INSTITUIÇÕES CRIMINOSAS??

Maria Antónia Palla (jornalista e votante do Sim), no Público de hoje, qualifica de "associações criminosas" aquelas "que dizem às adolescentes para terem filhos, porque elas depois dão-lhes um berço" e diz que "uma mãe adolescente, na melhor das probabilidades, é uma mulher sem futuro". O contrário é "reproduzir a pobreza, em vez de incitar à consciência e à responsabilidade".

Para esta mulher, são criminosas as instituições que, perante adolescentes que tiveram um comportamento irresponsável e que querem que seja inconsequente, as ajudam psicológica e financeiramente, as ajudam a evitar o aborto, não as enviam num expresso para o aborto clandestino. Tentam evitar que a adolescente aborte. Combatem o aborto. E com muita eficácia.
A confiança nas mulheres, tão apregoada pelo Sim, não encontra eco na D. Antónia, que afirma que as adolescentes com filhos não têm futuro. Ora essa! Por que não? Têm certamente um futuro diferente daquele que teriam sem filhos. Têm o futuro que escolheram, livremente. Quando, também livremente, tiveram aquela relação e, ainda livremente, engravidarem. Elas assim o escolheram.

Incitar à consciência e à responsabilidade é precisamente o contrário do que a permissão do aborto a pedido faz.

Comentários:
Parece-me um bom exemplo de uma defensora do aborto em sentido próprio, que acha que as mulherem devem, efectivamente, abortar (e não apenas não ser punidas caso o façam)!
Mais, a conclusão lógica do pensamento desta senhora seria defender que é uma obrigação abortar nestas circunstâncias, obrigação essa impedida pela tais "associações criminosas".
Extraordinário!
 
cada um deve ser livre de escolher o seu futuro...
às tantas prometem tanto e não ajudam nada
 
Instalou-se na nossa sociedade uma cultura de desresponsabilização e de facilitismo, absolutamente assustadoras!
Até já é crime ajudar alguém a assumir as consequências dos seus actos, a não desistir da sua vida e da do seu filho; a continuar com dignidade! É espantoso!
 
A Joana deve ter ainda que comer muita papinha Cerelac para estar à altura de Maria Antónia Palla.

Já agora, as associações de que fala, não permitem a escolha, e muito menos livre.

É preciso lata!
 
Mas esta Sra. jornalista não sabe que responsabilidade mesmo, a autêntica, a verdadeira, é assumir as consequências conhecidas dos actos que se cometem livremente!? Estamos perante a perversão total de valores!
Não me admira, por isso, que alguém assim considere bom que o aborto seja um direito. Mas assusta-me...
E não se admirem, por isso, que eu seja contra uma educação sexual que se anda a propôr, reduzida à genitalidade e esvaziada de responsabilidade (a autêntica, a verdadeira), e não queira prescindir do direito de defender os meus 3 filhos de tal... pobreza.
 
Sr. Pedro Nunes

Só vai às instituições quem quer. Além disso, você conhece assim tão bem o modus operandi das referidas instituições? Sabe dizer-me o nome, assim de cor e sem consultar as listas, de uma delas?
 
Ainda bem que dizem estas coisas! Assim fazem uma óptima campanha para o Sim perder!
 
"Têm o futuro que escolheram, livremente. Quando, também livremente, tiveram aquela relação e, ainda livremente, engravidarem. Elas assim o escolheram."
Joana Lopes Moreira : 2/01/2007 04:02:00 PM

sim, sim...
no final de uma noite de música e uns copos (a mais), se não for uma ou outra pastilhazita...
não há nada mais "livre" e consciente e escolhido.
ou dentro do casal, quando a mulher é pouco menos que forçada a ter relações sem protecção e quando dá na gana ao extremoso marido, se este tiver visto na rua ou nalguma revista qualquer coisa que o deixou "extremamente apaixonado" pelas mulheres, mas por azar só a dele é que está ali à mão...
e etc, etc, etc.
haja hipocrisia!
 
Caro José,

Não me parece que seja eu o ignorante sobre as leis deste país.

Não me vai dar a alegria de dizer que tais associações também propõem, no seu modus operandi, que as mulheres abortem, ou vai?

Diga-me que escolha existe entre ter um filho e ter um filho? Que eu saiba a lei portuguesa, exceptuando os casos pervistos na lei, não dá qualquer outra alternativa. Mas suponho que o José está por dentro do assunto e talvez me possa explicar melhor como se processa o tratamento das mulheres que, passando pelo proselitismo pró-prisão de tais associações, mesmo assim decidem abortar?

São denunciadas? Ou são muito bondosamente abandonadas à sua sorte? Direcção Badajoz, Londres ou vão-de-escada?
 
Caro amigodaonça,

Constato que entre os elementos do não a palavra responsabilidade é muito mal aceite, aliás neste caso nem sequer é aceite.

Falando do seu expl com copos ou sem copos as pessoas devem ser responsaveis pelos seus actos.
Ou agora também deveríamos mudar o código da estrada para que uma pessoa por expl atropelasse outra por estar com os tais copos, deveria ser despenalizada? Haja paciência!

Caro Pedro Nunes,

A liberdade está na escolha por uma sexualidade consciente. A liberdade até está (apesar de aqui não concordar em nada) no uso da pílula do dia seguinte, se se escolheu não haver prevenção.

E agora ainda querem mais liberdade?

Ps - Quanto aos Vãos de Escada indique-me o mais próximo de si pois da forma como todos vocês falam acho que quando chegar a casa, em vez de ir de elevador, vou de escadas e aproveito para ver se também lá se passa alguma coisa...
 
E já agora a lei: Artº 142 nº 1 alínea a) ainda dá a opção de haver lugar a aborto caso haja graves danos psíquicos para a mulher mas se quiser saber mais detalhadamente vá a

http://o-blog-da-ka.blogspot.com/2007/02/e-esta-hein.html

Deixem-se lá de falsos argumentos!
 
CAros quando disse
"Constato que entre os elementos do não a palavra responsabilidade é muito mal aceite, aliás neste caso nem sequer é aceite."

É claro que me referia aos elementos do Sim.

Desculpem a confusão
 
As organizações (confessionais ou laicas) de apoio à maternidade não são, obviamente, organizações criminosas. Quem assim fala ou escreve deveria pensar um pouco antes de falar ou escrever (o que nem sempre é possível em temas tão sensíveis, em que um radicalismo puxa outro).

Exactamente por não serem organizações criminosas, mas pelo contrário prestarem um serviço meritório, é que as tais organizações de apoio à maternidade continuarão a poder livremente apoiar a maternidade, mesmo se o Sim vencer e a lei mudar.
Até vão poder desempenhar a sua acção mais facilmente, pois não têm de esperar que a grávida que pensa abortar vá ter com elas: basta-lhes solicitarem aos hospitais (como tantas organizações de voluntários das mais variadas naturezas) que lhes dêem acesso ou um meio de contacto com as grávidas, e aí poderão passar-lhe toda a informação que acharem necessário, poderão prometer-lhe todo o apoio que puderem, poderão tentar demovê-la de abortar. Obviamente, com duas condições: que se comprometam ao sigilo caso a grávida decida avançar com o aborto — e, antes disso, que a grávida dê a sua autorização para falar com eles (a regulamentação da lei pode obrigar a um período de reflexão e a uma ou mais consultas prévias, mas não pode obrigar a grávida a ouvir os Mensageiros da Boa Vontade).
Actualmente, dada a clandestinidade da maioria dos abortos, só uma percentagem mínima de mulheres se dirige a uma dessas associações de apoio à maternidade antes de abortar. Assim, caros «amigos da vida», a despenalização do aborto vai tornar-vos mais fácil o acesso ao vosso público-alvo.
 
Confirma-se agora que, afinal, não somos todos contra o aborto. Não é nada que não se soubesse antes mas é positivo ver que há quem assuma as suas (verdadeiras) posições.
 
Faltou dizer isto: a maioria das ditas associações de defesa da vida ou de apoio à maternidade trazem água no bico.
Com muito poucas excepções, as que assim se intitulam e que têm como principal se não único objectivo evitar o aborto são organizações confessionais (católicas ou não), mesmo que não o assumam estatutariamente. Certamente isso fala positivamente da capacidade de organização e mobilização da igreja católica (e outras), mas não esconde um facto: por trás do «apoio à vida» estão intenções de proselitismo: esperam conseguir angariar mais um ou dois fiéis (a mãe se já o não for e o futuro rebento) e é isso que as move.
Não quero com isso dizer que a acção seja sem valor (apoiaram alguém — refiro-me à mulher — e isso é bom, e se a apoiarem depois de garantido o parto, ainda melhor). Digo apenas que o que defendem não é a vida, mas «A Causa». Mais cedo ou mais tarde vão insinuar à mulher que apoiaram um folhetozinho ou algo parecido com um «Agradecimento à Virgem pelo Dom da Vida» (estou a citar um que circula aqui pelo burgo), convidá-la para uma novena ou o diabo a quatro. Payback time will arrive. (Não digo que para algumas não valha a pena pagar — a essas os meus parabéns, estão em boas mãos.)

Em contraste, veja-se a Assistência Médica Internacional (que também actua cá dentro, não só no estrangeiro): é assumidamente aconfessional, e é-o de facto. Ajuda quem precisa de ajuda, sem proselitismo — porque não é a defesa do «Dom da Vida» (um «dom» pressupõe um «doador») que os move. É a convicção de que as pessoas devem viver com dignidade e, se possível, um mínimo de conforto.
Já agora, a AMI foi fundada pelo Dr. Fernando Nobre, um dos mandatários do Movimento Responsabilidade e Cidadania pelo Sim. Será ele também um "torcionário" que defende uma «cultura de morte»?
E Fernando Nobre teve um acto de dignidade que faltou aos movimentos de «apoio à vida»: assumiu a sua posição a título pessoal, porque a AMI é aconfessional e plural, não é testa-de-ferro das suas convicções pessoais.
 
Caro Fernando Gouveia,
O nosso público alvo deveria ser o seu também, se considerasse o aborto um mal. Mas o aborto resolve, por isso não é um mal, não é? É tão fácil e não interessa nada o ser humano que se mata.
 
Pedro Nunes, só uma perguntinha, pois já vi que não percebe nada das instituições de que fala: quanto mede Maria Antónia Palla?
 
Caro amigodaonça:
Você é que parece ter escrito isso, vai-me desculpar, numa noite de copos. Argumentos desses, vai-me outra vez desculpar, devia interrompê-los voluntariamente antes de chegarem a ver a luz do dia.
Mas vamos aos factos: então o meu amigo aceita simplesmente que as coisas são como são, bebe-se uns copos, mete-se uma smartie no bucho, e truca? E depois, como os resultados obtidos não são os desejados, «abort operation»... é isso? E o nhurro que vê o outdoor de lingerie e sente súbita ânsia de proximidade com a mulher, mesma linha de pensamento, é isso? Ó meu amigo, o problema é que está uma vida em jogo. Uma vida dum terceiro, percebe? Não, pelos vistos não percebe. Mas há uma coisa chamada evolução. Os leões, coitados, ainda hoje limpam o sebo às crias que julgam não serem suas. Nós já evoluímos. Mas evoluímos não aceitando dar livre curso aos nossos instintos, e sim assumindo a responsabilidade pelos nossos actos. Isso humaniza-nos. Faz-nos crescer como Humanidade. Com humanidade, percebe? Não, pelos vistos não percebe.
 
Caro Joaquim Amado Lopes,

Isso de sermos «contra o aborto» depende do que se entende por «ser contra» e «ser a favor».

Se por «ser a favor do aborto» entende achar que o aborto é uma coisa agradável de se fazer, uma coisa desejável — então não sou a favor e, se a alternativa for apenas «ser contra», eu sou contra.
Mas repare: não é uma coisa agradável nem desejável para a mulher (traz riscos associados); a minha única preocupação é a mulher — o feto para mim não é relevante (nadinha).

Mas se por «ser a favor do aborto» entende defender que é uma opção legítima (ética e moralmente) para a mulher, então eu sou a favor.
O meu único dilema moral é relativamente a abortos muito tardios (após os 6 meses, mais ou menos), pois nessa altura a mulher pode dizer: «Não quero este ser dentro de mim! TIREM-MO!» e para tal não é preciso abortar — basta uma cesariana e uma encubadora, entregando a criança (agora sim, porque nasceu) à guarda do Estado.
Enquanto o feto não for viável cá fora (com recurso a encubadora, pois claro); enquanto depender totalmente, não apenas de uma pessoa, mas de uma pessoa em concreto; enquanto isso acontecer eu em consciência não considero aquele feto como um ser autónomo, logo, dotado de personalidade jurídica e direitos. E para mim é um direito inalienável da mulher livrar-se daquele ser que está dentro de si.
 
Os Srs. Pedro Nunes e Fernando Gouveia não conseguem perceber que essas associações fazem mais pela Vida do que alguma vez os adeptos do sim hão-de , sequer, pretender. Sr. PN, calcanhares desta senhora? Quem lhe disse que alguém teria alguma interesse de chegar aos calcanhares de uma pessoa que faz estes comentários? Sr. FN, uma pessoa que apoia e sustenta o aborto participa de “uma cultura da morte” ,como o sr. lhe apelida, pois um aborto é isso mesmo…uma morte…pode ser este “grande português” como poderiam ser “outros grandes portugueses”
 
amigodaonça, eu acho grave você vir sempre com esses exemplos das pessoas irem para a cama completamente aos bordos, carregadinhas de copos e até pastilhas. Que diabo, não conhece outra coisa? Fica sempre com o refugo das discotecas?
Sugiro que tente de manhã, depois da ressaca, se ela não lhe tiver fugido entretanto. Ou então pela tardinha, antes de iniciarem a primeira série de aperitivos crepusculares. Vai ver que não é pior e poupam-se vidas.
 
