CORREIO DOS LEITORES

Publico em seguida um texto recebido por mail, escrito por Paula Dias.
"Quem segue a imprensa regional não deixará de reparar que, desde há, sensivelmente, um ano, um certo tipo de notícias passou a ter destaque: o nascimento de bebés a caminho das poucas maternidades que subsistem no interior do país. Nascem nos Centros de Saúde, quando um pai atarantado, percorridas curvas e contracurvas de serranias, tem a lucidez de parar numa vila de passagem e buscar socorro; nascem sobretudo nas ambulâncias do Serviço Nacional de Saúde ou das Associações de Bombeiros; nascem nos comboios, como aconteceu, há pouco, no trajecto Intercidades Lisboa-Porto. Quem vê televisão confirma o que digo, na medida em que, volta e meia, lá surgem, como notícias de interesse, o nascimento de uma criança fora da maternidade ou do hospital de destino.Não devemos, é claro, cair na tentação de associar o número de crianças a nascer fora dos estabelecimentos autorizados para tal com a redução do número de serviços de obstetrícia autorizados no país, que aconteceu em 2006. Apressadinhos e apressadinhas sempre os houve, a novidade está em que passaram a ser notícia, fruto da discussão política que acompanhou a reorganização dos serviços de apoio à maternidade. Vivemos de modas, e noticiar os nascimentos fora da regular assistência passou a interessar à opinião pública.
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Neste âmbito, nos mesmos jornais regionais, e em alguns nacionais, veio anunciada a realização de cursos, promovidos pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ou pelos hospitais da área de realização, de assistência urgente a grávidas e nascimento de crianças, destinados aos bombeiros e pessoal tripulante de ambulâncias do interior do país. Tudo normal, como o Ministro da Saúde, Correia de Campos, aliás, prometera: fechava os serviços de obstetrícia mas reforçaria as redes de transporte de grávidas às instituições autorizadas. E, para prevenir nascimentos urgentes que sempre acontecem, os acompanhantes e condutores têm direito à formação para estarem à altura das novas urgências. O governo desinvestiu, e fechando maternidades, favoreceu a situação de recurso que é o de a assistência à maternidade poder ser feita numa rotunda, dentro de uma ambulância, passada uma curva perigosa, num estacionamento precário, numa estrada movimentada e impessoal, por um bombeiro solícito e atento, devidamente para tal instruído com um curso de Verão, ou em regime pós-laboral, heroicamente pago do seu bolso.Por outro lado o governo, argumentando que o aborto de vão de escada, feito em estabelecimentos ou consultórios ilegais por médicos, enfermeiras e curiosos mal preparados é um risco para a saúde, reclama que estes devem passar a ser realizados nos centros de Saúde, hospitais e maternidades, por médicos (ginecologistas) e pessoal de enfermagem credenciado, a que se juntam psicólogos e assistentes sociais que ajudem os envolvidos a recuperar do trauma. Tudo a custos controlados, com todas as garantias de que o nosso serviço nacional de Saúde está ao nosso lado, e ao lado da promoção da nossa saúde, física e mental.Fico, francamente perplexa, como mulher e utente dos serviços nacionais de saúde, com o sentido das prioridades deste governo, que com desvelo quase paternal se dispõe a promover a minha saúde, prometendo-me a possibilidade de interromper uma gravidez indesejada nas devidas condições de segurança, economia e higiene. Ao invés, se estiver grávida e tudo estiver a correr bem, pagam-me uma consulta por mês no médico de família do centro de saúde da minha área de Residência, e o direito a ocupar uma cama na maternidade por três a cinco dias, assim o bebé nasça de parto normal ou de cesariana. Não esquecendo, claro, que se a criança se lembrar de nascer de urgência a quilómetros da Maternidade, então sempre recebo a suprema gentileza do direito a ser assistida por um voluntário da Associação de Bombeiros ou de uma Associação de Solidariedade Social, preparado para tal por um curso, diria, de “vão de escada”. Neste caso, já não se põe o problema de um acto médico ser conduzido por pessoas não especializadas para tal.O Estado que se propõe amparar-me se eu me quiser livrar de uma gravidez indesejada, é o mesmo que me empurra para clínicas privadas, para obstetras particulares e laboratórios de análises privados, por carências várias do SNS. Caso more na fronteira, convida-me a fazer do meu filho um natural de Espanha, com a cereja no bolo que é poder ser assistida pelo bombeiro de serviço numa ambulância, caso tenha a ousadia de pedir um estabelecimento credenciado.Diremos às futuras gerações, às que permitirmos viver, claro, que, para o Estado Social que governa esta nação, abortar voluntariamente é sempre mais fácil, mais barato e mais higiénico do que dar à luz um filho. Estranhos e contraditórios tempos os nossos!"

Comentários:
Minha cara, claro que a despenalização da IVG não vai provocar o milagre de ficar tudo bem, mas a urgencia da inversão da politica seguida nos últimos tempos é necessária independentemente da penalização da IVG ou não. e isso é uma outra discussão que se reporta às causas do aborto. Mas para uma melhor compreensão, convido à leitura do artigo IVG em "vermelho vivo"
 





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