FALSA MODERAÇÃO

Depois de alguma histeria inicial por parte de alguns (poucos) adeptos do "Sim", no qual incluo a jornalista Ana Sá Lopes - a qual chegou a defender a liberalização do aborto se o "Não" ganhasse mas o referendo não fosse vinculativo - temos assistido a uma tentativa por parte dessas mesmas pessoas numa moderação no seu discurso. O artigo de Ana Sá Lopes de hoje no Diário de Notícias é disso exemplo. Em minha opinião, porém, essa moderação não foi conseguida. Escreve a jornalista:
"Os adeptos do "sim" sabem que não vai ser fácil explicar aos indecisos que não têm de passar a ser defensores do aborto para serem defensores da despenalização. E também vai ser difícil explicar aos que são contra o aborto mas contra a condenação das mulheres que, para conseguirem evitar que as mulheres sejam condenadas, precisam mesmo de votar "sim". Aos defensores do "sim" este discurso parece incongruente, mas não o é para os defensores do "não" que conseguem - tantos e quantas vezes - ser contra a condenação das mulheres que abortam e defender o "não", ou seja, que essa condenação se mantenha na lei. É um absurdo jurídico, mas é partilhado por eminentes figuras."
Antes de mais, importa explicar à Ana Sá Lopes que quem é contra o aborto e contra a condenação das mulheres não opta necessariamente pela liberalização, por muito que isso lhe possa custar.
Por outro lado, a Ana Sá Lopes bem sabe que a lei não condena ninguém. Somos (ainda) um Estado de Direito em que todos têm direito a julgamento e defesa antes de serem condenados seja pelo que for. Embora já se tenha percebido que o grande argumento do "Sim" vai ser a (falsa) questão da prisão das mulheres, a verdade é que uma jornalista como a Ana Sá Lopes tem a obrigação de evitar este tipo de falácias. Pretendendo ser moderada, o que consegue na forma, a verdade é que o texto é substancialmente radical, contribuindo ela própria para aquilo que disse temer "(...) o debate à volta da questão, o ruído e o confronto afastam os eleitores e transferem votos do sim ou dos indecisos para o não e a abstenção (...)".

Comentários:
Na minha opinião, a parte mais interessante do artigo é precisamente o primeiro parágrafo:
"A campanha do aborto está na rua e todos os dias, lamentavelmente, os adeptos do 'sim' irão perder votos. A experiência que temos de 1998 é que o debate à volta da questão, o ruído e o confronto afastam os eleitores e transferem votos do sim ou dos indecisos para o não e a abstenção (as sondagens já estão a reflectir essa realidade)."

Mais à frente, ASL é ainda mais explícita: "O debate público e o extremar dos argumentos são prejudiciais ao 'sim' (...)" .

Por outras palavras, até ASL reconhece que, quando as pessoas começam realmente a discutir o assunto e a considerar o que significa o seu voto, o "não" pesa mais do que o "sim". Não admira que tantos defensores do "sim" pretendam que esta questão seja "resolvida" no Parlamento.
É que aquela casa funciona de forma muito curiosa. Os debates não passam de meros circos mediáticos e até acontecem coisas como os deputados aprovarem a realização de um estudo sobre a situação do aborto em Portugal e o Presidente da AR vetar a realização desse estudo porque "era muito caro".

De qualquer forma, ASL demonstra neste artigo que até é capaz de uns momentos de lucidez. Leia-se atentamente o último parágrafo e perceber-se-á por que certas pessoas e organizações são tão visíveis na luta pela despenalização do aborto a pedido:
"Quando Teixeira Lopes, amável dirigente do Bloco de Esquerda, em vez de agradecer a Rui Rio a sua bem-vinda participação na campanha do 'sim', se preocupa com o 'branquear da imagem' que poderá resultar da sua adesão a um movimento, mostra que não percebeu nada do que está em jogo. Ou pior: deu a entender que, acima da causa da despenalização, para o Bloco estará a sua coutada de causas exclusivas e rentáveis. O que é péssimo, para as causas todas."
 





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