A eficácia da lei

Alguns dos votantes do sim dizem ser contra o aborto. Mas entendem que a lei penal actualmente existente não é eficaz, pelo que advogam que a defesa da vida intra-uterina se deve jogar a montante, designadamente através de medidas de política social.
Gostaria, sem me perder em especulações demasiado jurídicas, esclarecer alguns pontos a este propósito.
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O direito é um produto cultural e, sendo-o, só o é verdadeiramente se se puder considerar vigente. O que significa que não lhe basta ser válido, tendo de ser, igualmente, eficaz. Acontece que não é qualquer preterição das normas jurídicas que põe em causa essa vigência. Estamos no domínio das expectativas normativas que, pela sua natureza, são contrafactuais. A existência de abortos não implica que o bem jurídico tutelado ou que os valores que subjazem à previsão normativa tenham soçobrado.
Só assim seria se a nossa perspectiva fosse a do racionalismo crítico e da ideia de refutação ou falsificação. Mas aí seríamos remetidos para a automática falta de vigência de qualquer norma que previsse um crime fiscal.
Dito de outro modo, a correntemente designada fuga aos impostos é crime, apesar da ineficácia da administração fiscal para a combater. Porque há-de ser outro o raciocínio em matéria de aborto se o bem jurídico protegido até é mais valioso?
Entre 1998 e 2006 foram julgadas (embora a nenhuma tenha sido aplicada uma pena de prisão efectiva, o que só prova que o sistema não é cego, nem se queda numa axiomático dedutivismo) 36 pessoas pela prática de aborto. Podem dizer que é pouco face às cifras (das quais não conhecemos a fiabilidade) de aborto clandestino em Portugal. Mas pergunto: durante o mesmo período quantas pessoas foram julgadas por fraude fiscal? E quantas a terão levado a cabo? Durante o mesmo período quantas pessoas terão injuriado ou difamado outras? E quantas foram julgadas por esses comportamentos?
Não nos esquecemos, porém, que estamos a indagar a legitimidade da actuação penal. E que aí a eficácia joga um outro papel. À eficácia enquanto categoria dialecticamente componente da vigência alia-se a eficácia que nos remete para o papel de ultima ratio da incriminação. Quer isto dizer que só se deve considerar que um comportamento é crime se e na medida em que não existam outros meios, menos onerosos para o arguido, para tutelar o bem jurídico em causa.
Pergunto sinceramente a todos – sem deixar de me interrogar a mim mesma – se eles existirão. Existirá algum meio de proteger o embrião da vontade – insondável, sempre tendencialmente arbitrária (e digo arbitrária não por partir de um pessimismo antropológico mas por pressupor que a voluntas se consubstancia sempre, excepto se fundamentada, o que não é o caso, num quero, posso e mando) – da mãe?
Por mais que me esforce, a resposta é não. Não existem outros mecanismos de tutela do embrião.
Pensar que eventuais medidas de política social de fomento da natalidade cumprem esse desiderato é não compreender a realidade actual em que estamos mergulhados.
Primeiro, porque o raciocínio só seria admissível se ponderássemos a bondade ou maldade da incriminação a partir da consideração das situações extremas em que a mulher, por carência de meios económicos e financeiros, não se sente capaz de sustentar aquele filho. E o que a lei que pretendem aprovar nos diz é que a mulher pode abortar porque sim. E neste sim tudo cabe, incluindo o maior dos egoísmos, a maior das futilidades (é bom não esquecer que existe homicídio por motivos fúteis, que, aliás, conduz à agravação da moldura penal, pelo que não percebo porque será ilegítimo levantar a hipótese da existência de abortos pelos mesmos motivos torpes).
Segundo, porque, ao legalizar-se o aborto, o Estado está a desviar recursos que podiam ser canalizados para o financiamento das políticas de apoio à natalidade e à família para o pagamento de abortos. Que assim passam a ser entendidos como um método contraceptivo, fazendo precludir um dos efeitos da lei vigente: a reafirmação da validade do bem jurídico, numa óptica de prevenção geral positiva.

Comentários:
pois mafalda, o problema é que te perdes, sempre, em divagações demasiado chatas e supostamente juridicas... sempre...
 
De supostamente jurídicas nada têm. São mesmo jurídicas. E se o maçam, tem bom remédio. Não as leia.
 
Ó Mafalda, sem deixar de concordar inteiramente consigo, acho que faria bem em rever a forma - não o conteúdo - dos seus posts.
Duvido que haja muita gente que a consiga acompanhar.
 
Caro anónimo,
se calhar nem todos conseguem acompanhar o que escrevo. Mas, acredite que este texto também não se destinava a todos, mas unicamente àqueles que, por razões técnico jurídicas, têm dúvidas apesar de intimamente o seu voto pender para o não.
 
boring...
 
De onde é que copiaste isto?
 





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