Era Pena

Pois é. Há quem vá votar “Não” no referendo só porque a Igreja diz que se deve votar “Não” no referendo. Sem entender sequer porquê.
É pena.
É pena porque não há nada mais contrário à mensagem cristã do que seguir cegamente regras que não se compreendem.
É pena, porque é importante que todos os cristãos percebam que nem tudo o que é pecado deve ser crime.
É pena, porque o máximo ético proposto pelo cristianismo como meta não pode, nem deve, coincidir rigorosamente com o mínimo ético imposto pelo Estado aos cidadãos como base necessária para uma convivência pacífica.
É pena, porque propicia o ruído.
---
O princípio de que o aborto deve ser crime justifica-se independentemente de a Igreja ser contra o aborto.
Justifica-se, não por uma qualquer vontade divina despoticamente imposta que tantos temem (incluindo eu que, como diria alguém que conheço, desse deus também sou ateia), mas porque, num Estado que se quer laico, a base sobre a qual se constrói a vida em comunidade deve ser o próprio Homem.
Ora, o aborto livre, lícito e comparticipado, independentemente de poder ferir Deus (circunstância que só aos crentes interessa), fere directamente esse Homem que se quer na base da civilização.
Um país é tanto mais civilizado quanto nele menos aplicação tiver a lei do mais forte. O que nos torna mais humanos é a capacidade de aceitar e defender os mais fracos, os mais desprotegidos, ainda que nos incomodem (e eu acredito que uma gravidez indesejada seja incómoda, e muito).
É esta base que o aborto a pedido, sem necessidade de qualquer justificação, vem deitar por terra.
Isto, porque implica a negação da humanidade ao embrião, acompanhada de uma recusa sistemática de definição do critério de humanidade. Ensaiam-se teorias como as da autonomia, da autodeterminação, ou da actividade cerebral, que não são nunca levadas até às últimas consequências. Nem poderiam ser, porque são teorias que apenas visam justificar certas “necessidades da vida moderna e progressista” como o aborto.
Com isto, invertem-se os dados do problema: em vez de se procurar definir o estatuto do embrião para daí retirar as respectivas consequências, procura “resolver-se o problema do aborto de uma vez por todas”, decidindo-se que o embrião não é pessoa e que, por isso, não há problema.
Nada mais falso. Se um embrião não é nada, porque é que uma mulher que tem um aborto espontâneo sofre tanto? Será que o que ela perdeu não foi nada?
Será que o embrião muda de natureza consoante as nossas necessidades?
Não me parece. E é por isso que no dia 11 vou votar “Não”.
Espero sinceramente que os católicos votem “Não” por acreditarem ser este o melhor caminho e não por medo de arder eternamente no fogo do inferno.
Do mesmo modo, espero sinceramente que os não católicos não deixem de votar “Não” só porque não acreditam no inferno.
Era pena.

Comentários:
É pena é mas é o país que temos. E quando as pessoas começarem a pensar pela sua cabeça este e outros sims vingarão na sociedade.
 
Subscrevo!
 
Concordo contigo Marta! Mas faz parte daquilo que é a diferença.
Do outro lado também há quem vá votar sim porque é contra a Igreja e não por aquilo que está em discussão.
oh anonymus, o que é que está dentro do útero de uma mulher grávida?
 
Estando evidentemente do outro lado desta barricada, saúdo a clarificação... É importante que dum lado e doutro se separe o trigo do joio argumentativo, que já a confusão vai alta.
 
Garanto que são muitos mais os que irao votar sim só porque a Igreja diz nao!
Nota-se nos comentarios anti clericais (verdadeiro atentado à liberdade individual!)
No meio disto tudo pode ser que muita gente pense com o coraçao e vá votar o que deve. NAO!
 
dona marta
com o devido respeito, pergunto-lhe: no caso das centenas e centenas de filharada dos padres feitos às suas mais devotas fiéis, quem deve assumir a criança?
a mãe só?
a mãe mais o marido enfeitado?
a mãe mais o padre?
só o corno?
só o padre?
oficialmente o vaticano?
torna-se em "mais um" filho concebido pelo espírito santo?
aborta-se?
até que semana e com que justificação?
pode ajudar-me com uma ideia?
 