Caro Rui Fernandes,
Como vê, já lhe respondi, mas aqui vai a versão Reader's Digest:

O aborto não é um «mal»; é, isso sim, uma coisa que pode ter consequências más (o que é diferente). Para a mulher, que é o que me interessa. O feto é-me indiferente.
 
joana moreira,
antes de mais desejo que venha a ter um dia, uma vida sexual compensadora, o que não creio que aconteca neste momento.
estes beatos, que regulam a sua vida e pulsões sexuais pelos ditames de um grupo de supostos homens, repito HOMENS, castos e celibatários de saias, enchem a boca para me OBRIGAREM a mim - que engravidei do meu marido que me bate, ou que me violenta, ou do meu namorado que quando soube da noticia fugiu, ou fruto de uma falha da pilula, ou de um preservativo que rebentou, ou de um diu mal colocado - a ser mãe quando eu não quero?

mas quem julgais vós que sois?

a esta atitude violenta, impositiva, visceral, demagogica, hipócrit, anacrónica e desfasada da realidade, que adiram quem no seu devaneio espiritual esteja disposto a tal!
não me imponham concepções morais conservadoras e tacanhas, que dessas estou eu farta, desde que o mundo é mundo! ou já se esqueceram que há 30 anos atrás o divórcio era proibido? e as excepções da lei, que só os ultras como o cesar das neves e o fernando santos têm coragem de se afirmar contra, também não eram aceites pela igreja?
andamos penosamente ao longo dos tempos e evoluimos. apesar da teimosa e aviltante acção da igreja de roma, que ainda reina e evolui na ignorância do povo português.
mas isto vai mudar. em espanha mudou, portanto faltará pouco, espero eu.
 
O feto é-me indiferente... mais uma pérola!
 
Adenda (pois respondi antes de ler tudo):
Ao abortar-se não se «mata» um «ser humano» — evita-se que nasça um.

É muito diferente, pois uma coisa é impedir o prosseguimento de um processo, outra coisa é destruir o resultado final desse processo (que, como a expressão indica, só existe quando o processo se conclui com sucesso).
Isto não se limita à questão do aborto: Queimar uma árvore ou as tábuas feitas com a sua madeira não é queimar a mobília que se poderia obter da madeira daquela árvore...


Já agora, se quiser saber mais sobre o que eu penso sobre a humanidade (não a Humanidade), o aborto e tudo o mais que anda à volta do Referendo, siga o link do meu nome.
Não que lhe sirva de muito (a quem fala do acto de abortar como «matar um ser humano» faltam-lhe os rudimentos filosóficos, nomeadamente ontológicos, para entender a maior parte do que digo), mas ao menos sempre contribui para o Sitemeter...
 
Caro Fernando Gouveia:
O feto (nem embrião lhe chama, é logo feto), é-lhe indiferente????
Acaso o sr. julga que já nasceu a andar, a comer e a falar?
A sua conversa, desta feita, é bárbara, desculpe que lhe diga!
Mas é bom que se saiba disso, ao menos não engana ninguém com o "voto sim porque sou pela vida"!

E, a vida intra-uterina não tem protecção legal?
Quem lhe disse tal?

Se calhar valia a pena ir lendo por aqui alguns artigos sobre o assunto.
 
Cara maria inês, é escusado fazer insinuações sobre a vida sexual seja de quem for: se não a conhece pessoalmente, não tem dados para falar com propriedade; se a conhece pessoalmente, um pouco de decoro relativamente à vida íntima dos outros não fica mal...


Caro anónimo, a minha suposta pérola não é para os do chiqueiro onde se encontra: lê e não percebe (ou quer ludibriar os que não percebem — e aí sei como se chama: é o Napoleão desta Animal Farm).
Deixei bem claro (Leia a versão longa, não se fique pela versão Reader's Digest, que é para os preguiçosos... Vá lá ler, que eu espero... Já está? Ok, então.), deixei bem claro, e sustentei-o com um argumento ontológico, que não considero que um feto, enquanto inviável fora do útero da mulher grávida, seja de facto um ser humano. Depois disso (quando houver viabilidade), confessei o meu dilema: ou seja, o que acontece a esse feto já não me é indiferente. Este (a viabilidade) é o meu critério para a determinação da real "humanidade". Se não concorda forneça um critério, construa um argumento (válido), não perca tempo a depenicar as "pérolas" que não entende. Fique-se pelas bolotas que já o trouxeram até aqui.
 
Maria Inês, já tentou sexo oral? É óptimo e não se engravida!
 
Caro Fernando Gouveia,
A vaidade em excesso também é um mal.
E, sabe, eu voto NÃO também para defender as mulheres de homens como você.
 
Caro Fernando Gouveia: creio que os únicos radicais desde debate são aqueles que, à partida, impõem aos outros a sua particular forma de entender o mundo. E formas particulares não deveriam ter lugar no Código Penal de um Estado de Direito. Se as ditas asociações não denunciam as mulheres que abortam e das quais têm conhecimento, estão a encobrir um crime. Mais, são mesmo criminosas no sentido em que compactuam com ele. A lei é para ser cumprida, ou não?

Caro Ka, nem precisa de dizer mais nada. Suponho que também lê, antes da queca, o resumo do catequismo católico. Já agora, essa dos danos psíquicos não funciona cá, como funciona em Espanha. Lá, há muito se assumiu a hipocrisia que a lei estabelece. Cá, como em tudo, nem hipócritas como deve ser somos. Ao menos que houvesse uma "Los Arcos" como deve ser.

Caro VLX, não conseguirá imaginar o tamanho de Maria Antónia Palla. Ainda está em aberto a votação dos "Grandes Portugueses" e pela sua insinuação da nulidade da jornalista creio que, se já não o fez, deveria votar em Oliveira Salazar: esse arauto da liberdade de expressão e dos direitos do Homem.

Caro gpn: eu não necessito que me venha dar lições sobre amor à vida e do que fazer pela vida. Aliás é por isso que voto SIM também. Para não ter que aturar prosélitos da VIDA INTRA-UTERINA, que é mesmo que dizer hipócritas VIDA ADULTA.
 
Pois, fernando gouveia, o problema é que esse seu critério não é estável! Todos os dias a medicina e a ciência avançam, todos os dias os fetos são viáveis mais cedo. Sabe que existe uma pessoa que nasceu às 19 semanas e anda por aí feliz e contente? Pode este critério inconstante servir de base a uma lei?
 
Ou no Cunhal, esse arauto da liberdade de expressão e dos direitos do Homem...
 
Caro/a que não sabe que nome usar.

Disse-me: «Mas é bom que se saiba disso, ao menos não engana ninguém com o "voto sim porque sou pela vida"!»

Essa falhou o alvo, pois nunca me apanhou a dizer isso. (Se outros do Sim o dizem é-me indiferente; cada um sabe por que é pelo Sim.) E é um crasso erro filosófico, e nesse não me apanha.

De facto, até escrevi há dias que não tem sentido dizer-se «Sou pela vida» ou «Sou a favor da vida»: são palavras ocas, exercícios de retórica. (Idem para «sou contra a vida», «sou contra a morte», «sou a favor da morte».)

«Voto Sim, porque sou pela opção de vida da mulher» (seja essa opção de vida qual for: desde 0 até 100 filhos, com ou sem abortos pelo meio) — nesse slogan assino por baixo.


Disse-me: «E, a vida intra-uterina não tem protecção legal? Quem lhe disse tal?»

Eu disse que não tinha? Pois claro que tem. Tenho o Código Penal à minha frente, sei ler e sei interpretar o que diz. Também sei ver que o Código Penal distingue a «vida» propriamente dita (Livro II, Título I, Capítulo I: «Dos crimes contra a vida», artigos 131.º a 139.º) de «vida intra-uterina» (Livro II, Título I, Capítulo II: «Dos crimes contra a vida intra-uterina», artigos 140.º a 142.º).
Palavras como «homicídio», «matar» e infanticídio só estão no Capítulo I.

Quanto a quem me disse estas coisas sobre o Código Penal: ninguém. Fui informar-me em vez de me contentar com «ouvir dizer».

Mas voltando à protecção da vida intra-uterina, já lhe disse que tem efectivamente protecção, agora deixe-me dizer-lhe que não advogo que deixe de a ter. Simplesmente defendo que tenha menos ou, se quiser dito de outra maneira [não quer, pois assim é mais fácil citar uma «pérola»...], defendo mais situações enquadráveis no artigo 142.º («Interrupção da gravidez não punível»).
 
Pedro Nunes,

Aparte de constatar mais uma vez que quando se sentem sem argumentos partem para o insulto e neste caso para a grosseria apenas comento que:

Não lei o catequismo católico, PRATICO pois sou católica com muito orgulho mas não é isso que me move nesta questão.
A minha convicção surge antes de qualquer outro valor que eu tenha, no entanto o facto de ser católica lógicamente que confirma o que defendo: A vida!
 
Caro nãoseiquenomeusar: há quem não tenha nascido a andar, comer e a falar muito simplesmente por ser uma tábua de madeira dura que nem para banco tosco de cozinha serve. É fabuloso como, ainda assim, conseguem expor tão cristalinamente o que lhes vai na copa.
 
Caro Rui Fernandes, se a vaidade é um mal ou não (confesse: quase que escreveu «pecado»...), pouco me interessa — e a sua opinião sobre a minha vaidade ainda menos. A mim dá-me comichão a humildade desenquadrada — e também me é indiferente se para si a minha comichão lhe é reciprocamente indiferente.

Quanto a precisar de «defender as mulheres de homens como» eu, meu caro Dom Quixote sem poesia nem arte, vá arremeter contra outros moinhos de vento.
As mulheres não precisam de ser «defendidas» de homens como eu, porque eu não pretendo regular, ditar ou espartilhar as suas vidas — nem pretendo impedir outros (igrejas, associações de «defesa da vida» ou o que seja) de as ajudarem, mesmo que isso traga proselitismo atrás. Se não pretenderem forçar isso com o «braço secular» da lei, é coisa que não me diz respeito.
 
Eu ainda não percebi completamente: a árvore pode-se queimar? É igual a queimar as tábuas?
Pensei que a árvore era a mãe, as tábuas o feto e a mobília a criança depois do parto.
Não me parece bem queimar as árvores. Nem a mobília. Nem sequer as tábuas pois se as queimarmos não temos mobília.
E o amigodaonça precisa de um aparadorzito para servir umas bjecas às garinas.
 
Pois, o fernando gouveia defende que haja mais situações enquandráveis no artº 142 nomeadamente todas as que se quiserem, porque sim... é este o conceito de excepção para o Sim!
 
Caro Fernando Gouveia:
O seu critério não pode ser considerado válido para definir vida humana, uma vez que depende única e exclusivamente de critérios exteriores ao feto, nomeadamente a evolução tecnológica.

Assim sendo, vexa advogará que os fetos de 8,5 meses do século XVI não eram humanos, mas os fetos de 8,5 meses do século XX o são.

De igual modo está a dizer-me que um feto de 10 semanas do século XX não é humano, mas um feto de 10 semanas do século XXII poderá sê-lo.

Isto apesar de estarem exactamente no mesmo período de gestação... de não existir nenhum critério científico que os distinga.

E se um dia fôr criada um incubadora que permita a gestação do zigoto (logo pós-concepção)? O zigoto torna-se automaticamente "vida humana"? E a mulher? Será obrigada a responsabilizar-se nessa altura? Nessa altura poderá "decidir" se quererá ser mãe? Os critérios que levam uma mulher a "optar" alteram-se, deixando de ser válidos? Nesse dia criar-se-á exactamente a mesma situação de hoje, mas a diferença única é que a gestação deixará de ser intra-uterina e se passará a efectuar numa incubadora (o que, do ponto de vista puramente científico, não terá alterações nenhumas no desenvolvimento embrionário).

Isto não é uma extensão camuflada do argumento "na minha barriga mando eu?".

Mais, quem mais se adapta aos seus critérios? Existirá alguma diferença entre um paraplégico do séc XX e um paraplégico em Esparta? Bem, o paraplégico em Esparta não duraria um dia. Consequentemente não era humano, pela sua lógica... ou será que os espartanos é que se demitiam da função de proteger o desafortunado paraplégico, numa fria atitude pragmática, inconcebível aos nossos dias?

Cumprimentos
 
Pedro Nunes disse: «Se as ditas asociações não denunciam as mulheres que abortam e das quais têm conhecimento, estão a encobrir um crime. Mais, são mesmo criminosas no sentido em que compactuam com ele. A lei é para ser cumprida, ou não?»

Até que enfim uma coisa de jeito!!! Tem toda a razão.

(Já agora, não fui eu quem insinuou seja o que for quanto a ser certo ou errado uma associação de «defesa da vida» denunciar uma mulher que aborta.)

