No hospital ou fora dele, uma vida é uma vida

Afinal, do lado do Sim, também há uma terceira via. O terrível Baruch informa que não se importaria (se absurdo não fosse) que o crime de aborto permanecesse no código desde que o acto em si pudesse ser feito em estabelecimento de saúde devidamente autorizado (estará a pensar num hospital prisional).

Para Baruch, o importante é mesmo que o aborto seja feito num “departamento hospitalar” e na presença de um médico. Se é a pedido ou com justificação, se é por motivos ponderosos ou não, se é às dez ou vinte semanas, pouco importa. O aborto, segundo Baruch, é sempre uma inevitabilidade. Por “razões” que o próprio “conhece e desconhece”, mas que em qualquer caso “recusa discutir”, “há quem opte pelo aborto”, e não há quem consiga impedir que esse alguém opte pelo aborto (bem vindos aos caminhos tortuosos do raciocínio baruchiano). Logo, perante isto, não nos resta alternativa senão disponibilizá-lo, a pedido, nos hospitais.

Porém, Baruch - por não conhecer ou conhecer mas recusar discutir – omite dois pormenores quiçá capazes de alterar a sua linear equação: 1.º - o aborto, seja em que concelho do país for, não é sempre uma inevitabilidade – e aí, o facto de ser livre ou não faz toda a diferença. 2.º - o aborto, seja em casa, no vão da escada, no Estádio da Luz ou nos estabelecimentos hospitalares devidamente equipados e autorizados do Baruch, implica sempre a destruição de uma outra vida.

É precisamente para proteger essa vida que a lei penal existe. E não, ao contrário do que sugere Baruch, para infernizar as pessoas que “optam pelo aborto”. Como calcularás, se no aborto não estivesse em jogo a vida de um terceiro, nem eu nem tu perderíamos um minuto a debater o assunto. Pelo menos um com o outro.

Comentários:
Qualquer semelhança com a realidade actual será pura coincidência!

Um homem, muito inteligente, decidiu um dia convocar uma conferência de imprensa… Chamou todos os meios de comunicação social e declarou solenemente:
- Somos todos contra a guerra… a guerra é errada e temos de legislar a este respeito. No entanto, a guerra é inevitável, todos sabemos, temos por isso de arranjar uma solução para a tornar lícita e legal… temos de arranjar uma maneira para que a guerra não incomode terceiros e possa fazer-se da forma mais silenciosa possível.
Toda a gente na sala se agitou! Aquele homem não devia estar perfeitamente lúcido. Mas ele continuou:
- Sugiro que façamos, melhor aluguemos, grandes pavilhões longe das populações e quem quiser guerrear que entre nesses espaços. Temos de colocar um limite máximo de tempo que a guerra poderá durar (10 ou 12 semanas…. ou 20… isso depois poderemos discutir!) … O que importa agora é saber que nesses pavilhões as pessoas poderão matar, em condições de higiene e segurança e com acompanhamento médico. O problema da guerra fica assim automaticamente resolvido…
Esta será a solução para a guerra no futuro. Quem quiser guerrear basta ter vontade disso e deslocar-se a estes espaços. Assim a guerra será legal, digna e justa. Mesmo que não concorde os governos deverão usar os seus impostos para pagar o aluguer destes pavilhões...
 
Alguém me sabe dizer porque os blogues do "SIM" nao permitem comentários?

Também fazem birrinha como o primeiro ministro!?
 
INTRODUÇÃO

1. Objecto do presente artigo. – A propósito do aborto, no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro será posta a seguinte pergunta aos Portugueses: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?» Que havemos de responder? «Não». Porquê?

§ I - PARTE SISTEMÁTICA

2. O aborto: definição; distinções e classificações.

a) Definição de «aborto». – A palavra «aborto» provém do latim «abortus», que significa privação («ab») do nascimento («ortus, -us [orior]»).
Usualmente, o aborto é definido como a interrupção da gravidez antes que o feto atinja a sua viabilidade, quer dizer, antes que se torne capaz de vida extra-uterina independente. A definição é criticável: desde logo, porque a vida extra-uterina não se torna independente logo após o nascimento; além disso, porque os progressos da Medicina têm possibilitado a viabilização de fetos cada vez mais cedo.
A definição mais exacta de aborto é a seguinte: o aborto consiste na eliminação dum ser humano no período da vida compreendido entre a fecundação e o nascimento. Por aborto, pois, não se entende apenas a expulsão provocada do feto imaturo do útero: entende-se a morte procurada do nascituro, de qualquer maneira e em qualquer altura, desde o momento da concepção.

