CORREIO DOS LEITORES
[mail recebido de José Luís Malaquias]
"Neste debate, ninguém sai inocente. Com o extremar de posições, recorre-se a todo e qualquer argumento. É minha opinião que, num debate tão sobrecarregado como este, nenhum dos lados pode reclamar 100% de razão. Há argumentos válidos de um lado e de outro e, sempre que um dos lados se pretende reclamar dos 100% da verdade, cai-se nestes abusos em que se explora o caso miserável ou a situação extrema, em defesa de um dos lados. Pessoalmente, a minha balança inclina-se para o não, depois de pesados os vários e sérios argumentos de cada um dos lados. Recuso-me a dizer que os defensores do sim são uns apóstatas que devem ser excomungados, pois entre eles haverá alguns que ponderaram seriamente a questão e não foi de ânimo leve que tomaram a decisão que tomaram. Tenho menos respeito por aqueles que, de um lado e de outro, assumiram a sua posição só porque o seu partido ou a sua igreja a isso os mandaram. Menos respeito tenho ainda pelos pseudo-cientistas que, por trás dos seus pergaminhos académicos, tentam argumentar por um lado e por outro uma questão que não é científica, mas sim moral.
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Pela definição científica de vida, um feto tem vida em qualquer fase do seu desenvolvimento, diga o campo do sim o que quiser. Mas também as unhas dos pés têm vida e não existe legislação que as proteja, diga o campo do não o que quiser. No final, a questão é: que protecção a nossa própria consciência atribui àquela forma particular de vida que ainda está no ventre da sua mãe? Não há respostas científicas que nos ajudem aqui. Cada um terá de encontrara sua própria resposta e respeitar as respostas que os outros encontram. Para mim, a resposta é que aquela forma de vida merece a nossa protecção e que esse valor se sobrepõe a todas as outras válidas considerações que com ela se cruzam ou mesmo chocam. Não tenho provas científicas, não posso argumentar mais do que ser esse o ditado da minha consciência, não me posso reclamar uma verdade superior à do campo do sim.
Sei, porém, que no final o que vai contar, é o veredicto da história. Acredito que as sociedades e as culturas estão sujeitas às mesmas pressões darwinistas a que estão sujeitos os organismos vivos individuais. No caso das sociedades, o genoma está codificado no conjunto dos valores morais por que se rege a sociedade. Quem tiver um bom genoma, sobrevive. Quem tiver um mau genoma, sucumbe. Não é possível dizer à partida quem vai sobreviver, pelo que não é possível dizer à partida, quem está certo. Mas, no final, o veredicto da história dirá quais foram as sociedades que adoptaram o código moral que melhor lhes permitiu sobreviver como cultura autónoma."
Sei, porém, que no final o que vai contar, é o veredicto da história. Acredito que as sociedades e as culturas estão sujeitas às mesmas pressões darwinistas a que estão sujeitos os organismos vivos individuais. No caso das sociedades, o genoma está codificado no conjunto dos valores morais por que se rege a sociedade. Quem tiver um bom genoma, sobrevive. Quem tiver um mau genoma, sucumbe. Não é possível dizer à partida quem vai sobreviver, pelo que não é possível dizer à partida, quem está certo. Mas, no final, o veredicto da história dirá quais foram as sociedades que adoptaram o código moral que melhor lhes permitiu sobreviver como cultura autónoma."
Comentários:
blogue do não
Caro José Luís:
Fico perplexo perante a tua afirmação, que cito:
«Pela definição científica de vida, um feto tem vida em qualquer fase do seu desenvolvimento, diga o campo do sim o que quiser. Mas também as unhas dos pés têm vida e não existe legislação que as proteja, diga o campo do não o que quiser. No final, a questão é: que protecção a nossa própria consciência atribui àquela forma particular de vida que ainda está no ventre da sua mãe? Não há respostas científicas que nos ajudem aqui. Cada um terá de encontrar a sua própria resposta e respeitar as respostas que os outros encontram.»
