SEJAMOS CLAROS - 4
"No plano da objectividade, importaria sobretudo garantir, na medida do possível, a neutralidade da pergunta relativamente às posições dominantes no debate público da questão, em especial a posição que se traduz em manter o actual sistema legal de não punibilidade do aborto terapêutico, eugénico ou criminológico, nas condições definidas pelo artigo 142º. do Código Penal, o qual se não pode confundir de modo nenhum com a ideia de penalização absoluta da interrupção voluntária da gravidez. Ora, nos termos em que se encontra formulada, a pergunta sugere uma escolha entre penalização e despenalização que não exprime a alternativa emergente dos debates que lhe deram origem, e que se coloca entre a despenalização relativa da lei actual e a despenalização absoluta até às dez semanas de gravidez. Quanto aos requisitos da clareza e da precisão, eles mostram-se imperfeitamente cumpridos, tanto do ponto de vista da resposta positiva ao referendo, como do ponto de vista da resposta negativa. Com efeito, uma resposta positiva pode ser entendida como favorável a uma simples eliminação da incriminação do aborto, mantendo-se este, no entanto, como um acto não lícito para outros efeitos, da mesma forma que pode ser entendida no sentido da liberalização – e, portanto, da licitude – do aborto nas primeiras dez semanas de gravidez, como sugere a parte final da pergunta ao referir-se à sua prática em estabelecimento legalmente autorizado. Uma resposta negativa, por seu lado, pode traduzir, quer o entendimento de que a criminalização deve ser mantida nos termos actuais, quer a opinião de que tanto deve ser despenalizado o aborto realizado em estabelecimento legalmente autorizado como o que é executado fora desses estabelecimentos."
Maria dos Prazeres Beleza, idem