A/C DE DANIEL OLIVEIRA
O Daniel Oliveira é do estilo “toca e foge”.
Chega aqui à nossa casa, despeja uns comentários, geralmente irónicos e sem conteúdo, e vira as costas. Imagino-o inundado em afazeres, desdobrando-se em muitos para dar resposta a tudo quanto a campanha exige.
Mas, pelo caminho, vai deixando para trás umas quantas respostas, a perguntas muito importantes para o esclarecimento público, que diz procurar e nos acusa de baralhar.
Vamos ver se desta vez não se esquiva (como fez numa caixa de comentários). O Daniel Oliveira defende que a pergunta do referendo não visa a liberalização do aborto até às 10 semanas mas tão somente a despenalização neste período. Pergunto-lhe: o que falta então para ser a liberalização até às 10 semanas? O que teria que acrescentar à pergunta?
Aguardamos serenamente. Mas não demore muito a responder, olhe que só faltam 9 dias para a votação e o que se pretende é o esclarecimento dos eleitores.
Chega aqui à nossa casa, despeja uns comentários, geralmente irónicos e sem conteúdo, e vira as costas. Imagino-o inundado em afazeres, desdobrando-se em muitos para dar resposta a tudo quanto a campanha exige.
Mas, pelo caminho, vai deixando para trás umas quantas respostas, a perguntas muito importantes para o esclarecimento público, que diz procurar e nos acusa de baralhar.
Vamos ver se desta vez não se esquiva (como fez numa caixa de comentários). O Daniel Oliveira defende que a pergunta do referendo não visa a liberalização do aborto até às 10 semanas mas tão somente a despenalização neste período. Pergunto-lhe: o que falta então para ser a liberalização até às 10 semanas? O que teria que acrescentar à pergunta?
Aguardamos serenamente. Mas não demore muito a responder, olhe que só faltam 9 dias para a votação e o que se pretende é o esclarecimento dos eleitores.
Comentários:
blogue do não
in http://geraldosempavor.blogspot.com
Nesta sentença ( http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_JN_8888_1_0001.htm )do Tribunal da Comarca de Coruche, onde nenhum elemento do Bloco de Esquerda se foi manifestar, a Dona Maria Da Graça De Sá Luz Coruche Ribeiro Da Cunha, MULHER, foi condenada a 80 dias prisão por destruir ovos de cegonha!!!
Se o Sim ganhar no próximo dia 11 de Fevereiro os ovos de cegonha continuarão e bem a merecer tutela jurídica. Infelizmente os ovos humanos já não.
ELUCIDATIVO!
Nesta sentença ( http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_JN_8888_1_0001.htm )do Tribunal da Comarca de Coruche, onde nenhum elemento do Bloco de Esquerda se foi manifestar, a Dona Maria Da Graça De Sá Luz Coruche Ribeiro Da Cunha, MULHER, foi condenada a 80 dias prisão por destruir ovos de cegonha!!!
Se o Sim ganhar no próximo dia 11 de Fevereiro os ovos de cegonha continuarão e bem a merecer tutela jurídica. Infelizmente os ovos humanos já não.
ELUCIDATIVO!
Oh céus, é fácil, não se teria de acrescentar nada à pergunta, teria era de se retirar os 3 condicionalismos que lá estão! Duh!
Oh, anonymous das 12:46: ser ou não um acto livre não tem a ver com quando ou onde é realizado, mas sim com a ausência de necessidade de uma razão justificativa. Duh!
1."Liberalização" é um termo sem significado jurídico algum, neste domínio.
2. Descriminalizar não é o mesmo que liberalizar. Aconselhava-a a ler o texto notável do Doutor João Loureiro, de quem discordo, todavia, no plano jurídico (louvando-me aliás na doutrina penalística Coimbrã).
3. Podíamos discutir o que é a liberdade, já que gostam tanto de debates ético-filosóficos. Não sei porque se invoca de modo altissonante a vida, e se descaracteriza por completo a autonomia (degradando-a - à revelia de grande parte da reflexão do século transacto - num mero "poder de decidir".)
4. Só este mal-entendido permite compreender a aceitação do abortamento por indicação de um médico, com enorme tranquilidade, e a recusa veemente da solução que vai a referendo.
5. Agora, por favor não venham dizer que a proposta sujeita a referendo não oferece alternativa à mulher que não a de recorrer à interrupção. Nem tão pouco, por outra banda, reduzir a liberdade à arbitrariedade. Isso ou é falta de honestidade ou então ignorância.
6. Há obviamente uma diferença simbólica entre proscrever ou não a intervençao da autonomia da mulher neste domínio. Mas como ninguém parece querer retirar as consequências jurídicas da trangressão simbólica, não vejo como pode recomendar-se ao direito PENAL (a ultima ratio do direito) essa tarefa.
Luis António Malheiro Meneses do Vale
2. Descriminalizar não é o mesmo que liberalizar. Aconselhava-a a ler o texto notável do Doutor João Loureiro, de quem discordo, todavia, no plano jurídico (louvando-me aliás na doutrina penalística Coimbrã).
3. Podíamos discutir o que é a liberdade, já que gostam tanto de debates ético-filosóficos. Não sei porque se invoca de modo altissonante a vida, e se descaracteriza por completo a autonomia (degradando-a - à revelia de grande parte da reflexão do século transacto - num mero "poder de decidir".)
4. Só este mal-entendido permite compreender a aceitação do abortamento por indicação de um médico, com enorme tranquilidade, e a recusa veemente da solução que vai a referendo.
5. Agora, por favor não venham dizer que a proposta sujeita a referendo não oferece alternativa à mulher que não a de recorrer à interrupção. Nem tão pouco, por outra banda, reduzir a liberdade à arbitrariedade. Isso ou é falta de honestidade ou então ignorância.
6. Há obviamente uma diferença simbólica entre proscrever ou não a intervençao da autonomia da mulher neste domínio. Mas como ninguém parece querer retirar as consequências jurídicas da trangressão simbólica, não vejo como pode recomendar-se ao direito PENAL (a ultima ratio do direito) essa tarefa.
Luis António Malheiro Meneses do Vale
joana, leia então com a atenção que a sua elasticidade intelectual asinina permitir:
para ser liberalização, o processo nao teria que passar por um establecimento devidamente autorizado. podia ser feito em qualquer lado sem qualquer consequência ou o minimo controlo. nos establecimentos devidamente autorizados, o processo será, pelo menos verificado no que à circunstância temporal, diz respeito e registrado.
para ser liberalização, o processo nao teria que passar por um establecimento devidamente autorizado. podia ser feito em qualquer lado sem qualquer consequência ou o minimo controlo. nos establecimentos devidamente autorizados, o processo será, pelo menos verificado no que à circunstância temporal, diz respeito e registrado.
Oh Duh da 1.41, livre significa "isento de condicionalismos" P. ex: imprensa livre, livre expressão do pensamento, entrada livre, etc. Duplo duh!!!
Oh anonymous das 2:37:
O meu nome é Rui Fernandes, não é Duh da 1:41. O respeito é uma coisa boa (ao contrário do aborto), caro anonymous.
O caso aqui é que a palavra não pode ser aplicada no sentido literal, ignorando a questão ética subjacente. Assim, neste caso, livre significa: "isento de condicionalismos" justificativos. Triplo Duh!
O meu nome é Rui Fernandes, não é Duh da 1:41. O respeito é uma coisa boa (ao contrário do aborto), caro anonymous.
O caso aqui é que a palavra não pode ser aplicada no sentido literal, ignorando a questão ética subjacente. Assim, neste caso, livre significa: "isento de condicionalismos" justificativos. Triplo Duh!
Meu caro Luis do Vale,
Escreve bem; percebo que sim. Mas por detrás de uma retórica engenhosamente elaborada esconde-se um desumanismo impiedoso.
Liberdade é, antes de mais e sem mais paneleirisses, capacidade de aderir ao bem, e é isso que a distingue do livre arbítrio.
Poderia comentar os seus pontos um a um, mas o seu texto transparece um orgulho de tal forma titânico que seria um verdadeiro desperdício de tempo.
Agradeço uma salva de palmas para este Eng. Linguístico do "Sim".
Melhores Cumprimentos,
David Sanguinetti
Escreve bem; percebo que sim. Mas por detrás de uma retórica engenhosamente elaborada esconde-se um desumanismo impiedoso.
Liberdade é, antes de mais e sem mais paneleirisses, capacidade de aderir ao bem, e é isso que a distingue do livre arbítrio.
Poderia comentar os seus pontos um a um, mas o seu texto transparece um orgulho de tal forma titânico que seria um verdadeiro desperdício de tempo.
Agradeço uma salva de palmas para este Eng. Linguístico do "Sim".
Melhores Cumprimentos,
David Sanguinetti
Oh Rui "Triplo Duh" Fernandes...
"a palavra não pode ser aplicada no sentido literal, ignorando a questão ética subjacente. Assim, neste caso, livre significa: "isento de condicionalismos" justificativos"
... says who? (desculpe mas isto traduzido perde a graça)
"a palavra não pode ser aplicada no sentido literal, ignorando a questão ética subjacente. Assim, neste caso, livre significa: "isento de condicionalismos" justificativos"
... says who? (desculpe mas isto traduzido perde a graça)
A radicalidade de todo o movimento Sim tem sido demonstrada nos frequentes debates televisivos. Joana Amaral Dias a interromper constantemente os oponentes, Clara Pinto Correia a pragejar ao bom estilo do Bolhão no "Sociedade Civil", Catarina Furtado a dar ares de novo riquismo intelectual ao desprezar a opinião de um jovem apoiante do "Não", o rumor constante do riso na plateia do "Sim" no Prós e Contras... A liberdade de certos indivíduos é o desprezo intelectual pelo outro.
Anonymous das 3:24:
É uma questão de conceitos (quem percebe, sabe; quem não percebe, ignora). Leu o comentário do Sr. David Sanguinetti: "Liberdade é, antes de mais e sem mais paneleirisses, capacidade de aderir ao bem, e é isso que a distingue do livre arbítrio." ?
(O Sr. Anonymous também não sabe o que é respeito?)
É uma questão de conceitos (quem percebe, sabe; quem não percebe, ignora). Leu o comentário do Sr. David Sanguinetti: "Liberdade é, antes de mais e sem mais paneleirisses, capacidade de aderir ao bem, e é isso que a distingue do livre arbítrio." ?
(O Sr. Anonymous também não sabe o que é respeito?)
Caro David,
lamento ter sido interpretado como um simples jactante, porque na verdade não tenho realmente conhecimentos de especial a exibir, que outros não tenham em muito maior quantidade e qualidade. O meu propósito não foi fazer acrobacias retóricas e, sinceramente, não consigo vislumbrar a vontade titânica (tirânica?) nas minhas palavras.
Só posso penitenciar-me por não ter sido suficientemente claro.
Simplesmente ignorava que a acribologia era malquista por aqui e que todos tínhamos de escrver paneleirice com dois ss.
O propósito foi o de sugerir que me parece necessário, em abono do rigor, distinguir um bem axiológico-cultural de um bem jurídico; um bem com relevo jurídico, de um bem com dignidade jurídico penal; E um bem jurídico penal de um bem carente de pena.
Num post anterior manifestei a minha concordância com a necessidade de garantia jurídica da vida intra-uterina; anui com os que defendem a sua dignidade jurídico-penal; E dei conta de que este bem reclama uma pena. O problema aqui está em saber em que termos, ou por outra, como deve ela ser modelada, uma vez que a este nível, os bens dignos de protecção têm de ser sopesados reciprocamente. E a minha posição é a de que o principio da protecção da vida uterina não pode prevalecer em absoluto, como hoje, sobre a autonomia da mulher, compreendida em termos qualificados,tal como a apresentei em esboço, pois que directamente filiada na dignidade da pessoa humana. Daí que a proposta sujeita a referendo se me afigure equilibrada.
Acresce que, como há de convir, alegar que esta solução não oferece às mulheres alternativa ao aborto, como tem sido repetido, não é correcto. Tudo o que de meritório as associações de apoio à mulher grávida têm feito podem e devem continuar a fazer. Não perde minimamente o seu sentido.
E reconduzir a liberdade à arbitrariedade também não é sério. Uma das aproximações à liberdade é justamente a que apresenta. Só que a adesão ao bem não pode definir-se juridicamente, porque o direito se prende com a justiça, e não com o bem. A autonomia é justamente uma faculdade de se construir a si próprio, de fazer "opções de ser", como em termos grosseiros tive oportunidade de lhes chamar. Ora as restrições a um bem desta grandeza - que não a uma liberdade radicada num estrato psicológico da vontade - têm de ser muito contadas, pois foi para garanti-lo que o direito Penal foi criado.
Por último, desculpe-me que lhe acuse a deselegância da sua paternal condescendência. A displicência não veste bem a toda a gente, sabe? É dos piores pecados, o da vaidade recalcada. Acredite ou não, vim aqui escrever sem o intuito de "pontificar",mas também sem calculismos disfarçados de modéstia. Aborreço essa atitude a pender para o cinismo, se bem que este, para não ser azedo demais, exige uma fleuma, que, desculpe-me a impressão, não me parece de todo ser seu apanágio.
Não dúvido das suas capacidades de perquirição psicológica, mas em todo o caso, julgo que tem uma parca base de informação para elaborar juízos sumários de carácter.
Julgo que nunca deixei de ser cordato nas minhas observações. Sou amigo da Mafalda que aqui escreve e isso bastaria para provar que me pronuncio apenas sobre os argumentos esgrimidos, e nuna sobre o ethos dos contendores, que, por princípio, não tenho razões para não respeitar. Mais, entendo os argumentos do não e subscrevo muitas das posições éticas que as inspiram (e até algumas desimplicações jurídicas delas). Só que em última instância não os reputo procedentes, por vários motivos, alguns dos quais foram já mencionados.
Com os melhores cumprimentos
Luis António Malheiro Meneses do Vale
lamento ter sido interpretado como um simples jactante, porque na verdade não tenho realmente conhecimentos de especial a exibir, que outros não tenham em muito maior quantidade e qualidade. O meu propósito não foi fazer acrobacias retóricas e, sinceramente, não consigo vislumbrar a vontade titânica (tirânica?) nas minhas palavras.
Só posso penitenciar-me por não ter sido suficientemente claro.
Simplesmente ignorava que a acribologia era malquista por aqui e que todos tínhamos de escrver paneleirice com dois ss.
O propósito foi o de sugerir que me parece necessário, em abono do rigor, distinguir um bem axiológico-cultural de um bem jurídico; um bem com relevo jurídico, de um bem com dignidade jurídico penal; E um bem jurídico penal de um bem carente de pena.
Num post anterior manifestei a minha concordância com a necessidade de garantia jurídica da vida intra-uterina; anui com os que defendem a sua dignidade jurídico-penal; E dei conta de que este bem reclama uma pena. O problema aqui está em saber em que termos, ou por outra, como deve ela ser modelada, uma vez que a este nível, os bens dignos de protecção têm de ser sopesados reciprocamente. E a minha posição é a de que o principio da protecção da vida uterina não pode prevalecer em absoluto, como hoje, sobre a autonomia da mulher, compreendida em termos qualificados,tal como a apresentei em esboço, pois que directamente filiada na dignidade da pessoa humana. Daí que a proposta sujeita a referendo se me afigure equilibrada.
Acresce que, como há de convir, alegar que esta solução não oferece às mulheres alternativa ao aborto, como tem sido repetido, não é correcto. Tudo o que de meritório as associações de apoio à mulher grávida têm feito podem e devem continuar a fazer. Não perde minimamente o seu sentido.
E reconduzir a liberdade à arbitrariedade também não é sério. Uma das aproximações à liberdade é justamente a que apresenta. Só que a adesão ao bem não pode definir-se juridicamente, porque o direito se prende com a justiça, e não com o bem. A autonomia é justamente uma faculdade de se construir a si próprio, de fazer "opções de ser", como em termos grosseiros tive oportunidade de lhes chamar. Ora as restrições a um bem desta grandeza - que não a uma liberdade radicada num estrato psicológico da vontade - têm de ser muito contadas, pois foi para garanti-lo que o direito Penal foi criado.
Por último, desculpe-me que lhe acuse a deselegância da sua paternal condescendência. A displicência não veste bem a toda a gente, sabe? É dos piores pecados, o da vaidade recalcada. Acredite ou não, vim aqui escrever sem o intuito de "pontificar",mas também sem calculismos disfarçados de modéstia. Aborreço essa atitude a pender para o cinismo, se bem que este, para não ser azedo demais, exige uma fleuma, que, desculpe-me a impressão, não me parece de todo ser seu apanágio.
Não dúvido das suas capacidades de perquirição psicológica, mas em todo o caso, julgo que tem uma parca base de informação para elaborar juízos sumários de carácter.
Julgo que nunca deixei de ser cordato nas minhas observações. Sou amigo da Mafalda que aqui escreve e isso bastaria para provar que me pronuncio apenas sobre os argumentos esgrimidos, e nuna sobre o ethos dos contendores, que, por princípio, não tenho razões para não respeitar. Mais, entendo os argumentos do não e subscrevo muitas das posições éticas que as inspiram (e até algumas desimplicações jurídicas delas). Só que em última instância não os reputo procedentes, por vários motivos, alguns dos quais foram já mencionados.
Com os melhores cumprimentos
Luis António Malheiro Meneses do Vale
o que falta então para ser a liberalização até às 10 semanas?
poder ser feito em qualquer sítio sem autorização do Estado.
Vá lá. Agora perguntem "o que falta então para ser a liberalização até às 10 semanas em estabelecimento de saúde autorizado, e com todas as ressalvas que a lei vier a impor?"
