O NÚCLEO DAS DIVERGÊNCIAS

O Professor Doutor Serafim Guimarães é professor jubilado de Farmacologia na Faculdade de Medicina do Hospital de São João. Escreveu assim, na "Voz Portucalense":

O que vem a ser isso de se marcar uma data que abre ou fecha o direito de matar livremente?

O número de semanas a partir do qual se abrem as portas ao aborto, varia de lei para lei, de circunstância para circunstância, de país para país. Nem podia deixar de variar porque essa decisão se fundamenta na mais completa arbitrariedade. Porquê 10, 12 ou 14 ou outro número de semanas? Há alguma peça, algum transplante, alguma bobine que se introduza no embrião e lhe confira qualquer qualidade que ele já não possua desde o início?

Fala-se de células nervosas que surgem em determinado momento. Porquê as células nervosas? Porventura o novo ser poderia viver sem coração ou sem pulmões? E as células nervosas quem as coloca no sítio onde são precisas? Não provêem de outras que já lá estavam?

A ciência não tem nada a ver com estas questões manobradas ao sabor dos momentos e dos propósitos.

O que caracteriza um ser humano, o que lhe define a identidade, o que o torna um ser irrepetível é a individualidade do seu genoma. Ora o genoma, que é o somatório de todos os genes armazenados nos cromossomas, constitui-se logo que há fusão dos dois gâmetas. Cada um dos gâmetas só possui metade do material genético necessário para a organização de um novo ser. É por isso que um gâmeta não serve para nada a não ser para se fundir com o outro. Se vier a ter essa oportunidade então, sim, constitui-se uma nova célula com todas as potencialidades, isto é, forma-se um novo genoma, um novo ser. A partir desse momento único não é necessário mais nada nem a intervenção de ninguém, para que o novo ser humano venha a ser uma pessoa como cada um de nós. É isto que a ciência diz e que de cada vez mais de perto revela.

É este o núcleo das divergências entre os defensores do Sim e os defensores do Não. Os defensores do Sim argumentam que a vida só começa tardiamente num momento que ninguém sabe qual é - para uns é ao fim de 10, para outros de 12, para outros de 14 semanas., etc – um tempo arbitrariamente fixado. Os defensores do Não apoiados naquilo que a ciência demonstra consideram que o novo ser humano existe desde a concepção.

No resto, parecendo que há acordo, também não há!

Os defensores do Sim dizem que também são contra o aborto, mas advogam medidas que o facilitam e incrementam. Os defensores do Não são contra o aborto e defendem a adopção de medidas de protecção às grávidas, desaconselhando o aborto.

Os defensores do Não são contra o aborto, não são contra a pessoa que aborta e, por isso, não querem que quem aborta seja incriminada, mas também não querem que seja aplaudida. Como somos a favor de todos os seres vivos humanos, temos compreensão para com quem aborta, mas não esquecemos o bebé que é morto.

Pensando nos dois seres, mãe e filho, vamos votar Não.

Comentários:
Ou não fosse o Serviço de Famacologia da FMUP a delegação regional do porto da Opus Dei...
 
O texto do Prof. Serafim Guimarães, (que me orgulho de conhecer pessoalmente e cumprimento pelo mesmo), é brilhante e tão simples e lúcido que se percebe imediatamente a verdade nele contida.

Por isso mesmo, porque não tem discussão, é que suscita o primeiro comentário aqui inserido.
 
Discordo do Professor Serafim Guimarães. Para ser coerente, o Professor Serafim teria que defender que a lei impedisse o aborto em caso de violação ou malformação do feto.

Além disso, carece de demostração a afirmação de que a discriminalização do aborto o facilite e incremente.

Pormenores que fazem a diferença.
 
O Prof. SG considera que com a união num zigoto do material genético dos gâmetas "forma-se um novo genoma, um novo ser". Ora da mesma forma que considera que as definições de "vida/ser humano" apontadas nas diferentes legislações para justificar as leis do aborto como arbitrárias e criticáveis é evidente que a do Prof.SG comunga do mesmo problema. A "sua" definição baseada na viabilidade de expressão de um determinado genoma confunde "ser" com "potencial para ser" e é fundamentada em crença e não em ciência. Que um zigoto é uma célula e tem vida (celular) é inquestionável. Afirmar "é" uma vida humana resulta daquilo em que o Sr. Prof. acredita (de forma absolutamente legitima e defensável)e não daquilo que conhece enquanto cientista. Confundir as duas é falacioso.
 
Caro JP,
Gostaria que me dissesse se nega que da união entre um humano homem e um humano mulher resulta um ser vivo humano. Não vejo esteja aqui alguma arbitrariedade.
Quanto ao potencial para ser, meu caro, é bem possível que o próprio JP não seja ainda o que potencialmente pode ser. É pelo menos o meu caso e o de muita gente: eu ainda não sou a pessoa em que potencialmente posso (e quero) tornar-me. O potencial de ser acompanha-nos desde que começamos a existir - desde o princípio. Mas que critério sem potencial!
 
Caro jp:
Não me parece que seja falacioso! Aquele zigoto tem o genoma do ser humano que nascerá daí a 9 meses! Como vexa. diz é "vida" e penso que também concorda que é humano! Como tal, nós não fazemos distinçãos entre a entidade biológica (e cientificamente provada) e a pessoa que dela resulta!
Por outro lado, vexa e os defensores do Sim afirmam que há diferença entre "célula viva humana e com genoma distinto da mãe" de "pessoa humana"... então deve definir o que é para si "vida humana"! Se vai renunciar à biologia, deverá introduzir na definição critérios como "individualidade", "consciência" e "sociabilidade", que não são mensuráveis/quantificáveis cientificamente! Logo, não é possível definir com precisão o que é "Vida Humana" e podem ser introduzidos parâmetros subjectivos de mera conveniência e modificáveis com a cultura (como penso que é o caso)! Consequentemente, esta sua distinção, além de perigosa, também é falaciosa! Para mais (e como provei), a "sua" definição é mais baseada na crença individual que a nossa, que tem um substrato científico subjacente!
Cumprimentos
 





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