O grau abaixo de zero da coisa

Tenho do Miguel Vale de Almeida (MVA) a ideia de um homem sério. Contudo, a seriedade não o impede de ser injusto. E neste caso a inustiça é uma das muitas formas que assume a miopia com que algumas pessoas vêem os defensores do Não.
O MVA está convencido de que o problema do aborto se resume aos valores de uns e à liberdade de todos. Está enganado! Não está em causa a minha (para não dizer "nossa") visão íntima sobre o fenómeno. Aquilo que eu seria ou não capaz de fazer. Isso é comigo e, tem razão o MVA quando diz que, qualquer que seja o resultado do referendo, continuarei a poder viver de acordo com os meus valores. Isto não invalida porém que eu ache razoável que o Estado procure impedir que possa ser posto termo à vida intra-uterina por dá-cá-aquela-palha! E é disso que se trata!
A lei que impede o abate de árvores protegidas ou a destruição de ninhos da cegonha branca cerceia a liberdade de todos quantos gostariam de abatê-las ou destruí-los. E o furto, a difamação e outros crimes que tais, permite que se reaja contra aqueles que querem fazer uso da sua irreprimível liberdade de furtar, difamar, etc.
Meu caro MVA, eu só quero defender a Vida... e não apenas a dos meus filhos. Não quero que, sem motivo sério, se ponha em causa o direito de alguém nascer. E acho que o Estado não se deve limitar a defender a vida dos meus filhos. Deve proteger, também, a dos seus.

Comentários:
Caro Nuno Pombo
pode-se até discordar do argumento da liberdade de escolha, muito discutível do meu ponto de vista. No entanto isso não lhe permite contrapôr "eu só quero defender a Vida". Porque eu também só quero defender a Vida e acho que isso se consegue votando SIM. O meu voto SIM é um SIM pela vida. Pela vida das mulheres que a põe em risco na clandestinidade, dos filhos que porventura lá têm em casa ou daqueles que desejem ainda vir a ter. O meu voto SIM acredita que pode salver muitas vidas, mas tenho muitas dúvidas que o seu NÃO consiga salvar alguma. Digo-lhe mais, tenho muitas dúvidas sobre tudo, sobre a minha decisão e sobre a vossa também é por isso que não banalizo com a facilidade com que vocês o fazem, a palavra Vida.

Real
 
Meu caro Real, agradeço o comentário e no mesmo registo de elevação lhe respondo.

Tanto quanto sei, não abundam os casos de fetos que depois das intervenções abortivas sobrevivam. Esses morrem, como julgo que sabe. E se morrem, deixam de estar vivos. E só deixam de estar vivos porque alguém fez com que perdessem a vida.

Contudo, não tenho notícia de haver mulheres, hoje e em Portugal, que morrem na sequência da prática do aborto. Nem tenho a certeza de haver crianças já nascidas que morrem porque entretanto viram nascer um irmão. E acho também curioso que sustente a possibilidade de acabar com a vida de um feto para que outro que lhe suceda possa nascer... Se pensa que a liberalização do aborto até às 10 semanas pode salvar vidas (disse "muitas", não foi?), penso que está enganado. O aborto, quer queira quer não, mata!

E, se quer que lhe diga, preferiria ver banalizada a palavra Vida do que a expressão Interrupção Voluntária da Gravidez. A primeira merece ser celebrada. A segunda, evitada.

Abraço,
 
Meu caro Nuno
Creio, de facto, que o aborto até às dez semanas em estabelecimento de saúde poupará muitas vidas, sim. Sem certeza, é certo. Assumo a tradição positiva que afirma a ciência em detrimento de práticas medievais. Mas não lhe chame liberalização. Liberalização é o que temos hoje, caro amigo, onde qualquer jovem ou menos jovem perante uma gravidez indesejada limita-se a perguntar preço e morada à colega ou à vizinha que está ao lado. A sociedade tem o dever de não fazer de conta que isto não existe e deve responder com humanidade. A nossa resposta a uma mulher que aborta não pode ser um julgamento e a prisão. Recuso totalmente esta ideia. Aceito rever a minha posição se num prazo razoável de tempo o número de abortos não diminuir, então fica claro que esta proposta estava errada.
Você diz que prefere banalizar a palavra vida do que a palvra IVG, eu preferia que não se banalizasse nenhuma. A banalização nunca causa preocupação.

um abraço,

Real
 
Caro Real,
Li com atenção o seu comentário, que agradeço. É bom poder trocar argumentos com quem está de boa fé, como é o nosso caso.
Sinceramente, não posso aceitar que pense que o aborto até às 10 semanas poupará muitas vidas. Que eu saiba não há (hoje e em Portugal, atenção)mulheres que morram por causa de abortos. Algumas dão entrada nos hospitais por causa de complicações, é verdade. Mas não morrem, Real. Portanto, só pode estar a referir-se aos fetos... Ou seja, salvar-se-ão muitas vidas porque o número de abortos diminui. E se diminui é porque foram praticados menos abortos. E se foram praticados menos abortos é porque nasceram mais bebés que, se não fosse a despenalização, teriam sido "interrompidos". É isto que pensa, segundo percebi, Real. Estou certo?
Quanto à "liberalização"... sabe porque lhe chamo assim? Porque se o Sim ganhar o aborto passa a ser feito a pedido ... sem necessidade de invocar qualquer razão que o justifique. E note que sou dos que pensam que pode haver razões que tornem inadmissiveis a punição e o julgamento. É por isso que tenho sugerido que as preocupações legítimas e generosas de boa parte dos defensores do Sim (como penso ser o seu caso) não se resolvem com o debate que estamos a travar. É com outro: com o do alargamento das excepções previstas na lei. Admitir a punição de mulheres que não devam ser punidas é horrível. Mas admitir que qualquer IVG até às 10 semanas deve ser permitida é, para mim, outro horror.
Espero que reflicta sobre o que lhe disse agora e que conteste, se for o caso.
Um abraço
 
fiz aqui ontem um comentário de resposta ao que o nuno me tinha perguntado e não o publicaram, alguma razão para isso ?

Real
 





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