A resposta é "falta tanto quanto falta à lei actual para ser uma liberalização debaixo de todas as restrições legais"
A liberalização não é o vosso inimigo. Se há um crime, apontem a ele.
poder ser feito em qualquer sítio sem autorização do Estado.
Vá lá. Agora perguntem "o que falta então para ser a liberalização até às 10 semanas em estabelecimento de saúde autorizado, e com todas as ressalvas que a lei vier a impor?"
A resposta é "falta tanto quanto falta à lei actual para ser uma liberalização debaixo de todas as restrições legais"
A liberalização não é o vosso inimigo. Se há um crime, apontem a ele.
Anonymous (2:37 PM),
livre significa "isento de condicionalismos" P. ex: imprensa livre, livre expressão do pensamento, entrada livre, etc. Duplo duh!!!
Livre nunca significou "sem quaisquer condicionalismos". Até mesmo a imprensa e a expressão de pensamento têem limites ao seu exercício.
Talvez lhe custe a acreditar mas a sua liberdade não é ilimitada. Sabe porquê? Porque o anonymous não é o único a ter o direito a ser livre, os outros também têem esse direito. Isso significa que a sua liberdade termina onde começa a liberdade dos outros.
A liberdade está intrinsecamente ligada à responsabilidade. Se não é responsável pelo que faz, então não é livre para o fazer. É por isso que, numa sociedade democrática e livre, os limites ao exercício da liberdade estão definidos na Lei.
Se não entende isto, "duh" assenta-lhe na perfeição.
livre significa "isento de condicionalismos" P. ex: imprensa livre, livre expressão do pensamento, entrada livre, etc. Duplo duh!!!
Livre nunca significou "sem quaisquer condicionalismos". Até mesmo a imprensa e a expressão de pensamento têem limites ao seu exercício.
Talvez lhe custe a acreditar mas a sua liberdade não é ilimitada. Sabe porquê? Porque o anonymous não é o único a ter o direito a ser livre, os outros também têem esse direito. Isso significa que a sua liberdade termina onde começa a liberdade dos outros.
A liberdade está intrinsecamente ligada à responsabilidade. Se não é responsável pelo que faz, então não é livre para o fazer. É por isso que, numa sociedade democrática e livre, os limites ao exercício da liberdade estão definidos na Lei.
Se não entende isto, "duh" assenta-lhe na perfeição.
Meu caro Luís Menezes,
deixa-me dizer-te que é um prazer encontrar-te por estas paragens.
E poder a ti dirigir-me sobre um tema em que temos profundas divergências, não fosses tu uma pessoas intelectualmente superior.
Começo por te dizer que tens toda a razão. Descriminalizar não é o mesmo que liberalizar, bem como não é o mesmo que despenalizar. E aqui reside um dos principais óbices a uma discussão pública que se pretendia e pretende séria. Pois, na verdade, não se trata apenas de evitar a aplicação de uma pena a todas as mulheres que abortem. Acredita que, se assim fosse, o consenso se obteria mais facilmente. Nem se trata, tão-só, de desconsiderar a relevância penal de um determinado comportamento. Não é simplesmente um recuo do direito penal enquanto ultima ratio do ordenamento que está em causa, mas a atribuição de um direito a todas as mulheres que queiram abortar.
Direito em face do Estado – já que a mulher poderá exigir da parte deste uma prestação positiva para o efectivar -, e direito em face de outro ser humano. Pois que, a partir do momento em que seja reconhecida a sua existência (e, recusando ignorar a evidência de que o embrião é vida humana, recuso concomitantemente, quanto mais não seja pelo risco da abertura ao arbítrio, a desqualificação desse ser como pessoa), torna-se insofismável a nota de alteridade que caracteriza a relação especificamente jurídica.
Somos, assim, (e lê estas minhas palavras como no sentido da criação de uma ponte dialógica que permita levar a cabo a argumentação) remetidos para a consideração de dois direitos (e não apenas um, como parece decorrer do discurso que invoca um direito ao corpo da mulher): a vida e a liberdade da mãe.
Faz-te confusão que se invoque de modo altissonante a vida e se desconsidere a liberdade, na sua conformação mais densa que passa pelo correcto entendimento da autonomia como matriz predicativa do ser pessoa. Dizes, no seguimento do desabafo, e num tom decepcionado, próprio de quem continua a denotar a inconcludência do pensamento dominante, que se degrada a liberdade a um puro decidir.
Meu caro amigo, não podia estar mais de acordo contigo. Simplesmente é essa percepção conjunta e fundada que me leva a votar não.
Vou tentar, pelo respeito e amizade que nos une, mostrar-te as razões desse meu entendimento.
Parto, para o efeito, do pressuposto (inegável aos meus olhos) da pessoalidade do embrião, que decorre da sua natureza – cientificamente comprovada –, isto é, do facto de ser uma vida humana.
E continuo no respeito pela liberdade da mulher, de todas as mulheres, entre as quais eu própria me incluo.
Agimos livremente. Tal implica que tomemos opções. E exactamente porque a liberdade não se queda num puro e empobrecedor decidir, temos – eu tenho e tu também tens – noção exacta que, ainda que intuitivamente, naquela decisão vai espelhada uma fundamentação. Algo que, na vertigem do salto em frente, nos ampare na nossa escolha. Mobilizamos razões que sustentam os nossos mais pequenos actos e nelas encontramos a âncora da nossa autodeterminação.
E com isso ligamos os resultados da nossa conduta a nós mesmos, segundo uma lógica de imputação que, afastando-se do puro mecanicismo, envolve a chamada à colação de uma determinada racionalidade e da ponderação de riscos.
A mulher é livre. Livre para agir em geral. Livre para se autodeterminar sexualmente. Ditou a natureza que essa dimensão da autodeterminação feminina andasse ligada paredes-meias com a autodeterminação da maternidade. Permitiu o progresso científico que elas se distinguissem. Ao ponto de ser possível – com grande margem de fiabilidade – que uma mulher tenha uma relação sexual e evite uma gravidez.
A mulher é livre para se autodeterminar sexualmente e para a maternidade. Decide se quer ou não ter uma relação sexual, decide se a quer ter usando um meio contraceptivo ou não. Ao fazê-lo, exactamente porque, tal como tu, recuso o empobrecimento da liberdade humana, mobiliza (ainda que disso não tenha consciência) uma dada racionalidade (que faz com que as pessoas com mundividências diferentes tenham vivências sexuais diversas) e sopesa os riscos de uma gravidez que, conscientemente, não pode ignorar, por menores que eles sejam. Conforma a sua conduta de acordo com o grau de risco que está disposta a assumir. Mas que, a partir do momento em que se autodetermina, assume. Sob pena de sermos conduzidos ao tal pensamento despessoalizante que denunciavas. Não é próprio dos seres humanos não lhes ser imputável um determinado efeito da sua conduta livre, quando ele seja provável (mesmo que não seja desejável).
Não achas, então, que a liberdade da mulher se joga a montante? Não achas que, segundo uma dialéctica entretecida entre a liberdade e a responsabilidade que a acompanha, a liberdade para a autodeterminação sexual e da maternidade já se esgotou em momento prévio?
Mesmo que não concordes, mesmo que reserves para a altura em que a mãe se confronta com a notícia da gravidez alguma margem de autonomia, diz-me onde a ancoras?
Qual o fundamento material do decidir da mãe?
Milhentas razões podem ser pensadas. Mesmo uma que nos choque profundamente. Mesmo uma que consubstancie um motivo fútil. Em todas elas, ainda que nos concitem misericórdia, há um dado inegável. Na fundamentação da sua decisão, a mulher olvida a relação ética fundamental do respeito pelo outro ser, exactamente porque coloca todos os seus interesses acima da vida de outro ser. Donde, não é pensável que ela possa ser vertida na capa de um direito que, a sê-lo, só o é formalmente.
Dir-me-ás que situações haverá em que a mulher pode ser portadora de um interesse conflituante com a vida do embrião. Dir-te-ei que estão contempladas na lei e que se outras houver os mecanismos próprios do sistema, que tão bem como eu sabes não se reduzir à norma posta e imposta pelo legislador, actuarão no sentido de evitar a condenação da mãe.
Mas porque te conheço e sei que não desistes facilmente do teu sempre persuasivo argumentário, vou mais longe. E abro a porta ao diálogo sobre a oportunidade da criminalização, pela consciência do momento em que nos situamos, prévio à judicativa realização concreta do direito. Tenho ouvido, de facto, que com a nova lei o aborto será regulado, que haverá controlo dos médicos, que a mulher não será abandonada na clandestinidade de um vão de escadas e que com isso se evitarão mais abortos do que aqueles que a tipificação penal consegue proscrever. Como? Se a mulher pode abortar porque sim, independentemente de um prévio aconselhamento (que o PS retirou do projecto que agora estamos a referendar), presa fácil para as pressões de um marido, namorado, companheiro (o que quiseres) que não quer assumir as suas responsabilidades de pai, ou mesmo – porque não dizê-lo abertamente face às declarações do Ministro da Saúde que denunciou a insuficiência do SNS para fazer face aos pedidos de aborto livre – atraída pelas clínicas privadas que, dedicando-se quase exclusivamente ao problema – são orientadas pela lógica do lucro?
Meu caro Luís, porque te conheço e reconheço em ti uma honestidade intelectual e uma profundidade de pensamento que são raras nos dias de hoje, peço-te que penses nas longas palavras que te dirijo.
Encontramo-nos para as nossas conversas pela Faculdade.
Um beijinho,
Mafalda
deixa-me dizer-te que é um prazer encontrar-te por estas paragens.
E poder a ti dirigir-me sobre um tema em que temos profundas divergências, não fosses tu uma pessoas intelectualmente superior.
Começo por te dizer que tens toda a razão. Descriminalizar não é o mesmo que liberalizar, bem como não é o mesmo que despenalizar. E aqui reside um dos principais óbices a uma discussão pública que se pretendia e pretende séria. Pois, na verdade, não se trata apenas de evitar a aplicação de uma pena a todas as mulheres que abortem. Acredita que, se assim fosse, o consenso se obteria mais facilmente. Nem se trata, tão-só, de desconsiderar a relevância penal de um determinado comportamento. Não é simplesmente um recuo do direito penal enquanto ultima ratio do ordenamento que está em causa, mas a atribuição de um direito a todas as mulheres que queiram abortar.
Direito em face do Estado – já que a mulher poderá exigir da parte deste uma prestação positiva para o efectivar -, e direito em face de outro ser humano. Pois que, a partir do momento em que seja reconhecida a sua existência (e, recusando ignorar a evidência de que o embrião é vida humana, recuso concomitantemente, quanto mais não seja pelo risco da abertura ao arbítrio, a desqualificação desse ser como pessoa), torna-se insofismável a nota de alteridade que caracteriza a relação especificamente jurídica.
Somos, assim, (e lê estas minhas palavras como no sentido da criação de uma ponte dialógica que permita levar a cabo a argumentação) remetidos para a consideração de dois direitos (e não apenas um, como parece decorrer do discurso que invoca um direito ao corpo da mulher): a vida e a liberdade da mãe.
Faz-te confusão que se invoque de modo altissonante a vida e se desconsidere a liberdade, na sua conformação mais densa que passa pelo correcto entendimento da autonomia como matriz predicativa do ser pessoa. Dizes, no seguimento do desabafo, e num tom decepcionado, próprio de quem continua a denotar a inconcludência do pensamento dominante, que se degrada a liberdade a um puro decidir.
Meu caro amigo, não podia estar mais de acordo contigo. Simplesmente é essa percepção conjunta e fundada que me leva a votar não.
Vou tentar, pelo respeito e amizade que nos une, mostrar-te as razões desse meu entendimento.
Parto, para o efeito, do pressuposto (inegável aos meus olhos) da pessoalidade do embrião, que decorre da sua natureza – cientificamente comprovada –, isto é, do facto de ser uma vida humana.
E continuo no respeito pela liberdade da mulher, de todas as mulheres, entre as quais eu própria me incluo.
Agimos livremente. Tal implica que tomemos opções. E exactamente porque a liberdade não se queda num puro e empobrecedor decidir, temos – eu tenho e tu também tens – noção exacta que, ainda que intuitivamente, naquela decisão vai espelhada uma fundamentação. Algo que, na vertigem do salto em frente, nos ampare na nossa escolha. Mobilizamos razões que sustentam os nossos mais pequenos actos e nelas encontramos a âncora da nossa autodeterminação.
E com isso ligamos os resultados da nossa conduta a nós mesmos, segundo uma lógica de imputação que, afastando-se do puro mecanicismo, envolve a chamada à colação de uma determinada racionalidade e da ponderação de riscos.
A mulher é livre. Livre para agir em geral. Livre para se autodeterminar sexualmente. Ditou a natureza que essa dimensão da autodeterminação feminina andasse ligada paredes-meias com a autodeterminação da maternidade. Permitiu o progresso científico que elas se distinguissem. Ao ponto de ser possível – com grande margem de fiabilidade – que uma mulher tenha uma relação sexual e evite uma gravidez.
A mulher é livre para se autodeterminar sexualmente e para a maternidade. Decide se quer ou não ter uma relação sexual, decide se a quer ter usando um meio contraceptivo ou não. Ao fazê-lo, exactamente porque, tal como tu, recuso o empobrecimento da liberdade humana, mobiliza (ainda que disso não tenha consciência) uma dada racionalidade (que faz com que as pessoas com mundividências diferentes tenham vivências sexuais diversas) e sopesa os riscos de uma gravidez que, conscientemente, não pode ignorar, por menores que eles sejam. Conforma a sua conduta de acordo com o grau de risco que está disposta a assumir. Mas que, a partir do momento em que se autodetermina, assume. Sob pena de sermos conduzidos ao tal pensamento despessoalizante que denunciavas. Não é próprio dos seres humanos não lhes ser imputável um determinado efeito da sua conduta livre, quando ele seja provável (mesmo que não seja desejável).
Não achas, então, que a liberdade da mulher se joga a montante? Não achas que, segundo uma dialéctica entretecida entre a liberdade e a responsabilidade que a acompanha, a liberdade para a autodeterminação sexual e da maternidade já se esgotou em momento prévio?
Mesmo que não concordes, mesmo que reserves para a altura em que a mãe se confronta com a notícia da gravidez alguma margem de autonomia, diz-me onde a ancoras?
Qual o fundamento material do decidir da mãe?
Milhentas razões podem ser pensadas. Mesmo uma que nos choque profundamente. Mesmo uma que consubstancie um motivo fútil. Em todas elas, ainda que nos concitem misericórdia, há um dado inegável. Na fundamentação da sua decisão, a mulher olvida a relação ética fundamental do respeito pelo outro ser, exactamente porque coloca todos os seus interesses acima da vida de outro ser. Donde, não é pensável que ela possa ser vertida na capa de um direito que, a sê-lo, só o é formalmente.
Dir-me-ás que situações haverá em que a mulher pode ser portadora de um interesse conflituante com a vida do embrião. Dir-te-ei que estão contempladas na lei e que se outras houver os mecanismos próprios do sistema, que tão bem como eu sabes não se reduzir à norma posta e imposta pelo legislador, actuarão no sentido de evitar a condenação da mãe.
Mas porque te conheço e sei que não desistes facilmente do teu sempre persuasivo argumentário, vou mais longe. E abro a porta ao diálogo sobre a oportunidade da criminalização, pela consciência do momento em que nos situamos, prévio à judicativa realização concreta do direito. Tenho ouvido, de facto, que com a nova lei o aborto será regulado, que haverá controlo dos médicos, que a mulher não será abandonada na clandestinidade de um vão de escadas e que com isso se evitarão mais abortos do que aqueles que a tipificação penal consegue proscrever. Como? Se a mulher pode abortar porque sim, independentemente de um prévio aconselhamento (que o PS retirou do projecto que agora estamos a referendar), presa fácil para as pressões de um marido, namorado, companheiro (o que quiseres) que não quer assumir as suas responsabilidades de pai, ou mesmo – porque não dizê-lo abertamente face às declarações do Ministro da Saúde que denunciou a insuficiência do SNS para fazer face aos pedidos de aborto livre – atraída pelas clínicas privadas que, dedicando-se quase exclusivamente ao problema – são orientadas pela lógica do lucro?
Meu caro Luís, porque te conheço e reconheço em ti uma honestidade intelectual e uma profundidade de pensamento que são raras nos dias de hoje, peço-te que penses nas longas palavras que te dirijo.
Encontramo-nos para as nossas conversas pela Faculdade.
Um beijinho,
Mafalda
Caro Luis do Vale,
O que na verdade distingue os seus argumentos dos outros é que os seus requerem ser lidos mais devagar. Mas, honestamente, fico bem impressionado com os seus dotes literários! Porém, não é fácil perceber o seu raciocínio.
Falou-me na questão da "justiça" e do "bem". Tipicamente, não tenho "paciência" (se me é permitido o uso da expressão), para discutir informaticamente assuntos que são tema para inúmeras testes, debates e livros. Jogarei então pelo lado mais pragmático da questão. E começarei abordando dois conceitos que são sobejamente utilizados, mas nem sempre bem conhecidos: Liberdade e Regras.
Estes dois estão intimamente ligados, na medida em que não subsistem um sem o outro (não há liberdade sem regras; nem regras sem liberdade).
Semelhante coisa se passa com Justiça e Bem. Aparentemente subjectivos, a justiça não faz sentido existir se não contribuir para um bem. A maior dificuldade está em classificar atitudes como "boas" ou "más", para se poderem efectuar bons critérios de justiça.
Na crise de valores que atravessamos hoje em dia, este "bem" apresenta-se como recurso escasso; assim, com ele, também o critério de justiça se vai diluindo.