Fico perplexo, porque lembro-me de um comentário anterior teu ao post de alguém (talvez até meu), em que afirmavas que o feto, se deixado imperturbado no ventre materno, dará um ser humano, pelo que o feto é, desde a concepção, vida humana, e logo, nada tem a ver com uma unha do pé. Em que ficamos?
Um abraço
Fico perplexo perante a tua afirmação, que cito:
«Pela definição científica de vida, um feto tem vida em qualquer fase do seu desenvolvimento, diga o campo do sim o que quiser. Mas também as unhas dos pés têm vida e não existe legislação que as proteja, diga o campo do não o que quiser. No final, a questão é: que protecção a nossa própria consciência atribui àquela forma particular de vida que ainda está no ventre da sua mãe? Não há respostas científicas que nos ajudem aqui. Cada um terá de encontrar a sua própria resposta e respeitar as respostas que os outros encontram.»
Fico perplexo, porque lembro-me de um comentário anterior teu ao post de alguém (talvez até meu), em que afirmavas que o feto, se deixado imperturbado no ventre materno, dará um ser humano, pelo que o feto é, desde a concepção, vida humana, e logo, nada tem a ver com uma unha do pé. Em que ficamos?
Um abraço
Pois, de facto, fui «apanhado».
O exemplo dos cabelos ou da unha dos pés pretende ser simplesmente um extremar de um argumento até às últimas consequências. O que eu pretendo demonstrar é que a questão do aborto não se resolve pela via «científica».
Assim, de facto, tecnicamente a unha tem vida uma vez que cresce pela absorção de matéria orgânica. Cientificamente, a unha tem vida. No entanto, nem o mais fundamentalista dos «defensores da vida» pensa em promulgar uma lei de defesa da vida que nos proíba de cortar as unhas. Assim, não têm razão os defensores do não quando argumentam que um feto tem de ser preservado «só» porque tem «vida». O argumento tem de ser mais complexo. Por outro lado, também os defensores do sim não podem recorrer aos argumentos científicos pois um feto tem indiscutivelmente vida, como tem vida um bebé acabado de nascer. Científicamente não houve entre um estádio e outro uma fronteira em que se pudesse dizer que antes não é uma vida e depois já é. Não. O feto tem vida do início até ao fim.
A minha conclusão? É que não adianta tentar fazer disto uma questão científica, pois a questão não é científica. Cientificamente, os argumentos de ambos os lados são rebatíveis. Logo, não é a ciência que nos vai dar a resposta, por muito que as nossas paixões iluministas o quisessem.
Não. Neste debate, só a nossa própria consciência nos pode servir de farol.
No meu caso, e friso bem que isto é uma perspectiva pessoal, não baseada em quaisquer argumentos pseudo-científicos, a minha consciência diz-me que, se não fizermos nada, o feto se desenvolve e se transforma num bebé. Logo, com um aborto estou activamente a impedir a existência de algo cuja conclusão final é uma vida humana obviamente protegida pela lei. Para mim, isso distingue o aborto, por exemplo, da contracepção, pois o efeito de praticar uma relação sexual com contraceptivo ou não a praticar de todo é o mesmo. Portanto, praticar uma relação sexual com contracepção não vai fazer com que deixe de acontecer algo que, de outro modo, aconteceria.
Se eu colocasse este argumento como «científico», estaria a abrir o flanco a todo o género de ataques e refutações de ambos os lados, pois o meu argumento tem as suas contradições e falhas lógicas. O que eu digo é que, neste debate, não há posíção nenhuma que não tenha essas mesmas contradições, porque a questão é simplesmente muito complexa. Por isso, cada um de nós, introspectivamente, tem de decidir qual é a posição que melhor se conforma com a sua própria consciência.
O exemplo dos cabelos ou da unha dos pés pretende ser simplesmente um extremar de um argumento até às últimas consequências. O que eu pretendo demonstrar é que a questão do aborto não se resolve pela via «científica».
