Roe vs. Wade revisitado
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blogue do não
Será que este testemunho vai ter a mesma cobertura dos "media" que as conferências do sim têm? Sempre quero ver a democracia do sistema...
Por falar em testemunhos, não posso deixar de copiar para aqui um comentário postado no blog do Porf Júlio Machado Vaz (http://murcon.blogspot.pt) em que a maioria dos participantes são pelo SIM.
O comentário é longo, mas merece a pena ser lido.
Matilde Vasconcelos
"Faço parte da estatística das mães adolescentes. Tinha 15 anos quando o meu filho nasceu. Hoje é um jovem que está no último ano da sua licenciatura.
Hormonas em rebuliço, ausência de cumplicidade familiar para as conversas adultas após o aparecimento da primeira menstruação sobre os cuidados a ter, ausência completa de educação sexual na escola onde o aparelho reprodutivo feminino e masculino eram dados muito por cima da rama, a correr por ser tema embaraçoso. Actos impensados, impulsos, ingenuidade de ambos. Uma gravidez.
Uma amiga mais velha? A mãe ou o pai? Uma professora? Um médico? Uma assistente social? Uma enfermeira? A tia, aquela que era a mais afastada da família.
A confirmação, a revelação. A expulsão de casa. A exclusão da escola. O estigma social, o burburinho, o apontar de dedo, o falatório na aldeia, a vergonha. A solidão.
O Pai? Adolescente como eu. A família dele? Não era o seu problema. Iniciar um processo judicial para responsabilizar os pais do pai adolescente com a celeridade da justiça que temos? Sem dinheiro? Sem informação de onde e como? Sozinha com a minha tia já velhota?
O seu primeiro movimento cá dentro: o deslumbramento. O cerrar dos dentes, a convicção de não desistir.
Trabalho? Adolescente rotulada de promíscua e ainda por cima grávida? Não muito obrigada. Caridade, da tia.
Ausência de consulta na aldeia, hospital a 50 km. Um autocarro com saída ás 7 da manha e vinda ás 7 da noite. Apoios? Pois, lamentamos mas não temos. Onde os pode pedir? Dirija-se ao guiché da assistente social e a resposta , pois, lamentamos mas aqui só mesmo encaminha-la para a “Caixa de Previdência” da sua área e solicitar uma reunião” com a assistente social da sua zona….. Caixa de previdência da área de residência….pois foi chato o que lhe aconteceu, preencha todos estes formulários, entregue no guiché nº.2 e temos que aguardar que seja dado deferimento ao seu pedido.
2 meses à frente mais 2 meses depois …. Sabe estas coisas são assim…demoradas…. mas com este papel que vai preencher agora… sendo dado deferimento pela Caixa de Previdência Mor” …. Talvez consigamos acelerar o processo…… mas não é tudo mau….ainda assim tem as consultas no hospital e as vitaminas de graça. ENA.
Aos 9 meses, ambulância, hospital, nascimento, primeiro choro, dele e meu, o meu encantamento e promessa: nada será mais forte que tu e a minha vontade. Visita e capitulação dos avós maternos, aceitação, retorno a casa, éramos dois. Nada seria como dantes. Nada mais foi como dantes.
Esperei pela celeridade do Estado 10 meses, contados a partir dos 3 meses de gravidez – o primeiro pedido de apoio que nunca chegou durante a gravidez e depois de ele nascer esperei por uma resposta que chegou tinha ele 4 meses . Apoio na gravidez? Que é isso? E o depois “lamentamos mas não tem direito a abono de família”.