b) Distinções e classificações. – À luz da definição assim enunciada, o aborto distingue-se facilmente da morte fetal (natural), do parto prematuro, da aceleração do parto, do infanticídio, dos nados-mortos, etc..
Fazendo abstracção de questões terminológicas, segundo a lei, o aborto classifica-se como legal ou ilegal (clandestino); segundo a autoria, como directo ou indirecto; segundo o motivo, como involuntário (com ou sem culpa) ou provocado, e como espontâneo (ocasional e acidental ou habitual e repetido) ou terapêutico; segundo o prazo de gestação, como muito precoce (até às seis semanas), precoce (das sete às doze semanas), tardio (das treze às vinte semanas) ou muito tardio (após as vinte semanas).

3. Dados histórico-legais do aborto.

a) Em geral. – Desde os alvores da Civilização, a prática do aborto foi reprovada pelo Direito: começou por ser proibido na Babilónia, pelo Código de Hammurabi (1748-29 a. C.).
A primeira lei que aprovou o aborto foi a promulgada em 8 de Novembro de 1926 na União Soviética: qualquer mulher dentro dos primeiros três meses de gravidez podia abortar gratuitamente e sem restrições numa unidade hospitalar especial denominada «abortório».
Em Junho de 1935, na Alemanha nacional-socialista, a reforma da lei para a prevenção de doenças hereditárias para a posteridade tornou possível o aborto de mulheres consideradas «de má hereditariedade»: a decisão de abortar tinha de ser previamente aprovada por uma junta médica.
No mesmo ano, o aborto seria legalizado na Islândia; em 1937, na Dinamarca; em 1938, na Suécia; e, após a Segunda Guerra Mundial, em quase toda a parte.

b) Em Portugal. – Nem as Ordenações Afonsinas nem as Manuelinas nem mesmo as Filipinas previram pena especial para o aborto: o facto era considerado homicídio e punido como tal. Outra viria a ser a postura dos Códigos Penais de 1852 e de 1886.
O primeiro passo em direcção à legalização do aborto no nosso País foi dado pela Assembleia da República, com a aprovação do Decreto nº 41/III, de 14 de Fevereiro de 1984. O Tribunal Constitucional, por acórdão nº 25/84, de 19 de Março, não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 1º do Decreto, relativo à exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez.
O passo seguinte foi dado pela mesma Assembleia, com a aprovação da Lei nº 6/84, de 11 de Maio. O Tribunal Constitucional, por acórdão nº 85/85, de 29 de Maio, tampouco declarou a inconstitucionalidade dos artigos 140º e 141º do Código Penal, na redacção dada pelo artigo 1º da Lei, bem como dos artigos 2º e 3º dessa mesma Lei, que excluíam a ilicitude em certos casos de interrupção voluntária da gravidez.
O actual Código Penal, na redacção em vigor dos artigos 139º e 140º, comina a pena de prisão de dois a oito anos para quem fizer abortar uma mulher sem o seu consentimento. Quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma ofensa à integridade física grave da mulher, os limites da pena aplicável serão aumentados em um terço: a mesma pena é aplicável a quem se dedicar habitualmente à prática do aborto ou o realizar com intenção lucrativa.
A ilicitude do aborto está excluída pelo artigo 141º em quatro casos: (i) o do aborto terapêutico ou curativo, quando constituir «o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou a saúde física ou psíquica da mulher grávida»; (ii) o do aborto profilático ou preventivo, quando se mostrar indicado «para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez»; (iii) o do aborto eugénico, quando houver «seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou de malformação congénita», e for realizado «nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as "leges artis", excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo»; e (iv) o do aborto sentimental, quando a «gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas».
Em qualquer destes casos, o aborto tem de ser efectuado sob responsabilidade médica, em estabelecimento de saúde oficial ou considerado como tal, e com o consentimento da mulher. O consentimento, por regra, deve ser expresso; é presumível, em caso de urgência; para situações em que não seja eficaz (por menoridade ou inimputabilidade da mulher), pode ser substituído pelo do marido capaz não separado, ou pelo do representante legal, ou pelo de ascendente ou de descendente capaz, ou pelo de qualquer parente da linha colateral; e é dispensável, em caso de urgência e na falta de quem possa prestá-lo em substituição da mulher.