Penso que a nossa salvação para a compreensão mais totalizante destes conceitos e de como os aplicar está na medida da intenção aplicada a um acto. É uma questão antiga, de facto, mas repare: Um pai desesperado que rouba num super-mercado para dar de comer a um filho, merecerá a mesma pena de alguém que roubou o super-mercado pelo perverso gosto de roubar?
Nesta questão do aborto, não jogamos num plano muito diferente. Tomando o exemplo de uma mulher que engravida irresponsavelmente, para depois abortar o filho que lhe cresce no ventre, e uma outra mulher que aborta porque a sua saúde está em risco. Existirá equiparação?
A lei deve, antes de mais, incentivar ao uso responsável da sexualidade, porque é aí que começa a Vida. Despenalizando, incorremos no grave risco de galvanizar a premiscuidade, reduzir o valor da família (que é, no fim de contas, a unidade celular de uma sociedade), e aumentar desmesuradamente o número de abortos realizados (prática esta que é, em si, um verdadeiro atentado à vida humana, salvo a excepção supra-citada e outras).
Para concluir, gostava de esclarecer que sou a favor de espaços como este para fomentar o debate, e é importante que os assuntos sejam abordados da forma mais aberta quanto possível, a fim de evitar o extremar de posições. No meu caso, o único valor que extremo é o valor da vida.
Agradeço sinceramente os seus comentários.
Melhores Cumprimentos,
David Sanguinetti
O que na verdade distingue os seus argumentos dos outros é que os seus requerem ser lidos mais devagar. Mas, honestamente, fico bem impressionado com os seus dotes literários! Porém, não é fácil perceber o seu raciocínio.
Falou-me na questão da "justiça" e do "bem". Tipicamente, não tenho "paciência" (se me é permitido o uso da expressão), para discutir informaticamente assuntos que são tema para inúmeras testes, debates e livros. Jogarei então pelo lado mais pragmático da questão. E começarei abordando dois conceitos que são sobejamente utilizados, mas nem sempre bem conhecidos: Liberdade e Regras.
Estes dois estão intimamente ligados, na medida em que não subsistem um sem o outro (não há liberdade sem regras; nem regras sem liberdade).
Semelhante coisa se passa com Justiça e Bem. Aparentemente subjectivos, a justiça não faz sentido existir se não contribuir para um bem. A maior dificuldade está em classificar atitudes como "boas" ou "más", para se poderem efectuar bons critérios de justiça.
Na crise de valores que atravessamos hoje em dia, este "bem" apresenta-se como recurso escasso; assim, com ele, também o critério de justiça se vai diluindo.
Penso que a nossa salvação para a compreensão mais totalizante destes conceitos e de como os aplicar está na medida da intenção aplicada a um acto. É uma questão antiga, de facto, mas repare: Um pai desesperado que rouba num super-mercado para dar de comer a um filho, merecerá a mesma pena de alguém que roubou o super-mercado pelo perverso gosto de roubar?
Nesta questão do aborto, não jogamos num plano muito diferente. Tomando o exemplo de uma mulher que engravida irresponsavelmente, para depois abortar o filho que lhe cresce no ventre, e uma outra mulher que aborta porque a sua saúde está em risco. Existirá equiparação?
A lei deve, antes de mais, incentivar ao uso responsável da sexualidade, porque é aí que começa a Vida. Despenalizando, incorremos no grave risco de galvanizar a premiscuidade, reduzir o valor da família (que é, no fim de contas, a unidade celular de uma sociedade), e aumentar desmesuradamente o número de abortos realizados (prática esta que é, em si, um verdadeiro atentado à vida humana, salvo a excepção supra-citada e outras).
Para concluir, gostava de esclarecer que sou a favor de espaços como este para fomentar o debate, e é importante que os assuntos sejam abordados da forma mais aberta quanto possível, a fim de evitar o extremar de posições. No meu caso, o único valor que extremo é o valor da vida.
Agradeço sinceramente os seus comentários.
Melhores Cumprimentos,
David Sanguinetti
voces falam em liberdade, aborto livre e nao falam do q realmente he importante. e o que he importante???? he a RESPONSABILIDADE!!!!!!! DUH!!!
Entao a casalzinho de pombinhos que se acha com maturidade suficiente para ter relacoes sexuais. que conhecem TODAS as formas de nao ter filhos, e a menina engravida he porque a forca do desejo foi mais forte q a da responsabilidade. Quem he q aqui nunca foi ao ponto de dizer "q se lixe!!!" durante uma relacao sexual sem camisinha? pois he mas he aqui que entra a responsabilidade.
Esta mania de desresponsabilizar os meninos e meninas porque "coitados eles nao sabiam o que estavam a fazer", "sao tao pequeninos e agora a vida deles esta toda estragadinha". Isto faz-me lembrar daquele pai pobre que tinha dois filhos pequeninos cheios de fome. Um dia o pai cansado de ver os seus filhos famintos a chorar o dia todo foi ao supermercado e roubou uns paesinhos um 1 litro de leite e uma garafinha de vinho e uns cigarritos. Qd o homen se preparava sair do supermercado o seguranca disse-lhe: "olha la, o que he que levas aih??". "anda ca que eu vou chamar a policia!". Resumindo o pai foi preco e os filhos passaram a noite sozinhos famintos. Acho que deveriamos fazer um referendo para estes casos. proponho que so vai preso quem roubar mais de um litro de leite.
O grave problema he que o estado e a sociedade com esta nova lei vao tb se desresponsabilizar das suas funcoes. Porque?? Nos todos nao estamos a resolver o problema do aborto, so estamos a dar ferramentas a mulher para continuar a abortar mas agora com todas as condicoes. O uqe he que o estado vai fazer daqui para a frente: "ho minha menina voce estagravida nao me venha pedir apoio, agora voce ja pode abortar, faca la o que quizer e nao nos lixe!!!!"
He responsabilidade do estado e de cada um de nos criar todas as condicoes para que uma mulher possa passar de uma gravidez nao desejada para uma desejada. Isto he: " minha menina voce esta gravida, e nao tem condicoes para ter a crianca. NAO ABORTE o estado e a sociedade dao-lhe condicoes para ajudar aqui e ali para si e para a sua crianca" (isto he que he um pais civilizado, mas claro isto da trabalho). O que o sim quer he: " olha menina estas gravida, e nao tens condicoes aborta ate as 10 semanas e deixa-nos ir para a praia".
O que eu quero he que a mulher NAO aborte. o que eu quero he que os socrates, os cavacos, os soares, os portas, as edites estrelas, o ze manel das cebolas, o to silva, a vanessa maria , os figos deem condicoes, ajudem e Paguem!!! a mulher gravida para TER a crianca!!!!!!!
Para terminar: Sabem como se resolve o problema do do estacionamento? he simples!!! Tiramos o sinal de proibido e pomos o sinal de Parque. E assim resovemos o problema os carros continuam no passeio mas ja nao estam mal estacionados
Entao a casalzinho de pombinhos que se acha com maturidade suficiente para ter relacoes sexuais. que conhecem TODAS as formas de nao ter filhos, e a menina engravida he porque a forca do desejo foi mais forte q a da responsabilidade. Quem he q aqui nunca foi ao ponto de dizer "q se lixe!!!" durante uma relacao sexual sem camisinha? pois he mas he aqui que entra a responsabilidade.
Esta mania de desresponsabilizar os meninos e meninas porque "coitados eles nao sabiam o que estavam a fazer", "sao tao pequeninos e agora a vida deles esta toda estragadinha". Isto faz-me lembrar daquele pai pobre que tinha dois filhos pequeninos cheios de fome. Um dia o pai cansado de ver os seus filhos famintos a chorar o dia todo foi ao supermercado e roubou uns paesinhos um 1 litro de leite e uma garafinha de vinho e uns cigarritos. Qd o homen se preparava sair do supermercado o seguranca disse-lhe: "olha la, o que he que levas aih??". "anda ca que eu vou chamar a policia!". Resumindo o pai foi preco e os filhos passaram a noite sozinhos famintos. Acho que deveriamos fazer um referendo para estes casos. proponho que so vai preso quem roubar mais de um litro de leite.
O grave problema he que o estado e a sociedade com esta nova lei vao tb se desresponsabilizar das suas funcoes. Porque?? Nos todos nao estamos a resolver o problema do aborto, so estamos a dar ferramentas a mulher para continuar a abortar mas agora com todas as condicoes. O uqe he que o estado vai fazer daqui para a frente: "ho minha menina voce estagravida nao me venha pedir apoio, agora voce ja pode abortar, faca la o que quizer e nao nos lixe!!!!"
He responsabilidade do estado e de cada um de nos criar todas as condicoes para que uma mulher possa passar de uma gravidez nao desejada para uma desejada. Isto he: " minha menina voce esta gravida, e nao tem condicoes para ter a crianca. NAO ABORTE o estado e a sociedade dao-lhe condicoes para ajudar aqui e ali para si e para a sua crianca" (isto he que he um pais civilizado, mas claro isto da trabalho). O que o sim quer he: " olha menina estas gravida, e nao tens condicoes aborta ate as 10 semanas e deixa-nos ir para a praia".
O que eu quero he que a mulher NAO aborte. o que eu quero he que os socrates, os cavacos, os soares, os portas, as edites estrelas, o ze manel das cebolas, o to silva, a vanessa maria , os figos deem condicoes, ajudem e Paguem!!! a mulher gravida para TER a crianca!!!!!!!
Para terminar: Sabem como se resolve o problema do do estacionamento? he simples!!! Tiramos o sinal de proibido e pomos o sinal de Parque. E assim resovemos o problema os carros continuam no passeio mas ja nao estam mal estacionados
Luis António Malheiro Meneses do Vale,
a minha posição é a de que o principio da protecção da vida uterina não pode prevalecer em absoluto, como hoje, sobre a autonomia da mulher
"em absoluto" significa um extremo. No conflito entre dois bens, um pode prevalecer em absoluto sobre o outro ou vice-versa. Mas as possibilidades são se esgotam nesses dois extremos e não é necessário cair num, até porque é virtualmente impossível que um extremo seja razoável, para evitar o outro. Há um imenso meio-termo em que pode prevalecer um ou outro dependendo das circunstâncias.
Na Lei actual, o princípio da protecção da vida intra-uterina não prevalece em absoluto sobre a autonomia da mulher. Pesando as circunstâncias específicas de cada caso (e não me refiro aos julgamentos), pode prevalecer o primeiro ou o segundo. Não vou listar as excepções previstas na Lei (acredito que as conheça melhor do que eu) mas, nessas situações, prevalece a autonomia da mulher. Assim, não me parece que seja verdade o que afirmou e que reproduzi acima.
Por outro lado, a proposta a referendo é que a autonomia da mulher prevaleça em absoluto sobre o princípio da protecção da vida intra-uterina nas primeiras 10 semanas. Ora, se o segundo não deve prevalecer em absoluto sobre a primeira, é razoável que a primeira prevaleça em absoluto sobre o segundo?
Se estou errado, por favor corrija-me.
a minha posição é a de que o principio da protecção da vida uterina não pode prevalecer em absoluto, como hoje, sobre a autonomia da mulher
"em absoluto" significa um extremo. No conflito entre dois bens, um pode prevalecer em absoluto sobre o outro ou vice-versa. Mas as possibilidades são se esgotam nesses dois extremos e não é necessário cair num, até porque é virtualmente impossível que um extremo seja razoável, para evitar o outro. Há um imenso meio-termo em que pode prevalecer um ou outro dependendo das circunstâncias.
Na Lei actual, o princípio da protecção da vida intra-uterina não prevalece em absoluto sobre a autonomia da mulher. Pesando as circunstâncias específicas de cada caso (e não me refiro aos julgamentos), pode prevalecer o primeiro ou o segundo. Não vou listar as excepções previstas na Lei (acredito que as conheça melhor do que eu) mas, nessas situações, prevalece a autonomia da mulher. Assim, não me parece que seja verdade o que afirmou e que reproduzi acima.
Por outro lado, a proposta a referendo é que a autonomia da mulher prevaleça em absoluto sobre o princípio da protecção da vida intra-uterina nas primeiras 10 semanas. Ora, se o segundo não deve prevalecer em absoluto sobre a primeira, é razoável que a primeira prevaleça em absoluto sobre o segundo?
Se estou errado, por favor corrija-me.
Caro Joaquim Lopes,
A observação é pertinente. No entanto, nas restantes excepções a autonomia da mulher tem de ser secundada (se não mesmo ultrapassada)por motivos heterónomos, não actuando como um bem a se, capaz de fundar o comportamento adoptado. E o meu ponto está no modo como se compreende esta autonomia justificativa da exclusão da ilicitude. (Infelizmente não tive ainda tempo de ler o post da Mafalda, mas pelo que conheço da posição dela, seria de reconduzi-la a um direito subjectivo reconhecido à mulher).
Por outro lado, a ponderação não pode fazer-se fotograma a fotograma, digamos assim. Aliás, estaticamente considerados e de um ponto de vista ético, os bens raiam a incomensurabilidade. Simplesmente, considerado o artigo no seu todo, parece-me que só uma lei nova vem equilibrar as posições dos bens em confronto. E se isto bole com a integridade dos bens, fá-lo na medida inerente a qualquer intervenção jurídica. Não estou à espera aliás que o direito consiga soluções óptimas, sobretudo em matéria penal.Por isso, tenho por aceitável que, para efeitos jurídico-penais, o bem autonomia da mulher prevaleça sobre a vida intra-uterina durante um período de tempo razoável. Nesta matéria, gostaria até de me louvar nas serenas afirmações que foram feitas pelo Professor Anselmo Borges, acerca da graduação da tutela (sem desconsiderar os considerandos levados em conta pelo Doutor João Loureiro, uma autoridade na matéria, mas de quem dissinto em alguns aspectos que têm no âmbito vertente projecções decisivas).
Se me é permitido, esta é a razão pela qual não concebo este debate em termos genuinamente políticos no sentido Schmittiano e, sem querer reduzi-la a uma discussão científica ou técnica, creio que as extrapolações que nos atiram para longe deste nódulo fundamental nos desviam do problema. Eu bem sei que ele tem refracções muito importantes e espicaça a nossa consciência moral. Mas é sobretudo a nossa visão do direito - e,apenas na medida em que esta as convoca, posições de fundo, mundividências várias - que aqui está em jogo.
Se calhar atormenta-o a perspectiva de que as mulheres utilizem o aborto como método contraceptivo. Nem vou lembrar que já o fazem, a uma escala susceptível pelo menos de questionar a validade das expectativas normativas do sistema. Digo-lhe que isso também me preocupa. Mas basta haver um caso de uma mulher que teve todos os cuidados necessários para não engravidar e mesmo assim tem um azar, para que eu não admita sem mais a criminalização. De contrário estaria a exigir responsabilidades pela não adopção de uma conduta - a castidade - que só uma postura moral pode legitimar. Neste caso limite, a imposição de levar a cabo a gravidez, a menos que razões completamente indisponiveis à mulher se verifiquem, é-me inaceitável jurídicamente, porque se configura como uma sorte de fatum a suportar juridicamente. Dir-me-ão que é uma hipótese académica. Bem, a verdade é que estas têm o condão de se verificar amíude. No fundo, teríamos de fazer a mulher ver que, se tomou todas as precauções (e aqui seria preciso discutir o nível de cautela exigível) e isto aconteceu, é porque "tinha que ser". E nada há a fazer, sob pena de se cometer um crime. Digam-me qual é a censura social que recai sobre um caso destes. Só se é a de ter relações sexuais quando não estava preparada para ter um filho. Mas já estão a ver onde isto nos leva em termos jurídicos...Por optimismo antropológico entendo que a mulher tem de ter um período, restrito é certo, para encontrar os fundamentos do seu próprio agir nesta matéria. Nesse âmbito não pode estar sob ameaça de sanção penal. Mesmo que haja outras consequências legalmente prescritas para o comportamento que venha a ter. E nesse aspecto, a lei alemã dá óptimas sugestões.
Um certo consenso gerado em torno deste tópico, reforça a ideia há pouco frisada, quanto à natureza do debate. Estou longe de ver esta questão em termos polémicos ou panfletários e creio que a discussão de parte a parte é a única garantia face á insanidade das posições mais extremadas.
até uma próxima
Luis Meneses do Vale
P.S. Peço desculpa pelo estilo atabalhoado, mas estou sem tempo para mais. Voltarei com gosto à conversa, quanto mais não seja para dialogar com a Mafalda e o David que, pelo que me apercebi, me responderam
A observação é pertinente. No entanto, nas restantes excepções a autonomia da mulher tem de ser secundada (se não mesmo ultrapassada)por motivos heterónomos, não actuando como um bem a se, capaz de fundar o comportamento adoptado. E o meu ponto está no modo como se compreende esta autonomia justificativa da exclusão da ilicitude. (Infelizmente não tive ainda tempo de ler o post da Mafalda, mas pelo que conheço da posição dela, seria de reconduzi-la a um direito subjectivo reconhecido à mulher).
Por outro lado, a ponderação não pode fazer-se fotograma a fotograma, digamos assim. Aliás, estaticamente considerados e de um ponto de vista ético, os bens raiam a incomensurabilidade. Simplesmente, considerado o artigo no seu todo, parece-me que só uma lei nova vem equilibrar as posições dos bens em confronto. E se isto bole com a integridade dos bens, fá-lo na medida inerente a qualquer intervenção jurídica. Não estou à espera aliás que o direito consiga soluções óptimas, sobretudo em matéria penal.Por isso, tenho por aceitável que, para efeitos jurídico-penais, o bem autonomia da mulher prevaleça sobre a vida intra-uterina durante um período de tempo razoável. Nesta matéria, gostaria até de me louvar nas serenas afirmações que foram feitas pelo Professor Anselmo Borges, acerca da graduação da tutela (sem desconsiderar os considerandos levados em conta pelo Doutor João Loureiro, uma autoridade na matéria, mas de quem dissinto em alguns aspectos que têm no âmbito vertente projecções decisivas).