Assim, de facto, tecnicamente a unha tem vida uma vez que cresce pela absorção de matéria orgânica. Cientificamente, a unha tem vida. No entanto, nem o mais fundamentalista dos «defensores da vida» pensa em promulgar uma lei de defesa da vida que nos proíba de cortar as unhas. Assim, não têm razão os defensores do não quando argumentam que um feto tem de ser preservado «só» porque tem «vida». O argumento tem de ser mais complexo. Por outro lado, também os defensores do sim não podem recorrer aos argumentos científicos pois um feto tem indiscutivelmente vida, como tem vida um bebé acabado de nascer. Científicamente não houve entre um estádio e outro uma fronteira em que se pudesse dizer que antes não é uma vida e depois já é. Não. O feto tem vida do início até ao fim.
A minha conclusão? É que não adianta tentar fazer disto uma questão científica, pois a questão não é científica. Cientificamente, os argumentos de ambos os lados são rebatíveis. Logo, não é a ciência que nos vai dar a resposta, por muito que as nossas paixões iluministas o quisessem.
Não. Neste debate, só a nossa própria consciência nos pode servir de farol.
No meu caso, e friso bem que isto é uma perspectiva pessoal, não baseada em quaisquer argumentos pseudo-científicos, a minha consciência diz-me que, se não fizermos nada, o feto se desenvolve e se transforma num bebé. Logo, com um aborto estou activamente a impedir a existência de algo cuja conclusão final é uma vida humana obviamente protegida pela lei. Para mim, isso distingue o aborto, por exemplo, da contracepção, pois o efeito de praticar uma relação sexual com contraceptivo ou não a praticar de todo é o mesmo. Portanto, praticar uma relação sexual com contracepção não vai fazer com que deixe de acontecer algo que, de outro modo, aconteceria.
Se eu colocasse este argumento como «científico», estaria a abrir o flanco a todo o género de ataques e refutações de ambos os lados, pois o meu argumento tem as suas contradições e falhas lógicas. O que eu digo é que, neste debate, não há posíção nenhuma que não tenha essas mesmas contradições, porque a questão é simplesmente muito complexa. Por isso, cada um de nós, introspectivamente, tem de decidir qual é a posição que melhor se conforma com a sua própria consciência.
Caro José Luís Malaquias,
Acho que a questão não se coloca exactamente como a colocou.
A diferença entre a unha do pé e o embrião é que a unha não é um ser diferente do ser humano no qual nasceu e se desenvolve. Faz parte integrante dele. É um órgão dele que, conjuntamente com outros órgãos, formam essa pessoa. Quando eu corto uma unha do pé estou a dispor de uma parte do meu corpo.
Já o embrião é um outro relativamente à mãe grávida. Não é um órgão desta.
E, cientificamente, tem um ADN (humano naturalmente) que lhe é próprio e que faz dele, biológicamente, um ser único e irrepetível.
Depois, filosoficamente, debatem-se as correntes que acham que todo e qualquer ser vivo humano tem dignidade de pessoa e as que acham que só em certas circunstâncias ou a partir de dada altura é que esse ser, que está vivo e que é humano, passa a ter a dignidade de pessoa.
Na alteridade está toda a diferença.
Acho que a questão não se coloca exactamente como a colocou.
A diferença entre a unha do pé e o embrião é que a unha não é um ser diferente do ser humano no qual nasceu e se desenvolve. Faz parte integrante dele. É um órgão dele que, conjuntamente com outros órgãos, formam essa pessoa. Quando eu corto uma unha do pé estou a dispor de uma parte do meu corpo.
Já o embrião é um outro relativamente à mãe grávida. Não é um órgão desta.
E, cientificamente, tem um ADN (humano naturalmente) que lhe é próprio e que faz dele, biológicamente, um ser único e irrepetível.
Depois, filosoficamente, debatem-se as correntes que acham que todo e qualquer ser vivo humano tem dignidade de pessoa e as que acham que só em certas circunstâncias ou a partir de dada altura é que esse ser, que está vivo e que é humano, passa a ter a dignidade de pessoa.
Na alteridade está toda a diferença.
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