4. Dados estatísticos do aborto.

Ao contrário do que se quer fazer crer, a legalização do aborto não reduz as taxas de mortalidade materna. Mais de 50% das mortes maternas no mundo acontecem nos países que têm as leis menos restritivas do aborto. Nos chamados «países desenvolvidos», não há correlação entre a legalização do aborto e os índices de mortalidade materna.
A legalização tampouco reduz necessariamente as taxas de incidência do aborto. Nos Estados Unidos da América, foram praticados cerca de trinta e três milhões de abortos legais entre 1973 e 2000. A redução do número de abortos a partir de 1990 deve-se, especialmente, à implementação de leis em favor da vida em muitos dos Estados Federados.
No Reino Unido, o número de abortos legais aumentou 272% desde a sua legalização: na última década, o aumento foi de 17%. Só na Inglaterra e no País de Gales, foram praticados 185.415 abortos legais em 2004, ou seja, 2,1% mais que no ano anterior. No mesmo ano de 2004, a taxa mais alta de aborto deu-se entre jovens com dezoito a vinte e quatro anos: entre as adolescentes menores de dezasseis anos, deu-se um aumento de 6% em relação ao ano anterior. Em 95% dos casos, o aborto foi efectuado por razões de saúde física ou mental da mulher; e cerca de 1%, por razões eugénicas.
Na Espanha, uma gravidez em cada seis acaba em aborto. Passados vinte anos sobre a sua legalização, o número de abortos aumentou 400%. O aborto é a primeira causa de mortalidade do país. Foram praticados cerca de 80.000 abortos em 2000, ou seja, 10% mais que no ano anterior. Em 97% dos casos, a causa invocada para a prática do aborto foi a da «saúde materna», que abrange não só causas físicas como também causas psíquicas.
Resta dizer que «aborto legal» não significa «aborto seguro». As taxas de mortalidade são mais elevadas no aborto legal do que no parto. Um estudo levado a cabo por especialistas na Finlândia entre 1987 e 2000 concluiu que a taxa de mortalidade materna associada ao aborto é três vezes superior à associada ao parto.

5. Dados clínicos do aborto.

a) Métodos abortivos. – O aborto pode ser provocado de muitos modos. A escolha depende principalmente da legalidade do aborto, do prazo de gestação do nascituro, dos meios disponíveis, e/ou da preferência do médico e da mãe por um procedimento específico.
Usados nas primeiras duas semanas após a fecundação, porque actuam como antinidificadores, são de considerar igualmente como abortivos (precoces) o dispositivo intra-uterino («DIU») e os produtos hormonais, especialmente os que são administrados com esse fim após o coito (a «pílula do dia seguinte»).

b) Riscos do aborto provocado. – O aborto provocado é ou pode ser causa de complicações fisiológicas, psicológicas e psiquiátricas de menor ou maior gravidade para a mulher.
Entre as possíveis complicações fisiológicas, contam-se: a hemorragia severa, as infecções, o rompimento cervical, a perfuração do útero, a placenta prévia, a gravidez ectópica, e o parto prematuro. O aumento do risco do cancro da mama é uma outra possibilidade, que ainda está a ser investigada.
Das mulheres que abortam voluntariamente, 60% sofre de problemas emocionais relacionados com o aborto; e 30%, de problemas emocionais severos. O problema mais grave até agora detectado consiste numa modalidade do transtorno de stress pós-traumático (TEPT), o síndrome pós-aborto (SPA), que afecta, mais cedo ou mais tarde, 91% das mulheres que abortam deliberadamente.
O aborto provocado pode ter outras consequências psicológicas e psiquiátricas, dificilmente tratáveis senão mesmo irreversíveis, independentemente da atitude prévia da mulher sobre o aborto: o abuso de álcool, fármacos e drogas, a disfunção sexual, a depressão crónica a longo prazo, os maus-tratos infantis, os conflitos matrimoniais e o suicídio.
A propósito do suicídio, cerca de 60% das mulheres que sofrem de sequelas psicológicas após o aborto apresentam ideias suicidas: destas, 28% intentam suicidar-se pelo menos uma vez. Um outro estudo levado a cabo na Finlândia entre 1987 e 1994 constatou que a taxa de suicídios no primeiro ano posterior ao aborto é três vezes superior à da média feminina e sete vezes superior à das mulheres que deram à luz.