Se me é permitido, esta é a razão pela qual não concebo este debate em termos genuinamente políticos no sentido Schmittiano e, sem querer reduzi-la a uma discussão científica ou técnica, creio que as extrapolações que nos atiram para longe deste nódulo fundamental nos desviam do problema. Eu bem sei que ele tem refracções muito importantes e espicaça a nossa consciência moral. Mas é sobretudo a nossa visão do direito - e,apenas na medida em que esta as convoca, posições de fundo, mundividências várias - que aqui está em jogo.
Se calhar atormenta-o a perspectiva de que as mulheres utilizem o aborto como método contraceptivo. Nem vou lembrar que já o fazem, a uma escala susceptível pelo menos de questionar a validade das expectativas normativas do sistema. Digo-lhe que isso também me preocupa. Mas basta haver um caso de uma mulher que teve todos os cuidados necessários para não engravidar e mesmo assim tem um azar, para que eu não admita sem mais a criminalização. De contrário estaria a exigir responsabilidades pela não adopção de uma conduta - a castidade - que só uma postura moral pode legitimar. Neste caso limite, a imposição de levar a cabo a gravidez, a menos que razões completamente indisponiveis à mulher se verifiquem, é-me inaceitável jurídicamente, porque se configura como uma sorte de fatum a suportar juridicamente. Dir-me-ão que é uma hipótese académica. Bem, a verdade é que estas têm o condão de se verificar amíude. No fundo, teríamos de fazer a mulher ver que, se tomou todas as precauções (e aqui seria preciso discutir o nível de cautela exigível) e isto aconteceu, é porque "tinha que ser". E nada há a fazer, sob pena de se cometer um crime. Digam-me qual é a censura social que recai sobre um caso destes. Só se é a de ter relações sexuais quando não estava preparada para ter um filho. Mas já estão a ver onde isto nos leva em termos jurídicos...Por optimismo antropológico entendo que a mulher tem de ter um período, restrito é certo, para encontrar os fundamentos do seu próprio agir nesta matéria. Nesse âmbito não pode estar sob ameaça de sanção penal. Mesmo que haja outras consequências legalmente prescritas para o comportamento que venha a ter. E nesse aspecto, a lei alemã dá óptimas sugestões.
Um certo consenso gerado em torno deste tópico, reforça a ideia há pouco frisada, quanto à natureza do debate. Estou longe de ver esta questão em termos polémicos ou panfletários e creio que a discussão de parte a parte é a única garantia face á insanidade das posições mais extremadas.
até uma próxima
Luis Meneses do Vale
P.S. Peço desculpa pelo estilo atabalhoado, mas estou sem tempo para mais. Voltarei com gosto à conversa, quanto mais não seja para dialogar com a Mafalda e o David que, pelo que me apercebi, me responderam
Luis Meneses do Vale,
A observação é pertinente. No entanto, nas restantes excepções a autonomia da mulher tem de ser secundada (se não mesmo ultrapassada)por motivos heterónomos, não actuando como um bem a se, capaz de fundar o comportamento adoptado.
É precisamente isso que significa não prevalecer em absoluto um dos princípios em relação ao outro. Para ser como diz, a autonomia da mulher prevalecerá em absoluto sobre o princípio da protecção da vida intra-uterina. O facto de haver um limite temporal não tráz nenhum equilíbrio.
Existe o princípio de que a vida intra-uterina deve ser protegida. Assim, o aborto só é admitido nas situações em que esteja em causa um conflito de direitos. Por muito que custe a algumas pessoas, "porque eu quero" não pode ser argumento absoluto, no sentido em que baste esse argumento para que o aborto seja feito sob a protecção do Estado.
A autonomia da mulher é sempre protegida mas só é absoluta até ao ponto em que há um conflito de direitos. E é absoluta a montante, quando decide ter ou não relações sexuais, usar ou não métodos contraceptivos e recorrer ou não à pílula do dia seguinte.
Todos os comportamentos trazem associados riscos, maiores ou menores e mais ou menos evitáveis. Ao estarmos cientes desses riscos e decidirmos por termos esses comportamentos, estamos a assumir os respectivos riscos. A mulher, ao decidir ter relações sexuais, tomando ou não precauções para evitar a gravidez, assume os riscos inerentes a essa decisão.
Tendo a mulher assumido livremente (e, portanto, responsavelmente) um determinado risco, a mera vontade de se furtar às naturais consequências da sua escolha pode prevalecer sobre muita coisa mas nunca sobre uma vida humana. Ainda menos quando pode, logo a seguir ao nascimento, transferir para terceiros a responsabilidade pela vida que gerou, de forma que as consequências da sua escolha inicial serão limitadas a um período de tempo muito curto.
Uma coisa é criar mais excepções de aborto não punível (não vejo que mais excepções serão razoáveis mas aceito discuti-lo), outra, completamente diferente, é que a mera vontade da mulher passe a prevalecer sobre todos os outros interesses envolvidos no aborto: o direito à vida do feto e o direito à paternidade do outro progenitor. Isso não é razoável nem equilibrado.
Quanto à Lei alemã e pelo que percebi por uma exposição aqui publicada, o aborto não é permitido por opção da mulher. Se se quer copiar o exemplo alemão, o voto terá que ser "não" à despenalização do aborto a pedido.
A observação é pertinente. No entanto, nas restantes excepções a autonomia da mulher tem de ser secundada (se não mesmo ultrapassada)por motivos heterónomos, não actuando como um bem a se, capaz de fundar o comportamento adoptado.
É precisamente isso que significa não prevalecer em absoluto um dos princípios em relação ao outro. Para ser como diz, a autonomia da mulher prevalecerá em absoluto sobre o princípio da protecção da vida intra-uterina. O facto de haver um limite temporal não tráz nenhum equilíbrio.
Existe o princípio de que a vida intra-uterina deve ser protegida. Assim, o aborto só é admitido nas situações em que esteja em causa um conflito de direitos. Por muito que custe a algumas pessoas, "porque eu quero" não pode ser argumento absoluto, no sentido em que baste esse argumento para que o aborto seja feito sob a protecção do Estado.
A autonomia da mulher é sempre protegida mas só é absoluta até ao ponto em que há um conflito de direitos. E é absoluta a montante, quando decide ter ou não relações sexuais, usar ou não métodos contraceptivos e recorrer ou não à pílula do dia seguinte.
Todos os comportamentos trazem associados riscos, maiores ou menores e mais ou menos evitáveis. Ao estarmos cientes desses riscos e decidirmos por termos esses comportamentos, estamos a assumir os respectivos riscos. A mulher, ao decidir ter relações sexuais, tomando ou não precauções para evitar a gravidez, assume os riscos inerentes a essa decisão.
Tendo a mulher assumido livremente (e, portanto, responsavelmente) um determinado risco, a mera vontade de se furtar às naturais consequências da sua escolha pode prevalecer sobre muita coisa mas nunca sobre uma vida humana. Ainda menos quando pode, logo a seguir ao nascimento, transferir para terceiros a responsabilidade pela vida que gerou, de forma que as consequências da sua escolha inicial serão limitadas a um período de tempo muito curto.
Uma coisa é criar mais excepções de aborto não punível (não vejo que mais excepções serão razoáveis mas aceito discuti-lo), outra, completamente diferente, é que a mera vontade da mulher passe a prevalecer sobre todos os outros interesses envolvidos no aborto: o direito à vida do feto e o direito à paternidade do outro progenitor. Isso não é razoável nem equilibrado.
Quanto à Lei alemã e pelo que percebi por uma exposição aqui publicada, o aborto não é permitido por opção da mulher. Se se quer copiar o exemplo alemão, o voto terá que ser "não" à despenalização do aborto a pedido.
Se calhar, as pessoas não são muito estúpidas. Não sabem é escrever...
Provavelmente, também não sabem ler.
E depois? Depois é uma chatice porque não entendem nada. Por isso, talvez não sejam muito estúpidas mas só estupidas. O quanto baste.
A consequência é uma tremenda ignorância e ajuizam o que julgam que sabem, mas, de facto, não sabem. Não entendem o que é o ser humano e como ele é gerado desde o início. Até é possível que não entendam o que pode acontecer quando têm relações sexuais.
Esta é capaz de ser uma explicação plausível para a posição que tomam os que vão votar "sim" no referendo. Temos que os perdoar porque não sabem o que fazem.
Provavelmente, também não sabem ler.
E depois? Depois é uma chatice porque não entendem nada. Por isso, talvez não sejam muito estúpidas mas só estupidas. O quanto baste.
A consequência é uma tremenda ignorância e ajuizam o que julgam que sabem, mas, de facto, não sabem. Não entendem o que é o ser humano e como ele é gerado desde o início. Até é possível que não entendam o que pode acontecer quando têm relações sexuais.
Esta é capaz de ser uma explicação plausível para a posição que tomam os que vão votar "sim" no referendo. Temos que os perdoar porque não sabem o que fazem.
Violada ou por violar, se eu conhecer alguém que queira desesperadamente abortar - ou nas calmas... -, farei tudo ao meu alcance para a ajudar a encontrar uma parteira decente. Todos sabemos, de ciência certa, como a encontrar.
É que essas coisas dos SNS e hospitais civis deixam muito a desejar...
É que essas coisas dos SNS e hospitais civis deixam muito a desejar...
A verdade é que, hoje em dia, há todos os meios contraceptivos à disposição, e gratuitos, para todas as mulheres, mesmo das pobres desmioladas.
Qualquer mulher só engravida se for descuidada ou promiscua (o povo chama-lhes, e bem, porcas...), se puser o sexo acima das suas "obrigações" sociais. Sim, obrigações, como todos nós temos, que neste caso será evitar a gravidez de um filho que depois não quer ter. Tal irresponsabilidade é incúria e não tem perdão.
Parece, portanto, que toda essa escumalha o que quer é recorrer à tábua de salvação do aborto praticado sem custos pelo SNS ou hospitais civis, mas pagos pelo desgraçado do contribuinte que não é visto nem achado na questão.
Estão a querer explorar quem? Estão a querer gozar com quem?
Na sua ignorância e teimosia, rejeitam que o Ser Humano tem origem na concepção e que tem vida própria desde esse momento, passando pelo parto e sempre continuamente até ao fim.
Por isso, o aborto - que não a interrupção da vida ou IVG - é um acto criminoso e não se pode admitir a priori a sua despenalização.
Tal como a partir das dez semanas - ou mais, como nos outros casos previstos na lei -, cada atentado contra o feto deverá ser julgado, isto é, avaliado por um tribunal que aprecie a situação e, consideradas atenuantes e agravantes, despenalize ou condene com a pena adequada tanto a mãe como a todos os intervenientes quiçá mais responsáveis.
Não se procedendo com critério em defesa dos Direitos Humanos, caír-se-á numa situação em que tudo é permitido, desde a maior promiscuidade até à degradação completa de se utilizar o aborto como método anti-concepcional.
Qualquer mulher só engravida se for descuidada ou promiscua (o povo chama-lhes, e bem, porcas...), se puser o sexo acima das suas "obrigações" sociais. Sim, obrigações, como todos nós temos, que neste caso será evitar a gravidez de um filho que depois não quer ter. Tal irresponsabilidade é incúria e não tem perdão.
Parece, portanto, que toda essa escumalha o que quer é recorrer à tábua de salvação do aborto praticado sem custos pelo SNS ou hospitais civis, mas pagos pelo desgraçado do contribuinte que não é visto nem achado na questão.
Estão a querer explorar quem? Estão a querer gozar com quem?
Na sua ignorância e teimosia, rejeitam que o Ser Humano tem origem na concepção e que tem vida própria desde esse momento, passando pelo parto e sempre continuamente até ao fim.
Por isso, o aborto - que não a interrupção da vida ou IVG - é um acto criminoso e não se pode admitir a priori a sua despenalização.
Tal como a partir das dez semanas - ou mais, como nos outros casos previstos na lei -, cada atentado contra o feto deverá ser julgado, isto é, avaliado por um tribunal que aprecie a situação e, consideradas atenuantes e agravantes, despenalize ou condene com a pena adequada tanto a mãe como a todos os intervenientes quiçá mais responsáveis.
Não se procedendo com critério em defesa dos Direitos Humanos, caír-se-á numa situação em que tudo é permitido, desde a maior promiscuidade até à degradação completa de se utilizar o aborto como método anti-concepcional.
Em qualquer caso, o voto deverá ser "não" à despenalização que, como parece consensual, deriva para a liberalização - com todas as suas consequências sempr nefastas.
A lei, tal como está, parece resolver todas as sitauções que necessitam de intervenção clínica.
A lei, tal como está, parece resolver todas as sitauções que necessitam de intervenção clínica.
Bem o "não" está definitivamente fora de combate em todas as discussões. Mas será o país capaz de se livrar da retórica de sacristia disfarçada que lhe tolhe os movimentos? A decisão no referendo pode significar uma tragédia se der indicação de que não termos culturalmente a capacidade de evoluír por forma a abarcar os desafios que se nos apresentam como colectivo. Mas mais uma vez Sócrates fingiu que era corajoso em vez de o ser realmente apresentando-se ao eleitorado com a promessa de resolver a questão na Assembleia.
Luís Menezes do Vale,
O Luís diz o seguinte: «tenho por aceitável que, para efeitos jurídico-penais, o bem autonomia da mulher prevaleça sobre a vida intra-uterina durante um período de tempo razoável».
Imagine que para resolver um conflito entre o direito à integridade física e à liberdade da mulher vítima de violência doméstica e o direito à vida do marido, se concedia a esta um período de tempo razoável (digamos, de um dia), em que a autonomia desta prevaleceria sobre a vida do marido. Parece-lhe que permite uma justa composição dos interesses em jogo? Do mesmo modo, se a mulher decidir abortar, em que medida, ainda que ínfima, foi protegido o bem jurídico vida intra-uterina se esta foi pura e simplesmente aniquilada?
Bem sei que diz mais á frente «gostaria até de me louvar nas serenas afirmações que foram feitas pelo Professor Anselmo Borges, acerca da graduação da tutela».
Tanto quanto pude retirar de um dos últimos artigos dele no DN (o penúltimo se não estou em erro), ele diz o seguinte:
«A gestação é um processo contínuo até ao nascimento. Há, no entanto, alguns "marcos" que não devem ser ignorados. É precisamente o seu conhecimento que leva à distinção entre vida, vida humana e pessoa humana. O blastocisto, por exemplo, é humano, vida e vida humana, mas não um indivíduo humano e, muito menos, uma pessoa humana.
Se entre a fecundação e o início da nidação (sete dias), pode haver a possibilidade de gémeos monozigóticos (verdadeiros), é porque não temos ainda um indivíduo constituído.
Antes da décima semana, não havendo ainda actividade neuronal, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído. De qualquer modo, não se pode chamar homicídio, sem mais, à interrupção da gravidez levada a cabo nesse período. »
Concordo com a afirmação de que a gestão é um processo contínuo. No entanto, não entendo o porquê da fixação dos “marcos” a que o texto se refere.
O autor não põe em causa que, às dez semanas, haja um indivíduo humano, já que a questão da possibilidade da existência de gémeos monozigóticos já não se coloca aos dois meses de gravidez. No entanto, porque a linguagem o trai, não lhe chama ser humano mas indivíduo humano. Ora, indivíduo não é o mesmo que “ser individual”? Aliás, é significativo que o autor, logo desde o blastocisto, use sempre o qualificativo humano (que não pode negar) e tenha pudor de empregar o termo ser, quando esta palavra é empregue para identificar animais ou plantas em qualquer estado de desenvolvimento. Às dez semanas de gestação há, por isso, em meu entender, um ser humano, único e irrepetível.
Quanto ao segundo critério apontado, as minhas dúvidas decorrem de o autor não justificar minimamente a que título é que a actividade neuronal é critério de definição de pessoa, Os animais não têm actividade neuronal? E porquê a actividade neuronal e não a autonomia relativamente à mãe que só ocorre a partir das vinte e tal semanas? Ou porque não a consciência de si que só se atinge após alguns meses depois do nascimento e que até nos distingue melhor de outros seres vivos do que a actividade neuronal? Porquê invocar marcos que pretendem criar descontinuidade (a nível ontológico), num processo que se reconhece ser contínuo e que não acaba senão com a morte biológica? Algum deles me define como pessoa? O que é uma pessoa para o Pe. Anselmo Borges?
Coloco, ainda, a seguinte questão: Será que estes critérios não foram surgindo na sequência da necessidade de dar resposta a determinadas finalidades (permitir eticamente o transplante de órgãos, ou o aborto) em vez de decorrerem da busca de definição do Homem enquanto tal? Não há aqui sérios riscos de instrumentalização (que aliás são plenamente assumidos por correntes utilitaristas com teorias nesta linha de argumentação)?
Ó próprio Luís reconhece que não procura saber o que é pessoa ou quando se é pessoa, mas sim a solução para um determinado problema concreto quando diz:
«Mas basta haver um caso de uma mulher que teve todos os cuidados necessários para não engravidar e mesmo assim tem um azar, para que eu não admita sem mais a criminalização. De contrário estaria a exigir responsabilidades pela não adopção de uma conduta - a castidade - que só uma postura moral pode legitimar».
Ou seja, o Luís decide não tutelar o embrião para permitir uma liberdade sexual sem consequências (o que não consegue, se pensar nas doenças sexualmente transmissíveis), em vez de procurar descobrir a natureza do embrião, para daí retirar as devidas consequências.
