SEJAMOS CLAROS - 6
"Tenho por evidente que a medida legislativa que os proponentes do referendo visam aprovar, na hipótese de resposta afirmativa vinculativa, não consiste numa mera despenalização (sem descriminalização). Não se trata, na verdade, de previsão de situações de não aplicação de penas a determinados autores de condutas que continuam a ser qualificadas como criminalmente ilícitas (como acontece com as propostas de eliminação do n.º 3 do artigo 140.º do Código Penal, constantes dos Projectos de Lei n.ºs 308/X (PCP), 309/X (Os Verdes) e 317/X (BE), que, essas sim, conduzem à não punição da mulher grávida em todas as situações de crimes de aborto, praticados fora das previsões do artigo 142.º), mas muito mais do que isso. Trata-se de deixar de considerar como crime, relativamente a todos os participantes nessas intervenções (e não apenas à mulher grávida), o aborto praticado, nas primeiras dez semanas de gravidez, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. E não se trata apenas de afastar a ilicitude criminal, mas toda e qualquer ilicitude. E ainda mais: trata‑se de assegurar, pelo próprio Estado, designadamente através do serviço nacional de saúde, a prática desses actos. Isto é: pretende‑se passar de uma situação de “crime punível”, não a uma situação de “crime não punível”, mas a uma situação de “não crime”, de “não ilícito” e de “direito a prestação do Estado. "
Mário Torres, idem