EXTRAORDINÁRIO

É o que me ocorre quando leio a seguinte declaração de voto de Pacheco Pereira:
"Votarei sim no referendo sobre o aborto, sem grandes parangonas morais, sem grandes proclamações sociais, sem certezas absolutas sobre nada, nem sobre a moralidade, nem sobre a liberdade do acto de interromper uma gravidez. Respeito os dilemas dos que votam não, respeito os dilemas dos que votam sim, porque em ambos os lados há a consciência de que o que defrontam é um mal social, uma perturbação a evitar, um momento sempre de uma certa crueldade interior, a da vida aliás. Mas como não acredito em grandes proclamações morais, nem pelo sim nem pelo não, voto sim por um conjunto de razões dispersas, sociais, culturais e filosóficas, que admito que se diga serem de mal menor. Será de mal menor, mas quantas vezes muitas coisas que fazemos são de mal menor? Até no Catecismo da Igreja Católica há várias escolhas de mal menor.
E porque, tudo ponderado, as vítimas da situação que hoje existe são as mulheres, sobretudo as mulheres, quase que só as mulheres. Merecem (ou exigem) que os homens que fizeram quase todo o mundo à sua volta, à sua dimensão e ao seu modo, e que entre outras coisas tem esta diferença fundamental que é não engravidarem, lhes dêem uma liberdade que elas sentirão sempre como sendo, no limite, trágica, mas como sendo uma liberdade. No dia do referendo votarei pela segunda vez na vida por género, como homem mais de que como cidadão." (o sublinhado é meu)
Este texto de Pacheco Pereira tem sido muito elogiado por essa blogosfera fora, nomeadamente por aqueles que dele costumam zurzir. O que acho extraordinário nesta posição de Pacheco Pereira é a demagogia encapotada no seu post, chegando ao ponto de pura e simplesmente ignorar o feto, vitimizando de forma quase exclusiva as mulheres.
Percebemos que para o autor do texto esta é uma questão puramente moral, não se abstendo da referência insinuosa à Santa Madre Igreja, pretendendo, eventualmente, tornar a discussão do aborto numa questão puramente religiosa (pelo menos de quem vota NÃO).
Sob a aparência de moderação e bom senso, o texto de Pacheco Pereira encerra em si mesmo aquilo que o autor tanto critica nos outros: pura desonestidade intelectual. É pena.

Comentários:
o pacheco pereira é um gajo inteligente e que pensa pela sua própria cabeça. parece-me que lidas muito mal com isso, sendo que rotulas de desonestidade intelectual todo o raciocinio que discorde do teu ou da dita santamadreigreja.
é curioso, que na área do psd, sejam rui rio e pacheco pereira (e miguel relvas) as bandeiras do sim. são eles os menos estigmatizados e preconceituosos espiritos daquele partido, comprovado na coerência do seu pensamento e da sua acção, sem concessões a igrejas, clubes, seitas, interesses económicos ou estigmas sociais ou históricos.
espiritos livres, portanto.
dá gosto, neste aspecto, estar ao seu lado.
 
O Pacheco Pereira é um dos políticos e comentadores que mais admiro. Isto apesar de, por vezes (e como todos nós), também meter os pés na boca.

O texto citado é, como o Rui Castro afirmou, um exercício de pura desonestidade intelectual. Explicando porque se deve abster, conclui pelo voto no "sim". E, sem certezas sobre nada, ignora por completo o nascituro.

Até agora eu não tinha percebido por que razão o Pacheco Pereira ia votar "sim". Afinal é por pura preguiça (ou cobardia) mental. Nem sequer se digna apresentar as tais razões dispersas, sociais, culturais e filosóficas, talvez pelo receio de elas serem desmontadas e se tornar ainda mais clara a insustentabilidade do seu voto.

Lamentável.
 