O mundo ao contrário – cedo demais para ter um filho logo responsabilidades a mais para que fosse aceite num qualquer emprego – adolescente a dias, os primeiros dentes, o infantário, aos 18 anos empregada fabril e o estudar á noite quase por osmose, a escola primaria, mudança de emprego para assistente administrativa, o ciclo preparatório dele, depois a licenciatura quase por correspondência com os colegas de curso da faculdade em simultâneo com a secundaria dele e a sua adolescência, a minha mudança de emprego graças à licenciatura tirada nas madrugadas sem dormir e alcançando assim algum desafogo financeiro, a sua entrada na universidade longe e todas as despesas inerentes, recusa da bolsa devido ao meu ordenado. O Pai? Sem domicílio profissional e em parte incerta, lamentamos mas assim nada pode ser feito, só iniciando um lento e laborioso processo.
Onde esteve o Estado? Aquele Estado Providencia? Aquele Estado solidário?
Temos pena, lamentamos, mas não esteve. Em nenhum dos percursos feitos por nós os dois.
Por isso o meu voto no próximo referendo ao aborto será igual ao de 1998. Pelo NÂO. E se é não, não é simplesmente porque esteja contra quem o pratica mas simplesmente porque não posso, não devo, contribuir para que este Estado continue a desresponsabilizar-se das suas obrigações sociais e cívicas, mandatado pelo meu voto. E dói-me ver mulheres que apregoam o sim sem terem antes equacionado todas as variáveis, sem terem antes lutado com a mesma garra para que o Estado Providência o seja de facto – quer na Educação que possibilita a prevenção logo a responsabilidade – quer na Solidariedade Social que possibilita uma sociedade ter qualidade de vida.
E também porque na minha humilde opinião a palavra despenalização encobre a palavra liberalização. É mais fácil estar presente na eliminação de um problema – e eu não acho de todo que uma gravidez seja um problema – do que estar presente na prevenção do mesmo ou estar presente para quem - assumindo o seu acto impensado - nem sequer coloque a questão de se “livrar” da consequência.
Se estivéssemos mais “civilizados” quanto à educação sexual nas escolas e universidades e de gabinetes de informação e de aconselhamento nas mesmas preservando a privacidade dos jovens que a eles recorressem, acesso totalmente gratuito aos métodos contraceptivos, ao livre acesso à informação pois se o fosse de igual forma para todos os portugueses as revistas cor-de-rosa e afins não teriam o espaço de perguntas respostas com tantas perguntas sobre relações sexuais e sobre duvidas inerentes à sexualidade, à facilidade de aquisição de preservativos masculinos já que os femininos nem se houve falar ou da pílula do dia seguinte totalmente gratuita, se nas aldeias do Portugal profundo não fosse ainda criticável socialmente uma jovem ser encontrada numa consulta de planeamento familiar – quando as há -, onde se pode cruzar com a tia ou a prima ou o irmão mais velho ou tão simplesmente com a alcoviteira lá da aldeia ou vila…se….se…se…
equacionaria a hipótese de votar sim aceitando que à adolescente, à jovem mulher, à mulher casada, solteira, viúva, divorciada, lhe fosse dadas mais opções por parte de um Estado responsável social e civicamente se a sua opção for assumir a responsabilidade do seu acto impensado, acidente de percurso ou infeliz acidente.
Votar sim só porque sim? Sempre ensinei ao meu filho que nunca devemos fazer nada, seja o que for, só porque sim
Votar não só porque não? Também lhe ensinei que não devemos deixar de fazer alguma coisa, seja o que for, só porque não.
Confuso? Para mim não é. E sei que o meu filho é um adulto responsável.
E já agora: será que quem decidir fazer um aborto encontrará um Estado mais célere? Ou por outras palavras… está a administração pública mais célere? Serão os médicos na hora a decidir? Se o forem porque não o podem ser também se a mulher quiser ter o seu filho? Não poderá o médico desencadear todos os mecanismos que possam ajudar essa mulher a ter e a criar o seu filho da mesma maneira que irá decidir o dia e a hora a que a intervenção cirúrgica, leia-se, o aborto, irá ter lugar?
