CORREIO DOS LEITORES

"A liberalização do aborto fazendo-o depender apenas do pedido da mulher parece-me claramente uma «solução» desproporcionada e inadequada para o problema do aborto clandestino. É abrir a porta legal para que o aborto passea substituir-se aos métodos anticoncepcionais em determinadas situações. Considere-se o caso de uma relação em que se pretende evitar a gravidez, e em que os parceiros sexuais não conseguem acordar num método anti-concepcional que seja aceite por ambos. A liberalização proposta vem sobrepor-se à necessidade de uma solução mutuamente aceite, obtida pelo diálogo. Como resultado da liberalização proposta teremos que muito provavelmente, na situação descrita, a uma provável gravidez indesejada se seguirá a decisão de abortar, tomada pela mulher.
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O constrangimento legal poderia ter evitado a gravidez, porque o par teria sentido que seria mais «prático» pôr-se de acordo em relação a um método anticoncepcional, do que ter de se submeter a«alternativas» bastante mais dispendiosas, embaraçosas, ou até mesmo arriscadas. Casos como este, e muitos outros que se poderiam analisar, mostram que a decisão e a atitude das pessoas em relação ao aborto pode alterar-se consideravelmente segundo os constrangimentos sociais existentes, mesmo na ausência de considerações morais, religiosas, ou éticas. A questão que se coloca é se, num caso como o anteriormente relatado, os critérios de «facilidade» e de«conveniência», devem de facto ser adoptados como guia neste tipo de decisão, e se, no caso da opção por aborto, esta deve ser tomada isoladamente pela mulher, independentemente da opinião do parceiro sexual ou de qualquer outro constrangimento social. Acredito ser pacífico, independentemente de considerações religiosas, ou de uma discussão aturada sobre o momento em que tem «início» a vida humana, que em casos como o anteriormente referido, uma sociedade regulada pelos valores éticos que eu penso que deverão ser salvaguardados, deve exercer uma certa pressão social sobre os indivíduos que a compõem, ainda que os indivíduos se não conformem individualmente com esses valores. Essa pressão não tem de passar necessariamente pela criminalização, nomeadamente das mulheres que recorram à prática de aborto. Mas também me parece claro que não se poderá exercer com eficácia qualquer tipo de pressão social caso a actual lei seja alterada no sentido de uma liberalização total do aborto até às dez semanas.
Carlos Araújo Queiroz"

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