Claro que visto de um extremo (o seu caso) pode não o parecer. Mas é mera ilusão, estando mais perto do que nele se afirma posso confirmar que é mesmo um texto moderado e de bom senso. Alguma argumentação do não faz-me lembrar o primeiro filme do Alien. Um feto como um ser que vive num "corpo estanho" e num belo dia passa a não necessitar de o "parasitar" e pode abandoná-lo.
Esta posição, que no extremo é como pode ser interpretada alguma da retórica do não, é absurda. Se alguma coisa é clara nesta história do aborto é que qualquer posição fundamentalista (como a sua ou a do "fundamentalismo do sim") não é defensável com argumentos baseados na lógica ou na ciência. Assim sendo é vc que reduz a questão a um problema religioso ou de crença e não o PP.
 
Perante tantas incertezas, em minha opinião seria mais inteligente o Sr. Dr. Pacheco Pereira votar em branco...
 
«e que entre outras coisas tem esta diferença fundamental que é não engravidarem»

Desculpem mas apetece-me "citar" Herman José, (quando tinha graça), no Herman Enciclopédia:
Fantástico, Melga!!!

Não tenho palavras!!!

Abraço
 
«e que entre outras coisas tem esta diferença fundamental que é não engravidarem»

Desculpem mas apetece-me "citar" Herman José, (quando tinha graça), no Herman Enciclopédia:
Fantástico, Melga!!!

Não tenho palavras!!!

Abraço
 
Desonestidade intelectual é e última coisa que se pode atribuir à posição de JPP. Mais claro e transparente do que aquilo é impossível.

Mas á falta de argumentos decentes, serve esse...
 
Portanto, resumindo e concluindo, o Pacheco Pereira vota sim "porque sim". A linha de raciocínio é igual à da Catarina Furtado, com um pouco mais de delírio filosófico (e de aquela nunca seria capaz) e temperado com uma insinuação maldosa à Santa Madre Igreja, cujos ensinamentos o preocupam tanto, como católico fervoroso que é!
 
Quem mais lucra com a liberalização do abortamento são aqueles homens cujo comportamento irresponsável passa a ser sancionado pelo Estado, com o dinheiro dos contribuintes: " Toma lá o dinheiro para a taxa moderador, e vai às urgências livrar-te disso!" O combate à violência de género sofre aqui um rude golpe.
 
Noutra pessoa, a posição do JPP poderia não ser desonestidade intelectual: podia ser ignorância falta de clareza de raciocínio, incapacidade de pensar ou pura preguiça.
Mas para quem passa a vida a pregar a necessidade de ter um discurso coerente e fundamentado, o arrazoado em que hasteia a sua posição é obviamente limitado.

Já tinha notado, e já lhe tinha feito notar, que depois de se arvorar em arauto do bom jornalismo contra o mau, não fizesse qualquer referência à falta de isenção e imparcialidade com que são feitas a maior parte das notícias sobre o aborto.
 
«Que os homens que fizeram quase todo o mundo à sua volta, à sua dimensão e ao seu modo».
Há muito tempo que não lia uma frase tão machista. Há pessoas que, para parecerem politicamente correctas, acabam por ser piores do que aqueles que criticam. Só falta dizer que a culpa as mulheres engravidarem (e não os homens) é dos homens. Que a gravidez é uma espécie de injustiça machista a juntar a todas as outras injustiças históricas (como a exclusão das mulheres no direito ao voto, por exemplo).
 
Transcrevo aqui um excerto de um texto de Pacheco Pereira no seu "Sítio do Não", relativamente ao referendo à Constituição Europeia. Será que ele pensa o mesmo em relação a este referendo?...
«O vilipêndio dos que querem votar “não” começa antes de votarem. O voto “sim” é sempre o iluminado, o progressista, o que aposta no futuro, o dos que não tem medo. O “não” nunca é um “não” ao modo como está a ser construída a Europa, é sempre uma mesquinha soma de pequenos interesses corporativos e nacionais, sempre uma manifestação de vistas curtas da política interna de cada país, sempre menor.»
 
Ainda o Dr. Pacheco Pereira, no seu "Sítio do Não" (à Constituição Europeia):
«ESTRANHA DEMOCRACIA: SE A VONTADE POPULAR NÃO FOR O "SIM" REPETE-SE A VOTAÇÃO QUANTAS VEZES FOR PRECISO»
 





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