Jorge Miranda II

Publicamos mais um texto do Professor Jorge Miranda que, embora relativo ao referendo de 98, contém uma análise jurídica profundamente actual.

"Jorge Miranda
In Público, 27 de Maio de 1998

SOBRE O ABORTO: TOLERÂNCIA E COERÊNCIA
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3. Se a solução da problemática do aborto tem de ser colocada numa ampla, generosa e concreta perspectiva social, não deixa de ser, por isso mesmo, um problema jurídico, um problema que contende com os valores fundamentais da comunidade e com os objectivos de futuro que se propõe.
Que a apreciação de cada pessoa e de cada comportamento deva ser diversificada e graduada, sem dúvida; que uma coisa é a apreciação do agente e outra a valoração social do objectivo do acto, sem dúvida; que a lei penal deva reabilitar, reinserir, promover as pessoas, não punir por punir, sem dúvida; que, a essa luz, os princípios gerais de atenuação e de exclusão da responsabilidade criminal possam ir ao encontro da maioria das situações e que possam ser encaradas regras especiais em função de vários tipos de aborto, ainda mais plausível; que o instituto de adopção e outros institutos jurídicos devam ser postos ao serviço das crianças cujas mães não possam assumir a maternidade, eis ainda um caminho a percorrer.
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Mas que possa falar-se em tabu, eis o que contesto, sabendo que cada mulher que aborta violenta a sua natureza e leva consigo um imenso sofrimento; que possa apelar-se à liberdade de consciência e à laicidade do Estado para legitimar a destruição de um ser humano, eis o que não compreendo; que possa alegar-se uma qualquer ineficácia da vigente norma penal (apesar de ela resultar já de alterações e reformas desde 1984) para tornar lícito o aborto ou para erguer a sua organização a tarefa do Estado, eis um salto que nada justifica; um salto do comando jurídico secundário para o comando jurídico primário, da inefectividade daquele para a validade do comando jurídico inverso.

4. Por tudo isso votarei “não” no referendo de 28 de Junho:
- porque não confundo ilicitude com culpabilidade e porque nenhuma tolerância pode justificar a ilicitude, mas só desculpar a pessoa;
- porque sou contra toda a violência e porque a interrupção voluntária da gravidez tal como é admitida no projecto da JS nem sequer pode fundar-se numa qualquer forma de harmonização de interesses atendíveis segundo um princípio de proporcionalidade;
- porque nenhum direito à qualidade de vida pode justificar o sacrifício de qualquer vida humana;
- porque defendo a plena realização dos direitos económicos, sociais e culturais tal como constam da Constituição e porque sou a favor da protecção da maternidade e do planeamento familiar."

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