O MEU NÃO (JORGE FERREIRA)

Depois de amanhã, pela segunda vez em nove anos, vamos votar para saber se o aborto continua a ser crime, salvas as excepções já previstas no artigo 142º do Código Penal, ou se, pelo contrário, a mulher passa a ter o direito, de exercício absolutamente livre, bastando a sua opção, de abortar até às dez semanas, em estabelecimento de saúde licenciado.

Eu voto não.

A vida humana intra-uterina é digna de toda a protecção jurídica e a sua violação, como a da vida em geral, é crime. E continuará a sê-lo. Se ganhar o não, tal como sucede hoje. Se ganhar o sim, a partir das dez semanas. A injunção moral da norma incriminadora, tão abjurada pelos partidários do sim, subsistirá a partir das dez semanas. O que os partidários do sim não conseguem é explicar qual o misterioso facto que justifica a abolição dessa injunção moral até às dez semanas.
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Diga-se, aliás, em abono da verdade, que todas as normas penais incriminadoras reflectem e exprimem uma moral, pelo que é absurdo o argumento que se deve votar sim porque supostamente o direito penal deve ser amoral, no sentido de que não deve projectar nenhuma consideração de natureza moral. Esta que está em discussão é de uma humanidade básica. Basta ouvir o que tem sido dito por vários partidários do sim acerca da vida humana intra-uterina. Melhor que eu eles fizeram uma feroz campanha pelo não. De pequeno rato a pinto, de coisa a um resto de período, de tudo se foi ouvindo acerca do feto. O problema é que a humanidade não vale só para quem aborta, deve também valer para um terceiro que, definitivamente, não pediu para existir.

Qual a diferença de um feto com nove semanas e seis dias e de outro com dez semanas e um dia? Ninguém explicou. Ninguém sabe. Como resolver com o sim o problema do aborto clandestino que subsistirá? Ninguém explicou. Ninguém sabe. E ninguém explicou porque a resposta à primeira pergunta é nenhuma e à segunda é não resolve. O que significa que as razões do sim subsistirão mesmo que o sim ganhe.

A opção que se coloca é a meu ver clara: ou se entende que a vida humana intra-uterina é digna de tutela penal e essa tutela terá de ter uma consequência penal ou então, desaparecendo essa tutela terá de desaparecer a consequência. O que não faz para mim sentido é a bizarria de querer criar um crime em teoria e um não crime na prática, por outras palavras um não na urna e um sim no Parlamento. O que retira conteúdo útil ao referendo é levar os cidadãos a votar numa solução, a qual depois não se aplica.

Duas palavras finais. O PS, o PSD e o CDS deviam ter vergonha de nada terem feito nos últimos anos para aplicar o que dizem ser necessário fazer para evitar o aborto. Todos estiveram no Governo, todos tiveram maiorias parlamentares e fizeram rigorosamente nada. Nem sequer foram capazes de estudar a realidade do aborto clandestino para se conhecer a verdadeira dimensão do problema. Por isso soam muito mal as lágrimas de crocodilo sobre a prevenção que esses três partidos agora choram.

Se o sim ganhar no domingo os partidários do não têm a estrita obrigação de continuar a lutar pela realização de novo referendo a realizar o mais tardar até 2016, que foi o tempo que durou o resultado do último referendo. Da mesma forma que os partidários do sim não descansaram enquanto não conseguiram realizar um novo referendo que desse a resposta que eles queriam que o outro tivesse dado.

Jorge Ferreira (publicado de hoje na edição do Semanário)

Comentários:
"Gostarias de ter sido abortado?"
Não, obrigado!

Não faças aos outros aquilos que não gostarias que te tivessem feito a ti!
 
Video inédito

http://www.youtube.com/watch?v=DfiLzxf1-xk
 
vale mesmo a pena... é so um minuto!

http://www.youtube.com/watch?v=DfiLzxf1-xk
 
É bom para um ateu como eu saber que (ainda) há católicos que têm uma ideia de sociedade tolerante.
 
eu como já disse e redisse vou votar sim, sem qualquer dúvida.
Acima de tudo porque não existe forma de alterar a convicção de uma mulher que por mais ajuda e alternativas que dermos, elas nunca deixaram de abortar e pensar que sim seria hipocrisia.
compreendo que podemos ajudar quem está em duvida, quem não tem hipoteses monetárias, mas e as outras?
E o que está em questão é a despenalização e não concordo que seja liberalização, mas mm que o fosse, votava sim.
Nunca uma mulher deverá ser penalizada, com prisão ou ajudas à comunidade, só porque não quer ter um filho.
O não defende a vida,acima da escolha da mulher, certo? então e uma criança vitima de violação, não é uma vida? uma criança com trissomia 21 não é uma vida? uma criança sem um braço, não é uma vida? onde reside a diferença, no que diz respeito à vida humana?
Na minha opinião são duas vidas em jogo e ai reside o direito de escolha da mulher (e só da mulher, pois é impossivel ser o homem a decidir ter um filho sem a aprovação da mulher).
E se realmente é homicidio voluntário deveria ser penalizada com 25 anos de prisão, alguem terá coragem de penalizar uma mulher por fazer um aborto de igual força do que matar uma criança já nascida?
Exige-se coerencia quando pensamos sobre esse assunto...
 
Rute, você já parou para pensar que este assunto tem centenas de respostas diferentes? Há muitos NÃOs, muitos SIMs, muitos NIMs, muitos que não sabem o que pensar. Se há coisa que transparece em todos os inquéritos são diferentes ambiguidades, opiniões, pontos de vista, etc. Você chama "coerência" aquilo que lhe parece a si, outras pessoas acharam descabido. Há quem ache 25 anos até muito acertado e há quem coma bébés com batatinhas. Depois do que você disse, não me diga que lhes vai impor o seu ponto de vista sobre o que é "coerência"?!

Dado isto, não lhe parece que o mais justo é haver uma lei que tente um compromisso entre todas as susceptibilidades? Eu acho que aquilo a que você chama falta de coerência na lei não é mais que um reflexo da complexidade estampada na própria sociedade, i.e. se a lei não é radical, como propõe a sua "coerência", é porque é de algum modo equilibrada e considera existirem situações de excepção razoáveis. O que o SIM quer é desiquilibar o fiel da balança, que aborto livre a pedido sem dar cavaco a ninguém e pago pelo erário público nem que isso ofenda metade da população/contribuintes.
 
Uma das defesas do "Não" mais coerentes que ouvi nos últimos tempos.
 





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