Ora, é este relativismo e esta instrumentalização que eu rejeito. O ser humano não pode mudar de natureza consoante as necessidades ou as situações em que se encontra colocado.
Será possível explicar a uma mulher que abortou espontaneamente antes das dez semanas que o que ela perdeu não foi um filho? Porquê tanta dor se não existia um outro dentro dela? Porque é que “objectivamente um aborto é um mal moral grave”, como afirma o Pe. Anselmo Borges no mesmo artigo, se não estiver em causa uma pessoa?
Eu já estive grávida. Ás dez semanas já amava profundamente o meu filho. Só em atenção a ele, muito antes das dez semanas passei a ter cuidados com a minha alimentação ou com o meu repouso que anteriormente não tinha em relação a mim. Nessa altura ele já era claramente um outro em relação a mim. Ora, é isso que é ser pessoa e, paradoxalmente, é aquilo que nos faz a nós sermos pessoas. A relação com o outro, a atenção ao outro, sobretudo aos mais dependentes e desprotegidos.
Não faz sentido dizer que a vida não começa no princípio. Não faz sentido criar categorias que negam a pessoalidade a seres humanos vivos que podem ser amados.
Por outro lado, estes “marcos”, são vistos pelo autor como “etapas” de um processo de aquisição gradual da pessoalidade. Isto implica aceitar que há seres humanos que são mais pessoas e outros que são menos pessoas (às 8 semanas é-se menos pessoa do que às 9). Em face da forma como vejo o mundo, isto é inaceitável.
Só consigo conceber a pessoalidade como noção qualitativa e não quantitativa. Tem-se, ou não se tem a qualidade de pessoa. Não se é mais ou menos pessoa. Esta distinção, que parece meramente teórica, tem uma importância vital. É que a noção de pessoa separa o que é fim-em-si-mesmo, daquilo que é simples meio e que, por conseguinte, pode ser subalternizado ao fim.
Por outro lado, ainda que não seja esta certamente a intenção do Pe. Anselmo Borges, a relativização da pessoa, porque assente em critérios insuficientemente esclarecidos, abre as portas à criação de outros critérios susceptíveis de retirar pessoalidade a outros seres humanos vivos para além dos embriões. Há quem defenda que é a partir da aquisição de auto consciência que se passa a ser pessoa, sendo que esta só se adquire bem depois do nascimento. E o nosso desenvolvimento só acaba na morte...
Ao introduzir esta noção quantitativa o Pe. Anselmo Borges cai naquilo que ele próprio apontou à nossa civilização no texto que escreveu a propósito do dia de finados, que passo a citar:
«E não se pense que a morte se tornou tabu, de tal modo que se não permite que se fale dela, porque ela já não é problema. O que se passa é exactamente o contrário: de tal modo é problema, o único problema para o qual uma sociedade poderosíssima nos meios não tem solução que a solução tem de ser essa: disso não se fala. É uma sociedade poderosíssima nos meios, mas paupérrima nos fins: uma sociedade dominada pela racionalidade instrumental - Max Weber chamou-lhe Zweckrationalität, a racionalidade dos meios para outros meios, sem fim. Mas uma sociedade que precisa de ocultar a morte o que tem ainda a dizer sobre a vida? Não arrasta consigo um dos riscos maiores: a não consciência dos limites?» in «1 e 2 de Novembro: a visita dos mortos» DN 29.10.2006
Por conseguinte, não vejo como ultrapassar a noção de que a qualquer ser humano vivo (indivíduo humano, se quiserem) tem de ser reconhecida a qualidade de pessoa, simplesmente porque é um outro relativamente a mim.
Assim, em meu entender, no aborto até às dez semanas, ocorre efectivamente a morte de um ser humano, de uma pessoa. Por muito que entenda a posição da mulher que aborta, por muito que saiba que o seu sofrimento é real e que dele me compadeça, apenas posso entender que se justifica a aplicação de uma sanção diferente da pena de prisão. Não lhe posso reconhecer o direito potestativo de terminar a vida de outro.
O Luís diz o seguinte: «tenho por aceitável que, para efeitos jurídico-penais, o bem autonomia da mulher prevaleça sobre a vida intra-uterina durante um período de tempo razoável».
Imagine que para resolver um conflito entre o direito à integridade física e à liberdade da mulher vítima de violência doméstica e o direito à vida do marido, se concedia a esta um período de tempo razoável (digamos, de um dia), em que a autonomia desta prevaleceria sobre a vida do marido. Parece-lhe que permite uma justa composição dos interesses em jogo? Do mesmo modo, se a mulher decidir abortar, em que medida, ainda que ínfima, foi protegido o bem jurídico vida intra-uterina se esta foi pura e simplesmente aniquilada?
Bem sei que diz mais á frente «gostaria até de me louvar nas serenas afirmações que foram feitas pelo Professor Anselmo Borges, acerca da graduação da tutela».
Tanto quanto pude retirar de um dos últimos artigos dele no DN (o penúltimo se não estou em erro), ele diz o seguinte:
«A gestação é um processo contínuo até ao nascimento. Há, no entanto, alguns "marcos" que não devem ser ignorados. É precisamente o seu conhecimento que leva à distinção entre vida, vida humana e pessoa humana. O blastocisto, por exemplo, é humano, vida e vida humana, mas não um indivíduo humano e, muito menos, uma pessoa humana.
Se entre a fecundação e o início da nidação (sete dias), pode haver a possibilidade de gémeos monozigóticos (verdadeiros), é porque não temos ainda um indivíduo constituído.
Antes da décima semana, não havendo ainda actividade neuronal, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído. De qualquer modo, não se pode chamar homicídio, sem mais, à interrupção da gravidez levada a cabo nesse período. »
Concordo com a afirmação de que a gestão é um processo contínuo. No entanto, não entendo o porquê da fixação dos “marcos” a que o texto se refere.
O autor não põe em causa que, às dez semanas, haja um indivíduo humano, já que a questão da possibilidade da existência de gémeos monozigóticos já não se coloca aos dois meses de gravidez. No entanto, porque a linguagem o trai, não lhe chama ser humano mas indivíduo humano. Ora, indivíduo não é o mesmo que “ser individual”? Aliás, é significativo que o autor, logo desde o blastocisto, use sempre o qualificativo humano (que não pode negar) e tenha pudor de empregar o termo ser, quando esta palavra é empregue para identificar animais ou plantas em qualquer estado de desenvolvimento. Às dez semanas de gestação há, por isso, em meu entender, um ser humano, único e irrepetível.
Quanto ao segundo critério apontado, as minhas dúvidas decorrem de o autor não justificar minimamente a que título é que a actividade neuronal é critério de definição de pessoa, Os animais não têm actividade neuronal? E porquê a actividade neuronal e não a autonomia relativamente à mãe que só ocorre a partir das vinte e tal semanas? Ou porque não a consciência de si que só se atinge após alguns meses depois do nascimento e que até nos distingue melhor de outros seres vivos do que a actividade neuronal? Porquê invocar marcos que pretendem criar descontinuidade (a nível ontológico), num processo que se reconhece ser contínuo e que não acaba senão com a morte biológica? Algum deles me define como pessoa? O que é uma pessoa para o Pe. Anselmo Borges?
Coloco, ainda, a seguinte questão: Será que estes critérios não foram surgindo na sequência da necessidade de dar resposta a determinadas finalidades (permitir eticamente o transplante de órgãos, ou o aborto) em vez de decorrerem da busca de definição do Homem enquanto tal? Não há aqui sérios riscos de instrumentalização (que aliás são plenamente assumidos por correntes utilitaristas com teorias nesta linha de argumentação)?
Ó próprio Luís reconhece que não procura saber o que é pessoa ou quando se é pessoa, mas sim a solução para um determinado problema concreto quando diz:
«Mas basta haver um caso de uma mulher que teve todos os cuidados necessários para não engravidar e mesmo assim tem um azar, para que eu não admita sem mais a criminalização. De contrário estaria a exigir responsabilidades pela não adopção de uma conduta - a castidade - que só uma postura moral pode legitimar».
Ou seja, o Luís decide não tutelar o embrião para permitir uma liberdade sexual sem consequências (o que não consegue, se pensar nas doenças sexualmente transmissíveis), em vez de procurar descobrir a natureza do embrião, para daí retirar as devidas consequências.
Ora, é este relativismo e esta instrumentalização que eu rejeito. O ser humano não pode mudar de natureza consoante as necessidades ou as situações em que se encontra colocado.
Será possível explicar a uma mulher que abortou espontaneamente antes das dez semanas que o que ela perdeu não foi um filho? Porquê tanta dor se não existia um outro dentro dela? Porque é que “objectivamente um aborto é um mal moral grave”, como afirma o Pe. Anselmo Borges no mesmo artigo, se não estiver em causa uma pessoa?
Eu já estive grávida. Ás dez semanas já amava profundamente o meu filho. Só em atenção a ele, muito antes das dez semanas passei a ter cuidados com a minha alimentação ou com o meu repouso que anteriormente não tinha em relação a mim. Nessa altura ele já era claramente um outro em relação a mim. Ora, é isso que é ser pessoa e, paradoxalmente, é aquilo que nos faz a nós sermos pessoas. A relação com o outro, a atenção ao outro, sobretudo aos mais dependentes e desprotegidos.
Não faz sentido dizer que a vida não começa no princípio. Não faz sentido criar categorias que negam a pessoalidade a seres humanos vivos que podem ser amados.
Por outro lado, estes “marcos”, são vistos pelo autor como “etapas” de um processo de aquisição gradual da pessoalidade. Isto implica aceitar que há seres humanos que são mais pessoas e outros que são menos pessoas (às 8 semanas é-se menos pessoa do que às 9). Em face da forma como vejo o mundo, isto é inaceitável.
Só consigo conceber a pessoalidade como noção qualitativa e não quantitativa. Tem-se, ou não se tem a qualidade de pessoa. Não se é mais ou menos pessoa. Esta distinção, que parece meramente teórica, tem uma importância vital. É que a noção de pessoa separa o que é fim-em-si-mesmo, daquilo que é simples meio e que, por conseguinte, pode ser subalternizado ao fim.
Por outro lado, ainda que não seja esta certamente a intenção do Pe. Anselmo Borges, a relativização da pessoa, porque assente em critérios insuficientemente esclarecidos, abre as portas à criação de outros critérios susceptíveis de retirar pessoalidade a outros seres humanos vivos para além dos embriões. Há quem defenda que é a partir da aquisição de auto consciência que se passa a ser pessoa, sendo que esta só se adquire bem depois do nascimento. E o nosso desenvolvimento só acaba na morte...
Ao introduzir esta noção quantitativa o Pe. Anselmo Borges cai naquilo que ele próprio apontou à nossa civilização no texto que escreveu a propósito do dia de finados, que passo a citar:
«E não se pense que a morte se tornou tabu, de tal modo que se não permite que se fale dela, porque ela já não é problema. O que se passa é exactamente o contrário: de tal modo é problema, o único problema para o qual uma sociedade poderosíssima nos meios não tem solução que a solução tem de ser essa: disso não se fala. É uma sociedade poderosíssima nos meios, mas paupérrima nos fins: uma sociedade dominada pela racionalidade instrumental - Max Weber chamou-lhe Zweckrationalität, a racionalidade dos meios para outros meios, sem fim. Mas uma sociedade que precisa de ocultar a morte o que tem ainda a dizer sobre a vida? Não arrasta consigo um dos riscos maiores: a não consciência dos limites?» in «1 e 2 de Novembro: a visita dos mortos» DN 29.10.2006
Por conseguinte, não vejo como ultrapassar a noção de que a qualquer ser humano vivo (indivíduo humano, se quiserem) tem de ser reconhecida a qualidade de pessoa, simplesmente porque é um outro relativamente a mim.
Assim, em meu entender, no aborto até às dez semanas, ocorre efectivamente a morte de um ser humano, de uma pessoa. Por muito que entenda a posição da mulher que aborta, por muito que saiba que o seu sofrimento é real e que dele me compadeça, apenas posso entender que se justifica a aplicação de uma sanção diferente da pena de prisão. Não lhe posso reconhecer o direito potestativo de terminar a vida de outro.
Chama-se a isso "raciocinar em roda livre" e neste caso podemos acrescentar "em desespero de causa". Merece comentário desde que estejamos dispostos a gastar tempo sabendo que não advirão daí quaisquer resultados. A Mafalda convenceu-se de uma coisa, por um lado, e tenta simultâneamente desviar-nos a atenção. É uma mãe feliz? Parabéns. Há no entanto um mundo inteiro em redor que lhe escapa por não ser redutível a uma esquematização pseudo-científica como a que é normalmente usada no "direito". Em Portugal confunde-se frequentemente "ser de Direito" e "ser de Direita".
Se os "especialistas de direito" não querem designar por homicídio o acto de matar um feto tenho por certo que, pelo menos, o considerarão mais grave que destruír um ovo de cegonha...
Ou não?
Ou não?
Anónimo das 2.38,
Obrigada pelos parabéns, que são para mim e não para a Mafalda (que por sinal escreve muito melhor do que eu).
Se tiver paciência, mostre-me esse mundo inteiro em redor que me escapa «por não ser redutível a uma esquematização pseudo-científica como a que é normalmente usada no "direito"».
Anónimo das 4.55,
É obvio que um feto é mais importante do que um ovo de cegonha. Só que o ovo de cegonha não está na barriga da mãe.
Não dá para comparar o incomparável.
Obrigada pelos parabéns, que são para mim e não para a Mafalda (que por sinal escreve muito melhor do que eu).
Se tiver paciência, mostre-me esse mundo inteiro em redor que me escapa «por não ser redutível a uma esquematização pseudo-científica como a que é normalmente usada no "direito"».
Anónimo das 4.55,
É obvio que um feto é mais importante do que um ovo de cegonha. Só que o ovo de cegonha não está na barriga da mãe.
Não dá para comparar o incomparável.
Caro anónimo das 2:38,
eu não sou mãe e não me convenci de nada que teimosamente queira impor às restantes pessoas.
Argumento juridicamente e desafio-o a, juridicamente, rebater fundadamente o que aqui escrevo.
Parece-me que será um exercício mais proveitoso do que limitar-se a meros considerandos subjectivistas, desnudados de sedimentação plausível.
Cumprimentos
eu não sou mãe e não me convenci de nada que teimosamente queira impor às restantes pessoas.
Argumento juridicamente e desafio-o a, juridicamente, rebater fundadamente o que aqui escrevo.
Parece-me que será um exercício mais proveitoso do que limitar-se a meros considerandos subjectivistas, desnudados de sedimentação plausível.
Cumprimentos
Marta,
Não há paciência para essa do "eu já estive grávida e às 10 semanas amava profundamente o meu filho". Eu também já estive grávida e às 10 semanas amava profundamente o meu filho. Sou uma mãe muito feliz. A diferença entre nós as duas é que eu acho que o que estava na minha barriga às 10 semanas ainda não era a pessoa que o meu filho é. Não tinha nenhuma das estruturas necessárias para a existência do que eu considero Vida, a começar pela capacidade de pensamento. Uma Vida é muito mais do que um coração a bater (retira-se o coração às pessoas em morte cerebral para se dar a outras). O filho que eu amava estava na minha cabeça e no meu coração, mas, às 10 semanas, o que havia no meu útero era um ser sem qualquer autonomia que, desenvolvendo-se, o originou. Não era uma pessoa, ainda não era o bebé que saiu de mim.
A maternidade não nos torna donos da verdade. Eu gosto de acreditar que não abortaria. Mas acho, em consciência, que não posso julgar ninguém. E, acima de tudo, não utilizo uma decisão que foi minha - a da maternidade - como argumento para impor aos outros.
MRC.
Não há paciência para essa do "eu já estive grávida e às 10 semanas amava profundamente o meu filho". Eu também já estive grávida e às 10 semanas amava profundamente o meu filho. Sou uma mãe muito feliz. A diferença entre nós as duas é que eu acho que o que estava na minha barriga às 10 semanas ainda não era a pessoa que o meu filho é. Não tinha nenhuma das estruturas necessárias para a existência do que eu considero Vida, a começar pela capacidade de pensamento. Uma Vida é muito mais do que um coração a bater (retira-se o coração às pessoas em morte cerebral para se dar a outras). O filho que eu amava estava na minha cabeça e no meu coração, mas, às 10 semanas, o que havia no meu útero era um ser sem qualquer autonomia que, desenvolvendo-se, o originou. Não era uma pessoa, ainda não era o bebé que saiu de mim.
A maternidade não nos torna donos da verdade. Eu gosto de acreditar que não abortaria. Mas acho, em consciência, que não posso julgar ninguém. E, acima de tudo, não utilizo uma decisão que foi minha - a da maternidade - como argumento para impor aos outros.
MRC.
MRC,
"A diferença entre nós as duas é que eu acho que o que estava na minha barriga às 10 semanas ainda não era a pessoa que o meu filho é. Não tinha nenhuma das estruturas necessárias para a existência do que eu considero Vida, a começar pela capacidade de pensamento."
Não se iluda: que capacidade de pensamento é que tinha o seu filho quando nasceu? E aí, já era pessoa ou ainda não? Que autonomia era a dele? E o seu filho quando nasceu era igual ao que é agora?
O ser sem qualquer autonomia que tinha no seu utero era já um outro em relação a si.
A diferença entre si e mim é que para si, pelos vistos, o critério da humandade está na autonmia. Para mim está na alteridade.
Acha mesmo que o amor sentido por um ser já gerado por nós é fruto da nossa imaginação delirante?
"A diferença entre nós as duas é que eu acho que o que estava na minha barriga às 10 semanas ainda não era a pessoa que o meu filho é. Não tinha nenhuma das estruturas necessárias para a existência do que eu considero Vida, a começar pela capacidade de pensamento."
