Quando a propriedade se transforma num conceito voraz...

Já no outro dia o AA do AAdF tinha tentado argumentar no sentido do sim ao aborto com base no direito de propriedade. Hoje vai mais longe. Muito mais longe, ao considerar que, se se entender não estar em causa o direito ao corpo da mãe (simplesmente pela constatação de um outro ser humano a ela ligado), alguém tem de “tomar posse administrativa do corpo da grávida, directa ou indirectamente, para que esta possa ser bafejada com a graça de parir responsavelmente”.
Encanta-me, a par da elegância de escrita, a lógica denotadora de grande riqueza dos quadros conceptuais de abordagem da realidade.
E como o candidato a arvorar-se em agente instrutor do processo de requisição por utilidade pública, já que a posse é administrativa, é o pai, imagino que o AA, enquanto pai ou futuro pai, se veja a si mesmo como um agente do estado dotado de ius imperium.
Mas, como isso o aterroriza, levo a imaginação mais longe e vislumbro no AA o macho (expressão também elegante) que, diante de uma gravidez para a qual contribuiu, se afasta silenciosamente, não vá contender com a liberdade alheia.
O facto de o homem ser pai e querer que o filho nasça é para ele algo que se inscreve no quadro de uma engenharia social.
Pelo que, e à luz do seu conceito distorcido de liberdade, imagino que, se a mãe quiser ter o filho, também será um acto cruel obrigar o homem a ser pai e a arcar com as suas responsabilidades.
Esclarecedor, de facto. Enternecedor. Mas um pouco enjoativo. E motivador de duas perguntas:

a) Já que em causa está apenas o corpo da mulher, se esta apenas descobrir que está grávida às 11 semanas de gestação, o corpo passa a ser um bem do domínio público? Aquela semana de diferença é suficiente para se produzirem efeitos análogos aos do instituto da usucapião? Ou o AA admite sem pejo o aborto até aos nove meses?

b)E se o filho nascer? O que dizer das normas do Código Civil que estabelecem procedimentos para o estabelecimento da paternidade, com as consequências patrimoniais e pessoais daí decorrentes?


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