6. Dados sociológicos do aborto: causas do aborto.

As mulheres recorrem ao aborto, por diversas causas.
Umas, por causas de natureza pessoal: comodismo; medo da gravidez e do parto; aversão aos incómodos inerentes à criação dum filho; receio de dificuldades económicas e pedagógicas; …
Outras, por causas de natureza familiar: pressão dos maridos, dos pais, dos sogros; habitação de casas insalubres, limitadas, precárias; escassez de amas, de creches, de infantários; …
Outras, também, por causas de natureza social: ridicularização sistemática e generalizada da instituição da família tradicional e da figura da dona de casa; proliferação das campanhas contra a natalidade e as famílias numerosas; precariedade crescente do emprego e da habitação; penalização das famílias com mais de um ou dois filhos; passagem progressiva da mentalidade contraceptiva à mentalidade abortiva e consequente substituição dos métodos contraceptivos pelos métodos abortivos (aliás, contra as normas do Programa de Acção, aprovado pela Conferência Internacional das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento da Saúde em 1994, e da Plataforma de Acção de Beijingue, de 1995); …

7. Aborto, religião e política.

a) A religião e o aborto. – Consoante as confissões religiosas, a apreciação moral do aborto varia.
Numa síntese muito apertada do que ensinam as grandes religiões da Humanidade a este respeito, o Judaísmo considera que o nascituro adquire o estatuto de «pessoa» apenas com o nascimento completo e com vida: algumas correntes, porém, só admitem o aborto nos casos em que haja perigo para a vida da mulher. O Islamismo atribui ao nascituro um estatuto análogo ao dos animais ou das plantas até aos cento e vinte dias de gestação: mas, como no Judaísmo, correntes há que só aceitam o aborto nos casos em que esteja em perigo a vida da mulher. As confissões cristãs protestantes admitem o aborto com maiores ou menores restrições, à luz dos critérios da denominada «ética situacionista», de inspiração luterana.
No Budismo, uns consideram que o aborto é inadmissível porque é um acto que tira a vida a um ser; outros aceitam-no desde que não seja produto de inveja, gula ou desilusão, especialmente quando o nascituro tenha problemas de desenvolvimento ou quando a gravidez seja problemática para os futuros pais. No Hinduísmo, o aborto é qualificado como um acto abominável, sem mais.

b) A Igreja Católica e o aborto. - Desde sempre, a Igreja Católica tem ensinado que o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis. Este ensinamento foi ultimamente reiterado, entre outros documentos do Magistério, no Catecismo da Igreja Católica e no Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
À margem de discussões filosóficas e teológicas sobre o momento da animação do embrião, a Biologia considera que, no momento em que um óvulo é fecundado por um espermatozóide, surge um novo ser, completamente distinto da mãe e do pai tanto pelo código genético como pelos cromossomas. Ora, esse novo ser está ordenado a desenvolver-se como pessoa humana. Logo, a sua vida é absolutamente sagrada.
O aborto é, assim, um acto frontalmente contrário à fé católica. Por isso, o Direito Canónico continua a punir quem procura o aborto, se este se produz, com a pena de excomunhão. A excomunhão é "latae sententiae", quer dizer, automática, dada a extrema censurabilidade e o carácter amiudadas vezes oculto do acto. O aborto não consiste apenas na eliminação do fruto imaturo do ventre materno: consiste em toda a acção que, de qualquer modo e em qualquer altura, conduza à morte do nascituro, desde o momento da sua concepção. A pena não é aplicável apenas à mãe que mate ou faça matar o nascituro: é aplicável a todos os que intervenham no aborto.

c) A política e o aborto. – A apreciação moral do aborto também varia consoante as ideologias e os regimes políticos.
Nas chamadas «democracias ocidentais», a legalização e a promoção do aborto é defendida explicitamente em todos os programas dos partidos políticos que se dizem ser pelo menos «de (centro-)esquerda» e/ou «laicos», e por eles é sistemática e persistentemente propagandeada nos mais diversos contextos e lugares.
Os programas dos partidos que se dizem ser «de (centro-)direita», quando não são omissos no assunto, o mais que apresentam são propostas alternativas de ordinário bastante insípidas, as quais são por eles divulgadas muito timoratamente com o manifesto receio de perder votos em eleições.
Nos Estados Unidos da América, os movimentos "Pro-choice" (a favor do aborto) e "Right to life" ou "Pro-life" (contra o aborto) transformaram-se em grupos de pressão sobre o poder político, intervindo até nas próprias campanhas eleitorais com resultados apreciáveis. Há já movimentos do mesmo género em quase todos os países do mundo.

§ II - PARTE CRÍTICA

8. Preliminares. – No referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, para que os Portugueses respondam «não» à pergunta: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?», basta que recorram ao lume natural da razão. A razão humana, por si só, sem necessidade de recurso à Revelação Divina, é capaz de descobrir os fundamentos necessários e suficientes para adquirir a certeza de que a única resposta que se deve dar à pergunta é a negativa.