Ou irá também a mulher perder-se em corredores, instituições e guichés? Se o sim ganhar, terão um prazo de 9 semanas e pelo menos mais 6 dias, o restante dia será o derradeiro após o qual não há retorno.
Eu esperei 6 meses, desde o primeiro pedido de ajuda , até o meu bebé nascer por um qualquer tipo de apoio que nunca veio e depois esperei mais 4 meses até receber um resposta tão simplesmente a informar-me de que não tinha direito a abono de família.
E para não perguntar qual o papel do homem no meio disto tudo? Se hipoteticamente a mulher decidir abortar por razões económicas, sociais, de beleza, ou seja outras quaisquer, não poderá o pai ter todas as condições que a mãe alegar não ter e querer que o seu filho nasça?
Poderá a mãe tão simplesmente alegar que é a dona do seu corpo? Mas não poderá o pai por sua vez alegar que é dono de pelo menos “metade” do bebé que ajudou a conceber?
Haverá na Lei a protecção legal da vontade do Pai? Se a houver, teremos uma justiça célere a julgar estes casos? O tempo de decisão terá em atenção o tempo permitido por lei para a realização do aborto? São perguntas do senso comum. Mas terão resposta?
Ou nós mulheres seremos de tal forma soberanas que passaremos, sozinhas, a ter o total comando da perpetuação da espécie?
Acima de tudo o que acima escrevi, assola-me uma certa agonia porque sinto que estamos a tratar um assunto tão delicado, pois de uma vida humana se trata, como se se tratasse de um mero objecto, uma “coisa” banal, sem significado, sem expressão, sem valor.
Para mim e friso bem, para mim, tudo na vida é uma questão de força de vontade e não de sacrifícios, sejam os nossos, de outrem, ou daqueles que não pediram para ser concebidos. A mim, pela parte que me toca, e por tudo o que a vida me tem ensinado, sou dona e senhora da minha vontade de conceber ou não. Mas a partir do momento que concebi, terei o direito de decidir se mato ou deixo viver?
Quando olho para o meu filho e lhe vejo aquele sorriso maravilhoso, quando vejo este ser humano que continua a derreter-me o coração como quando senti o seu primeiro movimento dentro de mim, sinto um nó na garganta e penso: tudo o que passámos juntos nos tornou fortes, mais fortes, infinitamente fortes. Não me arrependo de nada: da solidão, da fome, do medo, da angustia, do terror do desconhecido, das noites sem dormir, das borgas a que não fui, dos sonhos sonhados não perdidos mas adiados e concretizados a uma velocidade diferente, do desencontro entre duas gerações já que era demasiado jovem perante os outros pais dos colegas do meu filho e com demasiada “idade” devido á responsabilidade assumida para viver de acordo com as colegas da minha idade, das humilhações passadas nos empregos que me permitiam alimentar-nos e serviram de alavanca até á concretização da minha licenciatura, dos primeiros dentes, da primeira palavra dita pelo meu filho, das suas gargalhadas, de o levar comigo para todo o lado e só ir a lugares onde o pudesse levar, de ouvir as suas primeiras confusões sentimentais de “amores” juvenis não correspondidos, das conversas sobre sexualidade que tivemos quando entrou na adolescência, das borgas que fizemos e fazemos juntos, de o ouvir falar da experiência do primeiro charro e do medo que isso me causou, das nossas discussões pois também as tivemos, das suas birras, das minhas lágrimas, dos meus sustos, dos seus medos, dos jantares maravilhosos feitos por ele enquanto eu estudava, do seu cortejo de caloiro pelas ruas de Coimbra, de o aconselhar nas suas duvidas de jovem namoradeiro, de chorar agarrada a ele quando o peso da vida se tornava menos suportável, das risadas dele face ao meu desconcerto de lhe falar do meu namorado, de tudo o que vivemos, juntos, de menos e de bom e de muito bom.
