Vida de cão



Há dias, no intervalo entre dois desenhos animados, vi na televisão uma campanha contra o abandono de animais de estimação. Uma causa nobre, acrescento. Parece que os portugueses têm o hábito de deixar os seus cães e gatos na rua quando vão de férias. A campanha, simples mas eficaz, alertava para essa curiosa mania através de várias entrevistas indignadas, sobretudo a jovens. Um rapaz dizia que "as pessoas que abandonam os seus animais mereciam ser também abandonadas, para ver se gostam". Outro limitava-se a sugerir que "se não querem ficar com eles, não os comprem". Outro ainda acrescentava "os animais não são humanos, mas têm vida".
Foi esta frase que me fez levantar a cabeça das mil e uma peças do action-man do meu filho. Esqueci o action-man. Havia ali qualquer coisa que não batia certo, apesar da absoluta correcção científica e gramatical. Repeti a frase interiormente. De repente, fez-se-me luz. Miguel Oliveira e Silva, no já distante Prós e Contras sobre a matéria, usara um raciocínio muito semelhante para justificar o aborto até às dez semanas: poder-se-ia abortar porque há vida humana, mas não há pessoa humana.
Dei por mim a pensar na ironia de tudo isto... O mesmo tipo de lógica que serve para condenar o abandono de animais (não são humanos mas têm vida, logo têm direitos), serve para defender o aborto de seres humanos (têm vida mas não são pessoas, logo não têm direitos). Porquê? Terá uma vida não humana mais direito a ser acolhida do que uma vida humana que não é ainda uma pessoa, seja lá o que isso for?
A campanha dos bichanos acabou por me meter medo. Medo de uma sociedade onde a vida de um cão vale mais do que a de um homem.

Comentários:
Miguel Oliveira e Silva.
 
Obrigado.
 
E ainda não leu Peter Singer...!
 
Caro Pedro Picoito:
Os anúncios espelham, de certa forma ou de forma certa, o tipo de cultura social em que vivemos. Afinal o público alvo desses mesmos anúncios não são os componentes dessa mesma sociedade? Dentro do mesmo alinhamento cultural que originou o seu post, tem passado um anúncio (penso que a uma marca de telemóveis) em que uma família feliz se assenta num sofá. Como é composta essa família feliz? É composta por Mãe, Pai,filha e um cão. Parafraseando um anúncio televisivo de há muitos anos diria: MAS QUE GRANDE FAMÍLIA!
 
Fiquei sem perceber se o post era só uma questão de retórica ou se realmente o autor acha que os animais abandonados não são um problema. A não ser que a a ideia fosse definir prioridades, que julgo não ser o caso

A minha opinião é que se trata de um argumento com falta de honestidade intelectual.
 
Aplaudo!

E pergunto-me: que sociedade querem os ditos, a favor do "sim", deixar a quem escolheu o "não"?
 
Parece que o Simãoo Dias não leu, logo no início do post a frase do autor "uma causa nobre, acrescento".
JMM
 
...confesso que me passou despercebida, face a "[...] A campanha dos bichanos acabou por me meter medo. Medo de uma sociedade onde a vida de um cão vale mais do que a de um homem."
 
Denunciando la falacia argumental

Caveat para evitar confusiones; soy anti aborto, y soy y siempre he sido de derechas.

Empiezo por decirle me parece muy bien que Vd. este contra el aborto (estamos de acuerdo), pero cuando se habla de OTROS problemas, se esta hablando de esos otros problemas.

Vd no puede pretender denunciar la presunta falta de coherencia de quienes según Vd denuncian el abandono de animales (abandono a sangre fría a una muerte horrible) asumiendo que todos ellos están tácita o explícitamente a favor del aborto... mientras que Vd mismo pasa de puntillas sobre el tema sin en ningún momento denunciar tal horror, y pasa a acabar con la archifamosa - por repetida - salida de "ponen por encima a los animales que a los seres humanos" Allí Vd se descubre a si mismo, ellos con su ambivalencia moral, pero Vd con la suya.

Un mal no hace un bien, denuncie el mal donde lo vea sin excusas ni desviar la atención a otros temas.

Si quiere hablar del aborto en exclusiva hagalo, pero no se justifique siendo condescendiente con otras atrocidades. Por cierto la salida contra cualquiera que saque a relucir cualquier abuso hacia los animales es harto conocida "¿y los niños en Africa? ¿y el abuso con [inserte aquí causa cualquiera invariablemente sobre humanos]?¨

Perfecto, defendamos a los humanos (recuerde que se destinan billones para causas humanitarias, por desgracia en muchos casos nada efectivas) pero el esfuerzo existe. Mientras que no, no se gastan billones en salvaguardar a los pobres perros, que como Vd mismo puede ver tienen el valor de objetos.

Cuando hablemos de causas humanas, hablemos de ellas con claridad, pero cuando tratemos de otros problemas tratemos de ellos con la seriedad que también merecen.

Recuerde un mal no hace un bien, y gente que no tiene consciencia con los animales tampoco van a tenerla con las personas.

(Siento no hablar portugués espero que esto sea comprensible)
 
Caro,
Os animais não têm direitos. Tal como as plantas também não têm.
Nós é que, como seres racionais, temos deveres especiais perante os animais e a restante natureza.
 
Se ao menos um ser humano pudesse ser criado com comida de lata duas vezes ao dia e uma tijela com agua..
 
M. de la Torrente, grande confusão. Eu não disse em nenhum momento que quem protesta contra o abandono de animais esteja a favor do aborto. E disse que o abandono de animais é condenável. Esclarecido isto, repito que
1) acho estranho o mesmo tipo de raciocínio justificar o aborto e condenar o abandono de animais;
2) considero o aborto uma coisa muito mais séria que o abandono de animais.
 





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