Não se iluda: que capacidade de pensamento é que tinha o seu filho quando nasceu? E aí, já era pessoa ou ainda não? Que autonomia era a dele? E o seu filho quando nasceu era igual ao que é agora?
O ser sem qualquer autonomia que tinha no seu utero era já um outro em relação a si.
A diferença entre si e mim é que para si, pelos vistos, o critério da humandade está na autonmia. Para mim está na alteridade.
Acha mesmo que o amor sentido por um ser já gerado por nós é fruto da nossa imaginação delirante?
Que não seja até às dez semanas, que não tenha de ser a pedido da mulher e, mais importante, que não tenha de acontecer em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Falta-lhe tudo, portanto.
Não há pachorra para este sofista. "Falta-lhe tudo, portanto."
Mais uma vez não responde à pergunta: ATÉ ÀS 10 SEMANAS NÃO LHE FALTA NADA, PORTANTO."
E... A PARTIR DAS 10 SEMANAS E 1 DIA: JULGAMENTO E CADEIA COM ELAS!!! (COM A APROVAÇÃO DO AMIGO DANIEL!!!...)
Mais uma vez não responde à pergunta: ATÉ ÀS 10 SEMANAS NÃO LHE FALTA NADA, PORTANTO."
E... A PARTIR DAS 10 SEMANAS E 1 DIA: JULGAMENTO E CADEIA COM ELAS!!! (COM A APROVAÇÃO DO AMIGO DANIEL!!!...)
Caras Mafalda e Marta,
passei por aqui rapidamente, depois de um fim-de-semana sem computador e reparei com agrado que se deram ao trabalho de me responder pormenorizadamente. Tive tempo de ler com atenção, mas não de responder convenientemente. Infelizmente, por razões que a Mafalda conhece bem, ando especialmente azafamado nesta altura. Contudo, gostaria de regressar (possivelmente ainda esta semana), sem quaisquer veleidades de as convencer. Não estamos muito longe, do ponto de vista ético, mas não posso subscrever o vosso entendimento do sentido e função do direito penal, porque são diferentes as noções de acção, autonomia e responsabilidade juridico-penalmente relevantes de que parto para abordar o problema.
Até breve
passei por aqui rapidamente, depois de um fim-de-semana sem computador e reparei com agrado que se deram ao trabalho de me responder pormenorizadamente. Tive tempo de ler com atenção, mas não de responder convenientemente. Infelizmente, por razões que a Mafalda conhece bem, ando especialmente azafamado nesta altura. Contudo, gostaria de regressar (possivelmente ainda esta semana), sem quaisquer veleidades de as convencer. Não estamos muito longe, do ponto de vista ético, mas não posso subscrever o vosso entendimento do sentido e função do direito penal, porque são diferentes as noções de acção, autonomia e responsabilidade juridico-penalmente relevantes de que parto para abordar o problema.
Até breve
Marta Rebelo disse:
"Anónimo das 4.55,
É obvio que um feto é mais importante do que um ovo de cegonha. Só que o ovo de cegonha não está na barriga da mãe.
Não dá para comparar o incomparável."
Respondo:
Então, se é óbvio, a pena para quem MATA um feto tem que ser mais grave - bastante mais - do que a aplicada a quem destruír um ovo de cegonha.
Entende ou falta-lhe muito para lá chegar?
"Anónimo das 4.55,
É obvio que um feto é mais importante do que um ovo de cegonha. Só que o ovo de cegonha não está na barriga da mãe.
Não dá para comparar o incomparável."
Respondo:
Então, se é óbvio, a pena para quem MATA um feto tem que ser mais grave - bastante mais - do que a aplicada a quem destruír um ovo de cegonha.
Entende ou falta-lhe muito para lá chegar?
Anónimo das 8.21,
Eu não disse que a pena tem de ser mais grave. Disse que, a vida do embrião, como bem jurídico é mais importante do que a vida do ovo de cegonha.
Só que, na fixação das penas, as normas penais não atendem exclusivamente ao bem jurídico violado . Consideram igualmente as circunstâncias em que ocorre a lesão desse bem. Ora, a existência de um ovo de cegonha não implica, por si só, nenhum conflito. Já na gravidez indesejada, por definição, existe um conflito entre a autonomia da mãe e a vida do filho. E é exactamente por isso que o legislador impõe uma sanção menos grave em caso de aborto do que relativamente a outros crimes contra as pessoas.
Aliás, nos crimes contra as pessoas encontra molduras penais muito diferentes para a protecção de um mesmo bem jurídico (a pessoa). O homicídio qualificado (aquele que revela uma especial censurabilidade) é punível com uma pena entre os 12 e os 25 anos. Já o homicídio a pedido da vítima é punido com prisão até 3 anos.
Eu não disse que a pena tem de ser mais grave. Disse que, a vida do embrião, como bem jurídico é mais importante do que a vida do ovo de cegonha.
Só que, na fixação das penas, as normas penais não atendem exclusivamente ao bem jurídico violado . Consideram igualmente as circunstâncias em que ocorre a lesão desse bem. Ora, a existência de um ovo de cegonha não implica, por si só, nenhum conflito. Já na gravidez indesejada, por definição, existe um conflito entre a autonomia da mãe e a vida do filho. E é exactamente por isso que o legislador impõe uma sanção menos grave em caso de aborto do que relativamente a outros crimes contra as pessoas.
Aliás, nos crimes contra as pessoas encontra molduras penais muito diferentes para a protecção de um mesmo bem jurídico (a pessoa). O homicídio qualificado (aquele que revela uma especial censurabilidade) é punível com uma pena entre os 12 e os 25 anos. Já o homicídio a pedido da vítima é punido com prisão até 3 anos.
Cara Marta,
1. Volto a insistir que há dissensos no modo como se compreende a liberdade. Diz que eu quero a liberdade sexual sem consequências. Não a quero. Tenho-a. Está consagrada penalmente, na medida em que não perturbe a autodeterminação de outrem. E digo-lhe que para ma tirar tinha de cá vir à força. Lamento que lhe custe viver numa sociedade onde a liberdade sexual não tem consequências penais, mas é a mesma que permitiu estudar a gravidez até ao ponto de visualizar o feto às dez semanas: a sociedade da modernidade, com todos os seus defeitos, mas preferível a qualquer regresso ao comunitarismo medieval. Acho que há muita gente irresponsável, muita gente inconsciente, muita gente deplorável. Mas as consequências dos seus comportamentos não têm por princípio relevo penal, desculpe-me que lhe diga. Tudo o que quanto à vida frisou faz sentido no plano ético e até merece a minha anuência. Não sei porque carece do direito penal a secundá-lo, a menos que seja para a Marta se sentir pessoalmente identificada com uma ficção da sociedade em que vive, com prejuízo embora dos que pensam diferentemente e são atirados para fora da narrativa..
2. Lamento insistir neste ponto, que pode parecer um pouco contra-intuitivo para, mas o direito penal moderno não foi criado só para proteger os bens sociais. A sociedade sempre o fez, sem ajuda. O direito penal foi criado para definir com segurança o que devemos à sociedade, o que é que a sociedade nos pode exigir em nome dos bens e interesses que prezamos e as condições, os termos em que pode mobilizar o seu poder para o efeito. Portanto, temos de partir do princípio de que a autonomia, raiz dos ditos valores - mesmo que eles adquiram uma relativa transcendência normativo-cultural – e fundamento da punição pela sua transgressão, precede o direito penal. Ou seja, por princípio, não se criminaliza. Só se criminaliza em última instância e só se pune na pior das circunstâncias. O homem, a pessoa, está antes do direito penal. E a pessoa em causa é quem vai ser atingida por ele, pois que estamos a tratar de incriminação e não de nenhum hino ao feto ou de uma campanha de promoção da natalidade ou de glorificação da vida. Os protagonistas aqui são sem dúvida dois, mas é uma falácia desonesta assimilar a solução do referendo a uma condenação à morte dos fetos. O que aqui está em causa é criminalizar ou não a mulher. A Marta pode considerar que está envolvida numa batalha civilizacional, pela vida, e que isso é muito humano, porque o feto é a parte mais fraca. Mas na prática nós só estamos a discutir se a conduta da mulher deve ser ciminalizada ou não. Se as mãos pouco delicadas do direito penal devem vir arbitrar o conflito entre os dois valores em confronto. Isto no plano dos princípios. Porque no plano dos efeitos ou consequências, não sei como podem sustentar que a manutenção do status quo é preferível? E se também são a favor da mudança, porque é que ela não se operou até agora? A incriminação penal não é lá grande alavanca para transformar as coisas. A prova disso é que o não fala do referendo como se fosse salvar alguém e não vai. A menos que a vossa cruz, no boletim de voto, tenha propriedades mágicas. Querem apenas continuar a prescrever que não se pode interromper a gravidez. O que muda neste referendo é, no plano simbólico, o modo como nos construímos em termos imagéticos, e no plano real, o modo como tratamos as mulheres. Porque ao feto só chegaremos por via delas. Pode custar-lhe viver numa sociedade que não consagra – a nível penal - a primazia absoluta da vida-intra-uterina, e eu aceito-o. Mas parecendo-me que partilho as mesmas noções de vida da Marta, sinto-me melhor com a nova solução. Continuo a ser tão exigente como era em relação ao meu semelhante. Mas não preciso do direito penal para os sancionar. E olhe que há gente que tem noções muito diferentes da nossa. E não são nenhuns facínoras.
3. A Marta quer cometer um erro típico que é derivar normas da natureza do bem ou do embrião. Ora a mediação que as coisas sofrem no direito faz com que este não as acolha em si. Ele modela-as, constrói-as no seu seio para as proteger. O que o direito penal protege não é A VIDA. É um bem jurídico. Perceba isto. Admito que a perturbe, que não aceite, mas tem de considerar que, por muito que haja limites à tolerância, os seus são pouco elásticos. A ciência só pode fornecer indícios para a regulação. Esta última não pode ser deduzida daquela. De nada adianta o debate sobre o ser, para uma vez entendidos quanto a este, passarmos ao dever-ser.
4. Aos olhos do direito penal, a gravidez não é uma responsabilidade da liberdade humana. E aqui desculpem-me mas não há margem de manobra. Tal só seria assim se treslessem a constituição e o código penal que temos. É por partirem para o debate nessa pressuposição que depois não aceitam a liberdade da mulher. As relações sexuais não visam a procriação. E isto é uma afirmação de cultura. Tal como a proibição do incesto é algo que nos separa dos animais. Querer sustentar o contrário é inadmissível aos olhos do direito. E se me dizem que essa é a natureza humana eu respondo-lhes que foi à mulher que a natureza deu o poder da maternidade. Se Deus assim o não quisesse, tinha-a criado a pôr ovos. Nós não temos natureza, minha senhora…Eu pelo menos não conheço a minha. Nem substância, nem essência. Se fosse lacaniano, diria talvez que tanta consciência moral é suspeita de disfarçar um monelho de desejos recalcados…
Eu concordo consigo quanto aos cuidados que se devem ter. Acho que as pessoas devem ser mais responsáveis. Mas não é nos tribunais e menos ainda nos códigos, que se fazem essas arengas. A juridificação da vida é mais responsável pela desumanização do homem do que as práticas abortivas.
Dêem-se melhores condições às mulheres. Muito bem. Apoie-se a natalidade, óptimo. Aconselhe-se à prossecução da gravidez, excelente. Mas não se force ninguém a decidir sob a ameaça de uma lei penal. Porque ela tem de se apoiar toda na vida do nascituro e não na maldade ou irresponsabilidade do comportamento que lhe deu origem. E a vida do nascituro, desculpem-me, mas não o justifica nos termos em que está prevista. Convocar este tópico, faz sentido eticamente, mas é batota jurídica. Mais. Convençam-se que, quanto mais procurarem, mais argumentos axiológicos encontrarão, para defender a vida. É como defender o oxigénio estando nós a discutir a criminalização dos fumadores que o poluem.
É como defender a criminalização dos fumadores porque não são pró-oxigénio. Vocês arrancam de uma noção da autonomia e responsabilidade diferentes da minha. Se calhar até por razões políticas. Cada vez estou mais convencido de que o direito deve actuar na esfera pública, no domínio da riqueza, da propriedade, da distribuição, das liberdades públicas e garantir a autonomia privada, abstendo-se de penetrar nesses domínios. A autonomia do ser e a autonomia do ter são muito diferentes. Porque esta é condição daquela, o estado deve intervir nesta para permitir o mais possível aquela. Não podem impor-ma penalmente. Há pessoas liberais em termos económicos a quem isto desagrada, mas que devem entender que uma sociedade organizada para promover uns em detrimento de outros, tem os seus parâmetros de estruturação e avaliação avariados. Mas também há liberais nos costumes. Quer queiramos quer não, o mundo está cheio de prostituição, de droga, de alcoolismo, de promiscuidade sexual, de desonestidade. Mas não é o direito que a vai resolver. E certamente não é o direito penal. Eu acho que as senhoras levam o direito demasiado a sério. Para mim, ele não é apenas um núcleo de processos ou regras discursivas, porque a valia destas assenta em ceras intuições morais, evidências, alicerces axiológicos. Mas estes são escassos, nos dias de hoje. Eu quase já me contentava com a definição das regras de argumentação ideal...
5. Esta norma não vai cair, vai apenas sofrer uma alteração. E é talvez o último resquício de uma eticidade deslocada e desafinada com o pluralismo que a nossa sociedade vem adquirindo, que o nosso código vê desaparecer. Todos somos a favor de uma sexualidade responsável, mas uma gravidez não pode ser uma consequência penalmente sancionada da autodeterminação sexual. É que às vezes parece que querem punir com a gravidez a mulher, em vez de tutelar o feto. Ora a Marta insurge-se contra os marcos. Queria que o direito fizesse o quê? Não distinguisse os menores dos maiores? Repare que só estamos a falar do DIREITO. Não estamos a dizer que o feto é isto ou aquilo. Estamos a modelar uma pena, a delinear um tipo de crime, que é uma tarefa dogmático-jurídica, obediente a opções de política criminal, por sua vez assentes em valores e colimadas à realização de certos fins. Não transformem isto numa cruzada, se não acabamos como o outro a lamentar “Much ado about nothing”!
Bom fim de campanha.
Luis Meneses do Vale
1. Volto a insistir que há dissensos no modo como se compreende a liberdade. Diz que eu quero a liberdade sexual sem consequências. Não a quero. Tenho-a. Está consagrada penalmente, na medida em que não perturbe a autodeterminação de outrem. E digo-lhe que para ma tirar tinha de cá vir à força. Lamento que lhe custe viver numa sociedade onde a liberdade sexual não tem consequências penais, mas é a mesma que permitiu estudar a gravidez até ao ponto de visualizar o feto às dez semanas: a sociedade da modernidade, com todos os seus defeitos, mas preferível a qualquer regresso ao comunitarismo medieval. Acho que há muita gente irresponsável, muita gente inconsciente, muita gente deplorável. Mas as consequências dos seus comportamentos não têm por princípio relevo penal, desculpe-me que lhe diga. Tudo o que quanto à vida frisou faz sentido no plano ético e até merece a minha anuência. Não sei porque carece do direito penal a secundá-lo, a menos que seja para a Marta se sentir pessoalmente identificada com uma ficção da sociedade em que vive, com prejuízo embora dos que pensam diferentemente e são atirados para fora da narrativa..
2. Lamento insistir neste ponto, que pode parecer um pouco contra-intuitivo para, mas o direito penal moderno não foi criado só para proteger os bens sociais. A sociedade sempre o fez, sem ajuda. O direito penal foi criado para definir com segurança o que devemos à sociedade, o que é que a sociedade nos pode exigir em nome dos bens e interesses que prezamos e as condições, os termos em que pode mobilizar o seu poder para o efeito. Portanto, temos de partir do princípio de que a autonomia, raiz dos ditos valores - mesmo que eles adquiram uma relativa transcendência normativo-cultural – e fundamento da punição pela sua transgressão, precede o direito penal. Ou seja, por princípio, não se criminaliza. Só se criminaliza em última instância e só se pune na pior das circunstâncias. O homem, a pessoa, está antes do direito penal. E a pessoa em causa é quem vai ser atingida por ele, pois que estamos a tratar de incriminação e não de nenhum hino ao feto ou de uma campanha de promoção da natalidade ou de glorificação da vida. Os protagonistas aqui são sem dúvida dois, mas é uma falácia desonesta assimilar a solução do referendo a uma condenação à morte dos fetos. O que aqui está em causa é criminalizar ou não a mulher. A Marta pode considerar que está envolvida numa batalha civilizacional, pela vida, e que isso é muito humano, porque o feto é a parte mais fraca. Mas na prática nós só estamos a discutir se a conduta da mulher deve ser ciminalizada ou não. Se as mãos pouco delicadas do direito penal devem vir arbitrar o conflito entre os dois valores em confronto. Isto no plano dos princípios. Porque no plano dos efeitos ou consequências, não sei como podem sustentar que a manutenção do status quo é preferível? E se também são a favor da mudança, porque é que ela não se operou até agora? A incriminação penal não é lá grande alavanca para transformar as coisas. A prova disso é que o não fala do referendo como se fosse salvar alguém e não vai. A menos que a vossa cruz, no boletim de voto, tenha propriedades mágicas. Querem apenas continuar a prescrever que não se pode interromper a gravidez. O que muda neste referendo é, no plano simbólico, o modo como nos construímos em termos imagéticos, e no plano real, o modo como tratamos as mulheres. Porque ao feto só chegaremos por via delas. Pode custar-lhe viver numa sociedade que não consagra – a nível penal - a primazia absoluta da vida-intra-uterina, e eu aceito-o. Mas parecendo-me que partilho as mesmas noções de vida da Marta, sinto-me melhor com a nova solução. Continuo a ser tão exigente como era em relação ao meu semelhante. Mas não preciso do direito penal para os sancionar. E olhe que há gente que tem noções muito diferentes da nossa. E não são nenhuns facínoras.