Um dos meus argumentos para concluir que a lei tem de mudar (logo, o Sim tem de vencer) passa exactamente por aí. É um silogismo acessível mesmo a um caloiro:

Premissa 1: AS LEIS SÃO PARA SEREM CUMPRIDAS
Premissa 2: A LEI DO ABORTO É INJUSTA
Premissa 3: UMA LEI INJUSTA NÃO DEVE SER MANTIDA
Conclusão: A LEI DO ABORTO TEM DE SER MUDADA

Este silogismo é correctíssimo e só pode ser refutado (ou recusado) refutando (ou recusando) uma das premissas. Quem não o fizer ou é burro ou está a ser intelectualmente desonesto. Ora, Marcelo Rebelo de Sousa (que não é certamente burro e até é catedrático de Direito) não pode recusar a Premissa 1 nem a Premissa 3. Quanto à Premissa 2, também não a recusa, pois usa-a implicitamente quando defende que não se cumpra a lei e não se prenda as mulheres que abortam «porque sim» (violando assim a Premissa 1). Assim, sendo, Marcelo Rebelo de Sousa não poderia recusar a Conclusão. Fazendo-o, e não sendo por ignorância ou falta de capacidade intelectual, a conclusão quanto à sua honestidade intelectual é simples...
 
Caro Fernando Gouveia,
Isso de sermos «contra o aborto» depende do que se entende por «ser contra» e «ser a favor».
Eu referia-me à Maria Antónia Palla que, segundo o artigo que estamos a comentar, quer que as instituições que pretendem ajudar as grávidas para que estas não sintam necessidade de abortar apresentem precisamente o aborto como uma opção e, eventualmente, as ajudem a abortar.

A propósito, sabe se alguma das instituições que defendem o "sim" ajudou grávidas com genuínos problemas a ultrapassarem as barreiras do SNS e abortarem legalmente num hospital?

o feto para mim não é relevante (nadinha)
Interessante. Suponho então que, quando alguém lhe diz lhe que teve um aborto espontâneo, o Fernando responde: "E...?"

O meu único dilema moral é relativamente a abortos muito tardios (após os 6 meses, mais ou menos), pois nessa altura a mulher pode dizer: «Não quero este ser dentro de mim! TIREM-MO!» e para tal não é preciso abortar — basta uma cesariana e uma encubadora, entregando a criança (agora sim, porque nasceu) à guarda do Estado.
Não me parece que isso deva ser qualificado como dilema. Defende o aborto a pedido até à altura que possa ser provocado o parto. Não lhe interessa discutir o que é a vida humana, quando é que o feto começa a sentir e a ter consciência da sua existência nem nada do género. O seu único critério é se está ou não dentro da mulher.

Segundo o seu ponto de vista, o verdadeiro dilema terá mais a ver com a possibilidade de ser provocado o parto, a criança ser colocada numa encubadora e, por ser prematura, desenvolver graves problemas de saúde ou morrer. Já nasceu portanto tornou-se "relevante" mas já não está dentro da mulher portanto a responsabilidade não é dela. Só que os problemas desse ser "relevante" terão sido criados por a mulher ter decidido que o parto fosse provocado antes de o feto se desenvolver totalmente e é essa a causa dos problemas da criança.
Ou isto não é nenhum dilema para si?

E a questão da cesariana também pode levantar dúvidas, já que, como o feto é irrelevante, a mulher não deve ser obrigada a ficar com uma cicatriz inestética.
 
Cara Ka, contra argumentos de gente fanática, só com respostas a altura. Suponho que o que a insultou foi o facto de não dar quecas. ProntoS, substitua-a por fazer amor.

Tenho de facto estima por católicos como a senhora. Têm valores e seguem à risca a catequese (praticada via inspiração divina, que isso de ler é coisa do passado). Tenho pena é da grande maioria de católicas e católicos que não seguem minimamente à risca tais preceitos e ainda levam o epíteto de debochad@s e assassin@s. Ou vai concordar comigo que esses católicos que votam SIM não o são verdadeiramente?

Caro VLX, bocas a propósito de Cunhal resvalam-me na maior das indiferenças, tanto mais que não o tenho por herói e deu a importância de um peido a tal programa. Dou sim importância às pessoas que trabalham em prol da melhoria das condições de vida dos meus concidadãos. E Maria Antónia Palla tem um vasto curriculum nesses sentido. Só a maior das cegueiras é que não vê. Mas aqui, cegueira é o que não falta, esqueço-me disso.
 
Citação: «Sabe que existe uma pessoa que nasceu às 19 semanas e anda por aí feliz e contente?»

Não sei nem uma coisa (se nasceu com 19 semanas e anda por aí) nem outra (se anda feliz e contente).
Quanto à parte de andar feliz e contente, não é relevante para a questão: não sou dos que defendem o aborto para as «pobres mulheres» para que não produzam filhos com uma vida desgraçada... Uma criança (note bem: criança) infeliz tem tanto direito à vida como uma infeliz...

Quanto a isso de alguém ter nascido com 19 semanas e ter sobrevivido: a ser verdade (o que não sei, há muita desinformação, muitos mitos urbanos com água no bico), repito, a ser comprovadamente verdade (basta-me um caso comprovado), aí defenderia que se definissem legalmente as 19 semanas (ou lá quantas sejam) como o prazo de início de viabilidade extra-uterina. Mas isso não quereria dizer forçar a mulher a aguentar a gravidez: exactamente porque a Ciência diria que às 19 semanas o feto era viável extra-uterinamente e a Lei reconheceria isso, então, se a mulher (sempre e só ela) assim o desejasse, eu defenderia que a Lei previsse que ela pudesse exigir uma cesariana, para lhe removerem o feto (que já seria viável...) para uma encubadora — e então, com todos os cuidados que o estado da medicina possibilitasse, se veria se era assim ou não.


Citação: «Pois, fernando gouveia, o problema é que esse seu critério não é estável! Todos os dias a medicina e a ciência avançam, todos os dias os fetos são viáveis mais cedo. [...] Pode este critério inconstante servir de base a uma lei?»

Pode. Quem pergunta isso só mostra não perceber nada de leis (ficarei contente se, ao acabar de ler isto, tiver aprendido algo — ai a vaidade, a vaidade...).

Em primeiro lugar a Lei não é o Decálogo: podemos sempre ir actualizando-a. E não é preciso mudá-la diariamente: a Ciência e a Medicina avançam todos os dias, mas levam anos até que os micro-avanços sejam suficientes para se ganhar uma semana que seja de viabilidade extra.

Mas nem seria preciso mudar a letra da Lei para a manter actualizada, em sintonia com os avanços da Medicina, da Ciência e da tecnologia: a Lei pode conter em si elementos dinâmicos.
De resto, já o faz: o n.º 1 do do Artigo 142.º do Código Penal, p. ex., usa a expressão «segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina»; a alínea c) do mesmo número (que trata do aborto por malformações graves) fala no diagnóstico comprovado «ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis»: a referência aos meios adequados de acordo com as leges artis («regras do ofício [médico]») está na lei exactamente para antecipar futuros avanços na tecnologia que permitam diagósticos que não ecográficos (p.ex., a amniocentese).

Por isso, a Lei poderia remeter o critério temporal de viabilidade, não para um valor fixo, mas para um valor dependente do «estado dos conhecimentos e da experiência da medicina», garantindo assim que com as melhorias da medicina (e a antecipação da viabilidade) os fetos ganhariam personalidade jurídica mais cedo — e, claro, as mulheres veriam sucessivamente diminuído o seu prazo de total liberdade de escolha. A uma lei assim eu daria todo o meu apoio.
 
Caro Fernando Gouveia:
Tem razão, não sei muito de Direito... mas sei de Ciência. E sei isto... não há diferenças entre um feto antes de um dado período tecnológico e depois... Reafirmo o que disse: este critério não pode ser adoptado para definir vida humana, e, logo, para decidir até quando a mulher é livre de optar sobre ela.
Cumprimentos
 
Kaphas disse: «O seu critério não pode ser considerado válido para definir vida humana, uma vez que depende única e exclusivamente de critérios exteriores ao feto, nomeadamente a evolução tecnológica.
Assim sendo, vexa advogará que os fetos de 8,5 meses do século XVI não eram humanos, mas os fetos de 8,5 meses do século XX o são.
De igual modo está a dizer-me que um feto de 10 semanas do século XX não é humano, mas um feto de 10 semanas do século XXII poderá sê-lo.»



Caro kephas, eu não pretendo apresentar o Ovo de Colombo Ontológico (sou vaidoso, mas não chego a tanto).

O meu critério pretende apenas tornar operacional um meio de resolver um conflito de interesses: mulher vs. feto (admitindo que nascer é do «interesse» do feto — é que eu não costumo ler "cartas de fetos", nem sequer se me chegarem através do seu advogado...).

O meu princípio é que a mulher está num outro plano de dignidade (não se trata de ser meramente "melhor" — é muito mais do que isso) enquanto o feto não for viável, e nessa situação eu defendo que a opção da mulher seja inquestionável e não penalizável. Depois disso, a protecção do feto aumenta, mas nunca à custa de forçar a mulher a mantê-lo. (Se decidir que não o que dentro de si, está a prescindir da maternidade — e com isso respondo ao que pergunta mais à frente.)

Como lhe digo, não é o graal do critério de humanidade. É a minha solução (e a que proponho) para resolver o dilema.
Obviamente, está no direito de rejeitar a "proposta".
 
Joaquim Amado Lopes disse: «A propósito, sabe se alguma das instituições que defendem o "sim" ajudou grávidas com genuínos problemas a ultrapassarem as barreiras do SNS e abortarem legalmente num hospital?»

Não faço a mínima ideia.


Eu disse antes: «o feto para mim não é relevante (nadinha)»
Joaquim Amado Lopes comentou: Interessante. Suponho então que, quando alguém lhe diz lhe que teve um aborto espontâneo, o Fernando responde: "E...?"»

Supõe mal, porque não sabe interpretar o que lê. Eu disse que o feto não me interessava nadinha. Se para a mulher grávida o aborto espontâneo foi emocionalmente doloroso, porque queria ter filhos, eu condoo-me dela — porque ela (uma vez mais) está a sofrer. Por isso nunca diria isso, nunca demonstraria essa indiferença.


E para acabar, digo-lhe que me congratulo por o senhor Joaquim Amado Lopes dar tanto valor ao feto, pois da sua (errada) suposição deduzo que, se lhe desse o mesmo pouco valor que eu dou, seria essa («E...?») a resposta que o senhor Joaquim Amado Lopes daria a uma mulher que lhe dissesse que sofrera um aborto espontâneo!
Eu não preciso de dar valor ao feto para dar valor aos sentimentos e às mágoas de uma mulher — mas o senhor Joaquim Amado Lopes precisa. A bem dos sentimentos das mulheres que o senhor Joaquim Amado Lopes conhece, desejo que nunca mude de opinião quanto ao valor do feto!
 
Caro Fernando Gouveia:
Eu "rejeito" a sua proposta... porque ao elevar essa "dignidade" da mulher retira toda e qualquer protecção ao feto: isso NÃO é "resolver um conflito de interesses"... "é favorecer tendenciosamente".

Também rejeito essa noção de que a mãe pode "prescindir" da maternidade só porque não quer a criança dentro de si... a mãe gerou o feto num acto livre e imputável (a violação já está prevista na actual lei) e, na minha opinião, tem responsabilidades para com ele. A maternidade não é um conceito vinculado ao direito de "optar" sobre ela, mas do dever que se tem para com uma vida por cuja génese foi responsável.

Já agora (porque deduzo que é uma pessoa de Direito), esperava algo mais inteligente que essa do "não costumo ler cartas de fetos" - também não deve ler muitas "cartas de vítimas de assassinos"... todavia um assassínio é sempre julgado (independentemente de ser apresentada queixa ou não). Vexa queria "ler cartas" de alguém que cessou de existir devido a um acto condenável? E que esse acto condenável deixa de o ser porque ninguém o defende?

Cumprimentos
 
Fernando Gouveia, só a gora a li.
Para quem defende visceralmente a coerência e a lógica, diga-me: como pode defender em simultâneo que até haja uma maior protecção da vida intra-uterina e, a sua aniquilação sempre que a mulher o entender?

E já agora: como acrescentar uma alínea a o 142.çº do CP, se este trata de excepções e, o que agora se pretende introduzir é a regra do aborto livre até às 10 semanas?

E assumindo que "não vai com as outras", remete-nos para um post seu, supostamente onde de forma lógica e coerente se encontra essa sua peremptória afirmação. Chegados lá, os leitores só podem sentir-se enganados :), já que, em boa verdade, só discorre sobre o "sou a favor da vida " do não!

Tenha calma...
eu li!
:)
O que a "vida humana de facto"?
 