Posso ter muitas razões racionais para votar não. Mas confesso que são as razões emocionais, e mais estas até que as outras, que incondicionalmente, me levam a votar não.
Perdoem-me pela extensão do texto. E obrigada pela vossa paciência se me leram até ao fim.
Paula"
O comentário é longo, mas merece a pena ser lido.
Matilde Vasconcelos
"Faço parte da estatística das mães adolescentes. Tinha 15 anos quando o meu filho nasceu. Hoje é um jovem que está no último ano da sua licenciatura.
Hormonas em rebuliço, ausência de cumplicidade familiar para as conversas adultas após o aparecimento da primeira menstruação sobre os cuidados a ter, ausência completa de educação sexual na escola onde o aparelho reprodutivo feminino e masculino eram dados muito por cima da rama, a correr por ser tema embaraçoso. Actos impensados, impulsos, ingenuidade de ambos. Uma gravidez.
Uma amiga mais velha? A mãe ou o pai? Uma professora? Um médico? Uma assistente social? Uma enfermeira? A tia, aquela que era a mais afastada da família.
A confirmação, a revelação. A expulsão de casa. A exclusão da escola. O estigma social, o burburinho, o apontar de dedo, o falatório na aldeia, a vergonha. A solidão.
O Pai? Adolescente como eu. A família dele? Não era o seu problema. Iniciar um processo judicial para responsabilizar os pais do pai adolescente com a celeridade da justiça que temos? Sem dinheiro? Sem informação de onde e como? Sozinha com a minha tia já velhota?
O seu primeiro movimento cá dentro: o deslumbramento. O cerrar dos dentes, a convicção de não desistir.
Trabalho? Adolescente rotulada de promíscua e ainda por cima grávida? Não muito obrigada. Caridade, da tia.
Ausência de consulta na aldeia, hospital a 50 km. Um autocarro com saída ás 7 da manha e vinda ás 7 da noite. Apoios? Pois, lamentamos mas não temos. Onde os pode pedir? Dirija-se ao guiché da assistente social e a resposta , pois, lamentamos mas aqui só mesmo encaminha-la para a “Caixa de Previdência” da sua área e solicitar uma reunião” com a assistente social da sua zona….. Caixa de previdência da área de residência….pois foi chato o que lhe aconteceu, preencha todos estes formulários, entregue no guiché nº.2 e temos que aguardar que seja dado deferimento ao seu pedido.
2 meses à frente mais 2 meses depois …. Sabe estas coisas são assim…demoradas…. mas com este papel que vai preencher agora… sendo dado deferimento pela Caixa de Previdência Mor” …. Talvez consigamos acelerar o processo…… mas não é tudo mau….ainda assim tem as consultas no hospital e as vitaminas de graça. ENA.
Aos 9 meses, ambulância, hospital, nascimento, primeiro choro, dele e meu, o meu encantamento e promessa: nada será mais forte que tu e a minha vontade. Visita e capitulação dos avós maternos, aceitação, retorno a casa, éramos dois. Nada seria como dantes. Nada mais foi como dantes.
Esperei pela celeridade do Estado 10 meses, contados a partir dos 3 meses de gravidez – o primeiro pedido de apoio que nunca chegou durante a gravidez e depois de ele nascer esperei por uma resposta que chegou tinha ele 4 meses . Apoio na gravidez? Que é isso? E o depois “lamentamos mas não tem direito a abono de família”.
O mundo ao contrário – cedo demais para ter um filho logo responsabilidades a mais para que fosse aceite num qualquer emprego – adolescente a dias, os primeiros dentes, o infantário, aos 18 anos empregada fabril e o estudar á noite quase por osmose, a escola primaria, mudança de emprego para assistente administrativa, o ciclo preparatório dele, depois a licenciatura quase por correspondência com os colegas de curso da faculdade em simultâneo com a secundaria dele e a sua adolescência, a minha mudança de emprego graças à licenciatura tirada nas madrugadas sem dormir e alcançando assim algum desafogo financeiro, a sua entrada na universidade longe e todas as despesas inerentes, recusa da bolsa devido ao meu ordenado. O Pai? Sem domicílio profissional e em parte incerta, lamentamos mas assim nada pode ser feito, só iniciando um lento e laborioso processo.