3. A Marta quer cometer um erro típico que é derivar normas da natureza do bem ou do embrião. Ora a mediação que as coisas sofrem no direito faz com que este não as acolha em si. Ele modela-as, constrói-as no seu seio para as proteger. O que o direito penal protege não é A VIDA. É um bem jurídico. Perceba isto. Admito que a perturbe, que não aceite, mas tem de considerar que, por muito que haja limites à tolerância, os seus são pouco elásticos. A ciência só pode fornecer indícios para a regulação. Esta última não pode ser deduzida daquela. De nada adianta o debate sobre o ser, para uma vez entendidos quanto a este, passarmos ao dever-ser.
4. Aos olhos do direito penal, a gravidez não é uma responsabilidade da liberdade humana. E aqui desculpem-me mas não há margem de manobra. Tal só seria assim se treslessem a constituição e o código penal que temos. É por partirem para o debate nessa pressuposição que depois não aceitam a liberdade da mulher. As relações sexuais não visam a procriação. E isto é uma afirmação de cultura. Tal como a proibição do incesto é algo que nos separa dos animais. Querer sustentar o contrário é inadmissível aos olhos do direito. E se me dizem que essa é a natureza humana eu respondo-lhes que foi à mulher que a natureza deu o poder da maternidade. Se Deus assim o não quisesse, tinha-a criado a pôr ovos. Nós não temos natureza, minha senhora…Eu pelo menos não conheço a minha. Nem substância, nem essência. Se fosse lacaniano, diria talvez que tanta consciência moral é suspeita de disfarçar um monelho de desejos recalcados…
Eu concordo consigo quanto aos cuidados que se devem ter. Acho que as pessoas devem ser mais responsáveis. Mas não é nos tribunais e menos ainda nos códigos, que se fazem essas arengas. A juridificação da vida é mais responsável pela desumanização do homem do que as práticas abortivas.
Dêem-se melhores condições às mulheres. Muito bem. Apoie-se a natalidade, óptimo. Aconselhe-se à prossecução da gravidez, excelente. Mas não se force ninguém a decidir sob a ameaça de uma lei penal. Porque ela tem de se apoiar toda na vida do nascituro e não na maldade ou irresponsabilidade do comportamento que lhe deu origem. E a vida do nascituro, desculpem-me, mas não o justifica nos termos em que está prevista. Convocar este tópico, faz sentido eticamente, mas é batota jurídica. Mais. Convençam-se que, quanto mais procurarem, mais argumentos axiológicos encontrarão, para defender a vida. É como defender o oxigénio estando nós a discutir a criminalização dos fumadores que o poluem.
É como defender a criminalização dos fumadores porque não são pró-oxigénio. Vocês arrancam de uma noção da autonomia e responsabilidade diferentes da minha. Se calhar até por razões políticas. Cada vez estou mais convencido de que o direito deve actuar na esfera pública, no domínio da riqueza, da propriedade, da distribuição, das liberdades públicas e garantir a autonomia privada, abstendo-se de penetrar nesses domínios. A autonomia do ser e a autonomia do ter são muito diferentes. Porque esta é condição daquela, o estado deve intervir nesta para permitir o mais possível aquela. Não podem impor-ma penalmente. Há pessoas liberais em termos económicos a quem isto desagrada, mas que devem entender que uma sociedade organizada para promover uns em detrimento de outros, tem os seus parâmetros de estruturação e avaliação avariados. Mas também há liberais nos costumes. Quer queiramos quer não, o mundo está cheio de prostituição, de droga, de alcoolismo, de promiscuidade sexual, de desonestidade. Mas não é o direito que a vai resolver. E certamente não é o direito penal. Eu acho que as senhoras levam o direito demasiado a sério. Para mim, ele não é apenas um núcleo de processos ou regras discursivas, porque a valia destas assenta em ceras intuições morais, evidências, alicerces axiológicos. Mas estes são escassos, nos dias de hoje. Eu quase já me contentava com a definição das regras de argumentação ideal...
5. Esta norma não vai cair, vai apenas sofrer uma alteração. E é talvez o último resquício de uma eticidade deslocada e desafinada com o pluralismo que a nossa sociedade vem adquirindo, que o nosso código vê desaparecer. Todos somos a favor de uma sexualidade responsável, mas uma gravidez não pode ser uma consequência penalmente sancionada da autodeterminação sexual. É que às vezes parece que querem punir com a gravidez a mulher, em vez de tutelar o feto. Ora a Marta insurge-se contra os marcos. Queria que o direito fizesse o quê? Não distinguisse os menores dos maiores? Repare que só estamos a falar do DIREITO. Não estamos a dizer que o feto é isto ou aquilo. Estamos a modelar uma pena, a delinear um tipo de crime, que é uma tarefa dogmático-jurídica, obediente a opções de política criminal, por sua vez assentes em valores e colimadas à realização de certos fins. Não transformem isto numa cruzada, se não acabamos como o outro a lamentar “Much ado about nothing”!
Bom fim de campanha.
Luis Meneses do Vale
Cara Mafalda,
Fossem todos os argumentos do não como o teu…
No entanto, os eixos da nossa clivagem mantêm-se. Tu partes da pessoalidade e os seus corolários normativos para associar a liberdade à responsabilidade comunitária. Eu considero que a acção, o poder inaugural do acto escapa a uma total imputação e daí a sua matricial irreversibilidade e imprevisbilidade a montante e no plano dos efeitos. A acção está antes da norma. Por isso é que a vida é excessiva, não pode ser domesticada, apoucada nas suas expressões mais radicais senão com cautelas. Claro que a responsabilidade corre atrás da liberdade. Mas ela interessa sobretudo como condição possibilitante desta. E isto não é nenhum liberalismo extremo. Mais, entendo que no plano ético devemos exigir mais uns dos outros. A unilateralidade do ditame moral vista da óptica interior da consciência individual, pode também ser configurada socialmente como uma alteridade radical, seja na versão “eu-tu” de Buber, seja ainda no mais radical “apelo do Outro absoluto” de Lévinas. Mas é o “ele”, o “terceiro”, o “cada um” anónimo que está na base do direito, como salienta o Ricoeur. Ou o nós, jurídico-político, de que fala o Lévinas. E portanto importa moderar sempre os ânimos quando, enquanto juristas, queremos densificar materialmente o direito, colorá-lo de valores que o nobilitem eticamente. Na base do direito está, sem dúvida, a proporção do homem ao homem, a intersubjectividade. Mas nem todas as pretensões que emergem da condição existencialmente mundana e da intersubjectividade social – dignas que sejam de sanção jurídica – são necessariamente sancionadas. E o problema depois está em saber qual a sanção, qual o meio mais adequado para fazer valer tais exigências correlativas. Acresce que estas considerações arrancam de uma reflexão horizontal sobre a justiça que casa bem com a comutatividade penal e civil originária, mas obscurece um pouco as relações com o todo comunitário. Uma coisa é pensar o que nos devemos mutuamente. Coisa diferente é saber o que devemos ao todo, o que é que o todo nos pode exigir em nome de todos e que lhe podemos nós exigir a ele. Ora neste plano as reservas aumentam. E como aqui a mobilização dos valores comunitários é complicada pela interferência do interesse geral – somado aos interesses contrapostos que neles se louvam – são necessárias mais mediações discursivas e crivos políticos a fim de esclarecer quanto possível o conteúdo desses valores e consequentemente aquilatar das sobreditas pretensões.
É o próprio direito que o exige, sob pena de se contradizer a si mesmo. Os valores não estão nesta sua complexidade automaticamente hierarquizados. São caleidoscópicos e têm muitos matizes. Por isso o legislador os trabalha diferentemente em diferentes âmbitos, não é?
Ora no que concerne à responsabilidade, não penses que o comportamento sexual fica sem consequências. Pode ter a consequência mais importante do mundo para uma mulher. Ver-se grávida. E ter de decidir o que fazer é para mim a responsabilidade que lhe deves imputar. Uma responsabilidade que muitos portugueses se recusam a assumir. O voto em branco e a abstenção não deixa de ser uma fuga a esta questão excruciante. E é só por se verificar essa paradoxal autonomia inescapável que se pode discutir a própria criminalização, como tenho dito. A mulher tem de dar uma resposta ao que a sua insindicável liberdade trouxe consigo. E disse bem, insindicável. Não pode haver consequências jurídico-penais para as opções de vida, que não lesem em si mesmas, os outros. Ter relações com um, dois, três ou mais parceiros, ao mesmo tempo ou não, do mesmo sexo ou diferente é irrelevante para o direito penal, desde que não se lesem os outros envolvidos. E ainda bem. Do ponto de vista ético é outra coisa. E em termos morais também. Eu acho perigoso, arriscado, imoral, de acordo com a minha concepção da vida. Mas não viola nenhum princípio ético universal. (Não tomo aqui moral e ética no sentido hegeliano ou pós hegeliano, como em Häbermas). Mas o nosso direito penal até vai mais longe e dá um sinal, que tu podes achar pouco significativo ou insuficiente. Diz à mulher que, caso engravide, tem de ter em conta que passa a haver um bem jurídico-penal novo e que ela incorre na prática de um crime se atentar contra ele. Ponto é que se defina em que termos deve operar esta responsabilidade da mulher pela sua decisão. E aqui já não está em causa a conduta pregressa. Não é o an da decisão, mas o conteúdo dela que releva para efeitos jurídico-penais. Porque então, não ter engravidado já não é uma hipótese. Fazer recuar a teia de causalidade (e não vou ensinar o Pai Nosso ao vigário…) é destruir a possibilidade humana de acção e sonhar as ilusões ataráxicas dos estóicos ou a apatia epicurista. Só quem não age não se compromete. Se pedíssemos responsabilidades penais por todas as consequências das nossas acções quedaríamos paralisados. Por isso a Hannah Arendt apela à faculdade de perdoar e de prometer como respostas humanas à irreparabilidade e à insegurança decorrentes da acção. Mas num plano que não pode ser jurídico. Está antes do direito. E acho que a tentação, na sociedade do risco, é cedermos mais uma vez a diminuir essa grandeza do homem. O homem é maior do que o homem por causa deste excesso. Não vamos hipotecá-lo. Eu compreendo a apreensão com o eventual mau uso da autonomia por parte das pessoas, mas não partilho do pessimismo antropológico. O bem jurídico - que nunca recusei – da vida intra-uterina ou é equiparado à vida normal, e caem todas as excepções, ou não. E nesta última hipótese, as razões avançadas para sustentar a proposta de referendo, mantêm-se em pé. Sinceramente entendo que te perturbe o eco das palavras direito subjectivo da mulher, mas não tomemos a nuvem por Juno. O pior que aqui podemos fazer é começar a disputar o poder divino de nomear, para, pela via discursiva, impor concepções.
São palavras, Mafalda. Mais, a mulher tem a faculdade de decidir em tudo o que lhe concerne. Mas este direito tem limites internos – em que nunca confio muito em termos operativos – e externos. E eu sou insuspeito de misologia, creio, mas estou mais preocupado com o conteúdo das soluções e com os seus efeitos. Com o problema real e o modo de lhe dar uma resposta eficaz que não contenda intoleravelmente com os referentes axiológicos basilares da nossa comunidade, tal como a nossa constituição os consagra. E desta não consigo desentranhar nenhuma necessidade imperiosa de criminalização da mulher que impeça a proposta que vai a referendo.
Peço desculpa, por não dedicar mais tempo a esta controvérsia, porque os teus argumentos bem o merecem, mas o dever chama.
Esperemos que tudo corra pelo melhor (e aqui, sinceramente, confio-me aos insondáveis desígnios d'Ele)
Felicidades a todos.
Luis Meneses do Vale
Fossem todos os argumentos do não como o teu…
No entanto, os eixos da nossa clivagem mantêm-se. Tu partes da pessoalidade e os seus corolários normativos para associar a liberdade à responsabilidade comunitária. Eu considero que a acção, o poder inaugural do acto escapa a uma total imputação e daí a sua matricial irreversibilidade e imprevisbilidade a montante e no plano dos efeitos. A acção está antes da norma. Por isso é que a vida é excessiva, não pode ser domesticada, apoucada nas suas expressões mais radicais senão com cautelas. Claro que a responsabilidade corre atrás da liberdade. Mas ela interessa sobretudo como condição possibilitante desta. E isto não é nenhum liberalismo extremo. Mais, entendo que no plano ético devemos exigir mais uns dos outros. A unilateralidade do ditame moral vista da óptica interior da consciência individual, pode também ser configurada socialmente como uma alteridade radical, seja na versão “eu-tu” de Buber, seja ainda no mais radical “apelo do Outro absoluto” de Lévinas. Mas é o “ele”, o “terceiro”, o “cada um” anónimo que está na base do direito, como salienta o Ricoeur. Ou o nós, jurídico-político, de que fala o Lévinas. E portanto importa moderar sempre os ânimos quando, enquanto juristas, queremos densificar materialmente o direito, colorá-lo de valores que o nobilitem eticamente. Na base do direito está, sem dúvida, a proporção do homem ao homem, a intersubjectividade. Mas nem todas as pretensões que emergem da condição existencialmente mundana e da intersubjectividade social – dignas que sejam de sanção jurídica – são necessariamente sancionadas. E o problema depois está em saber qual a sanção, qual o meio mais adequado para fazer valer tais exigências correlativas. Acresce que estas considerações arrancam de uma reflexão horizontal sobre a justiça que casa bem com a comutatividade penal e civil originária, mas obscurece um pouco as relações com o todo comunitário. Uma coisa é pensar o que nos devemos mutuamente. Coisa diferente é saber o que devemos ao todo, o que é que o todo nos pode exigir em nome de todos e que lhe podemos nós exigir a ele. Ora neste plano as reservas aumentam. E como aqui a mobilização dos valores comunitários é complicada pela interferência do interesse geral – somado aos interesses contrapostos que neles se louvam – são necessárias mais mediações discursivas e crivos políticos a fim de esclarecer quanto possível o conteúdo desses valores e consequentemente aquilatar das sobreditas pretensões.
É o próprio direito que o exige, sob pena de se contradizer a si mesmo. Os valores não estão nesta sua complexidade automaticamente hierarquizados. São caleidoscópicos e têm muitos matizes. Por isso o legislador os trabalha diferentemente em diferentes âmbitos, não é?
Ora no que concerne à responsabilidade, não penses que o comportamento sexual fica sem consequências. Pode ter a consequência mais importante do mundo para uma mulher. Ver-se grávida. E ter de decidir o que fazer é para mim a responsabilidade que lhe deves imputar. Uma responsabilidade que muitos portugueses se recusam a assumir. O voto em branco e a abstenção não deixa de ser uma fuga a esta questão excruciante. E é só por se verificar essa paradoxal autonomia inescapável que se pode discutir a própria criminalização, como tenho dito. A mulher tem de dar uma resposta ao que a sua insindicável liberdade trouxe consigo. E disse bem, insindicável. Não pode haver consequências jurídico-penais para as opções de vida, que não lesem em si mesmas, os outros. Ter relações com um, dois, três ou mais parceiros, ao mesmo tempo ou não, do mesmo sexo ou diferente é irrelevante para o direito penal, desde que não se lesem os outros envolvidos. E ainda bem. Do ponto de vista ético é outra coisa. E em termos morais também. Eu acho perigoso, arriscado, imoral, de acordo com a minha concepção da vida. Mas não viola nenhum princípio ético universal. (Não tomo aqui moral e ética no sentido hegeliano ou pós hegeliano, como em Häbermas). Mas o nosso direito penal até vai mais longe e dá um sinal, que tu podes achar pouco significativo ou insuficiente. Diz à mulher que, caso engravide, tem de ter em conta que passa a haver um bem jurídico-penal novo e que ela incorre na prática de um crime se atentar contra ele. Ponto é que se defina em que termos deve operar esta responsabilidade da mulher pela sua decisão. E aqui já não está em causa a conduta pregressa. Não é o an da decisão, mas o conteúdo dela que releva para efeitos jurídico-penais. Porque então, não ter engravidado já não é uma hipótese. Fazer recuar a teia de causalidade (e não vou ensinar o Pai Nosso ao vigário…) é destruir a possibilidade humana de acção e sonhar as ilusões ataráxicas dos estóicos ou a apatia epicurista. Só quem não age não se compromete. Se pedíssemos responsabilidades penais por todas as consequências das nossas acções quedaríamos paralisados. Por isso a Hannah Arendt apela à faculdade de perdoar e de prometer como respostas humanas à irreparabilidade e à insegurança decorrentes da acção. Mas num plano que não pode ser jurídico. Está antes do direito. E acho que a tentação, na sociedade do risco, é cedermos mais uma vez a diminuir essa grandeza do homem. O homem é maior do que o homem por causa deste excesso. Não vamos hipotecá-lo. Eu compreendo a apreensão com o eventual mau uso da autonomia por parte das pessoas, mas não partilho do pessimismo antropológico. O bem jurídico - que nunca recusei – da vida intra-uterina ou é equiparado à vida normal, e caem todas as excepções, ou não. E nesta última hipótese, as razões avançadas para sustentar a proposta de referendo, mantêm-se em pé. Sinceramente entendo que te perturbe o eco das palavras direito subjectivo da mulher, mas não tomemos a nuvem por Juno. O pior que aqui podemos fazer é começar a disputar o poder divino de nomear, para, pela via discursiva, impor concepções.