Aquilo que, decididamente, os defensores do SIM não conseguem resolver − e, por isso mesmo, fogem à questão com frases tolas do género "não queremos mulheres presas, ou julgadas, ou investigadas", como se as mulheres não fossem cidadãos sujeitos ao Direito − é o seguinte:
1. Actualmente, em Portugal, existe um regime legal de despenalização do aborto, já sobejamente repetido, com casos em que a ilicitude do acto é excluída.
2. Esses casos pressupõem, obviamente, a prática do aborto em estabelecimento de saúde autorizado, bem como a vontade expressa da mulher e, em alguns deles, limites temporais.
3. Fora desse quadro de despenalização, qualquer aborto denunciado leva à instrução de um inquérito, nos termos gerais do processo penal.
4. Daqui, e nos mesmos termos, decorrerá, ou não, o julgamento dos implicados no acto, incluindo a mulher que haja abortado.
5. Em julgamento tem-se verificado que os juízes, de acordo com o Direito concretamente mobilizável, têm chegado a juízos que variam entre a absolvição e a condenação com suspensão da pena.
6. Estas decisões, juridicamente fundadas, em nada violam a lei em vigor. Quanto à absolvição, nem carece de mais explicitações, pois só por ignorância se pode pensar que um julgamento tem de conduzir a uma condenação, quando o que vigora é o princípio transpositivo da presunção da inocência; quanto à suspensão da pena, porque a própria lei admite inúmeros casos em que ela é admissível e, ainda que a lei o não previsse, qualquer aluno do 2º ano de direito sabe que o sistema não se reduz à lei, integrando também princípios normativos, doutrina, jurisprudência e usos, cabendo ao julgador ponderar os interesses e os valores in casu pertinentes.
7. Posto isto, vejamos: dizem os partidários do SIM que pretendem despenalizar, isto é, que a mulher não possa ser penalizada, porque tal situação é incivilizada e injusta.
8. Por mera retórica, admitamos que assim é; mas, se já existe despenalização, aquilo que visariam seria excluir do regime penalizador as mulheres, ou seja, da actual lei (incivilizada e injusta) que prevê a prisão para a mulher que aborta fora do limitado quadro de despenalização passaríamos a uma lei que, pura e simplesmente, não perseguiria penalmente a mulher.
9. Acontece que não é disso que tratam, nem é isso que querem.
10. Aquilo que vão votar e que, por via desse voto, vão viabilizar em sede legislativa é algo equivalente à resposta positiva a uma outra pergunta que se obtém por mera substituição dos termos da equação (não acrescento, nem retiro − apenas torno visível o que já lá está implícito).
11. "Concorda com a aplicação de pena de prisão, na sequência de procedimento criminal, à mulher que pratique a interrupção voluntária da gravidez após as 10 semanas de gestação ou, em qualquer momento da gestação, fora de estabelecimento autorizado?" A esta pergunta os partidários do SIM têm de responder... SIM.
12. É claro que isto alarga, por via da liberalização (que diz respeito aos motivos), o campo da despenalização; mas esse é apenas um problema quantitativo − qualitativamente, continua a haver penalização.
13. Ora, o SIM tem dito, à exaustão, que o NÃO é hipócrita, porque quer manter a lei, mas não quer que ela se aplique (o que já vimos ser falso, porque o facto de não haver arguidas presas não tem nada a ver com a desaplicação da lei).
14. Mas, se o NÃO é hipócrita e o SIM é verdadeiro, honesto, transparente, então só pode defluir uma conclusão: os defensores do SIM no próximo dia 11 vão exigir que, fora do quadro que tão entusiasticamente votaram, os processos se instruam e os juízes, com mão implacável, apliquem a lei e prendam as mulheres. Isso será coerência, isso será decente, isso justificará, enfim, tanto empenho na alteração da lei.
15. Estou seguro de que, à porta dos tribunais, com a habitual cobertura televisiva, teremos os do costume, mas, desta vez, exigindo penas severas para as infractoras.
16. Assim, e concluindo, não acabando com o aborto ilegal, não acabando com a criminalização das mulheres, não reconhecendo dignidade humana ao feto, o que o SIM consegue é uma monstruosa fraude.
17. O que os move, então? Política, obviamente. Sem ética, entenda-se, que isso é coisa reaccionária e medieval.
 
o lima não acha que está a encontrar coisas que "eu não percebo" num número algo exagerado? e o tom em que o faz não é também um bocadinho insultuoso? não será afinal você que não percebeu nada? mistérios...

quanto ao troglodita do VLX,
o texto profundamente ordinário e abjecto que me dirigiu, obriga-me, com as devidas desculpas aos estimados ouvintes e leitores, a mandá-lo para a real puta que o pariu, a qual eu deixarei de frequentar e pagar, se seguir os seus conselhos e passar a andar no engate a outras horas. despeça-se dela por mim!
 
kephas disse: «Tem razão, não sei muito de Direito... mas sei de Ciência. [...] Reafirmo o que disse: este critério não pode ser adoptado para definir vida humana»

Pois o problema é todo esse, kephas: Não saber nada de Direito ou de leis. Pois é disso que o Referendo de 11/02 trata: da Lei e da possibilidade de sua alteração.
O referendo não trata de Ciência, de Filosofia, de Ética ou de Moral -- isso não são matérias referendáveis. O Referendo trata da Lei. Obviamente, cada eleitor está no seu direito de decidir o seu voto com base no que quiser (Ciência, pseudo-ciência, Filosofia, Éica, Moral, Fé...) -- mas o Referendo trata de leis.

É exactamente por tratar da Lei e não da Ciência ou da Moral que o Referendo não pretende «definir vida humana». É um engano pensar que se a Lei não punir o aborto até às 10 semanas, então a Lei está (implictamente) a dizer que o feto até às 10 semanas «não é humano». A Lei não diz (não dirá) que é nem que não é: o que a lei dirá é que até às 10 semanas o feto não conta com a protecção da Lei (ou seja, quem o destruir não é punível por lei).
Por exemplo, a lei actual permite abortar até às 16 semanas o feto resultante de uma violação. Quer isso dizer que o feto resultante de uma violação é "menos humano" às 16 semanas do que o feto resultante de uma noite de amor mútuo às 4 semanas de gestação? Não! Quer simplesmente dizer que, por razões que podemos considerar aceitáveis ou não, a Lei considera que o feto resultante de violação não tem direito a protecção legal às 16 semanas (podendo por isso ser abortado sem punição).

Para tornar mais clara esta distinção (entre protecção legal e qualquer reconhecimento "oficial" de humanidade), vou sair do domínio restrito do aborto e avançar para a vida extra-uterina.
ALERTA: Exactamente por ir falar de outra coisa que não de aborto e fetos, PEÇO ENCARECIDAMENTE aos "caçadores de pérolas" que não retirem o que vou dizer do contexto e, com desonestidade intelectual, me ponha a dizer o que não disse. Obrigado desdem já aos que resistirem a tal tentação.

Aqui vai:
O Código Penal reconhece o direito de legítima defesa*, que vai ao ponto de inocentar alguém que, legitimamente (como única forma de preservar a sua própria vida), mate quem o ataque com intenção de matar -- para não ser ele a morrer.
Ou seja, o que a Lei diz é que quem ataca alguém com intenção de a matar perde o direito à protecção da Lei, pelo que se o atacado reagir e quem morrer for o atacante, o atacado (que acabou por ser o que mata e não o que morre) não será legalmente punido.
Pergunta: Está a Lei a dizer que o atacante deixou de ser humano? (Atenção: não no sentido "popular" da palavra, isto é, igual a «bondoso», «caritativo», «sensível»... mas no sentido de «pessoa»)
Resposta: Não, a Lei não nega a humanidade do atacante-tornado-vítima. O que a Lei diz é que o atacante não tem a protecção da Lei. Só isso.


* Uma vez mais, e para os esquecidos, peço que não vejam aqui qualquer comparação ou insinuação do tipo "aborto = legítima defesa"!!! EU NÃO ESCREVI ISSO, EU NÃO DEFENDO ISSO, EU NÃO PENSO ISSO!
O exemplo serve só para ilustrar que a ausência de protecção legal nada tem a ver com um atestado de «não humanidade» -- e por isso apresentei uma caso em que é indiscutível os protagonistas serem duas pessoas.


Voltando ao tema do referendo: É lógico que podemos ou não concordar com tal perda de protecção legal por parte do feto com menos de 10 semanas. Se concordamos, devemos votar Sim; se não concordamos, devemos votar Não. É tão simples quanto isso. Não estamos a definir princípios de vidas, não estamos a decidir o que é um ser humano e o que não é. Estamos a decidir se um acto é ou não um crime, se a mulher que decidi praticar esse acto é ou não criminosa -- e se, por isso, deve a Lei puni-la ou não.


Já agora, kephas (e para terminar**), dizes que não percebes de Direito mas percebes de Ciência.
Eu respondo-te que, embora o Referendo seja um assunto exclusivamente legal e não de ordem científica***, quanto mais conhecimentos tivermos (em diferentes áreas) mais bem preparados estaremos para a prática da Cidadania. Se a falha é na área fulcral (no caso, a Lei), a escolha não é informada -- mas a Lei protege o direito de fazeres uma escolha desinformada (e ainda bem que assim é).
Mas, já agora (e porque este meu post está um pouco falto de vaidade), deixa-me que te diga que eu percebo bastante mais do que os mínimos exigíveis, não só de Lei, mas também de Ciências (é essa, de resto, a minha área), de Filosofia e de Língua Portuguesa. Quando se trata de discutir um assunto como o do referendo à despenalização do aborto, não imaginas o jeito que dá ter concomitantemente as quatro faculdades...



** Estou farto de escrever para quem não entende o que lê.

*** Como disse antes, a decisão de cada eleitor pode levar em linha de conta todo o tipo de factor, qual sopa-da-pedra. É uma coisa pessoal.
 
Afinal não é a minha última intervenção, pois não posso deixar de responder a isto:


kephas disse: «deduzo que é uma pessoa de Direito»

Deduz mal. Sou engenheiro electrotécnico e de computadores.
Essa ideia que muita gente tem de que, se se é de Ciências é-se um básico em Humanidades e vice-versa só gera ignorância: não raro, simultaneamente em Ciências e Humanidades.
A fonte de informação (que é a base -- apenas a base! -- para a reflexão) não se limita às salas de aula...


kephas disse: esperava algo mais inteligente que essa do "não costumo ler cartas de fetos" - também não deve ler muitas "cartas de vítimas de assassinos"... todavia um assassínio é sempre julgado (independentemente de ser apresentada queixa ou não). Vexa queria "ler cartas" de alguém que cessou de existir devido a um acto condenável? E que esse acto condenável deixa de o ser porque ninguém o defende?»

E V.ª Ex.ª não captou a ironia (que é uma capacidade indicativa de inteligência) e além do mais anda mal informada quanto aos acontecimentos da campanha (o que é mau sinal, exactamente porque estamos em campanha).
A minha referência a «cartas de fetos» prende-se com isso mesmo: com uma «carta à minha mãe» escrita supostamente por um feto depois de ser abortado e dirigido à mulher que o abortou. A dita carta foi entregue aos meninos de um infantário (onde chega a falta de decoro e de escrúpulos!!! as crianças não devem ser manipuladas nem para o campo do Sim nem para o do Não) de Setúbal, infantário esse pertencente a uma organização católica.
O caso foi conhecido ontem e vem relatado no DN de hoje (aqui está o link).
 
Caro Fernando Gouveia,
De facto só pode dizer que este referendo, nos termos em que a pergunta é feita, trata exclusivamente de lei, quem, como o Sr., é indiferente à vida humana na fase de feto.
 
Citação: «como pode defender em simultâneo que até haja uma maior protecção da vida intra-uterina e, a sua aniquilação sempre que a mulher o entender?»

Eu não defendo uma maior protecção da vida intra-uterina nem a sua aniquilação sempre que a mulher o entender. Acho que não escrevi aqui nada disso (nem no meu blogue).
O que eu disse foi que o direito à protecção da Lei deveria (este é o meu critério, acedito que não o aceitem) deveria começar, para o feto, com a viabilidade extra-uterina. Até lá, a mulher teria total liberdade de aborto; depois disso, já não (teria isso sim direito a exigir uma cesariana). Se, com o desenvolvimento técnico, a viabilidade fosse sucessivamente ocorrendo mais cedo, a mulher ia tendo sucessivamente um período mais curto em que abortar não era punível -- e o feto ia tendo sucessivamente mais cedo o direito a um "transplante" para uma encubadora (onde, supostamente, seria viável e sobreviveria).


Citação: «E já agora: como acrescentar uma alínea a o 142.çº do CP, se este trata de excepções e, o que agora se pretende introduzir é a regra do aborto livre até às 10 semanas?»

O aborto livre (não me choca a palavra) até às 10 semanas continuaria a ser uma excepção ao previsto no artigo 140º. Só que, em vez de uma excepção circunstancial (como ocorreu a gravidez ou em que estado se encontra a grávida ou o feto) adicionalmente limitada temporalmente (12, 16 ou 24 semanas, conforme os casos já previstos*), seria uma excepção exclusivamente temporal: até às 10 semanas.
Em todo o rigor, e para não se reformular o texto do n.º 1 do artigo 142.º, o que se acrescentaria não seria uma nova alínea a esse ponto, mas um novo ponto a seguir ao 1 (renumerando os seguintes). Isso porque o texto do n.º 1 (antes das 4 alíneas com os casos já previstos) refere explicitamente justificações baseadas no «estado dos conhecimentos e da experiência da medicina». Como a interrupção em causa seria unicamente justificada unicamente pela vontade da mulher (e limitada temporalmente), teria de intercalar-se um novo ponto, p. ex. com a seguinte redação:

«2 - É também não punível a interrupção voluntária da gravidez efectuada, a pedido da mulher, nas primeiras 10 semanas por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido.»

(os actuais números 2 a 4 seriam renumerados como 3 a 5)

Esta seria uma redacção possível (da minha lavra), que evitava rescrever o n.º 1, mas obriga à renumeração dos pontos seguintes; a alternativa seria rescrever o n.º 1 e acrescentar uma alínea.


