Respeitar "o outro"

Norberto Bobbio, grande defensor dos direitos humanos, dizia:
«No caso do aborto há "outro" no corpo da mulher. O suicida dispõe da sua própria vida. Com o aborto dispõe-se de uma vida alheia
E eu não me atrevo a crescentar nada.

Comentários:
E Norberto Bobbio era assumidamente agnóstico e de esquerda. "Há-que dizê-lo com frontalidade..." :-)
 
Dr. Paulo Marcelo:
Estive num debate no técnico onde o senhor se afirmou a favor da actual lei. Quando cita Norberto Bobbio, torna-se incoerente, já que a actual lei permite o aborto (e logo "dispôr de uma vida alheia") em casos de violação e malformações.
Portanto, ou o senhor acrescenta algo e diz-se contra a actual lei ou então há uma incoerência na sua argumentação.
Mais, a maior parte das pessoas que escreve neste blog refere sempre como principal argumento os direitos do feto. Convém que digam de sua justiça quanto à sua opinião nos casos em que a lei prevê excepções. Atenção à icnoerência de defender vida e direitos do feto e depois ser a favordas excepções actuais. Quem defende "a vida" tem que o fazer sempre, já que "a vida" não tem contexto moral.

Cumprimentos
 
Manuel Neves,

O Manuel é contra o roubo? Se sim, acha então que quem, sem recurso a violência ou qualquer forma de intimidação, rouba comida por ter fome deve ser penalisado?
É contra o homicídio? Se sim, defende que todos os polícias que matem um crimonoso para defender as suas próprias vidas ou as de outrém devem ir para a cadeia? Que todos os soldados em cenário de guerra sejam presos sempre que tirarem a vida a um inimigo?
Acha errado bater numa criança? E se estiver cercado por várias crianças de 10 ou 12 anos que, armados de navalhas, o pretendem roubar e matar?

Fico à espera das suas respostas e espero que seja muito claro para que não o possamos acusar de incoerência.
 
Caro Manuel Neves,

defende a legalização do homicídio? Suponho que não. Em nome de quê? Da salvaguarda do direito à vida, certo?
E nos casos de homicídio por legítima defesa? Acha que a pessoa deve ser condenada?
Se responder não à derradeira questão, tem aí um ponto de apoio seguro para perceber a não incoerência do Sr. Dr. Paulo Marcelo e demais pessoas que escrevem neste blog.
Cumprimentos
 
Cara Mafalda:
O senhor Paulo Marcelo só é incoerente se é o mesmo que defendeu a actual lei no IST. Antes restantes pessoas parecem-em todas coerentes no sentido em que nunca nenhuma defendeu a actual lei.
Acho que em prol de um debate civilizado, as pessoas do Não têm que deixar de tratar as do Sim como assassinos e as do Sim deixar de tratar as do Não como pessoas que têm prazer em ver as mulheres abortarem clandestinamente. Não quero pensar que o outro lado tem má fé. E é um bom princípio para a discussão lógica.
Portanto, com estes pressupostos e com boa educação, respondo-lhe:
Acha que a morte de um embrião é igual à de uma pessoa com a sua idade (seja ela qual for)? É o que parece pela sua pergunta. Se sim, tem que pedir a alteração da actual lei e além de pedir que se anulem as actuais excepções tem que pedir pena de homícidio com a agravante de ser um infanticídio.
Mais, quando compara o aborto ao homicídio e o condena sem mais alíneas,o que me diz é que uma mulher que não queira ter um filho porque foi violada terá que ser mãe de um filho da pessoa que mais odeia para não ser homicida.
Eu acho que o embrião não tem o estatuto de uma pessoa adulta. (e, em termos de senso comum, penso que ninguém acha, não há funerais quando há abortos expontâneos). Aliás, um embrião até aos 10 - 14 dias nem tem estatuto de indivíduo já que ainda se pode dividir em dois.
Seguir-se-à o argumento da potencialidade. Sim, o embrião tem o potencial de ser uma vida como a senhora é. Mas, porque é que epermatoóide+óvulo não têm tanto potencial como embrião? O momento da concepção é assim tão marcante? E qual momento da fecundação (é que a mesma dura cerca de 30 horas com vários processos diferentes)? Se se quer defender o embrião (sem estatuto de indivíduo e potencial humano), tem que se defender que cada óvulo deve ser fertilizado, porque também têm potencial humano (e tanto valor enquanto actual de indivíduo como o de embrião).
Já tive esta discussão milhares de vezes. Não cederá. Eu também não. Temos ambos pressupostos demasiado fortes (e visões conceptuais/científicas/e até morais diferentes sobre os conceitos que supracitei).
Argumento com o aborto clandestino. Com o facto da Organização Mundial de Saúde (que não consta que seja um movimento pelo Sim ou pelo Não) dar directivas para que as leis sejam menos restritivas. Morrem 200 mulheres por dia no Mundo devido ao aborto clandestino. Não sei qual é a percentagem portuguesa (será menor que as de países menos desenvolvidos, é certo), mas além da morte, há a infertilidade e infecções.
Defendo que o aborto seja RARO. Não quero que as mulheres abortem. Sou tão a favor do planeamento familiar como a senhora, certamente. Não tenho prazer NENHUM em que as mulheres abortem.
Defendo que o aborto seja PRECOCE e MEDICAMENTE ASSISTIDO. Enquanto é seguro para a mulher e para ser mais seguro para a mulher. E que quem faça um aborto tenha um acompanhamento muito grande em termos de planeamento familiar.
Defendo que o aborto seja DESPENALIZADO. Não quero as mulheres presas, perseguidas e julgadas por abortarem.