9. O estatuto antropológico do nascituro: exposição da doutrina.

a) Fundamentos científicos. – No estado actual dos conhecimentos científicos, está fora de qualquer dúvida que, desde o momento da fecundação, com o estabelecimento da informação genética, pela fusão dos vinte e três cromossomas provenientes da mãe (do óvulo) com os vinte e três cromossomas provenientes do pai (do espermatozóide), começa a viver um novo ser (o zigoto).
Os vinte e três pares de cromossomas, ou seja, os quarenta e seis cromossomas, com os respectivos genes, estão presentes em todas as células de cada ser humano, desde a fecundação até à morte, para o fazer desenvolver-se no espaço e no tempo e para defender a sua individualidade contra a acção desintegradora do meio ambiente e contra os factores negativos interiores do homem, como acontece em todos os seres vivos: estes são sistemas abertos em que a tendência para a desordem e o nivelamento, isto é, para o aumento da entropia, são contrariados por um princípio de ordem (contido nos genes ou cromossomas) que mantêm negativa a entropia.
Desde a concepção, o novo ser actua independentemente da mãe: começa e continua a dividir-se e a desenvolver-se durante o trânsito através da trompa até ao útero; e, a partir da nidação, é quem comanda a gestação até final, mobilizando para isso o corpo da mãe através das hormonas segregadas pela unidade feto-placentária.
A vida humana é, toda ela, uma realidade contínua de desenvolvimento, primeiro, e de decadência, depois: os únicos saltos qualificativos são a fecundação e a morte.

b) Fundamentos filosóficos. – O ser humano é uma pessoa, quer dizer, é uma substância individual de natureza racional.
O ser humano, enquanto substância, é composto de matéria (o corpo) e de forma (a alma). A alma une-se imediatamente ao corpo quando se dá a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Só assim se explica que o zigoto comece logo a dividir-se e a desenvolver-se e a viajar até ao útero para a nidação: um corpo sem alma é matéria inanimada e, portanto, é pura potência.
O ser humano, enquanto substância composta, é individualizado absolutamente e por si mesmo, quer dizer, é individualizado pela matéria (o corpo) e pela forma (a alma) em união. A forma é o princípio mais importante e suficiente para que o composto, como coisa individual duma certa espécie, seja considerado numericamente uno: certa alma não é certa alma por estar recebida em certa matéria; certa matéria é que é certa matéria por estar informada por certa alma. Só assim se explica que o zigoto de gémeos univitelinos tenha duas (ou mais) almas antes de se começar a dividir e a desenvolver; e que os siameses tenham duas (ou mais) almas apesar de partilharem uma parte do mesmo corpo.
O ser humano, enfim, é um ser contingente. Todo o ser contingente que existe, exige uma causa. A única causa eficiente do surgimento da vida do ser humano é a união imediata da alma ao corpo no momento da fecundação. A vida humana, a pessoa humana não surge, não pode surgir mais tarde: não se pode conceber um efeito melhor ou mais perfeito que a sua causa porque esta não pode dar o que não tem nem mais do que tem – numa palavra: o mais não vem do menos…
O argumento também vale para os materialistas, devidamente adaptado: a única causa eficiente do surgimento da vida do ser humano é a fecundação do óvulo pelo espermatozóide; ora, nenhuma causa pode dar o que não tem nem mais do que tem; logo, é inconcebível um efeito melhor ou mais perfeito que a sua causa; logo, a vida humana, a pessoa humana não surge, não pode surgir mais tarde do que a fecundação do óvulo pelo espermatozóide…

c) Resumo. – O ser humano é uma pessoa desde o momento da fecundação. Desde esse momento, qualquer aborto tem a malícia moral do homicídio, agravado pela inocência e pela impossibilidade de defesa do agredido. Em suma, o aborto é um homicídio proditório.