* Há um caso em que o aborto é legal sem qualquer limite de tempo (ou seja, teoricamente até aos 9 meses): em caso de total inviabilidade do feto.


Citação: «remete-nos para um post seu, supostamente onde de forma lógica e coerente se encontra essa sua peremptória afirmação. Chegados lá, os leitores só podem sentir-se enganados :), já que, em boa verdade, só discorre sobre o "sou a favor da vida " do não!»

Agora perdi-me...
O link que forneci, e como pensei que ficou claro (vejo que me enganei), pretendia apenas explicar que não tem sentido dizer-se que se é «a favor da vida», que tal afirmação é vazia. Não pretendia discorrer sobre qualquer questão de maior ou menor protecção da vida intra-uterina. Não sei onde leu outra manifestação de intenções da minha parte...


Com "vida humana de facto" pretendo designar um ser nascido de humanos. O de facto deve-se a, uma vez nascido, o ser humano ter uma dimensão não só biológica, mas também psicológica e social: qualquer outro ser humano pode interagir socialmente com ele (ao contrário de quando está no útero, em que a grávida serve de buffer, impedindo a interacção social).
Note que isto "salvaguarda" a humanidade factual dos deficientes profundos que se vejam impossibilitados de comunicar e agir: eles podem não conseguir interagir com a sociedade envolvente, mas os demais membros da Sociedade (se não forem também deficientes igualmente profundos) podem interagir com ele (falar com ele, tocar-lhe, cuidar dele...) -- a sua "sociabilização" existe (ainda que limitada). Logo, é um ser humando de facto.


E agora é mesmo adeus. Estou cansado.
 
Boa noite, F.G.
(Talvez um dia me possa falar da autonomia de facto e a vida humana de facto de um recém-nascido até à adolescência!)
 
Usando o linguajar brasileiro, será que Palla é palha mesmo? Está a vender o quê e a quem?
 
Caro VLX,
Sempre magnifico. E fantástico ler estes comentários. Elevadíssimos testamentos. Em três brilhantes linhas vc foi capaz de irar a tal ponto o "amigodaonça" ou ponto de se desmascar. Puro intelectual de esquerda, em bicos de pés, gritando desesperadamente "eu estou aqui".
 
Fernando Gouveia,

Você está mesmo convencido que percebe de direito, he! he!
Olhe que para isso, é preciso queimar as pestanas durante, pelo menos, 5 anos e ser inteligente. Quanto ao segundo requisito, não me arrogo dizer que o não tenha; mas o primeiro, olhe que é mesmo preciso - não basta ter em cima da mesinha de cabeceira o CP, aberto na página do artigo 142º e ler uns livritos. O mesmo se aplica às "Humanidades". Vaidades...
Considere-se autoridade na Engenharia, porque aí sim estará no seu direito, apesar de isso não chegar - é preciso mostrar.
 
Voltei, apenas para comentar isto, pois reparei nesta afirmação ontem, mas estava a precisar de um descanso:
Rui Fernandes: «De facto só pode dizer que este referendo, nos termos em que a pergunta é feita, trata exclusivamente de lei, quem, como o Sr., é indiferente à vida humana na fase de feto.»

Percebeu-me mal, Sr. Rui Fernandes (but what else is new?...). Eu não sou «indiferente à vida humana na fase de feto» (e não pense que estou a fazer a palinódia do que aqui encrevi ontem.

O que eu disse é que, numa fase em que o feto é inviável extra-uterinamente, se a mulher deseja abortar, o feto para mim é irrelevante, pois os interesses da mulher para mim prevalecem sempre. É nesse sentido que sou «indiferente ao feto» — porque ele não é factor que me faça defender que a decisão da mulher deva ser questionada ou mesmo proibida.

É nesse sentido que «não dou valor ao feto». Trata-se, simplesmente, de não lhe dar um valor maior do que aquela que lhe é mais próxima — a mulher que o carrega no ventre — lhe dá!

Já no caso de uma gravidez desejada (mesmo que não planeada), se a mulher dá importância ao feto (porque vê nele o prenúncio de um filho que aí vem), então eu não digo que o feto «não tem valor». É lógico que lhe reconheço valor — e se a mulher o perder espontaneamente, e disso (o que será natural, sendo a gravidez desejada) resultar nela dor e mágoa, sentirei também um pouco dessa dor e dessa mágoa (e tanto mais quanto mais próxima me for afectivamente a dita mulher). Mas a dor e a mágoa que sentirei será por empatia com a mulher, não com o feto.
Por isso sou totalmente a favor do n.º 1 do artigo 140º do Código Penal, que prevê penas de 2 a 8 anos de prisão para quem, sem o consentimento da mulher (que, presume-se, dá valor ao feto), for de alguma forma responsável por lhe provocar o aborto.
Voltando à questão do aborto espontâneo, não preciso de ir mais longe: a minha irmã foi uma das muitas mulheres que teve de estar dias deitada para não abortar espontaneamente na fase da nidação e imediatamente posterior. Felizmente tudo correu bem e hoje tenho um belo sobrinho; mas se tivesse ocorrido o aborto eu não andaria condoído pelo «sobrinho que não vou ter» — mas sentiria profunda tristeza pela dor que isso causaria na minha irmã.

O meu princípio é claro: A mulher, antes de mais.

O que se passa é que, em primeiro lugar eu não tenho do sexo uma visão utilitária (criar filhos), nem dos filhos essa mesma visão utilitária à la Kátia Guerreiro (garantir a minha reforma, garantir que alguém cuida de mim quando for velhinho).

Depois, também não tenho dos filhos a visão de «pena acessória», estilo «Fodeste, agora aguenta as "consequências"!...» (que é a que vejo subjacente a muitas intervenções aqui).
[Parênteses: A igreja católica, mas talvez não só, costuma classificar o sexo só pelo prazer, sem qualquer intenção reprodutiva, como algo mais «animal», puramente ditado pelos instintos e não pela emoção, pelo afecto. Ora, que eu saiba, só os humanos têm relações sexuais pelo prazer, que é algo físico e emocional; quem pratica o coito por puro instinto reprodutivo (nem sequer é com "intenção" reprodutiva) são exactamente os animais... Há poucas coisas mais caracteristicamente humanas do que o sexo pelo prazer que ele dá e não pela descendência que gera.]

Finalmente, e isto é determinante, tenho da vida uma visão, não transcendente, mas sim imanente.
[Alerta: o termo «imanente» corresponde a vários conceitos diferentes, tanto teológicos como filosóficos; uso a palavra no sentido mais kantiano, e não espinosista, do termo. Dizendo as coisas de forma mais simples, e como penso que será evidente (bem...), uso o termo «imanente» como contraposto de «transcendente» -- que também é uma palavra com diferentes sentidos: filosóficos (incluindo metafísicos), teológico, matemático...]
Assim sendo, não comungo da ideia da vida como uma «dádiva» ou «um dom» — que, no sentido em que o usaram ontem na campanha do Não, tinha o mesmíssimo sentido de «dádiva».
Uma «dádiva» pressupõe sempre (mas sempre!) um doador (ou melhor, eles pensam num Doador), personagem que eu não reconheço. Os que ontem no tempo de antena do Não* falavam uma e outra vez em «dádiva» nunca referiram de quem viria essa tal dádiva, mas apenas porque se auto-censuraram numa palavra: a seguir a «dádiva» omitiram «divina». Foram espertos (tentam não alienar os que não reconhecem a divindade, e que por inerência não reconheceriam a «dádiva»), mas é claro que o conceito está lá, subjacente.
Ora, como disse, eu não reconheço a existência do doador, logo não reconheço a vida como sendo dádiva de espécie nenhuma.
E, mesmo que aceite a vida como uma dádiva, posso sempre recusá-la (pode não ser polido, mas estou no meu direito): afinal, é uma dádiva, não é uma imposição... É que o dito cujo a que me refiro no * abaixo falava da vida (entenda-se, gravidez) como «uma dádiva para a mãe, para o pai, para as famílias, mas também para a Humanidade»; o feto não era beneficiário daquela «dádiva» — como são os beneficiários que podem recusar o que lhe oferecem, a «mãe» (utilização abusiva do termo), que é principal beneficiária, mas que pode entender a gravidez não como dádiva mas como fardo, a mulher (corrijo agora a inexactidão do testemunho de ontem) pode, então, recusar tal dádiva/fardo.


* Pelo menos um, estimulasse a TV mais do que os sentidos da visão e da audição, exalaria um intenso som a sacristia...
 
Não sou autoridade em nada (nem mesmo em Engenharia). Apenas reclamei os conhecimentos mais do que mínimos para entrar numa discussão baseada na racionalidade e não na emoção.

Quanto a ser necessário queimar as pestanas 5 anos para se perceber de Direito (conhecimento que eu, uma vez mais, não reclamo para lá do superficial -- mas muito acima do da maioria que aqui escreve), digo-lhe que essa queima de pestanas até pode ser condição necessária (na Faculdade ou não, não é determinante), mas não é certamente uma condição suficiente: tive um recém-licenciado em Direito que (porque moralmente achava aceitável ou até mesmo natural, e porque tinha falta de espírito inquisitivo) afirmava à finca-pé que a tentativa de suicídio era crime (!), e que se o suicida falhasse (logo, sobrevivesse) poderia ser acusado desse crime — só não o era por compaixão, porque não se aplicava a Lei, porque se fingia não saber que tinha sido tentativa de suicídio (da mesma forma que muitos padres fingem, para poderem dar ao suicida um enterro religioso).
Só quando o confrontei com o Código Penal é que ele, embaraçado, confessou que o que antes afirmava se baseara simplesmente no que «ouvira dizer».

E digo-lhe mais, Sr. Rui Fernandes: só diz isso porque eu fui sincero e informei que não sou formado em Direito. Se me apetecesse levá-lo a crer que era, o senhor manjaria a farsa com a pinta toda, como o kephas (que, deduzo, se chame Pedro) manjou!
 
Esta discussão já cheira mal...
Então não é verdade que, hoje em dia, há todos os meios contraceptivos à disposição, e de borla, para toda a gente, mesmo as pobres desmioladas?
Qualquer mulher só engravida se for descuidada ou promiscua (o povo chama-lhes porcas...), se puser o sexo acima das suas "obrigações" sociais.
Sim, obrigações, como todos nós temos, a não ser que elas queiram ficar grávidas de um filho que depois não querem ter. Mas isso é incúria e não tem perdão.
Parece, portanto, que toda essa escumalha o que quer é recorrer à tábua de salvação do aborto praticado gratuitamente pelo SNS ou hospitais civis pagos pelo desgraçado do contribuinte que nem sequer deu a queca.
Ora porra, estão a querer gozar com quem?
 
Tem razão, já cheira mal.
Cheira mal, p. ex., pôr no mesmo plano uma questão penal (saber se um determinado acto é crime, e se pessoa que o pratica deve ser punida) e uma questão fiscal ou orçamental (saber quem paga a conta).
O que está a referendo não é se o aborto é ou não gratuito ou comparticipado (pago pelo SNS).
Pela minha parte, pode ficar descansado: sempre pago as minhas contas. Nessas condições já não se opõe se a minha namorada abortar?...
 
Obrigado ga, o que se tem de ouvir quando um energúmeno fica sem argumentos. Mas não sei se desmascarei alguém. Há hoje por aí tanta gente a escrever obscenidades e sempre com minúsculas…
 
para o fernando gouveia: há quem o oiça? mais do que uma vez? só se for na reunião do partido, quando escolhem quem é que mandam para aqui por dia ...
 
Caro Fernando Gouveia,
Aprecio a sinceridade em toda a gente, incluindo o Sr. Mas, se o Sr. Fernando Gouveia não tivesse sido sincero, ficaria a pensar que cumpria o primeiro requisito, mas não o segundo.
 
Sr. Anónimo,

Sou totalmente independente. Tudo o que digo baseia-se na informação que procuro e obtenho, e na reflexão sobre essa mesma informação. (Obviamente, está no seu direito de considerar as minhas premissas e/ou conclusões como infantis, levianas, inaceitáveis, infundadas, débeis, bárbaras, chocantes, etc. — e eu exercerei o meu direito de ignorar ou não a sua opinião.)

Exactamente por ser totalmente independente, a sua insinuação sobre uma suposta «reunião do partido, quando escolhem quem é que mandam para aqui por dia» falha redondamente o alvo.
E se por «partido» quer dizer o PCP (presumo que sim, por insinuações que vi em relação a outros visitantes), ainda mais redondamente falha o alvo: não só porque o meu posicionamento político (que não pressupõe filiação partidária) nada tem a ver com eles, mas principalmente porque o Partido Comunista Português é a organização portuguesa que mais se parece à Igreja Católica (a começar pela postura dogmática, a fé apesar das evidências em contrário) — seria o último partido que eu subscreveria.

Quanto às pessoas ouvirem realmente o que eu digo: algumas sim, a maior parte não. Mas é como as coisas são: a esmagadora maioria das pessoas não aguenta uma cadeia de raciocínio muito tempo e liga à terra... gostam de umas frases sonantes — não lhes importa as fundamentações, não captam a falta de substância, os erros lógicos e ontológicos, as falácias (involuntárias ou não).
Eu cá não dispenso as frases sonantes, mas invisto mais no rigor — e o rigor frequentemente exige ser-se um pouco palavroso, o que não agrada a muitos, é verdade.
 