Onde esteve o Estado? Aquele Estado Providencia? Aquele Estado solidário?
Temos pena, lamentamos, mas não esteve. Em nenhum dos percursos feitos por nós os dois.
Por isso o meu voto no próximo referendo ao aborto será igual ao de 1998. Pelo NÂO. E se é não, não é simplesmente porque esteja contra quem o pratica mas simplesmente porque não posso, não devo, contribuir para que este Estado continue a desresponsabilizar-se das suas obrigações sociais e cívicas, mandatado pelo meu voto. E dói-me ver mulheres que apregoam o sim sem terem antes equacionado todas as variáveis, sem terem antes lutado com a mesma garra para que o Estado Providência o seja de facto – quer na Educação que possibilita a prevenção logo a responsabilidade – quer na Solidariedade Social que possibilita uma sociedade ter qualidade de vida.
E também porque na minha humilde opinião a palavra despenalização encobre a palavra liberalização. É mais fácil estar presente na eliminação de um problema – e eu não acho de todo que uma gravidez seja um problema – do que estar presente na prevenção do mesmo ou estar presente para quem - assumindo o seu acto impensado - nem sequer coloque a questão de se “livrar” da consequência.
Se estivéssemos mais “civilizados” quanto à educação sexual nas escolas e universidades e de gabinetes de informação e de aconselhamento nas mesmas preservando a privacidade dos jovens que a eles recorressem, acesso totalmente gratuito aos métodos contraceptivos, ao livre acesso à informação pois se o fosse de igual forma para todos os portugueses as revistas cor-de-rosa e afins não teriam o espaço de perguntas respostas com tantas perguntas sobre relações sexuais e sobre duvidas inerentes à sexualidade, à facilidade de aquisição de preservativos masculinos já que os femininos nem se houve falar ou da pílula do dia seguinte totalmente gratuita, se nas aldeias do Portugal profundo não fosse ainda criticável socialmente uma jovem ser encontrada numa consulta de planeamento familiar – quando as há -, onde se pode cruzar com a tia ou a prima ou o irmão mais velho ou tão simplesmente com a alcoviteira lá da aldeia ou vila…se….se…se…
equacionaria a hipótese de votar sim aceitando que à adolescente, à jovem mulher, à mulher casada, solteira, viúva, divorciada, lhe fosse dadas mais opções por parte de um Estado responsável social e civicamente se a sua opção for assumir a responsabilidade do seu acto impensado, acidente de percurso ou infeliz acidente.
Votar sim só porque sim? Sempre ensinei ao meu filho que nunca devemos fazer nada, seja o que for, só porque sim
Votar não só porque não? Também lhe ensinei que não devemos deixar de fazer alguma coisa, seja o que for, só porque não.
Confuso? Para mim não é. E sei que o meu filho é um adulto responsável.
E já agora: será que quem decidir fazer um aborto encontrará um Estado mais célere? Ou por outras palavras… está a administração pública mais célere? Serão os médicos na hora a decidir? Se o forem porque não o podem ser também se a mulher quiser ter o seu filho? Não poderá o médico desencadear todos os mecanismos que possam ajudar essa mulher a ter e a criar o seu filho da mesma maneira que irá decidir o dia e a hora a que a intervenção cirúrgica, leia-se, o aborto, irá ter lugar?
Ou irá também a mulher perder-se em corredores, instituições e guichés? Se o sim ganhar, terão um prazo de 9 semanas e pelo menos mais 6 dias, o restante dia será o derradeiro após o qual não há retorno.