São palavras, Mafalda. Mais, a mulher tem a faculdade de decidir em tudo o que lhe concerne. Mas este direito tem limites internos – em que nunca confio muito em termos operativos – e externos. E eu sou insuspeito de misologia, creio, mas estou mais preocupado com o conteúdo das soluções e com os seus efeitos. Com o problema real e o modo de lhe dar uma resposta eficaz que não contenda intoleravelmente com os referentes axiológicos basilares da nossa comunidade, tal como a nossa constituição os consagra. E desta não consigo desentranhar nenhuma necessidade imperiosa de criminalização da mulher que impeça a proposta que vai a referendo.
Peço desculpa, por não dedicar mais tempo a esta controvérsia, porque os teus argumentos bem o merecem, mas o dever chama.
Esperemos que tudo corra pelo melhor (e aqui, sinceramente, confio-me aos insondáveis desígnios d'Ele)
Felicidades a todos.
Luis Meneses do Vale
Luís,
Lamento o tom do seu post.
O Luís diz o seguinte:
«Todos somos a favor de uma sexualidade responsável, mas uma gravidez não pode ser uma consequência penalmente sancionada da autodeterminação sexual. É que às vezes parece que querem punir com a gravidez a mulher, em vez de tutelar o feto».
Não percebeu que a consequência do uso da sua liberdade sexual não é uma sanção criminal mas sim uma possível gravidez? Que nem o embrião é gerado pelo CP (mas sim por um acto sexual livre), nem a gravidez é sanção?
E que o que se criminaliza é o aborto e não o uso da liberdade sexual?
E que se que usou livremente da sua sexualidade deve ser responsável por esse uso, aceitando as respectivas consequências (gravidez e não sanção penal).
E que é o acto de abortar (acabar com a vida de um terceiro) que merece censura penal e não o uso da sua liberdade sexual? Isto porque o uso da sua liberade sexual não interfere com terceiros, mas o aborto interfere?
Quer sair da Idade Média? Acho óptimo. Eu também. Mas então seja responsável pelos seus actos. Use a sua liberdade sexual como entender (nem eu nem o Direito Penal temos ou queremos ter absolutamente nada a ver com isso: use ou não os métodos que entender, como, com quem e com quantas pessoas entender, as vezes que entender, tanto dá). No entanto, se por acaso daí advier como consequência uma gravidez, convém que a assuma.
PS: Tirei o curso faz algum tempo. Mas entretanto a personalidade (susceptibilidade de ser sujeito de direitos e deveres - qualitativo, portanto), confunde-se agora com capacidade de gozo ou de exercício(medida dos direitos e deveres de que se é titular ou possibilidade de os exercer por si só)? É que quando me respondeu à questão sobre se há pessoas que são mais pessoas e outras menos pessoas falou-me em maioridade e menoridade. Sinceramente, não entendi.
Já agora, se acha que o embrião é merecedor de tutela, mas se lhe nega tutela penal, que tipo de tutela propõe?
Lamento o tom do seu post.
O Luís diz o seguinte:
«Todos somos a favor de uma sexualidade responsável, mas uma gravidez não pode ser uma consequência penalmente sancionada da autodeterminação sexual. É que às vezes parece que querem punir com a gravidez a mulher, em vez de tutelar o feto».
Não percebeu que a consequência do uso da sua liberdade sexual não é uma sanção criminal mas sim uma possível gravidez? Que nem o embrião é gerado pelo CP (mas sim por um acto sexual livre), nem a gravidez é sanção?
E que o que se criminaliza é o aborto e não o uso da liberdade sexual?
E que se que usou livremente da sua sexualidade deve ser responsável por esse uso, aceitando as respectivas consequências (gravidez e não sanção penal).
E que é o acto de abortar (acabar com a vida de um terceiro) que merece censura penal e não o uso da sua liberdade sexual? Isto porque o uso da sua liberade sexual não interfere com terceiros, mas o aborto interfere?
Quer sair da Idade Média? Acho óptimo. Eu também. Mas então seja responsável pelos seus actos. Use a sua liberdade sexual como entender (nem eu nem o Direito Penal temos ou queremos ter absolutamente nada a ver com isso: use ou não os métodos que entender, como, com quem e com quantas pessoas entender, as vezes que entender, tanto dá). No entanto, se por acaso daí advier como consequência uma gravidez, convém que a assuma.
PS: Tirei o curso faz algum tempo. Mas entretanto a personalidade (susceptibilidade de ser sujeito de direitos e deveres - qualitativo, portanto), confunde-se agora com capacidade de gozo ou de exercício(medida dos direitos e deveres de que se é titular ou possibilidade de os exercer por si só)? É que quando me respondeu à questão sobre se há pessoas que são mais pessoas e outras menos pessoas falou-me em maioridade e menoridade. Sinceramente, não entendi.
Já agora, se acha que o embrião é merecedor de tutela, mas se lhe nega tutela penal, que tipo de tutela propõe?
Cara Marta,
Não sei o tom que transpareceu do comentário, mas muito sinceramente não quis ofender ninguém. Lamento se fui demasiado veemente. Julgo ter ocorrido a algumas das suas perguntas nos comentários anteriores, nomeadamente no que vai dirigido à Mafalda. A Marta percebe que a imputação da gravidez não pode estabelecer-se nos termos simplistas em que o fez. Eu só quis sublinhar que o seu post dava a entender um "bem feita!" que não se aplica a todas as pessoas. Aliás, acho também que a consequência de uma vida mais imprudente é arcar com as consequências inerentes. Mas isso não implica sequelas penais. E não há osmose entre a decisão de ter relações sexuais e a relação de interromper a gravidez, comunicando-se a responsabilidade entre elas...A causalidade natural não equivale a imputação ética e esta não se equipara à jurídica. Eu acho que as soluções do direito não são suficientes para remir alguém de um pecado. Mas não devem sê-lo. Se quer justificar a protecção jurídico-penal do feto porque o acha um bem jurídico prevalecente sobre a autonomia da mulher sem lugar a ponderação, tudo bem. Mas então não venha falar da eficácia da lei, nem da ignomínia da pena. Vamos lá a ser consequentes. Para a Marta é logo no acto sexual que começa a questão. A partir daí "fiat iustitia, pereat mundus".
Volto a dizer que discordo do seu entendimento das funções do direito penal e que não percebo porque confia tanto numa proibição para resolver um problema da conduta humana, tendo esta os predicados que tem. Mas admito, que o faça em nome daquele bem. Não recorra é a atavismos. A referência ao comunitarismo não é insultuosa. Mas a Marta fala como se houvesse condutas sexuais de primeira e de segunda. Tem o direito de ser Miguelista e convocar as suas Cortes...Disse-lhe que um freudiano veria nisto o aflorar dos rssentimentos pessoais, não com sentido directamente pejorativo(como o podia ser, não faço ideia de quem a Marta seja e até agora não posso apontar-lhe o mínimo agravo...) mas porque eu próprio quando dou comigo a predicar e faço um auto-exame, acabo sempre por reconhecê-lo. Daí a sincera humildade moral com que tenho aqui colocado estes comments. Como já tive ocasião de dizer, as minhas convicções morais e éticas provocam-me alguns engulhos diante de um tema destes. Por isso fui incapaz de aderir a algum movimento. Foram alguns dislates que aqui vi, primeiro, que me forçaram a ocupar o vosso espaço, e depois, as interpelações convictas que me foram feitas por várias pessoas, a que por respeito, me senti obrigado a responder. Confesso que alguns argumentos me surpreenderam pela positiva e outros pela negativa, mas não vi resolvidas as contradições do não. Ou espera do direito penal uma proteccção a outrance do bem vida intra-uterina, e então não há lugar a excepções. Ou então admite ponderações. E aqui, o valor mais importante a considerar em confronto com a vida intra-uterina é a autonomia da mulher qua tale e não assistida por indicações médicas justificativas. Isso só transfere o poder discricionário que exista para outrem e, no demais, retira a todos os interessados qualquer verdadeira autonomia.´Gostava de saber porque é necessário criminalizar. Não adianta inverter o ónus da prova, porque aqui não vale o princípio da inércia. Por princípio não se pune. Está prevista a punição. Obrigados a reflectir sobre a pena os adeptos do não sentem desconforto. O que é que os senhores oferecem, como solução, como alívio? Um animal mitológico à Woody Allen: metade leão e outra metade também leão...mas não o mesmo!
Porque não descriminalizar e apertar as medidas de apoio e acompanhamento. Monitorizar as mulheres. Estabelecer redes de apoio psicológico e social, de reencaminhamento, etc (os senhores é que tentaram apropriar-se da solução alemã, como se o seu espírito estivesse mais próximo do não...). Tudo coisas que já existem, mas só para evitar um crime... A solução de manter tudo na mesma e mudar a montante e a jusante ser-me-ia estapafúrdia se eu não fosse cristão católico e não tivesse uma noção do que a religião fez dos povos mediterrânicos. Gente amororosamente hipócrita. (Não é por acaso que em Napóles se sucedem as casas de paramentos e as de armas). É que, a menos que seja a quebra do Tabu que se quer evitar, bastava invocar o princípio da esperança, para se tentar uma solução diferente.
Mas a Marta tem disso um medo terrível, como se fossemos abrir a caixa de pandora. Não vamos. A lei pode pouco. Só que faz uma sombra insuportável.
Com os melhores cumprimentos
Luis Meneses vale
Não sei o tom que transpareceu do comentário, mas muito sinceramente não quis ofender ninguém. Lamento se fui demasiado veemente. Julgo ter ocorrido a algumas das suas perguntas nos comentários anteriores, nomeadamente no que vai dirigido à Mafalda. A Marta percebe que a imputação da gravidez não pode estabelecer-se nos termos simplistas em que o fez. Eu só quis sublinhar que o seu post dava a entender um "bem feita!" que não se aplica a todas as pessoas. Aliás, acho também que a consequência de uma vida mais imprudente é arcar com as consequências inerentes. Mas isso não implica sequelas penais. E não há osmose entre a decisão de ter relações sexuais e a relação de interromper a gravidez, comunicando-se a responsabilidade entre elas...A causalidade natural não equivale a imputação ética e esta não se equipara à jurídica. Eu acho que as soluções do direito não são suficientes para remir alguém de um pecado. Mas não devem sê-lo. Se quer justificar a protecção jurídico-penal do feto porque o acha um bem jurídico prevalecente sobre a autonomia da mulher sem lugar a ponderação, tudo bem. Mas então não venha falar da eficácia da lei, nem da ignomínia da pena. Vamos lá a ser consequentes. Para a Marta é logo no acto sexual que começa a questão. A partir daí "fiat iustitia, pereat mundus".
Volto a dizer que discordo do seu entendimento das funções do direito penal e que não percebo porque confia tanto numa proibição para resolver um problema da conduta humana, tendo esta os predicados que tem. Mas admito, que o faça em nome daquele bem. Não recorra é a atavismos. A referência ao comunitarismo não é insultuosa. Mas a Marta fala como se houvesse condutas sexuais de primeira e de segunda. Tem o direito de ser Miguelista e convocar as suas Cortes...Disse-lhe que um freudiano veria nisto o aflorar dos rssentimentos pessoais, não com sentido directamente pejorativo(como o podia ser, não faço ideia de quem a Marta seja e até agora não posso apontar-lhe o mínimo agravo...) mas porque eu próprio quando dou comigo a predicar e faço um auto-exame, acabo sempre por reconhecê-lo. Daí a sincera humildade moral com que tenho aqui colocado estes comments. Como já tive ocasião de dizer, as minhas convicções morais e éticas provocam-me alguns engulhos diante de um tema destes. Por isso fui incapaz de aderir a algum movimento. Foram alguns dislates que aqui vi, primeiro, que me forçaram a ocupar o vosso espaço, e depois, as interpelações convictas que me foram feitas por várias pessoas, a que por respeito, me senti obrigado a responder. Confesso que alguns argumentos me surpreenderam pela positiva e outros pela negativa, mas não vi resolvidas as contradições do não. Ou espera do direito penal uma proteccção a outrance do bem vida intra-uterina, e então não há lugar a excepções. Ou então admite ponderações. E aqui, o valor mais importante a considerar em confronto com a vida intra-uterina é a autonomia da mulher qua tale e não assistida por indicações médicas justificativas. Isso só transfere o poder discricionário que exista para outrem e, no demais, retira a todos os interessados qualquer verdadeira autonomia.´Gostava de saber porque é necessário criminalizar. Não adianta inverter o ónus da prova, porque aqui não vale o princípio da inércia. Por princípio não se pune. Está prevista a punição. Obrigados a reflectir sobre a pena os adeptos do não sentem desconforto. O que é que os senhores oferecem, como solução, como alívio? Um animal mitológico à Woody Allen: metade leão e outra metade também leão...mas não o mesmo!
Porque não descriminalizar e apertar as medidas de apoio e acompanhamento. Monitorizar as mulheres. Estabelecer redes de apoio psicológico e social, de reencaminhamento, etc (os senhores é que tentaram apropriar-se da solução alemã, como se o seu espírito estivesse mais próximo do não...). Tudo coisas que já existem, mas só para evitar um crime... A solução de manter tudo na mesma e mudar a montante e a jusante ser-me-ia estapafúrdia se eu não fosse cristão católico e não tivesse uma noção do que a religião fez dos povos mediterrânicos. Gente amororosamente hipócrita. (Não é por acaso que em Napóles se sucedem as casas de paramentos e as de armas). É que, a menos que seja a quebra do Tabu que se quer evitar, bastava invocar o princípio da esperança, para se tentar uma solução diferente.
Mas a Marta tem disso um medo terrível, como se fossemos abrir a caixa de pandora. Não vamos. A lei pode pouco. Só que faz uma sombra insuportável.
Com os melhores cumprimentos
Luis Meneses vale
Luís,
Não há qualquer problema com a sua veemência, que é sempre bem vinda. A questão é outra.
Continua sem perceber de todo a minha posição e cola-a a um preconceito contra o qual se bate (legitimamente diga-se de passagem).
Eu não parto de todo do princípio "engravidaste, bem feita". Parto, sim, do pressuposto de que uma relação sexual livre pode ter como consequência uma gravidez, ainda que contra todos os desejos e probabilidades, tenham ou não sido usados um ou muitos métodos contraceptivos, pouco importa.
E essa consequência resulta das leis da natureza e não do Código Penal.
Eu não podia ser mais a favor da total liberdade, sem mas nem porquês, no que toca à vida sexual de cada um. Não acho admissível que alguém, ou a lei, interfira nesse aspecto. Isto não impede que o Estado forme e informe. Mas se, mesmo depois de informada, a pessoa decidir usar ou não métodos contraceptivos, ter um ou mais parceiros, é com ela. Ninguém tem nada com isso.
Só que se do uso da sua liberdade sexual resultar uma gravidez (recorde-se, a gravidez não procede do Código Penal, nem da Santa Inquisição), passa a haver um terceiro envolvido. E se esse terceiro é pessoa e se o que se pretende é tutelar o direito à vida dessa pessoa (enquanto direito subjectivo, entenda-se, sob pena de se «coisificar» o embrião), não vejo que se possa fazê-lo de outra forma, que não através do direito penal.
O feto não se tutela seguramente atribuindo-se à mulher o direito de o abortar. Mesmo que sejam previstas concomitantemente medidas de apoio à gravidez. Ainda que não seja a regra, houve, há e sempre haverá quem mate porque sim, quem roube porque sim, destrua porque sim. Acha mesmo que atribuindo-se à mulher o direito de abortar nenhuma o vai fazer, uma ou mais vezes, só porque sim, ainda que tenha todos os apoios?
Efectivamente, não erijo a liberdade sexual como caminho último para a realização do Homem, fim a que tudo o mais, incluindo o direito à vida do embrião, tem de se submeter.
Não há qualquer problema com a sua veemência, que é sempre bem vinda. A questão é outra.
Continua sem perceber de todo a minha posição e cola-a a um preconceito contra o qual se bate (legitimamente diga-se de passagem).
Eu não parto de todo do princípio "engravidaste, bem feita". Parto, sim, do pressuposto de que uma relação sexual livre pode ter como consequência uma gravidez, ainda que contra todos os desejos e probabilidades, tenham ou não sido usados um ou muitos métodos contraceptivos, pouco importa.
E essa consequência resulta das leis da natureza e não do Código Penal.
Eu não podia ser mais a favor da total liberdade, sem mas nem porquês, no que toca à vida sexual de cada um. Não acho admissível que alguém, ou a lei, interfira nesse aspecto. Isto não impede que o Estado forme e informe. Mas se, mesmo depois de informada, a pessoa decidir usar ou não métodos contraceptivos, ter um ou mais parceiros, é com ela. Ninguém tem nada com isso.
Só que se do uso da sua liberdade sexual resultar uma gravidez (recorde-se, a gravidez não procede do Código Penal, nem da Santa Inquisição), passa a haver um terceiro envolvido. E se esse terceiro é pessoa e se o que se pretende é tutelar o direito à vida dessa pessoa (enquanto direito subjectivo, entenda-se, sob pena de se «coisificar» o embrião), não vejo que se possa fazê-lo de outra forma, que não através do direito penal.
O feto não se tutela seguramente atribuindo-se à mulher o direito de o abortar. Mesmo que sejam previstas concomitantemente medidas de apoio à gravidez. Ainda que não seja a regra, houve, há e sempre haverá quem mate porque sim, quem roube porque sim, destrua porque sim. Acha mesmo que atribuindo-se à mulher o direito de abortar nenhuma o vai fazer, uma ou mais vezes, só porque sim, ainda que tenha todos os apoios?
Efectivamente, não erijo a liberdade sexual como caminho último para a realização do Homem, fim a que tudo o mais, incluindo o direito à vida do embrião, tem de se submeter.
blogue do não