CONTRIBUTO DE PEDRO PAES VASCONCELOS

"Ei-lo. Aí está. O Bebé!
É o perseguido político do Governo Português.

Querem matá-lo. Não assim directamente. É mais cínico e mais sofisticado. Querem autorizar que o matem. Pior: tratam isso como um avanço da civilização, como algo de bem, de libertação da mulher.

Mas a verdade não é essa. As crianças pré-nascidas são infinitamente fracas. Estão à mercê. Não têm defesa. Por isso, é fácil sacrificá-las. Perante elas, todo o cobarde é valente; todo o fraco é forte.
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O seu nascimento incomoda e prejudica interesses vários:

Prejudica a produtividade das empresas de trabalho feminino intensivo: indústrias têxteis, de sapatos, de electrónica, supermercados, etc. Se for liberalizado o aborto, menos filhos terão as jovens operárias, haverá menos baixas, menos absentismo, maior produtividade. A pressão patronal encarregar-se-á disso. Principalmente em tempo de emprego precário (recibos verdes) e de falta de emprego. Ao lado de cada uma destas empresas surgirá um “abortório”, integrado no respectivo grupo de empresas, quiçá através de uma SGPS. E a propaganda do Governo dirá na televisão: o Governo zela pelo aumento da produtividade das empresas. Alguns patrões já estão a aplaudir. Aqueles que veneram o bezerro de ouro.

Incomoda as mães (?) que não estão para os ter. Prezam mais o "direito à sua barriga". Têm mais barriga que coração. Mas o bebé não é uma tripa da mãe, nem faz parte da sua barriga. É gente, é uma pessoa, que está viva, que ouve o que se passa cá fora, que sente a dor, que sofre na morte. Sempre me fizeram pasmar aquelas que choram a morte das focas-bebés e matam os seus próprios filhos. E porquê? Porque não têm de dar de mamar às focas-bebés, nem de lhes mudar as fraldas, nem de as levar às vacinas, nem de as pesar, nem de as adormecer, nem de lhes contar histórias e de lhes cantar cantigas para adormecerem, nem de as educarem, nem de se preocuparem com elas todo o resto da vida. É o egoísmo mais perverso e mais selvagem. Mas se não querem ficar com os filhos, podem dá-los para adopção. Não é preciso matá-los.

Há os casos em que as mães não têm meios para criar os bebés que vão nascer. Mas podem dá-los para adopção. E o Estado tem de assegurar estabelecimentos sérios, bem dotados de meios, onde não aconteça como na Casa Pia, para os cuidar. E não se diga que não há dinheiro. Basta uma ou duas filas da bancada de um estádio inútil (como o do Algarve), basta um contingente do Afeganistão, basta abster-se de negócios berardos.

Há também casos em que as mães não podem deixar que se saiba que tiveram (ou que vão ter) um filho. Por razões variadas. Porque são adolescentes e não têm coragem de contar aos pais ou de enfrentar os amigos e colegas, ou mesmo de assumir a responsabilidade de os criar. Ou porque são adúlteras e têm de o ocultar. Mas, nestes casos, nem a lei actual, nem a futura, resolvem o que quer que seja, porque exigem que o aborto seja feito em estabelecimento público. Ora, quando assim é, as mães (?) querem abortar em segredo.

Há ainda casos de gravidez consequente de violação, de perigo de morte da mãe, de malformações do feto. Mas estes casos já estão na lei.

Porquê então esta nova investida contra o bebés por nascer? Se há poucos abortos para o gosto do Governo e dos baby killers, é porque os médicos se recusam a fazê-los. E têm esse direito. Juraram aliviar a dor, curar a doença, evitar a morte sempre que possível. E o que é que lhes traz o aborto? Entra-lhes pela porta uma mãe e um filho saudáveis, e sai de lá um bebé morto e uma mãe despedaçada, gravissimamente ferida, no corpo e na alma. É o contrário do juramento de Hipócrates. Fazem bem em recusar. E é uma violência ilícita, digna de ditadura tirânica. Querer impor o poder legislativo do Estado para alterar e profanar o Código de Hipócrates!

Mas, pergunto eu ainda: e o pai? As crianças têm mãe e têm pai. E o pai não tem uma palavra a dizer? Não pode querer ficar com a criança que a mãe (?) enjeita? Ninguém pensou nisso!
É claro que há casos em que se não sabe quem é o pai e, por isso, não é possível o seu consentimento.
Há casos em que o pai (?) também quer o aborto. Mas, nem assim a vontade de tal pai e tal mãe podem ser susceptíveis de o legitimar. O bebé não é sua propriedade e não têm sobre ele direito de vida ou de morte.
Há, finalmente, casos em que é o pai (?) que força o aborto, quando não o provoca, mesmo, com pancada. Mas aqui não pode deixar de haver crime.
Uma lei que permite que a mãe (?) aborte contra a vontade do pai, essa lei será inconstitucional! E se não for será a Constituição que tem que ser abortada.

Usar o aborto como instrumento de controlo de natalidade, de planeamento familiar ou de contracepção “a posteriori”, é uma selvajaria.

É falso - e de má fé - dizer-se que se trata só de despenalizar e não de liberalizar. O aborto já era permitido, mas com condições e prazos. Agora querem que deixe de haver condições num prazo e até num tempo em que a criança já está praticamente formada. É liberalizar e é matar. As coisas têm que ser chamadas pelos seus nomes.

