Ser Coerente

Não existe consenso sobre quando começa a vida. Basta pesquisar um pouco para nos depararmos com, pelo menos, 16 critérios diferentes. O que deve o direito apresentar como solução para a situação de facto?
Não me cabe discutir questões médicas ou científicas para as quais não tenho conhecimentos. Acredito que existe vida, baseada em convicções pessoais que poderão ser contestadas, sem dúvida. Mas afirmo que, se não é possível chegar a consenso relativamente a um critério científico para o início da vida, não me cabe ajudar a fixá-lo legalmente. Na dúvida científica sobre a existência de vida, é legítimo que um ser humano possa descartar a questão e consagrar um direito de escolha como superior ao direito à vida?
Como em tudo na vida, é necessário ser coerente. A nossa civilização de homens livres é baseada em vários princípios fundamentais, entre os quais avulta o direito à vida.
Pergunta-se: quantos defensores do Sim são a favor da pena de morte? O princípio base em cada uma destas duas questões é o mesmo. Vida é vida, independentemente da sua forma. E, quando não existem certezas, opta-se por um critério de prudência e não se condena definitivamente à não existência.
Quando da condenação à morte de Saddam Hussein surgiram vozes insuspeitas (leia-se, sem ligação à Igreja Católica e aos tradicionais sectores da sociedade apoiantes do Não) defendendo o valor basilar da nossa civilização: a vida. Fazendo o paralelo entre as duas situações, ao defender o direito à vida e, nessa medida, não concordar com a pena de morte, não é possível defender o direito ao aborto livre. Saddam Hussein tem direito à vida? Sim. Um embrião humano, pessoa em potência, tem direito à vida? Sim.
Quando não existe certeza sobre a culpa de alguém, condena-se de todo? É preciso lembrar que, mesmo depois das condenações, uma percentagem dos condenados à morte acaba por ser liberta porque, afinal, é possível que algumas decisões sejam erradas. Depois de executar este tipo de decisões, não é possível voltar atrás... Por isso mesmo, não se pode tomar como sendo segura a existência de certezas onde afinal não as há.
Na dúvida científica relativamente ao delimitar do início da vida humana, consideramos que esta não existe antes das 10 semanas?
Não é necessário que os defensores do Sim cheguem a acreditar que existe vida desde a concepção. No entanto, não sendo possível obter um consenso científico quanto ao início da vida, podem os defensores do Sim ser coerentes liberalizando a interrupção voluntária da gravidez, sem considerar esta legítima questão?
Obrigada ao (insuspeito) Diogo pela chamada de atenção!

Comentários:
Eu acrescentaria que, uma vez que não é claro, nem médica nem filosóficamente, quando é que começa a vida humana que "in dubio pro reo". Em caso de dúvida deveremos ser prudentes antes de permitir a livre eliminação de algo que, mais tarde, poderá a vir a ser considerado vida humana sem sombra de dúvida.

Aproveito para fazer referência à minha posta em

http://caldeiradadeneutroes.blogspot.com/2006/10/o-aborto-e-as-meias-tintas.html
 
Uma defesa coerente do "não" imporia a proibição do aborto em qualquer situação, incluindo casos de violação e casos de malformação do feto. No entanto, quem, no seu perfeito juízo, apoiaria a imposição da gravidez nestes casos a um ser humano já todo ele formado (a mulher)?

JV
 
Como se diz abaixo é esmagadoramente
apoiado pela classe científica a concepção como o inicio da vida humana:
"Médicos, biólogos e outros cientistas concordam em que a concepção marca o início da vida de um ser humano - um ser que está vivo e que é membro da nossa espécie. Há uma esmagadora concordância sobre este ponto num sem-número de publicações de ciência médica e biológica." (Report. Subcommittee on Separation ofPowers to Senate Judiciary Committee 5-158. 97th Congress. 1st Session 1981. p. 7.) Sublinhado

Já a questão da pessoa humana poderá chamar-se uma questão "fracturante"
 
Caro anónimo:
Uma defesa coerente do Sim também não diria que é contra o aborto, apesar de votar que o aborto pode ser feito em qualquer circunstância dependendo da vontade da mulher... a questão é que nós do Não queremos, tentando evitar a penalização de situações desgovernadas, evitar que o aborto seja banalizado. É um equilíbrio difícil, mas tem de ser conseguido! Ao mesmo tempo, pretendemos tentar mudar as mentalidades, a fim de promover uma maior responsabilidade e espírito cívico no domínio sexual e assim evitar todas as situações do aborto. Deste modo, as excepções seriam meras medidas temporárias, e não devem servir para aproveitamentos por parte de indivíduos perfeitamente responsáveis e imputáveis. Ou seja, despenalizar este acto em TODA e QUALQUER situação é um enorme retrocesso e uma capitulação na evolução que temos vindo a desenvolver como Civilização.
Caro josé tomás costa:
Encontra diferença entre os conceitos "ser humano" e "pessoa humana"? Seja. Apesar de estar a introduzir na equação variáveis que me parecem nada científicas. Então quando começa a "pessoa" humana? Ás 10 semanas? Lamento, mas um embrião de 10 semanas ainda não tem tanto de Consciência Individual e Social como uma "pessoa"! Então... após o parto? Idem aspas! Na verdade, segundo esse conceito, o infanticídio seria aceite até a criança começar a ganhar algum grau de interacção social e de auto-consciência, lá para os 2-5 anos... Mas a criança, por volta do nascimento já tem algum grau de consciência externa, e mesmo ANTES das 10 semanas já responde a certos estímulos maternos!
Nenhum ser humano se torna "pessoa" se não tiver oportunidade para isso... e cada ser humano tem competências de acordo com o seu estadio, mas cuja aquisição é imprescindível para a formação da "pessoa". Forneçamos esse estatuto ao embrião para o proteger e permitirmos o seu desenvolvimento. É uma questão de igualdade de oportunidades.
Cumprimentos
 





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