Eu esperei 6 meses, desde o primeiro pedido de ajuda , até o meu bebé nascer por um qualquer tipo de apoio que nunca veio e depois esperei mais 4 meses até receber um resposta tão simplesmente a informar-me de que não tinha direito a abono de família.
E para não perguntar qual o papel do homem no meio disto tudo? Se hipoteticamente a mulher decidir abortar por razões económicas, sociais, de beleza, ou seja outras quaisquer, não poderá o pai ter todas as condições que a mãe alegar não ter e querer que o seu filho nasça?
Poderá a mãe tão simplesmente alegar que é a dona do seu corpo? Mas não poderá o pai por sua vez alegar que é dono de pelo menos “metade” do bebé que ajudou a conceber?
Haverá na Lei a protecção legal da vontade do Pai? Se a houver, teremos uma justiça célere a julgar estes casos? O tempo de decisão terá em atenção o tempo permitido por lei para a realização do aborto? São perguntas do senso comum. Mas terão resposta?
Ou nós mulheres seremos de tal forma soberanas que passaremos, sozinhas, a ter o total comando da perpetuação da espécie?
Acima de tudo o que acima escrevi, assola-me uma certa agonia porque sinto que estamos a tratar um assunto tão delicado, pois de uma vida humana se trata, como se se tratasse de um mero objecto, uma “coisa” banal, sem significado, sem expressão, sem valor.
Para mim e friso bem, para mim, tudo na vida é uma questão de força de vontade e não de sacrifícios, sejam os nossos, de outrem, ou daqueles que não pediram para ser concebidos. A mim, pela parte que me toca, e por tudo o que a vida me tem ensinado, sou dona e senhora da minha vontade de conceber ou não. Mas a partir do momento que concebi, terei o direito de decidir se mato ou deixo viver?
Quando olho para o meu filho e lhe vejo aquele sorriso maravilhoso, quando vejo este ser humano que continua a derreter-me o coração como quando senti o seu primeiro movimento dentro de mim, sinto um nó na garganta e penso: tudo o que passámos juntos nos tornou fortes, mais fortes, infinitamente fortes. Não me arrependo de nada: da solidão, da fome, do medo, da angustia, do terror do desconhecido, das noites sem dormir, das borgas a que não fui, dos sonhos sonhados não perdidos mas adiados e concretizados a uma velocidade diferente, do desencontro entre duas gerações já que era demasiado jovem perante os outros pais dos colegas do meu filho e com demasiada “idade” devido á responsabilidade assumida para viver de acordo com as colegas da minha idade, das humilhações passadas nos empregos que me permitiam alimentar-nos e serviram de alavanca até á concretização da minha licenciatura, dos primeiros dentes, da primeira palavra dita pelo meu filho, das suas gargalhadas, de o levar comigo para todo o lado e só ir a lugares onde o pudesse levar, de ouvir as suas primeiras confusões sentimentais de “amores” juvenis não correspondidos, das conversas sobre sexualidade que tivemos quando entrou na adolescência, das borgas que fizemos e fazemos juntos, de o ouvir falar da experiência do primeiro charro e do medo que isso me causou, das nossas discussões pois também as tivemos, das suas birras, das minhas lágrimas, dos meus sustos, dos seus medos, dos jantares maravilhosos feitos por ele enquanto eu estudava, do seu cortejo de caloiro pelas ruas de Coimbra, de o aconselhar nas suas duvidas de jovem namoradeiro, de chorar agarrada a ele quando o peso da vida se tornava menos suportável, das risadas dele face ao meu desconcerto de lhe falar do meu namorado, de tudo o que vivemos, juntos, de menos e de bom e de muito bom.
Posso ter muitas razões racionais para votar não. Mas confesso que são as razões emocionais, e mais estas até que as outras, que incondicionalmente, me levam a votar não.
Perdoem-me pela extensão do texto. E obrigada pela vossa paciência se me leram até ao fim.
Paula"
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