Já que é idónea...
Se a APF reconhece o que a seguir se transcreve, como pode continuar a dizer que o aborto a pedido se justifica em nome da autodeterminação da mulher? Parece que até eles, implicitamente, reconhecem que esse direito à autodeterminação da maternidade se joga a montante…
De facto, as técnicas contraceptivas permitem que os filhos possam ser "desejados". É uma conquista recente, de apenas duas décadas.
Na nossa experiência pessoal, ao atender mulheres que solicitam informação para interromper voluntariamente a gravidez, deparamo-nos com situações muito paradoxais.
Em primeiro lugar, a dissociação entre o comportamento sexual no sentido do prazer-afectos e a probabilidade reprodutiva. Quer dizer, muitas mulheres quando se lhes perguntava como se havia produzido a gravidez, respondiam coisas como:"...creio que eu não queria ficar grávida";"... não sei o que aconteceu".
Isto resulta num paradoxo se tivermos em conta que estas mulheres, que têm tido relações sexuais com frequência, não utilizavam nenhum método ou o utilizavam muito deficientemente.
Em segundo lugar, observamos mulheres que, tendo tomado a decisão de utilizar um método eficaz como os anovulatórios, se "esquecem" em pleno ciclo de tomar várias pílulas seguidas, produzindo-se a gravidez.
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Em terceiro lugar, encontramos mulheres que decidem de forma racional abortar, com argumentos como: "...Não posso ter agora um filho, porque estou no desemprego, porque interromperia a minha formação, porque tenho outros projectos, etc.". Simultaneamente, muitas destas mulheres, afirmavam em consultas de vigilância posteriores ao aborto, que se tinham sentido especialmente bem no período em que sabiam estar grávidas.
Numa perspectiva clínica, recordamos o caso de uma mulher em tratamento por inibição do desejo sexual, que relatou o seguinte numa das sessões: "...sentia-me deprimida, bastante deslocada, muito insegura, sem saber o que queria. Um dia fiquei grávida. Pensei na minha mãe, na minha família e em todos os outros, e pareceu-me que o mundo se afundava. Decidi rapidamente procurar um local onde abortar. Contudo, tenho de reconhecer que me sentia bem. Sentia-me importante. Via as coisas de outro modo. Não sentia interesse pelo meu namorado. Apesar de tudo, estava claro que devia abortar. Não queria um filho naquele momento. O meu namorado desentendeu-se comigo. Disse-me que respeitava a minha decisão, mas que era uma decisão minha. Via-o a anos-luz de mim. Sentia-me só. Fui a um lugar em França fazer o aborto. Tinha vontade de acabar com todo aquele assunto. Já na mesa ginecológica não pensava na dor, o que mais intensamente recordo é que senti como se estivessem extraindo o melhor de mim mesma". (Extracto da História Clínica de M.M., Fevereiro, 1988). Esta mulher tinha 26 anos no momento da terapia. O aborto tinha ocorrido 3 anos antes. Depois do aborto, voltou a sentir-se mal, deprimida, desorientada. Continuou a relação com o namorado, com muitos altos e baixos. Uma relação caracterizada pela insatisfação e pelo desinteresse pelo sexo. Ela, nesse momento, não podia relacionar o facto do aborto com a sua situação actual. De facto, dizia que tinha superado o aborto.