Postas Pescadas - VIII

Ainda da Dra. Cristina Líbano Monteiro, agora sobre o aconselhamento de grávidas.

Aconselhamento: o «não» ainda é diferente do «sim»---

Os defensores da «despenalização/descriminalização» da IVG até às dez semanas de gravidez parecem ter descoberto agora que afinal a bondade da solução que propugnam está em que dessa maneira se evitam abortos. E como todos os portugueses estão de acordo em que o aborto é uma coisa má, então todos deveriam votar «sim». Não se percebe, portanto, por que requintes de malvadez ainda existe quem pretenda meter mulheres na prisão.
Torna-se realmente difícil de entender a atitude dessas pessoas. Sobretudo tendo em conta que muitas delas gastam horas da sua vida e euros do seu bolso na tarefa de aconselhar e apoiar milhares de mulheres grávidas por esse país fora, em situações difíceis de variada índole. E continuam a apoiá-las quando já não estão grávidas, por terem recorrido ao aborto e verificado que as dificuldades continuam e que a IVG não era a solução fácil por que ansiavam. Dito de outro modo: não se compreende por que razão quem mostrou um tal grau de cuidado e solidariedade para com a mulher grávida em aflição viria depois a desejar-lhe um suplemento de dor: as agruras de um processo penal e de uma eventual condenação.
Recapitulando. Os apoiantes do «sim» realizaram agora que talvez fosse interessante preocuparem-se com as concretas mulheres que abortam, oferecendo-lhes aconselhamento antes da IVG em centros criados para o efeito. O raciocínio pode, à primeira vista, encantar e comover até. À parte o pequeno pormenor de o PS — o grande descobridor desta realidade — ter retirado recentemente, à socapa e sem explicar porquê, o artigo do projecto de lei da IGV que previa uns centros de informação à mulher grávida antes do acto abortivo; à parte este pormenor estranho em gente tão devota deste cuidado prévio, dizia-se, seria de louvar a mudança de atitude. O problema é tudo isto não passar de uma falácia. Se não, repare-se.
Unir o modelo do aconselhamento à proposta de «despenalização» constitui, em qualquer país europeu que o preveja, um mal menor e, sobretudo, um modo de cumprir porventura os requisitos mínimos para que a nova lei não venha a ser julgada inconstitucional, por total e completa desprotecção da vida humana nas primeiras semanas de gravidez.
Como se torna evidente, o aconselhamento a grávidas em situação difícil em nada depende de uma lei «despenalizadora». Aliás, bem o demonstra o número de centros de aconselhamento existentes por esse país fora, criados e a funcionar em tempos de aborto «penalizado». E, ainda que a prática o não ensinasse, sempre a mais elementar lógica o sustentaria. Escutar e aconselhar, interessar-se «desinteressadamente», com garantia absoluta de privacidade e anonimato, pôr ao serviço da mulher grávida toda uma rede de cuidados, independentemente do tempo de gestação do feto (não só até às dez semanas); todo este ambiente não institucional, antes familiar e amigo, parece bem mais propício a um verdadeiro acolhimento que leve à abertura e à descoberta de autênticas soluções do que um centro de aconselhamento de passagem obrigatória — imposto por lei para quem deseje abortar.
Não foi a lei penal que inventou o aborto provocado, para depois o criminalizar. Tão-pouco foi o movimento de descriminalização que o descobriu, para o eliminar da lei penal. O aborto provocado é uma realidade dolorosa, tão antiga como a própria humanidade. Um mal que, por o ser, mereceria desaparecer do mundo da vida, coisa mais difícil e exigente do que fazê-lo desaparecer do mundo da lei.
Combater, ao lado da mulher grávida, as circunstâncias ásperas que a levam a pensar no aborto, i.e., praticar o autêntico aconselhamento solidário, é combate de que a proibição penal se mostra aliada, não inimiga.
Talvez agora se perceba melhor o aparente paradoxo de que se falava ao início. Afinal, vota «não» quem percebeu há mais tempo que a «despenalização» não descobriu nem facilita a prática do aconselhamento mais próximo da mulher grávida. Mais ainda. O «aconselhamento do ‘não’» permanece, solidário e eficaz, para além das dez semanas: pode abranger, se necessário for, toda a vida de mãe e filho — também após o corte do cordão umbilical.

Cristina Líbano Monteiro

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