Ó Sr. Rui Fernandes, eu só por sabê-lo a pensar (uma vez que seja, não interessa em quê), já fico mais contente. Por quem é!...
 
Ó Sr. Fernando Gouveia: olhe que a madrasta da Branca de Neve enganava-se...
 
Sr. Rui Fernandes, eu sei que a imagem que temos de nós é sempre algo distorcida.

Mas a verdade é que cheguei aqui, e o que vejo da vossa parte? Argumentações (permito-me usar indevidamente a palavra) que revelam grandes fragilidades: falta dos mais básicos rudimentos de filosofia, particularmente de lógica (ajuda a construir e desconstruir argumentos) e de ontologia; desconhecimento de como as leis são e funcionam; dificuldade em ler e acompanhar os argumentos dos outros...

(Não digo que fossem todos, mas a esmagadora maioria sim.)

Não tive um único argumento meu cabalmente refutado. Os que o foram, ou a refutação era inválida (como a questão da "instabilidade" da Lei), ou baseavam-se simplesmente na recusa das minhas premissas morais.

Note: não digo que não tenham o direito de recusar os meus valores (têm, e eu reciprocamente). Agora não podem basear-se nisso para dizer que o meu raciocínio está mal estruturado (e inferir daí algo sobre a minha pouca inteligência).

Já eu, pelo contrário, face ao cenário confrangedor da vossa quase incapacidade de produzir um argumento válido (um argumento válido não é uma premissa ou uma conclusão avulsas, é um encadeamento válido de premissas verdadeiras até chegar a uma conclusão), face a esse cenário, dizia, posso inferir muito sobre a maior parte de vós. (Uma vez mais, não todos.)

Por isso, não é que eu seja ou me ache muito inteligente -- mas aqui, pelo contraste, faço um figurão!
Em terra de cegos...
 
Caro Fernando Gouveia,
longe de mim tentar, por um momento sequer, subtrair-me à inclusão no imenso bojo da mediania que assinalou. Na verdade, faço questão de aí permanecer, pois "não deve o sapateiro ir além do chinelo". Ainda assim, não posso deixar de fazer nota de que, do lado do SIM, não tenho visto que a fasquia suba, porventura porque me escapam as subtilezas argumentativas a que só os iluminados acedem. Seja!
Acontece que tive o topete de achar que poderia ser-me desculpada a intrusão nestes elevados debates e atrevi-me a furar a barreira do ostracismo, colocando, às 10:07 pm, um pequeno texto em 17 pontos sob o "fogo" blogueiro.
Como seria de esperar, não houve comentários. Não por falta de capacidade dos circunstantes, entenda-se, mas, decerto, porque a fraqueza do argumentário, directamente proporcional que é à robustez da mediocridade que exala, só pode ter uma resposta caritativa: a indiferença.
Outros, melhores que eu, tomariam - e bem - o silêncio por derrota. Não caio nessa. In absentia, só posso dizer: ufa! Escapei de boa!
Seu,
PJA
 
Caro/a PJA,

Quanto aos seus 17 pontos, dei conta deles (concretamente, que havia uma série de pontos), mas, como deverá ser fácil de entender dada a quantidade de coisas que escrevi aqui, estava demasiado cansado. Já bem me bastava "ter" de continuamente responder a coisas que me eram directamente dirigidas, só me faltava mais estar a arranjar chatices adicionais.

Por isso não li os seus 17 pontos. Mas agora que me chama a atenção para eles, prometo lê-los e comentá-los. Tentarei ser breve e objectivo, mesmo se à custa de algum rigor.
Só não prometo que seja já amanhã (esta noite não é de certeza).
E tentarei não cair de novo na asneira de deixar a adrenalina tomar conta do teclado.
(Note que do ponto de vista argumentativo não repudio nada do que escrevi.)

Quanto ao seu «sapateiro, não passes além do chinelo», discordo. Parece um conselho sábio, mas é uma receita para o imobilismo, para cada um ficar ficar contentinho «no seu lugar». É um conselho para a ignorância. É um conselho que cria pessoas que ao lerem meia dúzia de citações legais pensam que estão perante um licenciado em Direito. Quem se «deixa ficar no seu lugar», não fica realmente: afunda-se ainda mais. A quem interessa isso?...

«SUTOR, NE SUPRA CREPIDAM»
CREPIDA DIXIT.

Percebeu?
 
Depois de ler esta merda toda, só posso gritar: PORRA! Santa ignorância!
 
O senhor lá sabe; o senhor é que lhe acende velas.
 
voces falam em liberdade, aborto livre e nao falam do q realmente he importante. e o que he importante???? he a RESPONSABILIDADE!!!!!!! DUH!!!
Entao a casalzinho de pombinhos que se acha com maturidade suficiente para ter relacoes sexuais. que conhecem TODAS as formas de nao ter filhos, e a menina engravida he porque a forca do desejo foi mais forte q a da responsabilidade. Quem he q aqui nunca foi ao ponto de dizer "q se lixe!!!" durante uma relacao sexual sem camisinha? pois he mas he aqui que entra a responsabilidade.
Esta mania de desresponsabilizar os meninos e meninas porque "coitados eles nao sabiam o que estavam a fazer", "sao tao pequeninos e agora a vida deles esta toda estragadinha". Isto faz-me lembrar daquele pai pobre que tinha dois filhos pequeninos cheios de fome. Um dia o pai cansado de ver os seus filhos famintos a chorar o dia todo foi ao supermercado e roubou uns paesinhos um 1 litro de leite e uma garafinha de vinho e uns cigarritos. Qd o homen se preparava sair do supermercado o seguranca disse-lhe: "olha la, o que he que levas aih??". "anda ca que eu vou chamar a policia!". Resumindo o pai foi preco e os filhos passaram a noite sozinhos famintos. Acho que deveriamos fazer um referendo para estes casos. proponho que so vai preso quem roubar mais de um litro de leite.
O grave problema he que o estado e a sociedade com esta nova lei vao tb se desresponsabilizar das suas funcoes. Porque?? Nos todos nao estamos a resolver o problema do aborto, so estamos a dar ferramentas a mulher para continuar a abortar mas agora com todas as condicoes. O uqe he que o estado vai fazer daqui para a frente: "ho minha menina voce estagravida nao me venha pedir apoio, agora voce ja pode abortar, faca la o que quizer e nao nos lixe!!!!"
He responsabilidade do estado e de cada um de nos criar todas as condicoes para que uma mulher possa passar de uma gravidez nao desejada para uma desejada. Isto he: " minha menina voce esta gravida, e nao tem condicoes para ter a crianca. NAO ABORTE o estado e a sociedade dao-lhe condicoes para ajudar aqui e ali para si e para a sua crianca" (isto he que he um pais civilizado, mas claro isto da trabalho). O que o sim quer he: " olha menina estas gravida, e nao tens condicoes aborta ate as 10 semanas e deixa-nos ir para a praia".
O que eu quero he que a mulher NAO aborte. o que eu quero he que os socrates, os cavacos, os soares, os portas, as edites estrelas, o ze manel das cebolas, o to silva, a vanessa maria , os figos deem condicoes, ajudem e Paguem!!! a mulher gravida para TER a crianca!!!!!!!
Para terminar: Sabem como se resolve o problema do do estacionamento? he simples!!! Tiramos o sinal de proibido e pomos o sinal de Parque. E assim resovemos o problema os carros continuam no passeio mas ja nao estam mal estacionados
 
Caro Fernando Gouveia,
não atribuo ao comentário de Apeles esse sentido. E quanto a afundar-me, suponho que ninguém desce abaixo de si mesmo e eu não sou, seguramente, a excepção.
Se me honra com uma breve resposta ao meu texto (pauca, sed bona?), não deixarei (também de acordo com o tempo disponível) de retorquir.
Seu
PJA
 
Fernando Gouveia,

Eu (FG) disse antes: «o feto para mim não é relevante (nadinha)»
Joaquim Amado Lopes comentou: Interessante. Suponho então que, quando alguém lhe diz lhe que teve um aborto espontâneo, o Fernando responde: "E...?"»
Supõe mal, porque não sabe interpretar o que lê. Eu disse que o feto não me interessava nadinha. Se para a mulher grávida o aborto espontâneo foi emocionalmente doloroso, porque queria ter filhos, eu condoo-me dela - porque ela (uma vez mais) está a sofrer. Por isso nunca diria isso, nunca demonstraria essa indiferença.


Ainda bem que é capaz de tal empatia. Infelizmente, parece ser uma empatia selectiva.
Condoi-se com o sofrimento de uma mulher que abortou espontaneamente uma criança que queria ter mas defende que as mulheres possam abortar livremente até às 10 semanas. Defende uma Lei que, objectivamente, fará com que seja mais fácil as mulheres (mesmo as que queiram ter as crianças que estejam a gerar) serem obrigadas a abortar por companheiros, famílias e empregadores.
Condói-se com as mulheres que sofrem por ter abortado mas defende uma Lei que ignora completamente os pais (masculinos) que não querem que os seus filhos sejam abortados, mesmo que a mulher seja motivada pelo motivo mais fútil.
Condói-se com o sofrimento de quem aborta crianças que não queria abortar mas defende uma Lei que fará com que sejam gastos em abortos recursos que não estão disponíveis para ajudar quem quer ter uma criança e é levado a abortar porque não tem condições.

E para acabar, digo-lhe que me congratulo por o senhor Joaquim Amado Lopes dar tanto valor ao feto, pois da sua (errada) suposição deduzo que, se lhe desse o mesmo pouco valor que eu dou, seria essa («E...?») a resposta que o senhor Joaquim Amado Lopes daria a uma mulher que lhe dissesse que sofrera um aborto espontâneo!
Eu não preciso de dar valor ao feto para dar valor aos sentimentos e às mágoas de uma mulher - mas o senhor Joaquim Amado Lopes precisa.


Essa é a sua conclusão. Mas alguém que não sente rigorosamente nada por um ser humano em formação não devia pretender dar lições de empatia seja a quem fôr.

A bem dos sentimentos das mulheres que o senhor Joaquim Amado Lopes conhece, desejo que nunca mude de opinião quanto ao valor do feto!

Não se preocupe. Os sentimentos das mulheres que conheço não lhe dizem respeito. Pelo menos, espero que não. É que, a bem dos sentimentos dessas mulheres, espero que, se engravidarem, não conheçam ninguém para quem o feto é irrelevante.
E, a bem das mulheres que o senhor Fernando Gouveia conhece, espero que mude de opinião quanto ao valor do feto.
 
JAL: Ainda bem que é capaz de tal empatia. Infelizmente, parece ser uma empatia selectiva.
Condoi-se com o sofrimento de uma mulher que abortou espontaneamente uma criança que queria ter mas defende que as mulheres possam abortar livremente até às 10 semanas.


Primeiro, a que abortou espontaneamente não abortou «uma criança» que queria ter; abortou um feto, pelo que não irá ter a criança que desejava ter. (Começa a ser cansativo repetir as mesmas evidências: se um feto fosse uma criança, no Código Penal não haveria o crime de aborto.)
Por que não hei-de defender as mulheres que desejam abortar até às 10 semanas? Por que é que o sofrimento de Fulana, que abortou espontaneamente uma gravidez desejada, me há-de levar a impor sofrimento a Sicrana, ao obrigá-la a manter uma gravidez indesejada?
Ao contrário do que diz, a minha empatia não é selectiva: em qualquer situação, apoio a mulher.


JAL: Defende uma Lei que, objectivamente, fará com que seja mais fácil as mulheres (mesmo as que queiram ter as crianças que estejam a gerar) serem obrigadas a abortar por companheiros, famílias e empregadores.

Está a acenar com espantalhos. Não digo que não haja homens a pressionar as mulheres (há muita gente a pressionar as mulheres — há gente para tudo...), mas não me parece que a proibição legal os coíba disso: «Tens de 'desmanchar' isso, mulher!», «Mas ó q'rido, é proibido!», «Ah, pronto! Deixa lá, então...» (Está-se mesmo a ver.)
A legalização permitirá, até, minorar isso: ao falar abertamente com pessoal médico, sem a pressão da ilegalidade, a mulher pode mais claramente reflectir sobre o que quer.


JAL: Condói-se com as mulheres que sofrem por ter abortado mas defende uma Lei que ignora completamente os pais (masculinos) que não querem que os seus filhos sejam abortados, mesmo que a mulher seja motivada pelo motivo mais fútil.

Já cá faltava o argumento da «mulher fútil» que priva o macho do seu herdeiro... a mulher-encubadora que fornece o Júnior.
Se fosse o homem a carregar o embrião/feto durante 9 meses, eu poria a opção do homem acima de tudo. Mas não é. É a mulher.
Até o homem começar a contribuir (monetária e afectivamente) para o desenvolvimento da criança (note bem: «criança» — ser humano nascido há pouco tempo), até essa altura, o homem não passa de um dador de esperma.


JAL: Condói-se com o sofrimento de quem aborta crianças que não queria abortar mas defende uma Lei que fará com que sejam gastos em abortos recursos que não estão disponíveis para ajudar quem quer ter uma criança e é levado a abortar porque não tem condições.

O uso de recursos económicos para financiar publicamente o aborto é sobrevalorizado. Leia estes dois artigos: o primeiro é do economista Tiago Mendes, em que explica os factores que afectam o preço de algum serviço (no caso concreto, a realização do aborto); o segundo é meu, em que concluo quanto às consequências da despenalização do aborto sobre esse mesmo preço.
 