Numa perspectiva cristã, mais exactamente católica, que é a minha, a questão do aborto é de uma simplicidade surpreendente (para os laicos), embora não seja de uma execução fácil: cada um deve suportar a cruz que Deus lhe deu, e arrastá-la no calvário em que esta vida tantas vezes se transforma. Só pode ser feito com muita fé, muita esperança e muita caridade.
O Paraíso não é na terra, é no Céu. Esta vida é uma passagem, umas vezes relativamente fácil, outras nem tanto, por vezes bem difícil ou mesmo horrível. Nesta perspectiva católica, que eu não imponho a ninguém, a gravidez é um dom sagrado que é sempre associado a sofrimento físico e muitas vezes a outros tipos de sofrimento (social, económico, etc.).
Mas é também o dom, o privilégio e o maravilhoso da maternidade, de albergar uma vida nascida do pai e da mãe, vida esta que é inocente do amor ou do ódio, do bem ou do mal, e de todas as demais circunstâncias em que foi criada. Um católico deve sempre alegrar-se com ela.
Os filhos nunca são nossa propriedade, são-nos confiados para que os criemos o melhor que pudermos e soubermos. Até que um dia se vão embora, à sua vida, ou levados pela morte, tantas vezes cedo demais. Tudo isto nos pode trazer muito sofrimento que devemos suportar com as forças que tivermos, na esperança de uma redenção; mas também com muita alegria, que devemos saborear com humildade.
Compreendo que tudo isto seja estranho para quem não tem fé. Também parece estranho amar os nossos inimigos e dar a outra face. Não é fácil ser cristão, como a vida de Cristo bem demonstrou. Talvez por isso, os cristãos estejam mais preparados para enfrentar a gravidez e a maternidade, nas circunstâncias boas, nas más e nas péssimas.

Mas isto, eu, como cristão católico, não o imponho a ninguém. E por isso não é justa a crítica que por aí se faz de que se quer impor uma racionalidade religiosa a quem não é religioso.

Não é nada disso que se trata.

Do que se trata é de uma cultura de vida e de uma cultura de morte, do terrível choque de culturas, entre a que prefere a vida à morte, mesmo que isso, acarrete sofrimento pessoal, e quem prefere a morte à vida, por lhe parecer resolver este ou aquele problema.

A morte não resolve nenhum problema. Pelo contrário, agrava-os.

A questão do aborto não está na gravidez, mas nas suas circunstâncias. É a adolescente impreparada que engravidou e não sabe o que há-de fazer, não consegue enfrentar a situação; é a mulher madura que engravidou não consegue enfrentar as consequências pessoais que daí lhe advêm, ou porque a gravidez é adulterina, ou porque já tem um monte de filhos, ou porque o marido/companheiro não quer e lhe bate, ou porque não tem dinheiro ou outras condições para ter outro filho.
Todos estes problemas são resolúveis sem necessidade de aborto, ou dando o bebé para adopção ou confiando-o a uma instituição especializada que o crie, o eduque, o ensine, o prepare para a vida. São inúmeros os homens e mulheres notáveis que foram assim criados.
Admito que há casos em que só mesmo o aborto pode ser a solução: perigo ou certeza de morte da mãe, malformação ou inviabilidade do feto (p. ex. anencefalia), violação quando a mãe violada rejeita a própria gravidez (nem sempre acontece, mas acontece).

Não posso concordar com aqueles que dizem que «o que nos faz sermos pessoas não é sermos humanos … é a nossa consciência, a nossa racionalidade e a nossa capacidade para nos relacionarmos socialmente». Esta teoria conduz à admissão de «Untermench» como fizeram os nazis. Recusar a dignidade de pessoa a seres humanos privados de racionalidade e de sociabilidade conduz ao massacre eugénico dos loucos, à eutanásia dos velhos já inconscientes (Alzheimer, demência senil), dos que estão em coma, e a tudo o mais que vem atrás disso. Principalmente – já agora – porque esse argumento permite matar também os recém-nascidos.
Não é admissível distinguir, no âmbito do humano, o que é pessoa e o que não é pessoa, com base num critério de racionalidade e de socialidade. Dizer que um embrião ou um feto são humanos mas não são pessoas, porque não têm ainda racionalidade e porque se não relacionam socialmente, é inaceitável por várias razões. Mas posso dizer mais claramente que um bebé tem tanta racionalidade no dia em que nasce como na véspera, como uma semana antes e como uma semana depois, e que o mesmo vale também para a sua capacidade de se relacionar socialmente. O argumento de que o bebé não tem racionalidade nem socialidade acaba por legitimar a despenalização do infanticídio: é tão válido para a liberalização do aborto como para o infanticídio do bebé acabado de nascer.

Ou será que se vai descobrir um limite de tempo – 10 semanas? 12 semanas? – após o nascimento para despenalizar o infanticídio? Será este o próximo referendo?
A questão é mesmo de um choque de culturas – ou de um choque de civilizações – entre um humanismo que sobrepõe o valor da vida humana e um hedonismo – em versão mais ou menos epicurista ou pragmatista – que à vida humana faz sobrevaler o prazer, a utilidade, o conforto, o egoísmo.

Sou contra a morte, seja qual for o pretexto ou o argumento de se usar para recorrer a ela. Resolver o problema do sofrimento humano com a morte é inadmissível. Matar os que sofrem? Nunca. Ou será que se está a defender o suicídio como remédio para o sofrimento? Ou a eutanásia?
Repito que a morte não resolve nenhum problema. Pelo contrário, agrava-os.Vou continuar a defender as vidas dos mais fracos e desprotegidos, dos bebés que ainda não nasceram. Mesmo que o referendo passe, continuarei a lutar pela existência de meios que evitem o aborto, pela consciencialização das mães que engravidam em circunstâncias problemáticas. Repugna-me o recurso ao aborto, à morte das crianças.

Por isso, continuarei a combater o massacre dos inocentes."
Pedro Pais de Vasconcelos
Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa

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