Marta:

É pena mas é não escreveres mais posts como estes. Não vou repetir os elogios dos comentários anteriores, especialmente os vindos dos nossos adversários, que sabem especialmente bem. Mas saúdo essa absoluta clareza. Do nosso lado também há muita coisa errada, como aquele triste daquele padre de Castelo de Vide que acha que quem vota Sim incorre em pecado mortal. E que, é claro, foi mais citado pela malta do Sim que pela do Não, tal como já havia sido o famoso Padre Serras Pereira, o dos anúncios do jornal, que foi mandado calar pelo D. José Policarpo.
A boa técnica leninista manda encostar a malta toda a um canto e pôr-lhes a todos o mesmo rótulo, antes de os calar a bem ou a mal. Mas a gente não deixa, e tu deste um belo dum contributo para isso.
Vou recortar o teu post do ecrã e pespegar na porta do frigorífico para usar em futuras discussões, mesmo que não tenham nada a ver com aborto.
No fundo o que eu queria dizer com este arrazoado é: parabéns.
 
Em ajuda à Marta, apesar de não precisar, respondendo ao comentário do amigodaonça.
Quem deve assumir a criança? O pai e a mãe! Que eu saiba, os filhos nunca precisaram do matrimónio para nascer. Mas isso aplica-se aos padres, às freiras, aos casados, aos solteiros e aos viúvos.
Por outro lado, parece-me que parte da motivação do "sim" é revelada. O aborto é uma solução para esconder e não para afirmar.
Continue, Marta, a pena é quase sempre mais forte que a espada.
 
"Por outro lado, parece-me que parte da motivação do "sim" é revelada. O aborto é uma solução para esconder e não para afirmar.

ó zelas
esta frase depois de pronta será o quê?
é talvez o conjunto de palavras mais sem sentido que li por aqui...
sobre a espada, não sei, mas que faz pena, isso faz.
quanto à sua assumidamente inútil defesa da Marta, ficou por isso mesmo. foi inútil, ela não precisa de defesa e sobretudo duma defesa dessa qualidade.
pela sua saúde não se sinta ofendido, como toda a gente por aqui, ultimamente, mas o amigo acha que isso é resposta? "a mãe e o pai!!!" francamente! isso já nem os miudos respondem quando lhes perguntam de quem gostam mais...
o amigo quer mesmo pôr a padralhada a assumir os filhos? e acha que vão continuar padres? já agora os padres pedófilos (sim, não há só no estrangeiro) assumem-se também e vão igualmente para a rua...
o amigo quer acabar com a "santa" madre igreja?
eu até gostava de ser menos "acutilante", para usar um termo da mafalda, mas há-de convir que se põe tão a jeito...
cumprimentos.
 
Depois do post da Marta, não há muito mais a dizer. Os nossos comentários são mais ruído de fundo que outra coisa.
Por isso, só venho deixar o testemunho de quem anda muito arredado dos caminhos da igreja, de quem começa a ter muitas dúvidas de que Deus exista. De quem não acredita no inferno.

Eu, Marta, sou daqueles que acredito no Homem.
Também acho que "uma gravidez indesejada seja incómoda, e muito"
Regra geral, alinho pelo Bloco de Esquerda, quando eles dizem, por exemplo, que não podemos expulsar uma família de ciganos só porque "nos incomoda".
Na questão do aborto, por coerência, tenho de votar não, porque não nos podemos "ver livres" de uma vida, só porque "nos incomoda".
 
A todos os comentadores deste post:

Que bom foi ler estes comentários.
 
Oh Amigodaonça,

Desculpe, mas o azedume que "transpira" do seu comentário incomodou-me. Então acha que deve legalizar-se o massacre de milhares de bébés por causa duns quantos casos de mulheres que estão grávidas de um padre?
E já agora, não é a mesmíssima coisa do que essa mulher estar grávida de um homem casado que não assume a criança? O Padre é um homem como outro qualquer, deveria dar o exemplo - é certo - mas não é santo nem é Deus. E eu sou apologista de se pensar nas consequências dum acto antes do mesmo e não depois, mais ainda se daí puder resultar a morte de um bébé.
Os cartazes duns manifestantes em Paris ontem exprimiam exactamente aquilo que eu penso: O corpo da mulher pertence-lhe, mas o do bébé, NÃO!
 
Amigodaonça,

É claro que a Zelas tem razão. Uma criança deve ser assumida pela mãe e pelo pai, doa a quem doer, nem que seja à Santa Madre Igreja.
 





blogue do não