10. Ainda o estatuto antropológico do nascituro: doutrinas contrárias e sua refutação. – A doutrina que fica exposta é tão clara e evidente que não há dificuldades em rebater quaisquer doutrinas que lhe sejam opostas.

a) A doutrina da animação mediata do ser humano. – Tem por tese que só depois dalgumas semanas se verifica a animação, ou seja, o aparecimento da alma espiritual e, com ela, a pessoa. Foi defendida pelos partidários da doutrina do hilemorfismo.
É uma teoria antiga, hoje abandonada: funda-se num princípio falso de individuação e numa definição errada de pessoa; além de que desconhece os mecanismos da fecundação e, especialmente, o seu significado genético.

b) A doutrina da hominização retardada. – Dizem uns que podem distinguir-se, no processo que se inicia com a fecundação, certos momentos de importante relevância quanto ao estatuto antropológico do nascituro, devido à descontinuidade que significam nesse processo: assim, porque, até à nidação, é possível o fenómeno da gemelação ou formação de verdadeiros gémeos (univitelinos), é duvidosa a plena individualidade do nascituro e, consequentemente, o seu carácter pessoal nesse estádio. Acrescentam outros que há abortos espontâneos que se verificam nos primeiros dias de gestação, facto que torna improvável que os nascituros assim perdidos sejam já pessoas. Entre os defensores destas teorias contam-se certos autores alemães e o Comité Nacional de Ética de França.
A doutrina da hominização retardada mais não é do que uma reformulação da doutrina da animação mediata: funda-se, portanto, num princípio falso de individuação e numa definição errada de pessoa; além de que contradiz abertamente o princípio e as regras da causalidade.

c) A doutrina feminista. – Resume-se à frase: «a mulher tem direito ao seu próprio corpo». É defendida pelos partidários do feminismo radical.
Esta doutrina é indefensável a todas as luzes. Basta recordar que, desde a concepção, o novo ser actua independentemente da mãe: começa e continua a dividir-se e a desenvolver-se durante o trânsito através da trompa até ao útero; e, a partir da nidação, é ele quem comanda a gestação até final, mobilizando para isso o corpo da mãe através das hormonas segregadas pela unidade feto-placentária. Ora, a mulher não tem qualquer direito ao corpo do filho…

d) Outras doutrinas. – Há quem defenda que o nascituro só é pessoa quando (i) se dá a sua nidação; ou (ii) começa a bater o seu coração; ou (iii) começa a existir o seu sistema nervoso central; ou (iv) começa a ter reflexos e um EEG humano; ou (v) quando passa de embrião a feto com forma humana, com quase todos os órgãos formados ou em fases mais avançadas (nomeadamente do sistema nervoso); ou (vi) a mãe sente os seus movimentos; ou (vii) é aceite pela mãe ou é visto pelos pais e demais adultos; ou (viii) nasce completamente e com vida; ou (ix) depois de devidamente examinado a seguir ao nascimento, para se verificar se obedece às normas mínimas para tal.
Qualquer destas teses refuta-se com os mesmos argumentos com que se refutam as doutrinas da animação mediata e da hominização retardada. De resto, são teses que visam somente fundamentar a legalização do aborto pelo esquema dos prazos, não obstante já estar cientificamente demonstrado que os únicos saltos qualificativos que ocorrem no decurso da vida humana serem apenas a fecundação e a morte.

11. Sobre uma eventual colisão de direitos do nascituro e da mãe.

a) As denominadas «indicações médicas» para o aborto. – O preâmbulo da Constituição da Organização de Saúde, aprovada em 1946, definiu a saúde como «o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade».
De então para cá, têm vindo a ser admitidas um pouco por toda a parte sucessivas «indicações médicas», cada vez mais vagas e imprecisas, para a legalização o aborto.

b) Apreciação crítica. – A igualdade de valor de cada ser humano, independentemente do tamanho, da raça, da idade, da saúde, da ideologia ou da religião, é um princípio moral de carácter absoluto.
Por consequência, qualquer aborto é condenável, fora dos casos (i) em que o feto esteja morto ou virtualmente morto, ou (ii) em que o aborto seja indirecto, nomeadamente quando, por se encontrar em perigo tanto a vida da mãe como a vida do filho (que morreria com ela), for possível apenas salvar a vida da mãe.

CONCLUSÃO

12. Conclusão. – No referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, à pergunta: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?», os Portugueses devem responder, pura e simplesmente, «NÃO»!


Lisboa, 20 de Janeiro de 2007,


MENDONÇA CORREIA
Advogado (U.C.P. – F.C.H.)
Canonista (U.P.SA. – F.D.C.)

(*) Versão condensada dum estudo do autor, também intitulado «Aborto: o juízo final», in: http://www.vida.pt.vu/, e http://www.ucp.pt/site/custom/template/ucptplfac.asp?SSPAGEID=3936&lang=1&artigoID=5094
 
Se como o Baruch diz "recusa discutir", lá se vai o aconselhamento... bem me parecia que essa cortina de fumo não passava de neblina passageira...
 





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