PERPLEXIDADES DIANTE DE UM SIM (NIM) LIBERAL

Depois de um ataque aos defensores do Não no referendo pela incapacidade de – na sua auto-(in)suficiência – resolverem os problemas que levam muitas mulheres a tentar abortar, o Rui do Blasfémias coloca o seu pensamento liberal ao serviço da fundamentação de um sim, encoberto por um nim, quando pensa que, com a liberalização do aborto, o Estado vai ficar mais onerado, mais pesado.
Parecem-me surgir, aí, as contradições.
Não que não me cause estranheza, mesmo repulsa, a ideia de contribuir, com os meus impostos, para a realização de abortos. Mas trata-se, no meu íntimo, de uma natural objecção de consciência, coadjuvada pela percepção das carências que afectam, actualmente, o SNS.
Ora, a partir do momento em que – pela recusa de um padrão axiológico e normativo – nenhum juízo de censura pode ser derramado sobre a mulher que aborta, a situação converte-se num problema do foro médico, a reclamar, necessariamente, a assistência do SNS.
Ou não, porque o Rui, adepto de um liberalismo radical, olha para o Estado-de-direito como uma economia de mercado, o estado do homo oeconomicus.
O que me leva, de imediato, a formular uma pergunta. Em jeito de inquietação. Pois se tudo se funda nos interesses do indivíduo dessolidário, que recusa os valores trans-individuais, como consegue encontrar o vínculo normativo que o leva a afirmar que “um julgamento é um juízo de valor feito por um (ou mais) homem sobre o comportamento de outro”? Não será claro que sem um a priori referente axiológico a responsabilidade que envolve aquele juízo fica sem fundamento?
Concretizando, por que razão há-de o Estado intervir na vida particular de cada um de nós impondo que não mate o vizinho, o pai, a mãe ou o desconhecido?
Ou mais directamente relacionado com o nosso tema: por que razão há-de o Estado julgar uma mulher que aborte às 11 semanas?
As respostas a estas inquietações implicam a assunção de um referente normativo, de validade, que passará sempre e necessariamente pela perspectivação do outro eu, com quem me cruzo e no qual me reconheço, como alguém dotado da mesma dignidade em que eu próprio me revejo.
E aqui voltamos ao cerne do aborto. Ou reconhecemos no embrião um ser humano, e como tal pessoa que temos de proteger. Ou não reconhecemos. E aí aquele limite de 10 semanas, a que a pergunta aprovada pelo TC nos conduz, é puramente arbitrário e tolo.
Porque o Direito não é pensável fora do encontro ético. Diferente da moral, pelo que nem sequer temos de sindicar se quem nos vai julgar é moralmente superior a nós.

Comentários:
Brilhante.
 





blogue do não