidade nos maiores atropelos à dignidade humana, à lei internacional e à decência. Se perguntarem a um indivíduo de média complexão moral se concorda com a morte de alguém, responder-lhe-á negativamente. Porém, se tornarmos complexa a questão, diluindo-a em respeitáveis lugares-comuns, obteremos uma resposta inversa. Acresce que, se projectarmos a questão, enterrando-a até domínios da chamada psicologia das profundidades, tornando evidente aquilo que não foi destrinçado, teremos uma aprovação resoluta.
O Doutor Louçã afirmava anteontem que na questão em liça se divide a sociedade portuguesa entre “defensores da decência” e “defensores da indecência”. O Doutor Louçã não é um tolo – antes pelo contrário – pelo que sabe exactamente o que pretende induzir com tais prédicas. Numa sociedade marcada pelo substracto cristão, decente e indecente decorrem de uma genealogia moral em que é suposto o imediato reconhecimento do Bem e do Mal. Ora, quem defende a decência representa o Bem; quem se lhe opõe – quem o nega – serve o Mal.
Não deixa de constituir uma clara contradição o Doutor Louçã – que não é tolo – defender aquilo que transporta algo que mobiliza praticamente toda a energia com que se tem consagrado à vida pública: o ataque ao poder do dinheiro, o mercado e a livre iniciativa. Sigo com a maior estupefacção a verdadeira campanha promocional à prática do aborto em condições de assepsia, respeito pela dignidade da mulher e rigor médico. Não há dia em que em canais de televisão não se apresente um cavalheiro bem-falante, muito profissional e encartado, representando “uma das melhores clínicas espanholas”. Já não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira que os telejornais incluem publicidade não-paga a tais especialistas em infanticídio. O negócio faz-se para “bem das mulheres”, dizem. Talvez, mas os mesmos argumentos, apresentados como impulsos filantrópicos, caem tão falsos como se um mercador de escravos nos viesse suavizar a consciência dizendo que os “seus escravos são bem alimentados”. Tão falso, igualmente, como se o Dr. Mengele nos propusesse a morte doce de crianças deficientes esgrimindo razões humanitárias. Caramba, a língua é coisa bem perigosa!
Miguel Castelo-Branco
(os problemas técnicos de acessibilidade do Miguel persistem, razão pela qual publico eu o post)

Comentários:
A quem defende o SIM, e argumenta com a insegurança, a falta de higiene e afins das clinicas clandestinas para justificar a liberalização do aborto:
Acham mesmo que esta lei vai acabar com as clinicas clandestinas e com a morte de uma série de mulher que a elas recorrem?
É porque tanto quanto sei a proposta é até às 10 semanas, uma mulher grávida de 11 semanas ou mais não poderá fazer um aborto num establecimento legal estabelecido para o efeito (desculpem lá a redundancia), então... fá-lo-á onde? BRAVO, em clinicas clandestinas!!! Logo? BRAVO, as mortes e as condições deprimentes que usam como argumento, não vão acabar!?!?
Não será este problema um pouco mais profundo? Não teremos nós de começar a sensibilizar a questão da RESPONSABILIDADE, nos nossos antepassados?

FB
 
Pronto tinha que ser, demorou mas foi, lá chegaram ao Hitler.
E o Salazar ??? espera esse não, era contra o aborto.
 
Um dos aspectos que me preocupa em todo o debate que está a existir face ao referendo sobre o aborto (ou à interrupção voluntária da gravidez, para não ferir qualquer susceptibilidade), é o facto de que, praticamente todos os argumentos dos defensores do não, também podem ser aplicados à actual lei, o que pode pressupor que os mesmos também não concordam com a situação actual, defendendo que nenhum tipo de interrupção voluntária deveria ser permitida...
 
Miguel,

Há uma diferença fundamental entre a Lei actual (que prevê a possibilidade de aborto em caso de perigo para a saúde física e/ou psíquica da mulher, feto inviável ou violação) e "por opção da mulher".

Essa diferença fundamental é perfeitamente óbvia e quem não a vê logo também não aceitará qualquer explicação que lhe tentem apresentar. Mas eu vou tentar.

Um aborto é uma violência sobre uma vida humana em formação, seja às 8 ou às 28 semanas.

No caso dos abortos expontâneos, não há nada a fazer porque é a própria Natureza a decidir.

Quando a vida ou mesmo a saúde da mulher está em perigo, objectivamente tem que se escolher qual a vida a valorizar mais, se a em formação se a da mulher. Nesses casos, a "solução" é óbvia: a mulher que decida se quer arriscar a sua vida pela que está a ser formada dentro de si.

Quando o feto é inviável, a opção é também óbvia: se a vida em formação nunca virá realmente a existir, a mulher deve ser protegida e deve poder terminar uma gravidez que apenas lhe trará sofrimento e, eventualmente, sequelas graves, tanto físicas quanto emocionais.

Se a gravidez resultou de uma violação, há que escolher entre proteger a vida humana em formação e proteger a saúde emocional da mulher, que inevitavelmente irá reviver a violação durante toda a gravidez e sempre que vir a criança ou pensar nela.

Mas por opção da mulher é dizer que a vida humana em formação tem o valor 0 (zero), que pode ser terminada apenas porque sim.
Enquanto que nas situações listadas antes há dois valores em causa, nesta há um valor que é descartado a troco de nada. Apenas porque sim.

Nenhuma mulher aborta levianamente? Tem a certeza?
É que, se quase uma cada 100 mulheres portuguesas aborta uma vez por ano (valores completamente absurdos mas avançados por organizações que, curiosamente, defendem a despenalização do aborto), acha razoável afirmar sem qualquer dúvida que todas elas sofrem horrivelmente com a decisão?

De qualquer forma, quem afirma que nenhuma mulher aborta levianamente para justificar a despenalização do aborto a pedido está implicitamente a reconhecer que abortar levianamente é condenável. Mas, se é assim, como se pode defender uma Lei elaborada de forma a permitir especificamente que se aborte por motivos fúteis?
 





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