Caro/a PJA, aqui vai:

Aquilo que, decididamente, os defensores do SIM não conseguem resolver − e, por isso mesmo, fogem à questão com frases tolas do género "não queremos mulheres presas, ou julgadas, ou investigadas", como se as mulheres não fossem cidadãos sujeitos ao Direito − é o seguinte:

1. Actualmente, em Portugal, existe um regime legal de despenalização do aborto, já sobejamente repetido, com casos em que a ilicitude do acto é excluída.

Verdade. O aborto não é ilegal “tout court”. Eu, como os demais do Sim, defendemos que haja mais uma exclusão de ilicitude.

2. Esses casos pressupõem, obviamente, a prática do aborto em estabelecimento de saúde autorizado, bem como a vontade expressa da mulher e, em alguns deles, limites temporais.
Sim, e depois? Isso é justificação para que não haja uma exclusão de ilicitude estritamente dependente de limites temporais?

3. Fora desse quadro de despenalização, qualquer aborto denunciado leva à instrução de um inquérito, nos termos gerais do processo penal.
Exacto. O que queremos é mais uma situação (limitada temporalmente) que, por ser legal, não é passível de processo penal nem, por maioria de razão, de denúncia.

4. Daqui, e nos mesmos termos, decorrerá, ou não, o julgamento dos implicados no acto, incluindo a mulher que haja abortado.
Ok.

5. Em julgamento tem-se verificado que os juízes, de acordo com o Direito concretamente mobilizável, têm chegado a juízos que variam entre a absolvição e a condenação com suspensão da pena.
Sim, mas numa interpretação muito subjectiva da lei (o que só descredibiliza a Justiça). E, de qualquer modo, após o vasculhar humilhante da vida íntima das mulheres acusadas.

6. Estas decisões, juridicamente fundadas, em nada violam a lei em vigor. Quanto à absolvição, nem carece de mais explicitações, pois só por ignorância se pode pensar que um julgamento tem de conduzir a uma condenação, quando o que vigora é o princípio transpositivo da presunção da inocência; quanto à suspensão da pena, porque a própria lei admite inúmeros casos em que ela é admissível e, ainda que a lei o não previsse, qualquer aluno do 2º ano de direito sabe que o sistema não se reduz à lei, integrando também princípios normativos, doutrina, jurisprudência e usos, cabendo ao julgador ponderar os interesses e os valores in casu pertinentes.
Ok.

7. Posto isto, vejamos: dizem os partidários do SIM que pretendem despenalizar, isto é, que a mulher não possa ser penalizada, porque tal situação é incivilizada e injusta.
Exacto.

8. Por mera retórica, admitamos que assim é; mas, se já existe despenalização, aquilo que visariam seria excluir do regime penalizador as mulheres, ou seja, da actual lei (incivilizada e injusta) que prevê a prisão para a mulher que aborta fora do limitado quadro de despenalização passaríamos a uma lei que, pura e simplesmente, não perseguiria penalmente a mulher.
Não é isso. Para além dos casos já previsto na lei, a despenalização do aborto voluntário estará limitados às primeiras 10 semanas de gravidez. Depois disso a ilicitude mantém-se (com o respectivo risco penal).
O limite de 10 semanas não tem nada a ver com definição de «início de vida humana» (que, como já escrevi aqui, não é definível por lei); é simplesmente um prazo suficientemente alargado para que a mulher descubra que está grávida, reflicta quanto ao que quer fazer, se informe junto do pessoal médico devidamente autorizado para realizar o aborto, reflicta ainda um pouco mais — e decida finalmente se opta pelo aborto ou pela manutenção da gravidez. A partir das 10 semanas a lei considera que a mulher já tinha tido mais do que tempo para decidir, mas não o fez, responsabilizando-a por não ter tomado a decisão em tempo útil.


9. Acontece que não é disso que tratam, nem é isso que querem.
Diga então lá o que é que queremos...

10. Aquilo que vão votar e que, por via desse voto, vão viabilizar em sede legislativa é algo equivalente à resposta positiva a uma outra pergunta que se obtém por mera substituição dos termos da equação (não acrescento, nem retiro − apenas torno visível o que já lá está implícito).
Ora vamos lá...

11. "Concorda com a aplicação de pena de prisão, na sequência de procedimento criminal, à mulher que pratique a interrupção voluntária da gravidez após as 10 semanas de gestação ou, em qualquer momento da gestação, fora de estabelecimento autorizado?" A esta pergunta os partidários do SIM têm de responder... SIM.
Alguns certamente responderiam Sim, outros ficariam na dúvida, outros responderiam Não. A sua conclusão, supostamente alcançada por meios rigorosos («por mera substituição dos termos da equação») é abusiva.
Nunca ouviu dizer que «o óptimo é inimigo do bom»? Para muitos apoiantes do Sim, a lei que o Sim defende não é a lei perfeita — é simplesmente melhor do que a lei actual.


12. É claro que isto alarga, por via da liberalização (que diz respeito aos motivos), o campo da despenalização; mas esse é apenas um problema quantitativo − qualitativamente, continua a haver penalização.
Exacto. Repito: isso não quer dizer que quem defende esta alteração à lei considere a nova versão perfeita — simplesmente é melhor do que a lei actual.

13. Ora, o SIM tem dito, à exaustão, que o NÃO é hipócrita, porque quer manter a lei, mas não quer que ela se aplique (o que já vimos ser falso, porque o facto de não haver arguidas presas não tem nada a ver com a desaplicação da lei).
Eu já escrevi explicitamente que não considero que a hipocrisia seja uma característica dos do Não. Isso será verdade para pessoas como Marcelo Rebelo de Sousa, Bagão Félix e Sarsfield Cabral (que percebem perfeitamente o que está em causa, mas distorcem tudo para enganar os eleitores). A maioria (creio bem) dos apoiantes do Não está simplesmente enganada (uns por causa da manipulação, outros simplesmente não pensaram suficientemente no assunto).
Ainda há dias um apoiante do Não me disse: «Sabe, eu sou apenas não em consciência. Pela minha formação, pela minha atitude perante a vida. Porque resulte o que resultar da lei, nesta matéria, eu nunca agirei senão em conformidade com a minha consciência.» Se isto não é um apoiante do Sim convencido de que é apoiante do Não...


14. Mas, se o NÃO é hipócrita e o SIM é verdadeiro, honesto, transparente, então só pode defluir uma conclusão: os defensores do SIM no próximo dia 11 vão exigir que, fora do quadro que tão entusiasticamente votaram, os processos se instruam e os juízes, com mão implacável, apliquem a lei e prendam as mulheres. Isso será coerência, isso será decente, isso justificará, enfim, tanto empenho na alteração da lei.
A sua conclusão é abusiva, uma vez mais. Mas posso dizer-lhe que acho inaceitável que a lei diga uma coisa e o sistema (legal e social), sabendo que a lei foi quebrada, simplesmente ignore. Por isso, não concordam com a actual lei, nunca fiz campanha contra o seu julgamento, pois acho inaceitável pressionar os magistrados à porta dos tribunais.

15. Estou seguro de que, à porta dos tribunais, com a habitual cobertura televisiva, teremos os do costume, mas, desta vez, exigindo penas severas para as infractoras.
Não me vou repetir.

16. Assim, e concluindo, não acabando com o aborto ilegal, não acabando com a criminalização das mulheres, não reconhecendo dignidade humana ao feto, o que o SIM consegue é uma monstruosa fraude.
Uau!

17. O que os move, então? Política, obviamente. Sem ética, entenda-se, que isso é coisa reaccionária e medieval.
A alguns será certamente a política que os move. A outros a ideia de que as leis raramente ficam perfeitas de uma só vez, sendo geralmente necessárias várias iterações (e nunca se chegando à tal perfeição, que é coisa ideal, mas não real).
A mim movem-me princípios éticos (os meus).
E reaccionário e medieval é julgar privado de ética tudo o que não corresponde ponto-a-ponto com os nossos princípios. Que é o que os do Não dizem dos do Sim

 
Faltou dizer isto ao sr. JAL:
O facto de, para mim, o homem não ser mais do que um «dador de esperma» até começar a contribuir para o desenvolvimento da criança, isso não impede que a mulher o considere como mais do que isso.

A lei saída do Sim dirá que a decisão é da mulher, mas que factores a mulher leva em linha de conta antes de se decidir pelo aborto (ou não) não são definidor por lei: uma vez mais, é com a mulher.
A mulher pode querer decidir sozinha, ou pode perguntar ao homem, ou à família, ou aos amigos, ou ao conselheiro espiritual... Ela pode levar em linha de conta as opiniões e sentimentos de quem muito bem quiser — mas a palavra final é sempre dela (obviamente).

De resto, só mesmo por ignorância é que se fala desta «exclusão do homem na hora de decidir», como se fosse coisa nova: nos casos de exclusão de ilicitude já previstos na Lei, a decisão é também pela mulher: «com o consentimento da mulher grávida», é o que diz o n.º 1 do Art.º 142.º (só não o é se ela for menor de 16 anos ou estiver psiquicamente incapacitada para tomar tal decisão).
Ou seja, a Lei não obriga a ouvir o progenitor do sexo masculino, p. ex., no caso de um aborto por malformação grave. Pense ele que é para abortar ou para manter, a Lei garante à mulher o direito de decidir-se, respectivamente, pela manutenção ou pelo aborto.
Já agora o homem só tem uma «palavra a dizer» se a mulher lhe quiser reconhecer esse direito.
 
Fernando Gouveia,

JAL: Condói-se com as mulheres que sofrem por ter abortado mas defende uma Lei que ignora completamente os pais (masculinos) que não querem que os seus filhos sejam abortados, mesmo que a mulher seja motivada pelo motivo mais fútil.

Já cá faltava o argumento da «mulher fútil» que priva o macho do seu herdeiro... a mulher-encubadora que fornece o Júnior.
Se fosse o homem a carregar o embrião/feto durante 9 meses, eu poria a opção do homem acima de tudo. Mas não é. É a mulher.
Até o homem começar a contribuir (monetária e afectivamente) para o desenvolvimento da criança (note bem: «criança» — ser humano nascido há pouco tempo), até essa altura, o homem não passa de um dador de esperma.


Creio que isto diz mais sobre o seu pensamento do que qualquer outra coisa.

Se a mulher decidir abortar, o homem não passará de um mero doador de esperma; mas, se a mulher decidir não abortar, o homem passa a ter um compromisso financeiro e emocional para a vida; e, no entanto, a decisão cabe exclusivamente à mulher, sem que a vontade do homem tenha o mínimo peso.

Pois se o homem não passa de um dador de esperma quando é tomada a decisão de levar ou não a gravidez a termo, só deve passar a ser mais se o quiser. Uma mulher que advogue o direito de abortar mesmo que contra a vontade do homem não deve poder exigir seja o que fôr ao homem caso a decisão seja a contrária.
 
Caro Fernando Gouveia,
afazeres profissionais inadiáveis impediram-me de treplicar mais cedo à sua réplica. Ainda assim, e com o meu agradecimento, aqui vai:

Aquilo que, decididamente, os defensores do SIM não conseguem resolver − e, por isso mesmo, fogem à questão com frases tolas do género "não queremos mulheres presas, ou julgadas, ou investigadas", como se as mulheres não fossem cidadãos sujeitos ao Direito − é o seguinte:

1. Actualmente, em Portugal, existe um regime legal de despenalização do aborto, já sobejamente repetido, com casos em que a ilicitude do acto é excluída.
FG − Verdade. O aborto não é ilegal “tout court”. Eu, como os demais do Sim, defendemos que haja mais uma exclusão de ilicitude.
PJA − Não é apenas somar uma causa de exclusão. Isso para mim pode ser pacífico, consoante a causa. O ponto é a natureza da causa, que se torna puramente liberal (scilicet, voluntarística).

2. Esses casos pressupõem, obviamente, a prática do aborto em estabelecimento de saúde autorizado, bem como a vontade expressa da mulher e, em alguns deles, limites temporais.
FG − Sim, e depois? Isso é justificação para que não haja uma exclusão de ilicitude estritamente dependente de limites temporais?
PJA − Não, claro. A justificação não é essa.

3. Fora desse quadro de despenalização, qualquer aborto denunciado leva à instrução de um inquérito, nos termos gerais do processo penal.
FG − Exacto. O que queremos é mais uma situação (limitada temporalmente) que, por ser legal, não é passível de processo penal nem, por maioria de razão, de denúncia.
PJA − Não. O motivo admissível é a simples expressão da vontade. Os limites de tempo e de lugar são adjectivos, circunstanciais.

4. Daqui, e nos mesmos termos, decorrerá, ou não, o julgamento dos implicados no acto, incluindo a mulher que haja abortado.
Ok.

5. Em julgamento tem-se verificado que os juízes, de acordo com o Direito concretamente mobilizável, têm chegado a juízos que variam entre a absolvição e a condenação com suspensão da pena.
FG − Sim, mas numa interpretação muito subjectiva da lei (o que só descredibiliza a Justiça). E, de qualquer modo, após o vasculhar humilhante da vida íntima das mulheres acusadas.
PJA − Creio que credibiliza. O direito é um discurso prático argumentativo, orientado para a solução de um conflito de interesses, pressupostos certos valores. A realização judicativa do direito remete para o julgador uma elevada responsabilidade. Essa margem de aparente subjectividade é o que salvaguarda a justiça de uma cegueira positivista e legalista em que − quero crer − já ninguém se revê. E, tanto quanto sei, as sentenças estavam bem fundadas. Quanto à humilhação, ela vai acabar?

