O "sim" mediterrânico e o "não" atlântico


A propósito deste post, diz o Vasco Barreto que tenho uma "prosa épica" e acredito que o lado do "não" é o "inexpugnável baluarte moral da nação". Admito a parte da prosa, mas a conclusão já não me pertence. Eu nunca usaria a palavra "inexpugnável". E só observo factos: o Norte, à excepção das grandes cidades, vota geralmente de modo diferente do Sul. A 11 de Fevereiro também será assim, quase de certeza.
Na verdade, esta divisão político-regional é mais antiga do que a nacionalidade. Orlando Ribeiro atribui-lhe raízes geográficas, fruto da diferença entre o "Portugal" mediterrânico e o "Portugal" atlântico. Cláudio Torres usa-a para explicar o mapa do domínio muçulmano e Mattoso o do nascimento da pátria. Uns aplicam-na à crise de 1383-85, outros ao 5 de Outubro e ao 28 de Maio.
Não peço ao Vasco que saiba isto; a memória do Vasco, como se sabe, é inventada, e assim o leio com regularidade e gosto. Também não peço que dê pela ironia da frase "o campo e o interior (ou o que resta deles)". Na América, onde o Vasco vive, o sentido de humor dos abortistas anda um bocado por baixo desde que o Bush foi para a Casa Branca. Deve ser por isso que o Vasco ilustra o post com um mapa dos resultados das presidenciais americanas, justamente as últimas eleições que os republicanos ganharam. Eu pensava, na minha simplicidade aldeã, que os republicanos é que eram pelo "não" e os democratas pelo "sim". Mas o Vasco é que sabe (pelo menos desta vez). Ou então o Vasco trocou a memória não inventada pela profecia. O mapa a duas cores da última vitória republicana anuncia o mapa a duas cores da próxima vitória do "não"...
O que peço, isso sim, é que o Vasco faça o singelo link do meu post para o blogue do não, já que o fez para o blogue do sim. Bem sei que tenho a fama de escrever em vários blogues ao mesmo tempo, mas as notícias da minha poligamia são um pouco exageradas. Se estão a pensar convidar-me, terei de recusar o convite.
Questão de estilo, mais nada. É que, aí no "sim", só gostam de prosa lírica.

Comentários:
O grupo " Algés comVIDA" tem o prazer de o convidar para uma sessão
de
esclarecimento sobre o tema do aborto e o próximo referendo. Esta
sessão, terá lugar no dia próximo dia 26, às 21:30h nas
instalações do
Sport Algés e Dafundo e terá os seguintes oradores:

? Dra. Maria Furtado, directora da Casa de Sto. António, que é uma
instituição de acolhimento de mães solteiras com dificuldades e seus
filhos.
? Dra. Sofia Gouveia Pereira, jurista.
? Dr. Vítor Neto, médico obstetra.

Participe!
 
Pedro,

O link foi lapso, obviamente. Será corrigido. O mapa faz sentido, se por momentos esquecer as contas de merceeiro de quem ganhou e quem perdeu. A única coisa que o mapa mostra é que nos grandes centros urbanos e onde os níveis de instrução são mais elevados e a cultura mexe, ganharam os democratas, que são maioritairamente pelo "Sim". O apoio aos republicanos vem do Midwest e do Sul, tal como, em Portugal, o apoio à causa que defende parece vir, a acreditar nas suas palavras, do interior. Ou seja, sem querer desautorizar quem o Pedro cita (que sei eu de ciência política?), não me parece que estejamos perante uma idiossincrasia nacional. O Pedro e os restantes membros deste blogue, provavelmente todos ou quases todos de grandes centros urbanos, só conseguem convencer o eleitorado do interior e nas grandes cidades, onde as coisas de facto acontecem e as ideias circulam, perdem. Não estou a dizer que o voto das pessoas do campo deveria contar menos, escusa de ir por aí. Parece-me apenas que é mais significativo conseguir ganhar o voto das pessoas dos centros urbanos e onde o Pedro vê motivos de orgulho eu vejo motivos para alguma tristeza (e preocupação).

Vasco Barreto
 
peço desculpa pelas gralhas mas estava com uma torrada nas mãos quando escrevi o comentário...
VMB
 
Caro Vasco
1)Os autores que cito não são cientistas políticos, mas um geógrafo (OR), um arqueólogo (CT) e um historiador (JM). Do melhor que há, por sinal.
2) Nunca disse que a divisão de votos Norte-Sul ou litoral-interior é uma idiossincrasia portuguesa. Ela verifica-se em muitos outros países e está relacionada com diversos factores que, esses sim, parecem ser sempre os mesmos: estrutura da propriedade, demografia, urbanização, grau de prática religiosa, etc.
3) Não percebo onde é que vai buscar a ideia de que li o mapa da sondagem com orgulho. Pelo contrário: o que vejo é que o "não" ainda não ganhou, embora esteja a crescer.
4) Quem parece ter orgulho numa votação maioritária do "sim" nas cidades e no litoral é o Vasco. E o Vasco comete assim o erro mais típico e mais autodestrutivo dos "intelectuais de esquerda": o de pensarem, mesmo sem o dizerem, que têm o monopólio da cultura e do progresso. É de uma enorme, se bem que muitas vezes inconsciente, arrogância intelectual. Porque é que as pessoas "cultas", fora do seu âmbito de especialidade científica ou profissional, hão-de estar mais perto da verdade em questões éticas essenciais do que uma velhinha beata e analafabeta? Porque é que a as luzes nos EUA estão encerradas em Stanford, Princeton ou Columbia? Porque é que por cá estarão limitadas ao Bairro Alto, à Avenida de Berna ou ao Campo Grande? Alguns dos maiores crimes da história da humanidade foram cometidos por gente "culta": basta pensar na história do século XX e na ascensão de movimentos como o nazismo ou o comunismo. Aliás, e por falar nisso, repare que o voto no "sim" é ultramaioritário no Alentejo e nas áreas da cintura industrial de Lisboa mais fiéis ao PCP. Será isso outra prova da tal "circulação de ideias" que diz benficiar o "sim"?
O pior de tudo é que esta atitude não é só arrogante: é politicamente autista. Porque, por muito que vos custe, a democracia que os defensores do "sim" tão ardentemente dizem defender (suponho...) é o sistema político em que o voto do Vasco vale tanto como o de um redneck texano, ou o de um campónio de Trás-os-Montes, ou mesmo, veja só, o meu. Pior: a democracia é aquele sistema em que gente como Cavaco e Bush chega ao poder por vontade da maioria e em que o "não" venceu já um referendo e está perto de vencer este. É por esquecer estas coisas que ficam depois muito surpreendidós com certos resultados. Nunca foi boa ideia subestimar adversários que se batem por convicções. E os adeptos do "sim" deviam saber isso melhor do que ninguém.
Volte sempre. É sempre um prazer discutir estas coisas para além da guerrilha habitual.
 





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