Os meus melhores cumprimentos,

Manuel Neves
 
Manuel Neves,

(...) quando compara o aborto ao homicídio e o condena sem mais alíneas (...)
Está a cometer um erro muito grave de interpretação.

Quando se fala em homicídio para demonstrar a coerência de ser contra a despenalização do aborto a pedido e ao mesmo tempo concordar com a Lei actual, não se está necessariamente a comparar o aborto ao homicídio. Mas, mesmo que se esteja a fazer essa comparação, o objectivo é usar uma analogia para demonstrar que mesmo o direito à vida não é absoluto.
Há situações em que se justifica acabar com uma vida. Mas haver situações em que se justifica acabar com uma vida é completamente diferente de acabar com uma vida apenas porque sim. Ou o Manuel acha que não?
 
Caro Manuel Neves:
Antes de mais devo agradecer pela sua franqueza e honestidade... este é um debate sério com repercussões sociais profundas e não vale a pena andarmos a apontar os dedos uns aos outros. Posto isto, irei responder-lhe dentro do que a minha convicção me permite (sabendo que, como o disse, nunca o irei convencer nem vexa a mim):

1. "Se sim (acha que o embrião é igual a uma pessoa adulta) tem que pedir a alteração da actual lei para que se anulem as actuais excepções". Lamento dizer-lho mas parece que não leu os comments anteriores. Eu explico... em todas as leis há factores atenuantes e até de ilibação. Nenhuma lei cai no extremismo de ser absoluta. O facto de as excepções diferirem em relação aos demais infanticídios e homicídios deve-se a uma clara situação especial do embrião relativamente a um indivíduo com viabilidade externa (que, todavia, não o isenta de direitos).

2. Argumento da potencialidade: na minha opinião, a fecundação é, efectivamente uma data marcante... é a primeira célula que tem o código genético DAQUELE indivíduo, se deixado evoluir. Um espermatozóide e um óvulo possuem apenas 23 cromossomas e um ser humano tem, obrigatoriamente, que possuir 46. Parece-me claro que o zigoto e o recém-nascido são a MESMA entidade biológica em diferentes estadios temporais, pois partilham integralmente o seu património genético. O argumento da potencialidade não se põe relativamente ao Ser (o zigoto já "é" humano) e sim relativamente ao darmos o direito de aquele indivíduo se manifestar e usufruir da vida.

3. "A fecundação dura 30 horas" - este argumento é um pouco fraquinho, pois ninguém decide e faz um aborto neste período de tempo

4. "As pessoas não fazem funerais a abortos espontâneos"... isso torna-os menos humanos? Muitos desses abortos ocorrem sem que os pais deles tenham noção... mas se os pais tiverem consciência de uma gravidez e estiverem expectantes relativamente a ela e se ocorrer um aborto, é certo que irão fazer algum tipo de luto.

5. Aborto clandestino: Se a liberalização do aborto acaba com o aborto clandestino ainda é controverso... todavia vexa. refere-se ao planeamento familiar (e concerteza a muitas outras medidas no âmbito da educação e da prevenção): a questão é esta... só muito recentemente se tornou possível implementar tal informação e acção (que, ainda assim é insuficiente). Em todos os países em que essas medidas se tornaram viáveis (os desenvolvidos), começou uma legalização em massa do aborto. Como pode afirmar que um modelo é melhor que o outro na prevenção do aborto clandestino se o primeiro ainda não está esgotado (não verdade ainda não está simplesmente implementado)? Você próprio diz que o aborto não é imune a complicações, enquanto, pelo que sei, a responsabilidade sexual não as tem.

6. "Defendo que o aborto seja RARO" Como o vai fazer vexa, se despenaliza o aborto em TODA E QUALQUER situação?

7. "Defendo que o aborto seja DESPENALIZADO" - crê, com base nisto, que tal é ético? Eu, sinceramente Não. E considero que alterações não éticas, por muito eficazes e vantajosas que sejam, não devem ser despenalizadas, quanto mais não seja pela reprovação simbólica.

Muito obrigado pela atenção e peço desculpa pelo comment longo.

Cumprimentos
 





blogue do não