6. Estas decisões, juridicamente fundadas, em nada violam a lei em vigor. Quanto à absolvição, nem carece de mais explicitações, pois só por ignorância se pode pensar que um julgamento tem de conduzir a uma condenação, quando o que vigora é o princípio transpositivo da presunção da inocência; quanto à suspensão da pena, porque a própria lei admite inúmeros casos em que ela é admissível e, ainda que a lei o não previsse, qualquer aluno do 2º ano de direito sabe que o sistema não se reduz à lei, integrando também princípios normativos, doutrina, jurisprudência e usos, cabendo ao julgador ponderar os interesses e os valores in casu pertinentes.
Ok.

7. Posto isto, vejamos: dizem os partidários do SIM que pretendem despenalizar, isto é, que a mulher não possa ser penalizada, porque tal situação é incivilizada e injusta.
Exacto.

8. Por mera retórica, admitamos que assim é; mas, se já existe despenalização, aquilo que visariam seria excluir do regime penalizador as mulheres, ou seja, da actual lei (incivilizada e injusta) que prevê a prisão para a mulher que aborta fora do limitado quadro de despenalização passaríamos a uma lei que, pura e simplesmente, não perseguiria penalmente a mulher.
FG − Não é isso. Para além dos casos já previsto na lei, a despenalização do aborto voluntário estará limitados às primeiras 10 semanas de gravidez. Depois disso a ilicitude mantém-se (com o respectivo risco penal).
O limite de 10 semanas não tem nada a ver com definição de «início de vida humana» (que, como já escrevi aqui, não é definível por lei); é simplesmente um prazo suficientemente alargado para que a mulher descubra que está grávida, reflicta quanto ao que quer fazer, se informe junto do pessoal médico devidamente autorizado para realizar o aborto, reflicta ainda um pouco mais — e decida finalmente se opta pelo aborto ou pela manutenção da gravidez. A partir das 10 semanas a lei considera que a mulher já tinha tido mais do que tempo para decidir, mas não o fez, responsabilizando-a por não ter tomado a decisão em tempo útil.
PJA − Eu sei que não é isso. Mas, os cartazes do SIM, mais os discursos do SIM, afirmam-no expressamente. Não fui eu quem inventou essa ideia. Expressões como “Abstenção para manter a prisão?”, “Prisão até três anos...”, “Acabar com a humilhação” (tudo cartazes do SIM), bem como as intervenções de J. Sócrates, Vera Jardim, Jerónimo de Sousa, Rui Rio, Francisco Louçã, Ana Gomes, H. Roseta, etc., dizendo que já chega de penalizar e perseguir as mulheres, tudo isso, enfim, tem de ter uma leitura: acabar, de vez, com a incriminação da mulher que aborta. Se o Fernando Gouveia me diz que fui eu quem percebeu mal, aponte-me quem é que disse a verdade. Garanto-lhe que tenho lido e ouvido a maioria das intervenções de ambos os lados e jamais o SIM disse: não queremos acabar com a perseguição criminal das mulheres, queremos apenas reduzir o número de casos.

9. Acontece que não é disso que tratam, nem é isso que querem.
Diga então lá o que é que queremos...

10. Aquilo que vão votar e que, por via desse voto, vão viabilizar em sede legislativa é algo equivalente à resposta positiva a uma outra pergunta que se obtém por mera substituição dos termos da equação (não acrescento, nem retiro − apenas torno visível o que já lá está implícito).
Ora vamos lá...

11. "Concorda com a aplicação de pena de prisão, na sequência de procedimento criminal, à mulher que pratique a interrupção voluntária da gravidez após as 10 semanas de gestação ou, em qualquer momento da gestação, fora de estabelecimento autorizado?" A esta pergunta os partidários do SIM têm de responder... SIM.
FG − Alguns certamente responderiam Sim, outros ficariam na dúvida, outros responderiam Não. A sua conclusão, supostamente alcançada por meios rigorosos («por mera substituição dos termos da equação») é abusiva.
Nunca ouviu dizer que «o óptimo é inimigo do bom»? Para muitos apoiantes do Sim, a lei que o Sim defende não é a lei perfeita — é simplesmente melhor do que a lei actual.
PJA − OK. Começamos a entender-nos. Eu também acho que não há leis perfeitas. Aliás, como acima já exprimi, distingo o “Direito” do “legalismo”, pobre herança que é de um duvidoso optimismo oitocentista. Porém, e não me vou repetir para não o maçar, a campanha do SIM assentou precisamente nas virtudes desta mudança. Uma postura de honestidade nos termos usados conduziria a outros resultados na aceitação de um SIM. Quanto ao que atinge o método que usei (“supostamente alcançada por meios rigorosos”), fui rigoroso. Falseei os termos do problema equacionado na pergunta? A conclusão não está ínsita nas premissas?

12. É claro que isto alarga, por via da liberalização (que diz respeito aos motivos), o campo da despenalização; mas esse é apenas um problema quantitativo − qualitativamente, continua a haver penalização.
FG − Exacto. Repito: isso não quer dizer que quem defende esta alteração à lei considere a nova versão perfeita — simplesmente é melhor do que a lei actual.
PJA − Agradeço a sua franqueza (sem ironia, que o assunto não a admite). Eu acho que a lei actual, longe de ser perfeita, é melhor do que a que necessariamente resulta do referendo. Além disso, acho que o que há a fazer, no plano jurídico-legal, é muito diferente de tudo isto. Infelizmente, entrei nesta discussão muito tarde e o texto que resultaria da expressão da minha tese não se escreve de um jacto. Apenas intervim por achar que a campanha do SIM tem mentido (obviamente, não o estou a incluir a Si ou a outros intervenientes espontâneos, mas, antes, à classe politicamente correcta que pariu esta pergunta e que se está nas tintas para o que pensam o Fernando ou o Paulo Jorge...)

13. Ora, o SIM tem dito, à exaustão, que o NÃO é hipócrita, porque quer manter a lei, mas não quer que ela se aplique (o que já vimos ser falso, porque o facto de não haver arguidas presas não tem nada a ver com a desaplicação da lei).
FG − Eu já escrevi explicitamente que não considero que a hipocrisia seja uma característica dos do Não. Isso será verdade para pessoas como Marcelo Rebelo de Sousa, Bagão Félix e Sarsfield Cabral (que percebem perfeitamente o que está em causa, mas distorcem tudo para enganar os eleitores). A maioria (creio bem) dos apoiantes do Não está simplesmente enganada (uns por causa da manipulação, outros simplesmente não pensaram suficientemente no assunto).
Ainda há dias um apoiante do Não me disse: «Sabe, eu sou apenas não em consciência. Pela minha formação, pela minha atitude perante a vida. Porque resulte o que resultar da lei, nesta matéria, eu nunca agirei senão em conformidade com a minha consciência.» Se isto não é um apoiante do Sim convencido de que é apoiante do Não...
PJA − Estou convencido de que é ao contrário: a maioria dos apoiantes do SIM não pensou ainda no que vai votar. Uma votante SIM ficou chocada quando eu lhe disse que a penalização iria continuar e que o referendo teria, portanto, um resultado prático diferente do anunciado pelos líderes políticos e respondeu-me que eu estava a tentar “dar-lhe a volta”, porque ela tinha ouvido muito bem o Primeiro-Ministro dizer que o SIM era o fim da perseguição criminal das mulheres. E, pura e simplesmente, acabou a conversa. É um caso isolado, como o que narrou? Talvez. Eu suponho que são exemplos de que este referendo é um erro e não esclareceu ninguém. Quanto às pessoas que menciona, não as conheço pessoalmente, mas recordo que o B. Félix nunca teve outra postura e, portanto, parece-me coerente (os seus princípios entroncam numa vertente teológica − em que não me revejo, por ser agnóstico −, o que não lhes retira mérito no plano formal).

14. Mas, se o NÃO é hipócrita e o SIM é verdadeiro, honesto, transparente, então só pode defluir uma conclusão: os defensores do SIM no próximo dia 11 vão exigir que, fora do quadro que tão entusiasticamente votaram, os processos se instruam e os juízes, com mão implacável, apliquem a lei e prendam as mulheres. Isso será coerência, isso será decente, isso justificará, enfim, tanto empenho na alteração da lei.
FG - A sua conclusão é abusiva, uma vez mais. Mas posso dizer-lhe que acho inaceitável que a lei diga uma coisa e o sistema (legal e social), sabendo que a lei foi quebrada, simplesmente ignore. Por isso, não concordam com a actual lei, nunca fiz campanha contra o seu julgamento, pois acho inaceitável pressionar os magistrados à porta dos tribunais.
PJA − Não é abusiva, apenas no seguinte: se eu tenho de ouvir alguém (Louçã, Roseta, Ana Gomes, F. Câncio) chamar-me hipócrita, só porque tenho outra opinião, também posso exigir alguma coisa, designadamente, coerência. Ou a lei, depois da vitória do SIM, já não interessa? Concordo com o resto. Mas louvo os magistrados, pelo seu sentido de justiça.

15. Estou seguro de que, à porta dos tribunais, com a habitual cobertura televisiva, teremos os do costume, mas, desta vez, exigindo penas severas para as infractoras.
FG − Não me vou repetir.
PJA − Nem eu.

16. Assim, e concluindo, não acabando com o aborto ilegal, não acabando com a criminalização das mulheres, não reconhecendo dignidade humana ao feto, o que o SIM consegue é uma monstruosa fraude.
FG − Uau!
PJA − Não percebi.

17. O que os move, então? Política, obviamente. Sem ética, entenda-se, que isso é coisa reaccionária e medieval.
FG − A alguns será certamente a política que os move. A outros a ideia de que as leis raramente ficam perfeitas de uma só vez, sendo geralmente necessárias várias iterações (e nunca se chegando à tal perfeição, que é coisa ideal, mas não real).
A mim movem-me princípios éticos (os meus).
E reaccionário e medieval é julgar privado de ética tudo o que não corresponde ponto-a-ponto com os nossos princípios. Que é o que os do Não dizem dos do Sim
PJA − Quem, como eu, se bateu pela lei actual (já não sou novo, sabe?...), contra a posição − que reconheço coerente, mas não é a minha − dos católicos, em 1982/83/84, não pode tolerar este discurso fácil que estigmatiza todos aqueles que acham este referendo uma imbecilidade, que provoca cisões onde deveria haver consensos e não resolve os problemas de ninguém. Note: o Fernando Gouveia acusa os do NÃO de algo que, salvo algum caso isolado, não se verifica. Quem é que usa termos como reaccionário, medieval, bárbaro, inquisitorial, retrógrado, misógino, hipócrita? Quem é que tem feito de cada defensor do NÃO uma espécie de reencarnação do Torquemada? Eu vi as reportagens, ouvi os tempos de antena, li os artigos (não vi, ouvi ou li tudo, como é evidente, que não há tempo para tanto) e senti o modo como são tratados os que são contra o SIM.
Mas há mais. Sabe que muitos dos do NÃO, centenas, se tiram das suas comodidades burguesas e vão ajudar os mais carenciados, incluindo mulheres grávidas que, sem isso, abortariam, mas também os sem abrigo, imigrantes ilegais, pessoas, enfim, em estados de pobreza aguda, sem publicidade, sem apoios do Estado, sem cobertura mediática, tudo em nome de princípios éticos? Falo do que conheço, embora eu não seja, infelizmente, um deles, porque não sou assim tão virtuoso. Essas pessoas são, maioritariamente, pelo NÃO. Choca-me ver essa gente apodada de hipócrita e os seus actos catalogados de “caridadezinha”, expressão horrível, ignorante, que mancha a dignidade de quem apenas comete o crime de ajudar os outros.
Por tudo isto, reagi nos termos que leu. Não aceito que me venham dizer o que é ser humanista. Recordo, aliás, que, durante a luta pela alteração da lei (aprovada com os votos da UDP, do PCP e do PS), há 25 anos, vários opositores da mudança me disseram “eles hoje querem isto, mas amanhã querem liberalizar”. Ofendi-me. Eu era um deles e não queria liberalizar.
Que a vida não é um bem absoluto qualquer um podia perceber − é o caso de força maior, é a retorsão, é a acção directa, é a legítima defesa, é o princípio da proporcionalidade, é a defesa nacional, é a segurança e a ordem públicas, etc, tudo são ou critérios, ou conceitos abertos, ou cláusulas gerais, no sentido de assumir o relativismo da vida e da integridade física. Mas, um direito absoluto?!? Isso, garantia eu, jamais alguém pedirá em Portugal.
Enganei-me.
Caro Fernando Gouveia, eu acho, sinceramente, que o problema social que serviu de pretexto ao referendo não se resolve com o referendo. E acho, também, que quem conduz a campanha do SIM sabe isso perfeitamente e só tem objectivos de política rasteira.
Em consciência, porque discordo deste referendo, eu deveria votar em branco, anexando uma declaração de voto. Pois é. Mas não é assim que a coisa funciona. Por isso, votarei NÃO. Sei que o SIM vai ganhar, mas é o meu único meio de protestar contra esta trapaça que agendaram para dia 11.

Creia que só lamento não ter tido tempo para uma participação mais activa e tempestiva

Seu,
Paulo Jorge
 





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